The Project Gutenberg EBook of Nas trevas, by Camilo Castelo Branco This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: Nas trevas Sonetos sentimentaes e humoristicos Author: Camilo Castelo Branco Release Date: January 13, 2011 [EBook #34952] Language: Portuguese Character set encoding: ISO-8859-1 *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK NAS TREVAS *** Produced by Pedro Saborano Camillo Castello Branco NAS TREVAS _Sonetos sentimentaes e humoristicos_ _LISBOA_ LIVRARIA EDITORA, TAVARES CARDOSO & IRMÃO 6, LARGO DO CAMÕES, 6 -- 1890 NAS TREVAS Camillo Castello Branco NAS TREVAS _Sonetos sentimentaes e humoristicos_ _LISBOA_ LIVRARIA EDITORA, TAVARES CARDOSO & IRMÃO 6, LARGO DO CAMÕES, 6 -- 1890 Typ. Christovão--60, Rua de S. Paulo, 62 _Á memoria immaculada do Conde de S. Salvador de Mattosinhos, consagra o author estas derradeiras pulsações da sua vida litteraria._ Nota Illustrativa No soneto XVI d'esta collecção, dirigido ao sr. conselheiro e ministro d'estado honorario Thomaz Ribeiro, a posteridade, louvando o caracter honesto d'este funccionario, invectiva indirectamente a probidade de muitos comtemporaneos d'aquelle honrado secretario d'estado. Os versos dignos de reparo são estes: «Dirão de ti as porvindouras eras: «Ministro pobre em Portugal!... Chimeras! «Ou viveu farto, ou nunca foi ministro..» Eu já respondi á posteridade injusta nas paginas d'um livro provavelmente esquecido: «_Maria da Fonte_:» «O bispo de Vizeu, algumas vezes ministro, quando estava no poder, cedia os rendimentos da mitra e não podia sustentar dois sobrinhos em Coimbra por falta de meios; e por sua morte, o espolio da guarda-roupa prelaticia eram dois pares de calças, umas muito no fio, outras com fundilhos. Antonio Rodrigues Sampaio um luctador de meio seculo, legou á sua familia um miseravel monte-pio. O conde de Thomar estava pouco menos de pobre quando o conde de Ferreira lhe legou cem contos. E a alma immaculada do gentilissimo duque de Loulé? E o austero duque d'Avila encouraçado de commendas e cruses para que o demonio dos maus pensamentos lhe não penetrasse no peito? E Rodrigo da Fonseca, rival de Passos Manuel no desinteresse? E Fontes Pereira de Mello, invulneravel em pontos de honra, como Anselmo Braamcamp? Antonio de Serpa, Mendes Leal e Andrade Corvo, quando deixaram de ser ministros iam ganhar a sua vida no jornalismo e no magisterio, e saldar com esses mesquinhos salarios as suas dividas contrahidas no poder. E Lobo d'Avila, um destro gymnasta do talento que se tem dado por bem pago com a benemerita reputação de muito esperto? E Latino Coelho? um ministro que, em materia de ladroagem, só correu eminente risco de ser roubado nos diamantes do seu estylo, se se demorasse no gabinete a ler e a subscrever portarias bordalengas? E o lovelaciano Barjona, grande salteador de corações incautos e mais nada? Não se viu Thomaz Ribeiro, quando largou segunda vez a pasta, abrir escriptorio de advogado? E Lopo Vaz, que tem sahido do governo mais illibado e menos martyr do que sahiu do governo da India outro Lopo Vaz, seu problematico avô? Pinheiro Chagas escreve correspondencias para o Brasil e artigos avulsos nos jornaes litterarios afim de conservar a velha freguezia dos seus admiradores. José Luciano de Castro acinge-se ás restricções de uma austera parcimonia, para educar os filhos com o seu patrimonio. Ao Conde de Casal Ribeiro perguntem-lhe por metade dos seus haveres! * * * * * Outro soneto que remetti ao meu amigo Thomaz Ribeiro era acompanhado de algumas quadras significativas da conformidade com que eu me recolhi ás minhas trevas como d'antes ao meu gabinete de trabalho cheio de luz. A imprensa jornalistica, transcrevendo essas singelas coplas, revelou, de par com o sentimento da commiseração, uma especie de contentamento pela ressurreição da minha alma n'este mundo escuro em que a saudade da luz faz o milagre de me representar por momentos as coisas tragicas e as risonhas da minha vida passada. Aqui estão as quadras que eu não posso estremar dos outros versos meditados na minha longa e já agora perpetua escuridade. *A Thomaz Ribeiro* Se cá vens jantar, meu anjo! Dou-te o esplendido soneto, Que n'esta data remetto, E talvez te faça arranjo. Uma prenda caprichosa Dá-se em mim e não t'a nego: É que depois que estou cego, Já não sei fallar em prosa. Tem delicias esta cruz Feita de pranto e poesia! Ah! que estranha anomalia... Quanto mais trevas mais luz! Homero, Milton, Castilho, Portentos d'inspiração, Acharam na escuridão Sóes d'eterno e immenso brilho. Poetas epicos d'Iliadas Temos duzias; mas eu colho Que tinha apenas um olho O que escreveu os _Lusiadas_. Quando regressou da Persia, Um perfeito proletario! Touxe um olho solitario Sempre a chorar por Natercia. Tivesse elle olhos normaes, Com algumas Inscripções, Faria chilras canções Sonetos e madrigaes. Assentemos sem refolhos Que não seria o cantor Do feroz Adamastor Se possuisse os dois olhos. Por que Deus, quando escurece A luz brilhante de fóra, Faz repontar nova aurora Dentro d'alma que amanhece. Seja pois abençoada A Providencia divina Que apagando-me a retina Me fez da treva, alvorada! Se eu tiver um cenotaphio, Em que caibam tres palavras, A ti te rogo que as abras Com este humilde epitaphio: «Venceu emfim as procellas «E o pavor da escuridade! «Dai-lhe a vossa claridade, «Ó lucilantes estrellas! O soneto relativo ao sr. Oliveira Martins não carece de prosa que o desculpe. Este eminente escriptor e fecundissimo talento sabe, ha muitos annos, quanto eu admiro as suas aptidões litterarias e virtudes civicas. Esses versos foram ditados no dia em que se esperava a nomeação de S. Ex.ª para os conselhos da corôa, onde o discreto publicista não quiz subir, para não descer. A flecha da satyra pode alvejar certos homens porem não os fere. A couraça do talento, retemperada pela honra, é impenetravel. * * * * * O soneto _Te-Deum Laudamus_ d'esta collecção necessita de esclarecimentos que me absolvam da culpa da maledicencia. Eu não tive em vista satyrisar nem sequer ligeiramente melindrar o cavalheiro protogonista d'esse inoffensivo poemeto. Destinei enviar a um jornalista eminente o soneto com uma carta que lhe tirasse as asperesas da mordacidade. Não sei que motivo se deu para que as rimas ficassem até agora ineditas. Isso não impede que os versos e a prosa sejam publicados. Dizia assim a carta: «Considero com respeitosa admiração as faculdades civicas e os talentos do sr. conselheiro Marianno de Carvalho. Ha-de haver 15 annos que Antonio Augusto Teixeira de Vasconcellos m'o assignalou como o mais esperançoso luctador da arena politica. «Li muitos dos seus artigos humoristicos onde achei confirmado o vaticinio do grande mestre da polemica e da critica. «Congratulei-me com os amigos de S. Ex.ª quando, ha poucos dias, uma eventualidade auspiciosa o salvou do desastre d'um descarrillamento na via ferrea d'Hespanha. «Assisti espiritualmente ás missas que se resaram em acção de graças por esse motivo. V. Ex.ª sabe que no amago das coisas mais serias e graves ha sempre um sedimento comico, o qual, bem esgaravatado, apparece. Este meu soneto, é o sedimento metrificado em rimas ordinarias e pouco felizes. Eu me persuado que o alto espirito do sr. Marianno de Carvalho se riu das taes missas, primeiramente que eu. Essa luminosa pratica do Catholicismo, que enveste Nosso Senhor Jesus Christo da qualidade, pouco divina, de fiscal e arbitro dos desastres em caminhos de ferro, figura-se-me um contra-senso prehistorico a todas as religiões conhecidas. Seria para mim um germem de revolta e descrença na suprema justiça, saber eu que o sr. conselheiro Marianno de Carvalho saiu do descarrillamento illeso de perigo, sem uma ligeira escoriação na sua epiderme, tendo-me succedido ha 9 annos sahir d'igual desastre com a cabeça oito vezes fendida. Não me posso convencer de que Sua Divina Magestade revellasse tamanha ausencia de imparcialidade, como architecto supremo que dirige as cousas do Universo, e principalmente as que em Portugal respeitam ao sr. Marianno de Carvalho e a mim, quando viajamos. Seja como fôr, desejo ardentemente que o sr. conselheiro, dando-me a honra de ler este soneto, haja por bem de o applaudir com um sorriso.» * * * * * O Soneto: _Logica de ferro_, foi enviado com a seguinte carta a um jornal que o regeitou como inconveniente e desorganisador do systema de convenções methodicas em que todos estamos mais ou menos illaqueados. «Mande publicar o soneto que lhe envio, senão fôr hostil ás suas opiniões theologicas, em tal assumpto. Eu por mim, pendo a favor do Patriarcha, padre catholico, na linha recta dos seus deveres, entre os SS. PP. e os concilios. Aquelles que invectivam o Cardeal, e ao mesmo tempo promovem suffragios por alma d'El-Rei, não digo sejam hypocritas; mas aproveitam a methaphysica do catholicismo para alardearem um espalhafato de piedade. «O padre catholico opera convicto e por consequencia correcto. Os outros servem-se da religião theatralmente. Como quer que seja, eu me persuado que El-Rei D. Luiz I está serenamente recostado no seu leito de marmore no Pantheon de S. Vicente de Fora; e quem se lembrar da bondade da sua alma, no transcurso de 28 annos de prospero reinado, presta á sua memoria a mais sagrada homenagem com que os vivos podem suffragar os mortos.» SENTIMENTO I O Conde de S. Salvador de Mattosinhos O conde entrou no albergue arruinado De S. Miguel de Seide. Era anciosa A vida que eu vivia tormentosa, Á cegueira fatal já condemnado. Eu vi-lhe o coração bondoso e honrado Na face ingenua e triste e maviosa; Pulsava n'elle a nota dolorosa Do estranho soffrimento recatado. Chorava ao despedir-se. Era a tristeza De me deixar na formidavel presa Da treva, em quanto a morte a não dissolve. Partiu chorando. E nunca mais nos vimos. Mortos! Ao mesmo tempo, ambos cahimos Na eterna escuridão que nos envolve. II Visconde de Benalcanfor Já morto! Dilacera-me a saudade. Não tenho mais ninguem d'aquelles dias De ephemeras, vibrantes alegrias, Que me illumine a escura mocidade. Que ridente e subtil jovialidade! Que brilhantes hyperboles fazias, Com graça encantadora, quando rias Dos sérios carnavaes da sociedade! A dor de envelhecer não a venceste; Pois que do coração sempre viveste, Matou-te finalmente o coração. Vencido luctador, meu pobre amigo, Desde hontem que tu dormes no jazigo O sinistro dormir da podridão. III A maior dor humana (Na morte quasi simultânea dos dois filhos unicos de Theophilo Braga) Que immensas agonias se formaram Sob os olhos de Deus! Sinistra hora Em que o homem surgiu! Que negra aurora, Que amargas condições o escravisaram! As mãos, que um filho amado amortalharam, Erguidas buscam Deus. A Fé implora... E o ceu que respondeu? As mãos baixaram Para abraçar a filha morta agora. Depois, um pai que em trevas vae sonhando, E apalpa as sombras d'elles onde os viu Nascer, florir, morrer!... Desastre infando! Ao teu abysmo, pai, não vão confortos... És coração que a dôr impedreniu, Sepulchro vivo de dois filhos mortos. IV Luiz--O Bom Quando El-Rei D. Luiz for accolhido Aos penetraes da escura eternidade, Será pungente a funeral saudade Que mais pondera e chora o bem perdido... Não houve em seu reinado um só gemido De guerra fratricida! A Magestade, Passando o sceptro ás mãos da Caridade, Baixava ao lar sem pão, do desvalido. Senhor! deram-te as lettras ledos dias, E as intimas, supremas alegrias De quem trabalha--Eterna e sancta lei! Revives na saudade, alma serena! Se a patria em que reinaste era pequena, Fôras em maior reino um grande rei. V Lagrimas Senhora! em vosso rosto macerado Transluz da alma afflicta a immensa dôr! D'um lado, a morte; do outro, o vosso Amor Tremenda lucta ao pé do Esposo amado! Contaes as pulsações do peito anciado Em estos convulsivos do estertor; Só podem vossos labios dar calor Áquelle corpo inerte, hirto, gelado. Vós bem vêdes, Senhora, este quebranto Que enluta Portugal! Ergue-se o pranto, Quando a morte do Paço se avisinha... Pois quanto uma nação póde soffrer Não tem o acerbo e intenso padecer Das vossas sanctas lagrimas, Rainha! VI Corôa de espinhos Das trevas d'alem-mundo o esposo amado, Rainha, é Rei comvosco! Inda reinaes, Que o vosso throno assenta em pedestaes Dos corações que tendes conquistado. Mas que delicias tem esse reinado?! Senhora, alguma vez não invejaes Os remançosos dias sempre iguaes, D'um doce egoismo calmo e recatado? Reinar!... reinar chorando a cada hora! O vendaval da dôr que ruge fóra E a propria dôr!... Chimeras dolorosas! Ha tanto abysmo em flóridos caminhos... O diadema de Christo era de espinhos!... Sagradas sois, corôas tormentosas! VII Velhos problemas sagrados Pergunta-se á divina Providencia Que segredos são estes do Destino? Ha vidas triumphaes: parecem hymno Sem nota de penosa intercadencia. Mimosas em regalos d'opulencia, Não soffrem o revez d'um desatino: Se o buscam, acham sempre o Velocino, Sem medo que naufrague a consciencia. Outros vão sobre espinhos arrastados Pela mão da Virtude, acorrentados Aos preceitos sanctissimos do Eterno! Quem deu á infamia vida tão folgada? Quem dilacera a honra? É Deus ou Nada? Responde, Excelso auctor do meu inferno! VIII Rachel Libavas, borboleta, a flôr da vida No parque ameno d'ideaes chimeras. Que seja amor, não sabes; mas esperas Vencer captiva, e captivar vencida. Chega a paixão... Retraes-te espavorida! Saudade tens das quinze primaveras, Em que, menina e moça, amada eras, Sempre isenta, risonha e distrahida. Vence a paixão... E o teu anjo innocente, Desligado de ti, mésto e dolente, Regressa para o ceo; mas vai chamando-te... Não foste! És presa á minha desventura! Em grande amor te dei grande amargura... Fui teu verdugo, mas verdugo amando-te. IX Alexandre da Conceição Bem me lembra que o vi, na juventude, Rosado pela aurora d'essa idade. Eram prismas d'amor e d'amisade Os carmes do seu mystico alahude. Sendo fatal que degenere e mude A crença, o affecto e o bem da mocidade, Sangram-lhe o peito espinhos de vaidade, Nos arranques da briga azeda e rude. Mais tarde o encontrei. Já era o homem Ralado por desgostos que consomem, E põem na face um gesto acre e severo. Se o seu bondozo riso era apagado, Restava-lhe este honroso predicado: Prégando o Socialismo, era sincero. X Paciencia Quem pode conceber que Deus creasse Tanta obra perfeitissima, esmaltada Pelo espaço infinito, e a desgraçada Raça humanal de imperfeições manchasse? Quem pode conceber o acerbo enlace De miserias que esmagam, condemnada A creação mais nobre, atormentada Desde o berço até ás ancias do trespasse? É certo que as desgraças são enormes; Mas tu, Deus abscondito, não dormes, Quando eu te invoco a divinal clemencia. Ao dar-me as penas com que me torturas, Um thesouro me deste de venturas: Chama-se este thesouro a PACIENCIA. XI Veterano Sensiveis corações, ouvi meus brados! Nasci lá nas montanhas de Barroso. Meu pae foi um pastor libidinoso, Que brutalmente fez alguns peccados. Foi minha mãe pastora de cevados. Morreu quando eu nasci; mas tão mimoso Que foi meu berço! um antro penhascoso... Setenta e quatro annos são passados. Soldado fui; servi, em Caçadores, Dois amos, ambos elles _mais peores_: Um era D. Miguel; o outro, o irmão Metteram-me tres balas n'este flanco... Bem me custa, arrastado, andar tão manco De porta em porta a mendigar o pão. XII Scena trivial Este homem que me vem pedir esmola, Muito bem conheci, galhardamente Vibrando o pingalim no dorso ardente Dos seus nedios frisões. Fez alta escola. Quando o fulvo ginete encaracola E assesta o seu monoculo insolente Nas timidas donzellas, cuida a gente Que João Tenorio a virgindade assola! Que descalabro é esse em que se liga Este esqualido velho que mendiga Ao dandy esvelto e triumphal que eu vi?! Inquiro o desabar em tal miseria... Responde: «Essa pergunta será séria? «Fui rico, hoje sou pobre...» Ah! percebi... XIII Alcacer Kibir Verdugo, que esmagaste a India aos pés Eis aqui, Portugal, o que tu fôste! Repulsivo morphetico d'Aoste... Eis aqui, Portugal, o que tu és! Os Gamas, Albuquerques e Sodrés, Alçando a cruz em sanguinoso poste, Bradam ser Christo o general da hoste, Se os povos sangra o ferro portuguez. Terrivel vae mostrar-se a Providencia, Arrancando das mãos da prepotencia A levantina raça acorrentada. India, escrava gentil, espera um pouco... Lá vem sobre Marrocos um rei louco... Eis Alcacer-Kibir! estás vingada. XIV Jorge Constantemente vejo o filho amado Na minha escuridão, onde fulgura A extatica pupila da loucura. Sinistra luz d'um cerebro queimado. Nas rugas de seu rosto macerado Transpira a cruciantissima tortura Que escurentou na pobre alma tão pura Talento, aspirações... tudo apagado! Meu triste filho, passas vagabundo Por sobre um grande mar calmo, profundo. Sem bussola, sem norte e sem pharol! Nem goso nem paixão te altera a vida! Eu choro sem remedio a luz perdida... Bem mais feliz és tu, que vês o sol. HUMORISMOS XV Critica do auctor Estes velhos sonetos não rutilam Brilhantes Documentos sociologicos, Nem modernos processos biologicos, Leis que os vates senis não assimilam. Abundam lentejoulas que scintillam Disfarçando microbios pathologicos, Fermentações de vicios phisiologicos, Basofias anormaes, lesões que opilam. Escreve alguem: «Quem reina é Sancho Pança.» Serodio D. Quixote, jámais podes Sanar a podridão que avulta e avança. Se os preconceitos, velho, não sacodes, Se não deixas de ser sempre creança, Fazem-te o que ás creanças fez Herodes. XVI Thomaz Ribeiro Ao cantor de _D. Jayme_ era ousadia Dedicar uns insipidos sonetos, Bem pallidos, mesquinhos esbocetos Dos _Ridiculos_ grandes d'hoje em dia. A ti que illeso passas n'esta orgia, Modesto, honrado e amado, que amulêtos Te salvam d'estes pantanos infectos Em que chafurda a esqualida anarchia? Tantas vezes Governo!... E não tens pejo De ser pobre, ó Thomaz ?... Isto que vejo Me inspira o vaticinio que registro: Dirão de ti as porvindouras eras: «Ministro pobre em Portugal! Chimeras!... «Ou viveu farto, ou nunca foi ministro!» XVII Remorso Eu choro quando, ás vezes, me concentro A meditar nas horas malogradas, Noites de inverno, gelidas, passadas Nos Carnavaes rhetoricos do Centro. Convidam-me a ser socio. Acceito e entro, Deixando solitarias, consternadas, Três Marilias que amei! Estaes vingadas! Remorsos me excruciam cá por dentro. Dizia-me um _dynastico-esquerdista_: «Prepara-se você para estadista? «Aspira a ser ministro? A escola é esta.» Pois, senhores, dez mezes decorridos, Bom politico, em todos os sentidos, Sahi do Centro, mas sahi mais besta. XVIII Te-Deum Laudamus Vai grande barafunda lá no Empyreo! Acaba de chegar um estafeta, Que diz ser natural d'este planeta, E as noticias que dá causam delirio. Formou-se logo um luzitano cyrio; E o Marquez de Pombal, lendo a gazeta, Fita em Garrett a celebre luneta E diz: «Veja, collega, este martyrio! «O nosso Portugal tornou-se um Congo!... «Resam missas Lisboa e mais Vallongo, «Por que um feliz descarrillou sem damno. «Recebo agora officio do governo, «Pedindo-me agradeça ao Padre Eterno «O favor de salvar o Marianno.» XIX 7:500 contos Finou-se em França, ha pouco, um millionario Nascido em Portugal.--Honra é dizel-o! Sahindo d'um cardenho de Lordello, Foi no Brasil doutor e boticario. Não tem seu nome algum Nobiliario; Não foi conde sequer, ou não quiz sel-o, Qual outro seu collega, do Restello, E outros mais fidalgos d'Hervanario. Seu nome é conhecido em toda a Europa; Que um tal Nababo rara vez se topa Com opulencia tal, mais que aziatica! Tendo quinze milhões, soffria um mal Rebelde ao milagroso capital... Morreu d'uma anazarcha aneurysmatica. XX Lua de mel Aquelle teu amigo de Peniche Casou, já sabes? Com a «Celidonia», Horisontal, (_hectaira_, em lingua jonia) De labio rubro e olho d'azeviche. Naufragou muitas vezes no beliche De notaveis pilotos da Parvonia; Vogou desde Monção á Patagonia, E, voltando, não topa onde se aniche. Emfim, com sete filhos engeitados E os musculos bastante escanifrados, Pilha um palerma que jámais lhe escapa! São noivos. Vão _fazer a lua_ em Cintra. Pergunta agora tu ao tal pelintra Se a lua foi de mel ou de jalapa. XXI Messias Oliveira Martins, por toda a parte, Se augura que será novo Pombal! Vou dar-lhe uns leves toques d'immortal N'um soneto pomposo, primor d'arte! Prostrada Lusitania, irmã de Marte, Emerge d'este podre tremedal! Levanta-te, caduco Portugal, Que os philtros do Martins vão remoçar-te! Ouvides estrallar o Terramoto? O sangue dos ladrões, continuo moto, Já faz nas praças charcos e meandros! Ministro redemptor, não retrogrades! Se Joaquim d'Aguiar foi _mata-frades_, Sê tu, bravo Martins, _mata-malandros_. XXII Portugal Contemporaneo Não se olvidem jámais os casos serios, E as epicas façanhas dos Archontes! Ó Musa da calumnia, não me contes, D'esta luza Calabria altos mysterios. Fulminavam-se outr'ora os ministerios, Porque tinham ladrões; depois, o Fontes, Rasgando á patria novos horisontes, Exterminou os Verres deleterios. Sumiram-se os fataes homens sinistros! Já não são sacerdotes os ministros Do vil bezerro d'ouro, ou da bezerra. No tocante a ladroes, não ha nenhum; Já não se encontram três, nem dois, nem um... No pinhal da Azambuja e na Falperra. XXIII Logica de ferro Nas bemaventuradas regiões, Onde existe do mundo o Directorio, Não entram almas sem, no Purgatorio, Purgarem a peçonha das paixões. Que são indispensaveis orações, Em desconto das culpas, é notorio; Dil-o Affonso Maria de Ligorio, Confirma-o Frei José dos Corações. Arguir de fanatismo o Patriarcha É sandice ou má fé que excede a marca: É não saber do Cathecismo a lei. Se entendem que o bom Rei já vive em gloria, De que serve essa vã Deprecatoria De suffragios e missas pelo Rei? XXIV Aromas Meu lindo Portugal, mina de heroes, Ser teu filho é bem bom, e até bonito! Percorre a gente as ruas sem apito, Sobraçando os pacatos guardas-soes. Matronas de comprados caracoes, Que ao ceu não vão de certo com palmito, Se, primeiro, parecem de granito, De borracha é que são; mas é depois... Ha povos que se nutrem só de flores, É Camões quem o diz. Tambem Lisboa, Vapora fragrantissimos odôres. Mas eu não sei dizer-lhes, meus senhores, Se os taes cheiros são coisa má ou boa: Sei que é d'elles que vivem os auctores. XXV Lisboa bucolica Na lusa Babylonia ha parvoices Atavicas, talvez; pois bons auctores Carimbam de sandeus os fundadores, E chamam parvo ao seu caudilho Ulysses. Assim começa o rol das taes tolices: Familias vão, nos mezes dos calores, Refrigerar no campo os seus ardores, E haurir das frescas brisas as meiguices. Alugam-se uns casebres purulentos, Onde os ratos vorazes e macrobios Esfarelam a dente os vigamentos. Mettidas n'esses fetidos cenobios, Depois de incalculaveis soffrimentos, Voltam do campo cheias de microbios. XXVI A outra metade Quando este corpo meu esfacellado Baixar á leiva humida da cova, Hão-de os jornaes carpir a infausta nova, Taxando-me de sabio consumado. Estalará na imprensa enorme brado, Pedindo a resurgencia d'um Canova, Que a morta face em marmore renova Para insculpir meu busto laureado. E algum dos imbecis necrologistas, Com soluçantes vozes de saudade, Dirá em ricas phrases nunca vistas: «Esse genio immortal, rei dos artistas, «No ceu pede ao Senhor que a _outra metade_ «Reparta por vossês, ó jornalistas!» XXVII Comedia humana Litteratos! chorai-me, que eu sou digno Da vossa gemebunda e velha tactica! Se acaso tendes crimes em grammatica, Farei que vos perdoe o Deus benigno. Demais conheço a proza inflada, emphatica, Com que choraes os mortos; e o maligno Desaffecto aos que vivem... Não me indigno... Sei o que sois em theoria e em practica. Quando o avô d'esta vã litteratura Garrett, era levado á sepultura, Viu-se a imprensa verter prantos sem fim... Pois seis dos litteratos mais magoados, Sahiram, n'essa noite embriagados, Da crapulosa tasca do Penim. XXVIII (Recordação dos 9 annos) Ao visconde d'Ouguella Nós aprendemos juntos a grammatica Do insigne e facundissimo Lobato. O nosso pedagogo intemerato Nos _Calafates_ fez resurgir Attica. Afora esta funcção assaz sympathica O mestre era guerreiro; e o desbarato Que fez nos miguelistas, não relato, Que eu da guerra civil detesto a tactica. Devemos-lhe os segredos do _dativo_ E os mysterios do occulto _adjectivo_ E os do _supino_, e mais coisas supinas. Visconde, é gratidão dizer ao mundo Que quem nos deu o litterario fundo Foi mestre João Ignacio Luiz Minas. XXIX Triumphos da eloquencia Se o bruto (_b_ pequeno) desalforja, Desbragadas injurias nos comicios, Contra argentarios, padres e patricios, Explue nos olhos crispações de forja. Esmurra o peito e jura pela gorja, Que o Vaticano cai podre de vicios. Se pede para os reis forcas, supplicios, _Hurrahs_ sanguineos vocifera a corja. Este luso Rigault é petrolista; Na lingua tem navalha de fadista; De resto, faz pagode e rija pandega. Está compondo agora outro discurso Com que espera alcançar, mas sem concurso, Ser despachado capataz d'Alfandega! XXX Derrocada Ao passo que vasqueja e expira a luz Do Templo onde, algum dia, celebraram O Passos, e o Mousinho e os que arrastaram Em terra estranha a esmagadora cruz, Na imprensa, uns pugilistas, braços nus, Uns contra os outros, rábidos, disparam Sarcasmos, que ao diabo não lembraram... Que linguas, sancto nome de Jesus! O Deus dos seis Affonsos e das Quinas! Se um vil desabamento nos destinas, Escuta o meu sincero e ardente voto: Faz pena este acabar quasi indecente... Concede-nos morrer mais seriamente: Transmitte-nos, Senhor, um terramoto. XXXI O ultimo romantico O extravagante Arthur, em Compostella, Viu desnalgar-se uma gitana Lola, Que tocava pandeiro e castanhola, E jurava que nunca foi donzella. Chamava-lhe _Esmeralda_, ou _Graziela_ O romantico Arthur da velha escola; Mas tanto na paixão carnal se atola, Que os bens que tinha dissipou com ella. Assim que empobreceu, Lola safou-se; E Arthur a pouco e pouco definhou-se Até se evaporar sem ter vintem, A ti, que foste o ultimo romantico, Dedico o meu, talvez, ultimo cantico... E adeus! Se estás no ceu, porta-te bem. EPILOGO XXXII Epilogo Paroxismos da luz! tristes cantares! Sahis da treva, em treva esquecereis! Romanticos leitores não choreis; Poupai-vos para os vossos máos azares. Se navegaes por bonançosos mares, De subito, no azul do ceu vereis A nuvem que se rompe nos parceis De imprevistas borrascas de pezares. Disse Henry Heine, o cego: «Não lastimem «As lancinantes magoas que me opprimem... «Espere cada qual chorar por fim.» E eu, que tanto carpi os condemnados, Os cegos--os supremos desgraçados!-- Já lagrimas não tenho para mim! INDICE Pag. Nota Illustrativa 7 O Conde de S. Salvador de Mattosinhos 21 Visconde de Benalcanfor 23 A maior dor humana 25 Luiz--O Bom 27 Lagrimas 29 Corôa de espinhos 31 Velhos problemas sagrados 33 Rachel 35 Alexandre da Conceição 37 Paciencia 39 Veterano 41 Scena trivial 43 Alcacer Kibir 45 Jorge 47 Critica do auctor 51 Thomaz Ribeiro 53 Remorso 55 Te-Deum laudamus 57 7:500 contos 59 Lua de mel 61 Messias 63 Portugal Contemporaneo 65 Logica de ferro 67 Aromas 69 Lisboa bucolica 71 A outra metade 73 Comedia humana 75 Ao Visconde d'Ouguella 77 Triumphos da eloquencia 79 Derrocada 81 O ultimo romantico 83 Epilogo 87 End of the Project Gutenberg EBook of Nas trevas, by Camilo Castelo Branco *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK NAS TREVAS *** ***** This file should be named 34952-8.txt or 34952-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: https://www.gutenberg.org/3/4/9/5/34952/ Produced by Pedro Saborano Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. 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It exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from people in all walks of life. Volunteers and financial support to provide volunteers with the assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will remain freely available for generations to come. In 2001, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 and the Foundation web page at https://www.pglaf.org. Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit 501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by U.S. federal laws and your state's laws. The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered throughout numerous locations. Its business office is located at 809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact information can be found at the Foundation's web site and official page at https://pglaf.org For additional contact information: Dr. Gregory B. Newby Chief Executive and Director gbnewby@pglaf.org Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide spread public support and donations to carry out its mission of increasing the number of public domain and licensed works that can be freely distributed in machine readable form accessible by the widest array of equipment including outdated equipment. Many small donations ($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt status with the IRS. The Foundation is committed to complying with the laws regulating charities and charitable donations in all 50 states of the United States. Compliance requirements are not uniform and it takes a considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up with these requirements. We do not solicit donations in locations where we have not received written confirmation of compliance. 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Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm concept of a library of electronic works that could be freely shared with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper edition. Most people start at our Web site which has the main PG search facility: https://www.gutenberg.org This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, including how to make donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.