The Project Gutenberg EBook of Christovam Colombo e o descobrimento da
America, by João Manuel Pereira da Silva

This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever.  You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org


Title: Christovam Colombo e o descobrimento da America

Author: João Manuel Pereira da Silva

Release Date: May 24, 2010 [EBook #32519]

Language: Portuguese

Character set encoding: ISO-8859-1

*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK CHRISTOVAM COLOMBO ***




Produced by Pedro Saborano and the Online Distributed
Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This book was
produced from scanned images of public domain material
from the Google Print project.)






 

Capa do livro

 

Notas de transcrição:

O texto aqui transcrito, é uma cópia integral do livro impresso em 1892.

Mantivemos a grafia usada na edição impressa, tendo sido corrigidos alguns pequenos erros tipográficos evidentes, que não alteram a leitura do texto, e que por isso não considerámos necessário assinalá-los..

 

CONFERENCIAS PUBLICAS EFFECTUADAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

CHRISTOVAM COLOMBO

E O

DESCOBRIMENTO DA AMERICA

 

PELO CONSELHEIRO

 

J. M. Pereira da Silva

 

Deputado e Senador durante o Imperio,
Membro honorario do Instituto Historico e Geographico Brazileiro e da Academia
Real de Sciencias de Lisboa

CONFERENCIAS PUBLICAS EFFECTUADAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

{I}

 

 

CHRISTOVAM COLOMBO

E O

DESCOBRIMENTO DA AMERICA

 {II}

 {III}

 

 

 

CONFERENCIAS PUBLICAS EFFECTUADAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

CHRISTOVAM COLOMBO

E O

DESCOBRIMENTO DA AMERICA

 

PELO CONSELHEIRO

 

J. M. Pereira da Silva

 

Deputado e Senador durante o Imperio,
Membro honorario do Instituto Historico e Geographico Brazileiro e da Academia
Real de Sciencias de Lisboa

CONFERENCIAS PUBLICAS EFFECTUADAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

{IV}

 

PROPRIEDADE DO INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAPHICO BRAZILEIRO

{V}

 

DEDICATORIA

Ao INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAPHICO BRAZILEIRO offerece a propriedade das conferencias effectuadas ácerca de Christovam Colombo e do Descobrimento da America, como homenagem de consideração, e testemunha de apreço, que lhe tributa seu socio honorario.

 

J. M. Pereira da Silva.

 

 

 {VI}

 {VII}

O INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAPHICO BRAZILEIRO resolveu em sessão publica agradecer ao Sr. Conselheiro J. M. Pereira da Silva, e proceder á publicação de suas conferencias, reunindo-as em um volume, que sirva para commemorar a celebração do 4º centenario do descobrimento da America, que o mesmo Instituto pretende celebrar no dia 12 de outubro de 1892.{VIII}

{IX}

 

 

 

 

Cabeçalho

ADVERTENCIA

Ao approximar-se o 4º centenario do descobrimento da America por Christovam Colombo, e ao annunciarem-se festejos, com que tem de ser celebrado em Madrid, Chicago e Genova, tão fausto e glorioso acontecimento, entendeu a Sociedade Promotora da Instrucção, fundada no Rio de Janeiro, que lhe convinha egualmente commemoral-o, restaurando as conferencias{X} populares á que anteriormente havia presidido, e encarregando ao Sr. Conselheiro João Manuel Pereira da Silva a missão de tratar d'aquelle assumpto.

Cinco conferencias effectuou o Sr. Conselheiro, resumindo quanto interessava á historia do descobrimento da America e á biographia de Colombo. Acolheram-nas as Gazetas e o publico com a maior benevolencia. O decano da imprensa brazileira, o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, as fez apanhar por meio de tachygraphos, e as publicou integralmente em suas interessantes columnas.

Essas conferencias formam, reunidas, o actual volume.

Não as quiz o autor alterar e nem imprimir-lhes novos additamentos: entendeu que si valor haviam tido, não o deviam perder, modificadas que fossem na fórma ou na essencia. Convinha mais que corressem{XI} como foram pronunciadas, corrigidos apenas os erros da imprensa, e riscados os incidentes da occasião, que só interessavam ao orador e ao auditorio.

O estylo e a linguagem do orador devem a fórma ao improviso da palavra e das phrases, e por isso apresentam naturalmente incorrecções e lapsos, porque lhes falta aquella lima que o escriptor emprega em suas vigilias, quando recolhido ao seu gabinete, e quando adstricto á uma acurada meditação.

Comprehende-o o leitor intelligente, e, pois, apreciará com justiça.{XII}

 {1}

 

 

 

 

Cabeçalho

 

CHRISTOVAM COLOMBO
E
O DESCOBRIMENTO DA AMERICA

PRIMEIRA CONFERENCIA

17 de maio de 1891

Subindo hoje a esta tribuna que, ha cerca de dous annos, conserva-se muda, deserta, abandonada, e relanceando os olhos pelo auditorio no intuito de comprimental-o, e agradecer-lhe o comparecimento, assalta á meu espirito uma idéa triste, confrange-se-me o coração com uma dolorida reminiscencia. Noto a falta de um grande patriota que desde o começo e durante{2} muitos annos seguidos honrou sempre estas conferencias, animando os oradores com sua presença, incitando os ouvintes com suas palavras, áquelles pedindo a perseverança no trabalho, a estes aconselhando concorressem afim de se alcançarem resultados vantajosos e proficuos aos estudos scientificos e litterarios. Refiro-me ao Sr. D. Pedro II, que ora, ingratamente expellido da patria, sente de certo ainda bater-lhe o coração de saudades por ella, e faz votos ardentes pela sua felicidade e futuro.

Pago este tributo de gratidão, prestada uma homenagem devida de respeitosa saudação, passo a tratar do assumpto annunciado para nossa conferencia de hoje, appellando, como em outras occasiões, para a vossa benevolencia.

Sorriu-me esta idéa com a leitura dos annuncios publicados em periodicos de varias nações. No proximo anno de 1892 celebrar-se-ha o quarto centenario do descobrimento da America. Achamo-nos na America, somos Americanos, porque nos não recordaremos de epoca tão memoravel!{3}

Para que se comprehenda, porém, a historia do descobrimento da America, necessario nos é começar pelo estudo da situação social, politica, economica, scientifica e litteraria da Europa durante o seculo XV.

Sahia da edade média, penetrava na da renascença, e passava por extraordinarias evoluções. Cahia a feudalidade, isto é, o dominio despotico, brutal e caprichoso de fidalgos, senhores de castellos, de cidades, de vastos territorios, tanto leigos como ecclesiasticos e que, independentes dos chamados reis e imperadores, victimavam os povos residentes em suas terras e sob seu jugo. Elevava-se sobre as ruinas do feudalismo o poder illimitado dos monarcas, que começavam a governar nações maiores e mais unidas: apparecia já tambem á tona d'agua, reclamando liberdades civis, a classe média e popular, que até então existira esmagada e submettida.

Desenvolvia-se a industria e o commercio; propagava-se a instrucção que estava monopolisada nos claustros, privativa quasi dos representantes{4} da egreja christã que succedera ao antigo culto do polytheismo pagão.

Occupava-se, todavia, toda a Europa em guerras ou intestinas ou externas: Italia era presa de estrangeiros; França lutava com Inglaterra, unida á Bourgonha e Bretanha; Allemanha fazia e desfazia imperadores nominaes; Hespanha brigava com Arabes e Mouros, ainda donos de parte de seu solo, e repartia-se tambem em varios estados christãos independentes. O imperio grego de Constantinopla estorcia-se em paroxismos diante das invasões e victorias dos Turcos asiaticos, que o assaltavam de continuo.

Nenhuma nação possuia então marinha militar propriamente dita e apenas exercitos, dando-se as grandes batalhas e praticando-se as excursões bellicas em terra e só em terra.

Havia, porém, em um canto da Europa, o mais occidental, banhado pelo Atlantico, um povo pouco numeroso, mas guerreiro. Firmara na batalha de Aljubarrota por uma vez sua nacionalidade apoz tres seculos de separação e{5} tal qual independencia do resto das Hespanhas. Proclamara-a nas côrtes de Coimbra de 1385, elevando ao throno D. João, Mestre de Aviz, filho bastardo de D. Pedro I. Não tinha mais inimigos a combater, carecia, entretanto, de empregar sua actividade e aspirações audaciosas em qualquer empreza de vulto.

Desmembrado no principio do seculo XII do Condado da Galiza, convertido em reino independente, alargara-se pela conquista sobre terras de Arabes e Mouros até o sul. Mais longe ia-lhe a ambição, e, pois, adiantou para o mar suas energias e affoitezas. Não tivera ao principio marinha, e para se apoderar dos territorios meridionaes precisou do auxilio das armadas do Norte, que se dirigiam ás Cruzadas. Do governo de D. Diniz em diante aprendera, porém, com os Genovezes a atirar-se ao oceano. Não o convidava elle com seus murmurios á lançar-se-lhe nos braços?

Feliz como rei, afortunado como pai, foi D. João I. Seus cinco filhos honraram-lhe cavalheirosamente a familia e a patria, já pelos{6} talentos e qualidades, já pela bravura do braço e ardentia do animo. D. Duarte foi rei e rei preclaro. D. Pedro, Duque de Coimbra, illustrado em todos os conhecimentos scientificos e litterarios da epoca, animo prudente, superior, e esforçado cavalheiro, ganhou experiencia em viagens pela Europa e Asia, e era por isso chamado o Infante das sete partidas do mundo. D. Henrique de Vizeu combatera em Ceuta como um leão, e entregava-se aos estudos cosmographicos. D. Fernando morreu prisioneiro de Mouros em Fez, e D. João ainda moço acabou a vida, quando ambos promettiam egualar nos meritos e qualidades a seus irmãos que tanto se haviam ennobrecido.

De Mouros estava livre Portugal; nem um pisava em seu solo que não vivesse em captiveiro: tentou ao rei e aos principes uma grande facção, atravessar os mares que separam a Africa da Europa, levar a guerra aos territorios e dominios em que Mouros se achavam, e expellil-os tambem daquellas regiões, como o haviam sido{7} de Portugal. Dito e feito. Ceuta, a mais rica e commerciante cidade de Marrocos, foi atacada e subjugada em 1415 pelas armas de D. João I: teve de arriar o crescente de Mahomet e ornar-se com a cruz santissima de Christo: e foi o Infante D. Henrique, seu principal vencedor, nomeado para governar a conquista verificada.

Teve então D. Henrique ensejo de aprender a lingua arabe, ler seus livros, estudar seus monumentos scientificos, ouvir seus sabios, seus cosmographos, e muito lucrou e aprendeu, porque eram ainda os Arabes o povo mais illustrado da epoca. Terminado seu governo e restituido á patria, um pensamento, um intuito se lhe fixou no espirito,—adeantar—estender os conhecimentos cosmographicos e geographicos—descobrir terras de que já haviam fallado os antigos Gregos e Romanos, e que então se não conheciam mais—devassar os segredos dos mares, opulentando com novos dominios sua patria—dilatar e propagar a religião christã, e desenvolver emfim o commercio com novas mercadorias e escambos.{8}

Na ponta meridional de Portugal ergue-se o Cabo de S. Vicente: descansam alli uns penedios açoutados pelos ventos, batidos de continuo pelas ondas dos mares, e que se prestavam a ser um ponto apropriado para observações, estudos scientificos, e pratica de navegação. Para esse sitio agreste recolheu-se o Infante e em Sagres estabeleceu moradia, e escola de cosmographos e mareantes. Attrahiu sabios Malhorquinos, Allemães, Italianos, Judeus, Arabes, Portuguezes. Dia e noite, aos gemidos e marulhar das vagas e aos furores das tempestades, estudavam-se livros e mappas, e perscrutavam-se os mysterios das estrellas. Tudo quanto escreveram os antigos, quanto sabiam os Arabes, quanto ensinavam os viajantes europeus, examinava-se, discutia-se, tirava-se a limpo. O Duque de Coimbra fizera-lhe presente de exemplares manuscriptos das viagens do Veneziano Marco Paulo, de Mandeville e de Conti, que fallavam das opulencias e grandezas das Indias. Chamava-se assim então todo o continente da Asia, inclusive a China denominada Cathay, e o Japão Cypango.{9}

Quasi que não passava a navegação de costeira; fugia-se aos altos mares; apenas a bussola introduzida pelos Arabes servia de instrumento nautico; consistiam os navios em náos, de cerca de 200 ou mais toneladas, para carregamentos de mercadorias particulares; em galés de guerra com tombadilhos á pôpa e prôa, espigões de ferro na prôa, vãos no centro para 40 a 50 remeiros, dous ou tres mastros para pequenas velas; em galeotas que se armavam tambem em guerra, mais pequenas; em caravellas e fustas, sem convez, e as maiores de cem toneladas, e ninguem ousava praticar viagens sinão com a terra sempre á vista. Os Venezianos, Genovezes, Pizanos, e Catalães iam buscar as mercancias indiaticas ao Egypto, á Syria, á Constantinopla, ao mar Negro, onde ellas chegavam em caravanas, provenientes pelo golpho Persico e pelo mar Vermelho; percorriam o Mediterraneo, dobravam as costas de Portugal e Hespanha, dirigiam-se á França, Inglaterra, Allemanha e até á Moscovia. Os Normandos, Bretões e Flamengos seguiam do norte para o sul encostados tambem e{10} sempre á terra, e penetravam no Mediterraneo. Os Arabes conheciam unicos a navegação do Indostão e da Africa oriental, onde largamente traficavam, trazendo do Egypto para a Mauritania os generos de que careciam.

É mister penetrar nestas miudezas para se comprehender a temeridade dos Portuguezes ao coalhar os mares com navegantes e descobridores de terras: hoje a navegação é facil, grandes os navios, movidos até pelo vapor, machinismos e construcções admiraveis, instrumentos nauticos perfeitos, conhecidos os caminhos talhados nos oceanos, e manifestas as posições dos astros: então eram tudo trevas, difficuldades, perigos, terrores.

Que fim tinham levado as ilhas da Atlantida e das Antilhas, de que fallaram Platão e Aristoteles? As terras que os Phenicios diziam ter conhecido, e que denominavam afortunadas? Onde estavam as ilhas das sete cidades e de S. Barandon, que se inscreviam nas cartas geographicas da epoca, confusa e differentemente? Por que se não chegaria ao mar tenebroso, como se intitulava o Atlantico{11} proximo ao equador, ás zonas torridas, que se pintavam inaccessiveis e inhabitaveis? Por que se não dobraria a Africa, que se pensava acabar á 10 gráos de latitude Norte, correndo então para o oriente á ajuntar-se ás Indias, conforme os dizeres dos Arabes, que de Marrocos por terra chegavam até quasi o Senegal?

Todas estas questões se propunham e ventilavam-se no areopago fundado em Sagres por D. Henrique de Vizeu. Plinio, Ptolomêo, Strabo, o Veneziano Marco Paulo, os Arabes Endrisi e Averrohes, eram os oraculos pelos seus livros; Jaime de Malhorca e Vasseca os desenhadores mais habilitados de cartas geographicas.

Convem aqui summariar as lendas que a respeito se espalhavam, e que, acreditadas não só pelo vulgo, como pelos espiritos cultos e sabios da epoca, espalhavam terrores de approximar-se ao sul da Mauritania.

Deixemos de parte as fabulas de Platão e Aristoteles quanto ás ilhas da Atlantida e Antilhas, posto que os mappas de 1400 as mencionem{12} ainda: como é curiosa a legenda da ilha das sete cidades, onde se recolheram sete bispos, que calçava de ouro as ruas, possuia palacios de marmore, asylara o ultimo rei godo-hespanhol Rodrigo, e dera eterna felicidade á Ennoch e Elias recolhidos á seu seio! Como encanta, a lenda de que a ilha de S. Brandão fôra visitada por um abbade escossez Barandon, acompanhado por São Maló, que resuscitou um gigante já enterrado, baptisou-o e annunciou-lhe a felicidade na outra vida? Sabeis o que resultou? O gigante, depois de quinze dias, quiz por força morrer e morreu de novo para alcançar a bemaventurança no Céo! Certo é que esta ilha figurava em todos os mappas dos seculos XV e XVI, nos proprios traçados ao depois por Colombo, e no globo attribuido á Behaim. Certo é ainda que no XVII e XVIII foi mandada procurar por navios hespanhóes, por ordem do seu governo, porque arrastados por illusões opticas os habitantes dos Açores teimavam em que era vista, bem perto delles, em certas epocas do anno.{13}

Resolveu-se D. Henrique a iniciar os descobrimentos, seguindo a costa Africana, no intuito de apoderar-se della. Custou-lhe espantosamente. Seu pai animava-o, mas não tinha dinheiro. Empregou o Principe a renda do ducado e a do mestrado de Christo que administrava. Marinheiros, pilotos, ninguem queria arriscar-se a ir além do Cabo Non, porque se espalhava que dahi em diante começava o mar tenebroso e as tradições que corriam aterrorisavam a todos. Com o emprego de inauditos esforços conseguiu o Infante que Zarco e Tristão Dias, em 1418, alongando-se pelo oceano, descobrissem as ilhas do Porto Santo e Madeira, e em 1431 Gonçalo Velho as dos Açores. Nada disso o adeantava todavia. O que elle procurava era a Africa, era o que havia além do Cabo Non. D'ahi fugiam-lhe os mareantes, ahi não se atreviam á ir os pilotos. Morrendo em 1433 D. João I, obteve D. Henrique que o novo rei, D. Duarte, mandasse expedição guerreira á Mauritania, tendo-o e a seu irmão D. Fernando á frente; explore-se a Africa por terra, já que o mar está assustando!{14}

Infeliz empreza! Os Portuguezes foram em Tanger derrotados. D. Fernando cahiu prisioneiro e morreu no meio de tormentos em Fez. D. Henrique volveu para o seu promontorio de Sagres em 1437. Não desanimado perseverou nas lutas com o oceano, cujos segredos anciava descobrir.

Mais lhe firmava no espirito os propositos de percorrer a costa Africana a ideia de encontrar o caminho para as Indias, e collocal-as em directa communicação com Portugal. Não diziam os mappas que a costa Africana parava aos 10 gráos? Não o incitava a leitura de Marco Paulo na descripção da Tartaria, Cypango e Cathay? Não havia chegado ao Indostão Alexandre com os seus Gregos, á Armenia os Romanos, á Jerusalem os Cruzados? Já que não podia ir por terra, combatendo Mouros, ou correndo a costa septentrional da Africa, por Argel, Tunis, Tripoli e Egypto, não era indispensavel proseguir em expedições maritimas? Não estaria reservado a Portugal e a elle o papel glorioso de iniciar e executar emprezas que espantassem o mundo?{15}

O povo murmurava, a nobreza zombava, era um louco na opinião de muitos, como são sempre considerados os genios que se adiantam além do seu seculo. Que lhe importava! Idéas firmadas em fundas convicções não se desfazem sinão diante de realidades demonstradas. Obteve que Gil Eannes chegasse ao Cabo Bojador, dobrasse-o, reconhecesse-o e voltasse a dar-lhe a boa nova; não era ainda o fim do mundo, mas ninguem lá fôra, salvo mouro ou arabe, e por terra.

Após o Cabo Bojador, descobriu Nuno Tristão, em 1443, o Cabo Branco, e em 1449, Cadamosto, o Cabo Verde e o Senegal, onde encontrou marfim, ouro e hordas de pretos, que conduziu para os Algarves, começando então o trafico de escravos Africanos na Europa. Dous papas mandam bullas de concessão de todas as terras além do Cabo Bojador, elogiando e preconisando de heroe o Principe. Os Pontifices Romanos reputavam-se então autorizados para distribuirem reinos e corôas.

Quantos erros geographicos se emendaram desde logo nos mappas? Quantos prejuizos populares se{16} desfizeram? Chegara-se no entanto ao gráo 20 e não apparecia o mar tenebroso cuja fama enchia á todos de pavor. Continuar, continuar, e o caminho das Indias ahi estava proximo e certo, não tardaria a Africa em terminar, e dobrada que fosse se chegaria ao reino do Preste-João, de quem tanto se fallava de outiva; avistar-se-hiam as terras das perolas, dos brilhantes, dos perfumes, dos tapetes, dos damascos, da pimenta, do cravo, das riquezas consideradas as maiores do mundo. Não se penetrara já na zona torrida, e não se descobrira que ella era habitavel?

Falleceu, infelizmente, no correr de 1460, D. Henrique, já nos fins de sua vida glorificado, endeosado pelos seus e admirado na Europa por causa das noticias das terras que tinha descortinado, e que se foram espalhando, apezar das difficuldades de communicações internacionaes naquella epoca.

Ao cessar a primeira metade do seculo XV tres acontecimentos verificaram-se, no entanto, na Europa: 1.º Constantinopla, a capital do imperio{17} grego christão, successora de Roma, cahira em poder dos turcos, que, derrotando os Arabes, se tinham apoderado de toda a Asia menor, e dahi passado para Europa, onde fundaram novo imperio, que á pouco e pouco avassallou a Grecia, a Bulgaria, a Roumania, a Servia e os estados do Danubio, e começou a ameaçar a Allemanha pela Hungria; 2.º Descobrira-se em Mayença a arte de imprimir, e os livros tenderam logo á baratear, as luzes á derramarem-se, e a civilisação á crescer; 3.º Hespanha esforçava-se por unificar-se, reunindo em um só reino Navarra, Aragão, Catalunha, Castellas, Galliza, Leão e Bascos; e França alcançara emfim expellir os inglezes do seu territorio, e procurava alargar-se até o Mediterraneo, e assenhorear-se da Borgonha e da Provença.

A esses trabalhos entregavam-se as nações europeas, emquanto que Portugal cuidava de navegações. Agora, mais que nunca, precisava-se de abrir caminho para as Indias pela Africa, porque os portos da Asia Menor, do mar Negro e de{18} Constantinopla, submettidos e acurvados pelos turcos de Mahomet, feixavam as communicações, restando apenas o Egypto que se conservara independente do jugo quer do Arabe já decahido e escravisado, quer do Turco, que sobre todos os mussulmanos se erguera, e apregoava-se o primeiro dos povos de crença Mahometana.

D. Affonso V de Portugal foi de novo guerrear na Mauritania, subjugou Arzila, Alcacer e Tanger. Por sua morte D. João II preferiu continuar as excursões maritimas de seu finado tio D. Henrique e approximar-se da Asia, dobrada a costa Africana: digno successor pela grandeza identica do pensamento, e mais poderoso porque era rei, e agora entrava a Corôa nas emprezas com força propria e sob direcção governativa.

Foi nesse tempo que chegou á Portugal Christovam Colombo, pelo anno de 1470, aventureiro audacioso, temerario, instruido em mathematicas e cosmographia, e ancioso de tomar parte nas emprezas portuguezas, em que já se empregavam muitos compatriotas seus, e de outras{19} nações europeas. Chamava Portugal e attrahia á si quantos aventureiros arrojados desejavam navegar e descobrir terras, porque era Portugal a unica nação que se devotava á tão proficuo serviço.

Abrira, portanto, Portugal as portas que escondiam os continentes, rasgara caminhos no seio dos mares, desenvolvia e aperfeiçoava as sciencias cosmographicas, geographicas, astronomicas, melhorava instrumentos de navegação, tornara-se o precursor de todo o movimento progressivo, que seguiu o universo durante o seculo XV.

Christovam Colombo teria então 35 annos, e sua vida, antes desta epoca, não está ainda hoje conhecida. Os autores que lhe escreveram a biographia, muitos foram elles, tanto hespanhoes como italianos e de outras nações, divergem, contradizem-se, por fórma que ao certo se não alcança a realidade.

Patenteava Christovam Colombo grandes talentos e muitos conhecimentos mathematicos, geographicos e cosmographicos; escrevia mappas e cartas, e tratou de empregar-se logo na marinha{20} portugueza, casando-se com a filha de um Perestelo, navegante habilissimo, gratificado pela Corôa com a donataria da ilha do Porto Santo. Foi com elle que aprendeu, estudou os roteiros, recebeu lições, e delle herdou escriptos e mappas importantes a respeito de navegações maritimas.

Colombo relacionou-se tambem com todos os marinheiros e pilotos que serviam em Portugal, fez com elles viagens diversas á Africa e aos Açores, e fixara residencia ordinaria na ilha da Madeira.

Dedicado ao estudo nautico, pesquizador de todos os factos que se passavam, engenhou logo empreza que lhe désse renome.

Era ambiciosissimo de gloria e, pois, cuidou de desenvolver a sua actividade, para o fim de adquiril-a.

Nessa epoca era abraçada por muitos sabios e cosmographos a ideia de que o mundo terrestre formava uma esfera ou globo.

Copernico, já como que tambem adivinhara, que, em torno do sol fixo, é que gyravam a terra e os demais planetas.{21}

Para que esta theoria fosse, porém, admittida precisava-se ainda que no seculo XVI os trabalhos de Galileu a demonstrassem cabalmente.

Prevalecia no seculo XV unicamente, e para os sabios só, o principio da redondeza do globo, formado de terra e aguas, e coberto por uma atmosphera, onde dominava a lei da gravitação, que arrastava ao centro todo e qualquer peso.

Christovam Colombo convenceu-se desta theoria, que com o andar dos tempos cada vez se lhe arraigou mais no espirito.

Com a leitura dos livros então existentes e dos mappas, bem que confusos e repletos de muitas falsidades e inexactidões, percebeu que se podia ir ás Indias directamente, seguindo da Europa para Oeste, e que este caminho era mais certo, curto e commodo que o de dobrar o Cabo das Tormentas, baptisado com o nome de Boa Esperança, por D. João II, na ponta sul da Africa.

Não tinha Marco Paulo collocado o Cathay ou China na costa, e bem assim as ilhas de Cypango ou Japão, de que fallara um seculo antes? Não{22} ficavam assim esses paizes fronteiros á Europa e á Africa Occidental?

As cartas e mappas de então apresentavam a Asia como mais extensa para o lado da Europa, e o globo menor do que é na realidade.

Os arabes, entendidos mestres de geographia e astronomia, adoptavam estas theorias erradas. Ellas, todavia, mais animavam, excitavam e firmavam a idéa de Colombo, que calculava não exceder a distancia do Atlantico de duas a tres mil milhas maritimas; tendo, além disto, ouvido em suas viagens aos Açores, á Madeira e ás Costas Africanas, contarem marinheiros e pilotos, que as vezes se encontravam madeiras e arvores lavradas, que na Europa não existiam; e que nos Açores haviam apparecido naufragados, cadaveres de dous homens de organisação physica diversa da Europa, cada vez mais robustecia-se seu intento de procurar as Indias, atravessando o Atlantico e seguindo para o Occidente.

Não era Colombo como navegante superior a alguns pilotos que desde D. Henrique trilhavam{23} arrojadamente os mares e commettiam grandes e façanhosas emprezas; não sobrepujava a um Gil Eannes e nem a um Bartholomeu Dias, quer na intrepidez, e quer na firmeza e tenacidade de animo.

Como sábio, não excedia tambem nem a Jayme de Malhorca, nem a Behaim, geographos eminentes da epoca e empregados em Portugal, e menos ainda ao Infante D. Henrique, cujos conhecimentos mathematicos conseguiram-lhe justa nomeada no mundo, e proporcionaram-lhe a felicidade de executar e fazer executar sublimes emprehendimentos.

Atirava-se, porém, Colombo á emprezas com uma certa allucinação, proveniente de profundissima convicção.

Imaginava-as por si espontaneamente e fazia-se seu proprio executor. É nisto que fundava a superioridade sobre seus contemporaneos.

Propoz-se então Colombo a D. João II para emprehender uma viagem directamente ás Indias sem que torneasse a Africa. Para que pensar em dobrar o Cabo da Boa Esperança? Não estavam{24} alli defronte de Portugal as Indias com a China e o Japão? Mais depressa e menos perigosamente se não chegaria lá?

Convocou D. João II a conselho seus mais reputados sabios. Entre elles figuravam dous judeus, mestre José e mestre Rodrigo, famosos cosmographos. Opinou o conselho que mais annos menos annos se dobraria a Africa, e se navegaria seguro para as Indias, e que assim continuasse El-Rei nos seus planos anteriores; que si não era sonho de Colombo a viagem directa ao Oeste, por desconhecida se não devia tentar, parecendo fructo da imaginação mais que da sciencia humana.

Indeferiu D. João II, portanto, a proposta de Colombo, que queria navios tripolados e garantias de honras e lucros para o caso de sahir-se bem da empreza.

Desesperado e já então viuvo porque lhe fallecera a mulher portugueza, abandonou Colombo a terra, á que servia. No correr do anno de 1485 ou já era 1486 seguiu viagem para Genova.{25}

 

 

 

 

Cabeçalho

SEGUNDA CONFERENCIA

31 de maio de 1891

Suspendemos a primeira conferencia effectuada á respeito de Christovam Colombo e do descobrimento da America, ao referir o despeito que assaltara á aquelle famoso navegante quando soube que fôra recusado por D. João II seu projecto de viagem directa ás Indias pelo Atlantico, seguindo rumo de Oeste.

Disse-vos já que partira de Portugal e dirigira-se para Genova. Amargurava-se porque desde o principio do seculo era Portugal a unica nação da Europa, que se entregava á empreza audaz de descobrimentos de terras novas e desconhecidas;{26} e pois lhe parecia difficil encontrar, outra que ousasse devassar e curvar os mares e arrancar de seu seio continentes ignorados.

Não era alli que se apuravam então os conhecimentos geographicos, que se desfaziam tradições e legendas pavorosas do mar tormentoso da Africa, em que a edade média acreditava; que mostrara enfim que era fabula a existencia de monstros marinhos recontados por Endrisi,—de estrellas luzentes, por Rogerio Bacon,—do cahos impenetravel nas proximidades da linha segundo Albi,—de basiliscos descriptos por Averrhoes,—de gigantes, serêas com rabos, pigmêos com olhos nos hombros e de mil outras ficções extravagantes, devidas á imaginação dos Arabes, que assim pintando o Atlantico affastavam os espiritos de ousadias de affrontal-o?

Chegado a Genova, convencido sempre Colombo da exequibilidade de seus planos maritimos, tratou de obter do governo da republica meios para executal-os, e navios para emprehender a viagem projectada em seu espirito, affiançando ao estado{27} grandiosas vantagens e glorias immarcessiveis. Decorria então o anno de 1486, e portanto quando já bastantes progressos e adiantamentos haviam os portuguezes conseguido, quer na arte de navegar, quer no emprego á bordo do astrolabio e do quadrante, que, no reinado de D. João II, juntos á agulha, unica empregada no tempo de D. Henrique de Vizeu, facilitavam agora as emprezas de atirar-se aos mares, abandonar as costas terrestres, podendo-se já, em grandes distancias, reconhecer e tomar as alturas e ficar-se certo da posição maritima.

Com razão escolhia Colombo a Genova por ser sua patria, no intuito de dar-lhe as honras do descobrimento das Indias, que convinha effectuar-se quanto antes pois que os portuguezes proseguiam na sua rota, e com suas diligencias mais tarde ou cedo encontrariam o Indostão e as Indias proximas ao Mar Vermelho e ao golfo Persico.

Genova, porém, estava decadente, bem como Veneza, e todas as demais republicas maritimas da Italia, que tanto poderio e commercio haviam{28} exercido na edade média, aproveitando-se da fraqueza do imperio grego de Constantinopla. Trancavam-lhes agora as relações mercantis os Turcos, senhores do mar Negro, do Bosphoro, e da Syria. Genova não se achava habilitada, portanto, para assentir-lhe ás propostas.

Dissemos que Genova era sua patria. Foi elle sempre em sua vida considerado Genovez quer em Portugal quer depois em Hespanha. Todos os escriptores coevos o affirmavam. Depois de morto, porém, como adquirira e legara um nome glorioso e immortal, diversos povos, em escriptos a respeito, tentaram chamal-o seu compatriota: até o Diccionario Larousse o faz nascer na Saboia! Para esclarecer a questão de um modo terminante, e provar-se claramente que em Genova e dentro da cidade nascera, e de familia pobre alli residente, publicou-se em Hespanha, no seculo actual, seu testamento datado de 1498, e bem assim os processos que contra a corôa hespanhola e contra seus herdeiros hespanhoes haviam promovido varios fidalgos e familias{29} italianas, que pretendiam ser reconhecidos seus parentes e herdeiros em falta de linha directa; publicaram-se egualmente em Genova, nos nossos dias, umas linhas escriptas por Colombo, no anno de 1506, dias antes de fallecer, na pagina branca de um breviario, que existe ainda na bibliotheca Corsini de Roma.

Duas vezes no testamento falla Colombo de sua patria Genova, em uma verba legando uma pensão á qualquer membro de sua familia alli residente, casado e pobre; e exigindo expressamente em outra verba que seus descendentes amassem e venerassem a cidade de Genova, porque em Genova elle nascera e de lá sahira.

Na nota do breviario citado depara-se egual declaração por elle firmada.

Dos processos, que mencionamos, resulta tambem a prova de que não pertenciam á sua familia os Colombos de Escaro e nem outros de Piemonte que reclamavam os titulos com que elle fôra agraciado pelo governo hespanhol, e que para conseguirem seus fins allegavam falsamente{30} que elle nascera, uns em Escaro, e outros em Savona.

Por que mostraria Colombo tamanho amor á Genova, si não fosse alli nascido? Tanto interesse pela republica, onde apenas passara os primeiros annos da mocidade, e que, como Portugal, lhe recusara os meios de ganhar a gloria? Não pulsava-lhe o coração com os impetos do patriotismo?

Já vos declarei que se ignoram os feitos de sua vida até á edade de 35 annos, quando á Portugal chegara e lá se estabelecera. Uns escriptores fallam de suas navegações á bordo de navios, sob as ordens do Duque de Anjou, que pretendia apoderar-se de Napoles; outros referem combates maritimos em que elle entrou contra armadas Venezianas; minuciam os francezes o nome de um Colombo que servira em suas náos de guerra.

Nada, porém, se demonstra com esses ditos. Não podiam haver outros Colombos? Não enganaria o nome ou o appellido?

O que se sabe de certo no tocante á vida de Colombo começa só da chegada delle á Lisboa,{31} em 1470. Nem mesmo se póde fixar a data do seu nascimento, por ausencia completa de elementos comprobatorios.

Não esmoreceu Colombo com o indeferimento de Genova; continuou cada vez a convencer-se mais da exequibilidade de seus planos, com as correspondencias que então estreitou com um eruditissimo geographo de Florença, chamado Toscanelli. As cartas de Toscanelli animavam-no resolutamente á não recuar delles. Enviava-lhe, para fortalecer seus designios, livros, escriptos, esclarecimentos e mappas, dos quaes resultava a idéa de que a Asia estava fronteira á Europa; os mares que as separavam, não comprehendiam distancia maior de duas á tres mil leguas, e continham em seu seio as ilhas de Cypango ou Japão, e banhavam a costa da China, que Marco Paulo visitara, e estudara, seguindo por terra pela Armenia e Persia; declarava-lhe ainda Toscanelli que o Indostão não era tão opulento e rico como o Cathay e Cypango, e o Indostão é que deviam os portuguezes encontrar, logo que{32} dobrassem o Cabo ultimo da Africa, e seguissem rumo do Oriente.

Dizem sem o menor fundamento alguns escriptores que Colombo se offerecera tambem á Veneza e á Inglaterra: nada consta dos arquivos de Veneza que o comprove, e, de certo, alli se encontraria qualquer indicio ou documento, porque guardavam-se preciosamente quantos esclarecimentos obtinha a republica sobre factos ainda de muito menor importancia. No tocante á Inglaterra, escriptores referem que Colombo mandara para lá seu irmão Bartholomeu propôr-lhe o projecto.

Bartholomeu estava então empregado no serviço de Portugal e acompanhara a Bartholomeu Dias na viagem e descobrimento do Cabo da Boa-Esperança: do serviço portuguez sahira para o de Hespanha, quando chamado pelo irmão, no anno de 1493. Nem um documento apparece que mostre sequer apparencia de presumpção a semelhante asserto. Não derivaria esta opinião do dito dirigido por Colombo aos reis de Hespanha, quando pela primeira vez lhe indeferiram a pretensão, de que{33} procuraria auxilio de Inglaterra ou França? Mas que se não verificou, porque conseguira afinal que se aceitassem seus serviços?

Como quer que seja, o que está provado é que, dissuadido Colombo de servir á Genova, partira para a Andaluzia, no dizer de uma testemunha que depuzera em processo, a procurar em Huelva um parente mareante que alli se retirara e com elle entender-se á respeito de seus projectos; que, passando pelo convento franciscano da Rabida, situado quasi á margem do rio Tinto, pedira e alcançara agazalho dos monges; que, conversando com o prior, Juan Perez, captou-lhe as boas graças pela sciencia que patenteara, versado como tambem era Juan Perez em estudos cosmographicos.

Resultou da residencia de Colombo no convento da Rabida, que se lhe affeiçoou Perez, e este, que entretinha boas relações com o confessor da rainha Isabel de Castella, D. Fernando Talavera, animara Colombo a partir com cartas suas de recommendação, em que affirmava que seria gloria para Hespanha coadjuval-o na empreza do{34} descobrimento das Indias, para que Portugal não monopolisasse a navegação e os louros de proveitosas conquistas ultramarinas.

Partiu Colombo do convento da Rabida para Cordova, onde se achava então a rainha, D. Isabel de Castella, occupada em aprestar meios de guerrear os Arabes e Mouros de Granada.

Para bem se comprehender a somma enorme de trabalhos e paciencia que Colombo empregou, mister é examinar a situação de Hespanha naquelle momento.

Isabel herdara a Corôa de Castella, que comprehendia em Hespanha as Duas Castellas, Leão, Galliza, Asturias, a Extremadura, as provincias Vascongadas, e a parte occidental da Andaluzia, que se divide de Portugal pelo rio Guadiana, e a oriental que segue para Murcia e Valencia. Fernando herdara o Aragão, Catalunha e Napoles, e á força de armas apoderara-se, depois, da Navarra. Tantos principados, portanto, em que se dispersara outr'ora a Hespanha christã, formavam agora unidos tres reinos christãos sómente:{35} Portugal, o Aragão e Castella. Ao lado e no meio delles conservava-se independente, todavia, o reino Arabe de Granada, que possuia a melhor parte da Andaluzia com excellentes cidades e portos maritimos sobre o Mediterraneo, pelos quaes se communicava com os Mouros da Africa septentrional.

Tinham-se casado Fernando e Isabel, bem que continuassem a governar cada um separadamente seus reinos e dominios. Fernando era guerreiro, astucioso e desleal, repleto sobretudo de ambições; Isabel possuia um excellente coração, qualidades viris, talentos selectos: posto que todos os actos do governo contivessem os nomes dos dous monarcas e elles combinassem quasi sempre em vistas politicas, a administração gyrava independente tanto em Castella como no Aragão.

Zelo religioso e fanatismo exaltado animavam a ambos os soberanos. Anciavam estabelecer a unidade da fé e da Egreja catholica em todos os seus dominios: não admittiam divergencias religiosas, e quantos não fossem orthodoxos deviam ou receber o baptismo ou ser expellidos do sólo.{36}

Accórdes neste pensamento, deportaram para fóra de Castella e Aragão a todos os judeus em numero de mais de trezentos mil, os quaes até então alli viviam á sombra de tolerancia governamental, exerciam officios proveitosos, praticavam a medicina e cirurgia, mostravam-se distinctos em varios ramos das sciencias, e das industrias. Perdera muito a Hespanha com esta barbara e atroz expulsão de uma raça de homens, que muito concorriam para sua felicidade e engrandecimento. Logo, após, no desejo sempre de extirpar toda a heresia implantaram em Hespanha a instituição do Santo Officio da Inquisição, reformada sobre a que o Papa Innocencio III fundara para exterminar os Albigenses, que se tinham separado da obediencia devida á Roma. Deram a esse hediondo tribunal faculdades civis de processar, prender, empregar torturas, condemnar, queimar em fogueiras todos quantos não obedecessem escrupulosamente aos mandamentos ecclesiasticos, e não prestassem inteira crença a seus dogmas; ou faltassem aos deveres mesmo exteriores que a{37} Egreja impunha e recommendava. Pretenderam, incitados por seus prejuizos religiosos, que D. João II de Portugal lhes imitasse o exemplo. Este grande rei, porém, não admittiu a inquisição, e no tocante aos judeus, até acolheu em Portugal benignamente os que Hespanha expellira, e que imploraram sua protecção. Durante seu governo ella lhes foi constantemente dispensada.

Executadas estas medidas, cuidaram os dous reis hespanhóes de repellir tambem do solo a raça Arabe e Moura que ainda lá viviam, e pois apromptavam-se em Cordova para uma guerra de exterminio contra Granada, no intuito de se apoderarem do unico estado Mahometano que ainda durava, e de empurrarem para a Africa os proselytos do Korão.

Achavam-se, pois, em Cordova, organizando os exercitos que deviam guerrear os Mouros de Granada, quando ahi chegou Colombo.

O confessor da rainha, D. Fernando Talavera, tomou a Colombo por um visionario, e quiçá por um aventureiro, e não fez caso das recommendações{38} do prior João Perez. Pobre e desconhecido, cuidou, então, Colombo de esperar do tempo melhor exito á suas pretensões, e para viver dedicou-se a desenhar e traçar mappas geographicos que pela curiosidade eram já então muito procurados. Conseguiu, após bastantes mezes, introduzir-se nas sociedades do nuncio do Papa, e do intendente-mór das finanças de Castella, aos quaes agradou com sua instrucção scientifica e seu enthusiasmo religioso.

Decorridos alguns mezes, conseguiram os dous personagens apresental-o ao arcebispo de Toledo, e este á Isabel e á Fernando. A rainha ao ouvil-o impressionou-se favoravelmente, Fernando, porém, oppoz logo duvidas. Deliberaram sujeitar, todavia, seus projectos a uma junta ou concilio de geographos doutos e de professores da universidade de Salamanca, afim de prestarem consulta. Ordenaram que D. Fernando de Talavera installasse um concilio em Salamanca, á elle Colombo expuzesse seus planos, e o concilio formulasse opinião á respeito.{39}

Passaram-se ainda alguns mezes antes que em Salamanca se reunisse o concilio, composto de bispos, principaes titulares da Egreja, frades eruditos e lentes da universidade. Foi o local escolhido para funccionar o concilio o convento de Santo Estevam. Isabel fixou desde logo á Colombo uma pequena pensão pecuniaria no proposito de auxilial-o.

Nada ha de mais curioso que as actas das sessões do concilio de Salamanca. Então, e em Hespanha particularmente, a religião estava ligada á sciencia. Á sombra daquella é que esta caminhava. A religião dominava pelas consciencias, pelo fanatismo e pelas superstições e prejuizos da epoca. Os bispos e sacerdotes, ao mesmo tempo que representantes da Egreja, eram guerreiros, empunhavam armas, cobriam-se de capacetes para as guerras contra os Mouros, acompanhavam os reis, e tomavam parte nos combates. Nos ecclesiasticos estava além disso concentrada toda a instrucção, toda a sciencia: dahi a importancia que adquiriram e que lhes abria as portas de todos os{40} altos empregos da politica, da administração, do ensino nas universidades, e da direcção dos estudos. Não encontravam rivaes para os cargos publicos sinão em poucos fidalgos da denominada grandeza hespanhola. Na administração publica predominava quasi exclusivamente o clero pelo numero e pelo saber, e era ouvido em todos os assumptos, e até nos de guerra.

Installou-se a veneravel assembléa. Foi introduzido Colombo e começou á expôr suas idéas e á fundamentar seus projectos. Muitos adormeceram, não as comprehendendo; outros o consideravam com prevenção, pensando que era elle um visionario, um allucinado, um impostor aventureiro. Os mais eruditos tomaram-no até por herege em doutrinas religiosas. Não lhe faltaram immediatamente contestações e contrariedades, e ellas eram extrahidas quasi sempre dos livros sagrados, das noções canonicas, dos axiomas theologicos, das crenças inherentes ao culto e á consciencia!

Colombo fundava sua theoria na redondeza do globo, que tinha a fórma espherica, e que, dividido{41} em terras e aguas de mares e rios, e circumdado pela atmosphera celeste, sustentava e cumpria a lei physica da gravitação attrahindo ao centro o menor peso. Esta theoria, que já haviam apregoado philosophos Gregos e Romanos, e afamados geographos e astronomos Arabes, não era em toda a Europa adoptada porque a edade média influenciava-se com as interpretações e lettra da Biblia, e com as doutrinas apregoadas pelos padres doutos da egreja catholica.

Não era nem orthodoxa e nem possivel essa theoria—clamavam os sabios do concilio de Salamanca.—A Biblia, que é o primeiro dos livros sagrados, a contradizia. Não se lia nos psalmos que os céos estendiam-se por sobre a terra como uma pelle ou tenda? Não affirmava S. Paulo que formavam um tabernaculo? Não estavam accordes neste ponto todos os commentadores e theologos como S. Basilio, S. Jeronymo, Santo Athanasio, Santo Ambrosio, S. Gregorio e Santo Agostinho? Não podia a terra ser sinão rasa, coberta pela atmosphera ou céos. Admittida a{42} theoria de que era redonda, dahi resultava logo a da existencia de antipodas que lhes parecia extravagante. A theoria de Colombo não passava de erros, em que viveram alguns intitulados philosophos da antiguidade Grega e Romana, erros demonstrados pela religião christã, que representava toda a verdadeira sciencia.

Citavam em seu apoio os seguintes trexos das obras de Santo Agostinho:

«—A doutrina de antipodas—dizia o lumiar da Egreja—é incompativel com os fundamentos historicos da nossa fé. Dizer que ha terras habitadas da outra parte do globo, equivale a dizer que ha nações que não descendem de Adão, pois é impossivel que passassem o oceano intermediario. Equivale a negar a Biblia, que declara expressamente que todos os homens derivam de um só pai.»

Referiam ainda a passagem extrahida dos escriptos do grande theologo Lactancio, que assim se exprimia:

«—Ha absurdo maior que acreditar que existem antipodas tendo os pés em opposição aos nossos?{43} Pessoas que andam com os tacões para o ar e a cabeça para baixo? Que haja logares no mundo, em que tudo é ás avessas, as arvores estendem para baixo seus ramos, e chove e neva de baixo para cima? A ideia da redondeza da terra deu nascimento á fabula dos antipodas, com os pés para o ar. Cahidos os philosophos pagãos nessa crença extravagante, de absurdos passam a absurdos, e para defender uns, inventam outros.»

Nada ha que estranhar nessas ideias. As sciencias dos antigos Gregos e Romanos haviam sido esquecidas com o desmoronamento do imperio de Roma, com a invasão e victorias dos barbaros do seculo IV em diante, que avassallaram toda a Europa Occidental e cobriram o mundo de trevas. O Christianismo foi semeando nova luz sobre esse cahos formado pelos Godos, Francos, Slavos, Germanicos, Hunos e Lombardos. Mas o Christianismo ia esclarecendo o mundo sob a influencia de superstições, prejuizos e fanatismos. A sciencia desenvolvia-se quasi exclusivamente na{44} egreja e nos claustros e impressionava-se, portanto, de espirito devoto e fanatico. Nessa atmosphera é que progrediu, e dahi a ignorancia de muitas verdades que a antiguidade pagã propagara pelos Aristoteles, Platões, Plinios e mais escriptores, que os Gregos do imperio de Constantinopla, christãos separados, conservavam, e que eram egualmente adoptadas pelos Arabes que em seu tempo foram os mais instruidos dos povos.

Com os descobrimentos, com os estudos cosmographicos, com os progressos da astronomia e da nautica, que Portugal conseguira, que o principe D. Henrique de Vizeu favoneara, era corrente entre os eruditos Portuguezes a theoria da redondeza da terra. Alguns Allemães e Italianos que tinham travado relações com os pilotos portuguezes, ou que se applicaram a estudos serios nos seus gabinetes, admittiam-na tambem, e alguns globos que já se fabricavam, bem que informes e errados, apresentavam a terra sob a fórma espherica. Hespanha porém nunca se aventurara á descobrimentos de terras, nunca se entregara{45} á estudos geographicos; combatera sempre e constantemente em terra, mostrando-se heroica nação, na gloriosa luta contra os Arabes e Mouros que se haviam assenhoreado do seu solo, e o dominaram sete á oito seculos, até que foram de todo repulsados da peninsula Iberica. A marinha que até então Hespanha contava era essencialmente costeira.

Fernando de Aragão conseguira formar, todavia, na Catalunha, pequenas esquadras com que vigiava suas costas contra Mouros, continha o estado subjugado de Napoles, e encommodava os Bereberes das costas visinhas da Africa.

Não é, pois, para espantar-nos a relutancia dos sabios hespanhóes contra a doutrina da redondeza da terra.

Não se contentaram os membros do concilio de Salamanca, apoiados nas doutrinas da Egreja Catholica e nos livros dos Prophetas e dos santos padres do Christianismo, rebatendo a possibilidade de ser a terra redonda.

A redondeza da terra admittida,—perguntavam elles a Colombo,—como depois de descer de um{46} lado podia-se subir voltando por esse ou pelo outro lado? Nem mesmo os mais propicios ventos conseguiriam prestar forças para se caminhar para cima. Não era sabido que havia zonas torridas inhabitaveis e que só a temperada, que era a septentrional, estava adaptada á moradia dos homens? Dentro da zona torrida não existia o cahos? Quem lá fosse poderia voltar? Admittida a hypothese da possibilidade, quantos annos seriam precisos para atravessar os mares, e como levar mantimentos e agua para sustentarem-se os aventureiros?

A todas estas argucias, erros e prejuizos, derivados da ignorancia e do pedantismo, respondia Colombo com calma e sabedoria, protestando sempre que era conscienciosamente catholico, e pela religião christã estava disposto a morrer. Muitos dias duraram as sessões, e as actas transcrevem todos os seus incidentes e debates, até que o concilio as suspendeu, protestando cansaço.

No entanto continuavam os reis hispanicos a combater o reino de Granada, atacando-o por varios pontos e lados, e a pouco e pouco{47} conquistando-lhe territorios, castellos, praças e cidades, que incorporavam logo em seus Estados.

Voltou Colombo para Cordova, e esperou a decisão dos monarcas. Acompanhava-os á guerra, coadjuvava-os com seu braço e com seu valor; esforçava-se em ser-lhes util para lhes ser agradavel; e não perdia occasião de patentear á rainha seus enthusiasmos religiosos e seus sentimentos catholicos, no intuito de assim affeiçoar-lhe a sympathia e ganhar-lhe a protecção.

Depois de mais de um anno decorrido teve Colombo resposta de que, em presença da opinião e consulta do concilio de Salamanca, não se acceitavam seus projectos.

Acabrunhado deixou a Côrte, e seguiu caminho do convento da Rabida, onde de novo recebeu benigno acolhimento do prior Juan Perez.

Sentiu-se o prior offendido, e tratou de chamar amigos para ouvirem a Colombo e combinarem em qualquer alvitre: um medico illustrado e um navegante rico de Palos, Martim Pinzon, chefe de importante e numerosa familia, formaram com{48} elle e Colombo a sociedade em que se discutiram os projectos e theorias do geographo.

Pinzon que era instruido, e o medico intelligente, convenceram-se, tanto como o prior, de que o plano de Colombo era exequivel, e daria grandes proveitos, riquezas e gloria á Hespanha. Resolveram que se tentassem ainda esforços com os reis de Hespanha para acudirem ao pedido de Colombo. Partiu um emissario com cartas para varios personagens eminentes, rogando-lhes a intervenção.

Bem succedidas foram as endereçadas ao Duque de Medina Celi e ao arcebispo de Toledo: conseguiram estes personagens importantes que Isabel mandasse de novo chamar Colombo á sua Côrte.

Partiu Colombo ao encontro dos monarcas que estavam em Santa Fé, cidade improvisada na Veiga de Granada, junto á capital dos Abencerrages, e destinada á combatel-a, apertando-a em cerco. Corria o anno de 1491.

A guerra absorvia os cuidados de Isabel: era ella a protectora de Colombo, porque Fernando{49} considerava sua idéa de utopia: a guerra foi ainda causa de que nada por emquanto se decidisse. Por fim cahiu Granada em poder de Castella: assistiu Colombo á scena da entrega das chaves do Alhambra e da cidade, da expulsão e desterro para a Africa dos reis Mouros e de quantos subditos seus se não prestaram a ser baptisados christãos. Presenciou tambem a entrada de Fernando e Isabel dentro dos muros da famosa capital que teve de derribar os crescentes Mahometanos das mesquitas e edificios, e erguer em seu logar a Cruz de Christo victoriosa e ufana.

Nada de decisão todavia á respeito dos projectos de Colombo, e já se entrava no anno de 1492. Desanimado com tantas demoras resolveu elle partir, e inesperadamente, de Granada, decidido a procurar outros governos, que lhe comprehendessem as ideias e as coadjuvassem.

Fallava em França e em Inglaterra, como apoios que lhe restavam, e d'ahi provém sem duvida a asserção de que elle se offerecera á Inglaterra para conseguir seus designios.{50}

Bem não havia deixado a côrte quando o Duque de Medina Celi e a Marqueza de Moya obtiveram que Isabel o ouvisse de novo. Não estava a Rainha vencedora de inimigos Mouros? Não estava delles liberta toda a Hespanha? Não havia o Papa applaudido a sua empreza e concedido aos monarcas hespanhoes o titulo de reis catholicos? Augmentasse ella seus louros gloriosos, tentando emprezas maritimas, aproveitando os talentos de Colombo, engrandecendo a Hespanha com conquistas ultramarinas, e abrindo á Europa o caminho das Indias.

Mandou-se procurar Colombo, que partira no proposito de abandonar a Hespanha. Regressou Colombo para Santa-Fé, e ordenou a Rainha se lavrasse contracto na conformidade do seu pedido.

É singular o contracto: tem data de 17 de abril de 1492, escripto e assignado em Santa-Fé. Declarando Fernando que não concorria para elle, Isabel tomou todas as despezas á sua conta e conta exclusiva de Castella, sem que o Aragão participasse.{51}

Dizia no 1.º § que Colombo teria para si durante sua vida o cargo de almirante nas terras que descobrisse e conquistasse; 2.º que seria vice-rei e governador, podendo designar tres pessoas á Rainha para ella escolher o que interinamente o substituisse; 3.º que poderia entrar com um oitavo das despezas do armamento e navios; neste caso lhe caberia mais um oitavo dos beneficios; 4.º que Colombo e seus herdeiros teriam direito a um decimo de todas as pedras preciosas, metaes, perolas, prata, ouro, especiarias e mercadorias; 5.º que á Corôa de Castella pertenceriam exclusivamente os dominios das terras achadas e conquistadas e suas respectivas rendas e beneficios; 6.º que Colombo e seus descendentes, logo que houvessem conseguido descobrimentos de terras, poderiam usar do titulo e honras de Dom, o que em Hespanha significava então fidalguia da primeira plana.

Logo que celebrou-se o contracto, a piedosa Rainha ordenou que se entregassem á Colombo duas caravellas armadas e tripoladas{52} convenientemente, confiando-lhe sua absoluta direcção, e pagando a Corôa os soldos e vencimentos dos officiaes, pilotos, empregados e marinhagem. Partiu Colombo radioso para Palos, porto designado para seu embarque, e levou comsigo as ordens régias necessarias afim de que as cumprissem as autoridades, alcaides, corregedores, e empregados civis e militares.

Ganhara emfim o premio de cinco annos de trabalhos, desesperos, mofas, zombarias, com a paciencia, a resignação, o talento e a pertinacia nos designios, que lhe assoberbavam o animo.

Era Palos um pequeno porto á margem do rio Tinto, quasi em sua juncção com o rio Odiel; apenas reunidos ambos lançam-se no mar, ao occidente de Cadix e quasi nas proximidades da Andaluzia com a provincia portugueza do Algarve. Porto naquella epoca frequentado por mercantes, e abastado de navios e marinheiros, que se entregavam ao commercio e á navegação costeira do Mediterraneo. Hoje acha-se inteiramente decahido e despovoado, porque os moradores transferiram-se{53} para o de Muguer, mais acima no rio e mais apropriado ás necessidades da povoação e ás exigencias da vida maritima. Palos ficava perto do convento da Rabida, e era a patria dos Pinzons, familia poderosa, que alli residia.

Pensaes acaso que custou caro á Corôa de Castella o favor feito á Colombo? Nem um sacrificio, nem o das duas caravellas. Teve apenas que pagar soldadas aos marinheiros e empregados. Havia o povo de Palos commettido, no anno anterior, um motim, um alvoroto contra as autoridades. Foi pela Rainha Isabel condemnado a dar as duas caravellas e toda a tripolação, commutada nisto a pena maior a que estava sujeito.

Comprehendereis agora, minhas senhoras e senhores, quantas difficuldades e talvez perigos ameaçavam ainda á Colombo e á sua empreza! Enfureceu-se a povoação de Palos ao ler o Alcaide, com todas as formalidades da lei, e no adro da egreja, a ordem régia, a sentença comminatoria e decisiva da Corôa. Quasi que houve segundo motim. Foi preciso que o prior João Perez viesse{54} acalmal-o com conselhos e exhortações religiosas; que chegasse força armada de Sevilha com corregedores á frente; que Martim Pinzon empregasse toda a sua influencia, propondo-se á dar uma terceira caravella de sociedade com Colombo afim de perfazer-se oitava parte das despezas da empreza, compromettendo-se tambem a acompanhal-o com seu irmão Vicente na navegação projectada, e provando assim que ninguem se devia temer e assustar diante da viagem projectada.

Não empregassem as autoridades o arbitrio e a força, violentando os povos de Palos, que nada ainda se conseguiria. Uma caravella, a maior, que Colombo denominou Santa Maria, de pouco mais de 100 toneladas de carga, de convez corrido, castellos na pôpa e na prôa, dous mastros com velas redondas e latinas, foi arrancada á força a seus donos; a outra, de 80 toneladas, chamada a Pinta, custou rateio aos moradores, lançando-se-lhes uma derrama segundo suas posses, e executando-se a pena incontinente sem aggravo nem appellação. Pinzon prestou uma menor, que{55} recebeu o titulo de Nina. Estas duas ultimas não tinham convez, eram abertas no centro, com accommodações na pôpa e prôa para os mareantes.

Imaginae que embarcações eram! Superiores lhes são de certo as actuaes sumacas costeiras, os pequenos brigues e escunas de cabotagem de nossos mares interiores e de nossos rios. Não é que faltassem então navios maiores, mas Colombo preferiu os pequenos, afim de poder approximar-se das costas, que exigiriam talvez menor calado de quilha.

Complicaram-se ainda as difficuldades para o calafeto, apparelhos e viveres, e para o recrutamento forçado da marinhagem. Fugiam todos, e foi necessaria uma verdadeira caçada de homens, que se prenderam, e presos trabalhavam diante de tropas que os vigiavam, empregando castigos rigorosos nos recalcitrantes.

A povoação lamentava-se, estremecia, chorava, porque acreditava a viagem uma loucura perigosa para fins desconhecidos, uma perda total dos{56} navios e morte certa dos mareantes, entre os quaes se incluiam numerosos parentes e amigos, obrigados á acompanhar Colombo.

Completou-se por fim a tarefa. Colombo confessou-se com o prior, os empregados e marinheiros com padres particulares. Colombo embarcou-se na Santa Maria, e dous dos Pinzons tomaram o commando das duas caravellas mais pequenas, levando todas cerca de 140 homens de tripolação. Soltaram-se as velas no dia 3 de agosto de 1492, e levantadas as ancoras, foram as embarcações descendo vagarosamente o rio e penetrando no mar que proximo e bem perto ahi roncava, emquanto que lagrimas e maldições dos povos de Palos continuavam a mal agourar a viagem.{57}

 

 

 

 

Cabeçalho

TERCEIRA CONFERENCIA

14 de junho de 1891

Commandando finalmente tres miseraveis caravellas, affronta Colombo ousadamente as vagas do mar Atlantico em procura das Indias, dessas maravilhosas Indias que elle só conhecia pelos livros errados e mappas defeituosos, que a apresentavam e collocavam defronte da Europa e da Africa, terminadas nas costas do Cathay ou China, e nas ilhas do Cypango ou Japão. Na sua convicção, na sua crença profunda, na sua fé, as Indias não estavam muito longe de Marrocos e de Portugal, separava-se apenas o Oceano Atlantico, e a ellas se podia chegar directamente pelo rumo de oeste.{58}

Velas ao largo, ventos mais ou menos favoraveis, mais ou menos ligeiramente agitadas navegavam as caravellas, engolfando-se no oceano, rumando ao principio ao SO. á procurar as Canarias, situadas á cerca de 27 gráos de latitude, e que lhes deviam servir de ponto intermediario da viagem. Não lhe ensinavam o caminho os mappas geographicos, os esclarecimentos do seu amigo Toscanelli de Florença, e bem assim o globo ultimamente publicado e attribuido ao mestre Behaim, de Nuremberg, que elle conhecera quando em serviço de Portugal?

Não figuravam todos esses documentos o Japão ou Cypango na mesma latitude, pouco mais ou menos, das Canarias, e, na mesma longitude, pouco mais ou menos, em que depois foi encontrada a Florida?

Ao largar do porto de Palos, abriu Colombo um livro em branco, e denominou-o jornal de sua viagem. Dedicou-o aos reis da Hespanha. Conserva-se ainda nos archivos da Corôa este precioso documento, e foi publicado no seculo{59} presente, pelo celebrisado geographo Navarrete em sua interessante collecção de viagens. Escrevia nelle Colombo dia por dia e minuciosamente os successos da sua derrota, desde o momento de deixar a barra denominada de Saltes. Com uma introducção pomposa, assim começa:

In Nomine Domini Nostri Jesus Christi—Encarregado pelos muito altos, poderosos e excellentes reis da Hespanha, etc.—de descobrir os paizes e habitantes das terras das Indias e um Principe poderoso chamado o Grão-Kan da Tartaria, etc.—afim de convertel-os á nossa santa Religião Catholica, Apostolica, Romana—parti de Palos a 3 de agosto de 1492, etc. Cada noite escreverei neste livro tudo quanto se passar durante o dia.—

Devemos, pois, dar todo o credito a estas notas, e assentar sobre ellas nossas observações de preferencia ao que referem muitos escriptores, que, para agradarem ao publico, inventaram episodios que se não encontram no jornal de Colombo e nem se provam documentalmente. Não fallo só dos escriptores contemporaneos de Colombo como{60} Oviédo, Las Casas, Pedro Martyr, Cura de Palacios: refiro-me tambem aos posteros como Herrera, e Garscilaso, e até aos mais modernos como Benzoni, Munoz, Robertson, Prescott e Irving.

Tratou o chefe da pequena frota de captar desde logo a confiança e a estima dos subordinados, de impôr-lhes respeito, e ao mesmo tempo de embeber-lhes no animo a crença de que se não navegava a esmo e sem destino certo, mas que se caminhava direito para as ilhas do Japão encostadas ás Indias e fronteiras ás Canarias. Visto que elle expunha sua vida, que lhe devia ser preciosa, não tivessem os companheiros receio de entregar-se á sua direcção. Encontrou felizmente auxiliar de immenso valor e influencia em Martim Pinzon, que efficazmente o coadjuvou nos mais difficultosos transes e perigos da viagem, e que era muito venerado pela maioria da equipagem, pertencente ao porto de Palos.

Ao correr o terceiro dia de viagem o leme da Pinta desconjuntou-se, e trabalho insano exigiu para se concertar no meio do mar, mais ou menos{61} açoitado pelos ventos. Demorada foi, por isso, a viagem até ás Canarias, e tornou-se necessario moderar e equilibrar a carreira dos navios para que dia e noite navegassem proximos e á vista.

Arribou-se á ilha Gomera; praticaram-se os reparos das caravellas, refez-se a aguada, carregou-se lenha e conseguiram-se algumas provisões. Continuou-se a viagem, e agora rumo directo de oeste, entranhando-se em mares não devassados ainda nem pelos Portuguezes, que se achegavam ás costas africanas para as correrem para o sul, e descobrir-lhes os portos e ancoradouros. As ilhas Canarias, apezar de encontradas pelos Portuguezes em suas excursões maritimas, e de pretender o Duque de Viseu consideral-as por isso de seu dominio, Portugal foi compellido á reconhecel-as propriedades de Hespanha porque navegantes hespanhóes as tinham descoberto antes dos Portuguezes, e dellas tomado posse em nome da Corôa de Castella.

Que sustos assaltaram as tripolações ao passarem pela ilha de Tenerife no momento em que do{62} seu pico saltavam flammas de fogo, que illuminavam a atmosphera! Era para elles novo o espectaculo de uma erupção volcanica, e custou bastante á Colombo explicar-lhes a natureza de phenomeno natural, citando-lhes os exemplos do Etna na Sicilia e do Vesuvio em Napoles.

Iam desapparecendo os dias e as noites, andando-se sempre, e nem um signal de terra! Ás vezes calmarias detinham a marcha dos navios, batendo nos mastros as velas inertes, e soffriam mais que nunca os mareantes incommodos dos balanços descompassados dos navios sobre as aguas aliás tranquillas do oceano!

Adiante caminhava sempre a Pinta por mais veleira, sustendo de quando em quando a marcha para não separar-se das caravellas companheiras. Tinha-se percorrido cerca de duzentas leguas, e apenas se encontrara boiando sobre as aguas um pedaço de mastro de navio! Começavam já a assustar-se os marinheiros, apezar de recontar-lhes sempre Colombo, que na distancia de setecentas leguas das Canarias estavam os{63} opulentos portos e cidades riquissimas do Japão e da China, e ahi se encontrariam thesouros que compensariam os trabalhos! Quantos espiritos começaram entretanto a prostrar-se! Teriam dito adeus ao mundo que deixavam atrás de si? Não veriam mais os compatriotas, os amigos, as familias, o torrão natal, tudo que o homem mais preza e estima em vida! Diante o cahos, o mysterio, o perigo! Mais de um marinheiro velho chorou, lembrando-se da patria!

Quatrocentas, quinhentas leguas tinham-se vencido, e nada de terra!

E o que por alguns momentos abalou um tanto tambem á Colombo foi observar com o cuidado e pericia que elle empregava, que a agulha variava durante as noites e manhãs. Tres dias meditou observando e occultando o phenomeno. Perfeita estava a bussola. Seria causa a estrella polar, que como os demais corpos celestes soffria evoluções e descrevia cada dia um circulo em derredor do polo? Assim o declara em seu jornal haver conjecturado.{64}

Previdente como era, e adivinhando murmurios da tripolação, havia formado desde as Canarias dous cadernos de estimativa, um verdadeiro e exacto para seu uso, e outro para ser a todos aberto e mostrado. Neste ultimo diminuia diariamente as milhas caminhadas, afim de se não amedrontarem os marinheiros com as distancias percorridas.

Felizmente que para infiltrar nos animos alguma coragem, alli appareciam de quando em quando uns monticulos de terra com arbustos balanceados pelas vagas; acolá esvoaçava um passaro aquatico e tambem uma meia duzia delles logo depois se mostravam.

O que produzia alguma esperança nos navegantes era a limpidez, a temperatura da atmosphera, muito menos quente em egual latitude que a das costas de Africa.

De bordo dos navios fazia-se fogo e matava-se um ou outro dos passaros volantes; e ás vezes apanhavam-se peixes que serviam de agradavel repasto.{65}

Em diversas occasiões illudiram-se com aspectos de nuvens accumuladas, que figuravam terras. Disparavam então em gritos de alegria, entoavam canticos de agradecimento aos céos! Tombavam de novo nas apprehensões e sustos ao verificarem o engano. Já claramente se manifestava a decepção dos animos dos tripolantes; terras não appareciam: os indicios que se notavam, bem que se succedessem uns após outros, não bastavam para acredital-as deante de si. Não houve propriamente alvoroto ou revolta, mas a decepção mostrava-se tão intensa já, que se devia temel-o. Propalava-se francamente a opinião de que era mister retroceder, afim de se não perderem todos, homens e caravellas! Colombo quasi não comia e nem dormia, observando durante toda a noite os astros, relanceando os olhos pelo firmamento, e procurando descobrir-lhe o termo no mysterio das aguas!

Uma vez, a 25 de setembro, ao anoitecer, Martim Pinzon gritou da pôpa da Pinta para as duas caravellas, que tinha avistado terra, e queria{66} um premio, apontando para o SO. e mostrando uma longa listra preta por cima dos mares, destacada no fundo do horizonte. Todos proromperam em vivas! Echoou pelo limpido horizonte e em solemnes saudações o cantico de Gloria in excelsis, acompanhado pelas vozes de toda a equipagem!

Enganadora illusão! Era uma nuvem que no dia seguinte já se não via no espaço! A aurora desfizera todas as apparencias de terra, bem que durante a noite para ella, que estava ao SO., se navegasse a pannos largos, desviando-se do rumo de O. De quando em quando repetiam-se estas scenas creadas pela imaginação e desejos dos navegantes, e nada de terra, bem que mais de 700 leguas se tivessem já caminhado pelo oceano, pensando a tripolação que só 500 devassara. Eis, porém, que começaram a apparecer passaros de diversas qualidades, e hervas em montes e parecendo frescas, que concorriam bastante para alliviar os sustos!

Corria a noite de 11 de outubro, e estava Colombo encostado á amurada do castello da prôa,{67} meditabundo e abatido, como que desanimado, sentindo apenas rebentar-lhe do peito uma ultima esperança brotada da profunda convicção, que unica o alimentava.

Mais de oitocentas leguas tinham andado desde a ilha de Gomera. Não dava o globo attribuido á Behaim posição das ilhas do Cypango ahi por perto, segundo os livros do viajante terrestre Marco Paulo? A quantidade de passaros que se encontravam no espaço, a direcção de seus vôos para o Oeste, não o confirmavam? Por elles se não regulavam os Portuguezes, com quem aprendera em suas viagens? Não mostravam-se ainda frescas as hervas e arbustos que apanhavam de sobre as aguas? Peixes verdes, só proprios de rochedos, não se colhiam aos anzóes? No estendido horizonte, ao som monotono das ondas rebentando nos flancos dos navios, não adivinhavam seus olhos alguma cousa extraordinaria?

Davam 10 horas quando elle como que deslumbrou em frente uma luzinha, que se movia. Navio não podia ser. Não o havia naquellas{68} paragens. Temendo illudir-se chamou um piloto e mostrou-a. Confirmou-lhe o piloto que era luz. Chamou outro, que foi da mesma opinião. A luz ora desapparecia, ora manifestava-se quasi claramente. Colombo ordenou que a marcha fosse parallela e não em direitura á luz, para melhor se reconhecer a verdade.

Soavam duas horas depois da meia-noite, quando um tiro de peça de bordo da Pinta estrondou repentinamente. Todos levantaram-se, correram, subiram, uns aos mastros, treparam outros por sobre as amuradas. Seria devéras terra? Não equivaleria ainda a uma illusão?

A terra desenhava-se feliz e francamente agora na deanteira dos navios. Revelara-se o grande mysterio do oceano: estava ganha a gloria para o navegador intrepido e arrojado!

Podemos imaginar a scena. Que espectaculo sublime apresentou então a equipagem dessas tres caravellas! Estavam, devéras, deante das Indias? Haviam-nas descoberto? Ou que terra era esta ao Oeste em tanta distancia da Europa, em mares{69} desconhecidos e nunca perturbados pelas quilhas de navios? Mandou Colombo amainar um pouco a carreira das caravellas afim de ir a pouco e pouco melhor observando.

Na sexta-feira 12 de outubro de 1492, ao romper da alvorada, contemplou Colombo o Novo Mundo, o mundo que posteriormente foi denominado America! Que importa que elle pensasse, como sempre pensou, e morreu ainda assim pensando, que descobrira as ilhas e costas Indiaticas, e não um novo hemispherio, collocado entre a Europa e a Asia, e correndo de um para outro polo? Não tinha com o seu genio, com seus estudos e trabalhos, percebido terras novas defronte da Africa e Europa?

Não fôra elle o primeiro Europeu a seguir esse caminho directo do Occidente, em vez de procurar outro pelo Cabo da Boa Esperança, dobrado em 1486 pelos Portuguezes que persistiam em por elle continuar, seguindo rumo para o Oriente, o que triplicava, quadruplicava a distancia e duração da viagem? Para Colombo não houve duvida mais,{70} estavam alli as Indias, e ás terras que descobria foi dando o nome de Indias Occidentaes, como costas oppostas ao Indostão que os Portuguezes procuravam.

A terra que via Colombo defronte de si pareceu-lhe uma ilha, não montanhosa, mas coberta de espessos e altos arvoredos. O aspecto encantava, e á proporção que os navios se approximavam, foram apparecendo homens, sahindo dos bosques, e que se collocavam curiosos nas praias a olhar para as caravellas. A atmosphera diaphana, perfumada, mais ainda o enchia de contentamento e enthusiasmo.

Lançam-se ao mar as ancoras. Tres chalupas enchem-se de homens armados. Colombo embarca-se em uma, coberto com um manto encarnado, de espada em punho e sustentando no outro braço o estandarte real de Castella e Aragão. Os dous irmãos Pinzons descem para as outras duas. Rema-se para terra. Os habitantes curiosos fogem para os bosques. Colombo salta: ajoelha-se, rende Graças a Deus, beija o chão e derrama lagrimas{71} de alegria! Resoam os ares com canticos a Deus, em córos repetidos. Colombo estende então a espada, levanta o estandarte, e, rodeado de seus companheiros, declara a terra de posse e propriedade da rainha de Castella e do rei de Aragão, e dá-lhe o nome de S. Salvador. Manda pelo escrivão lavrar termo com todas as formalidades e jura aos Santos Evangelhos que, na qualidade de almirante e governador em que se considera desde aquelle instante, obedecerá escrupulosamente ás régias magestades, que representa como subdito fiel e dedicado.

Todos saudam, applaudem o chefe, proclamam sua autoridade, e juram-lhe egualmente obediencia.

Os naturaes da terra descoberta, notando a attitude tranquilla dos invasores, vão perdendo os sustos, de que a principio se tinham apoderado; sahem á pouco e pouco dos bosques, bem que se mostrem bastantemente suspeitosos. Homens, mulheres, todos nús, de uma côr de cobre, cabellos pretos e compridissimos, ás vezes pelo{72} corpo, pelos narizes e pelo rosto pinturas toscas com tintas differentes: talhe ordinario e elegante!

Mais se confirma Colombo de que está nas Indias, porque Marco Paulo dizia que a côr dos Indios não era branca como a dos Europeus, e que na China, Japão e Tartaria puxava ella mais ou menos para o bronzeado e o amarello. Como porém estavam nús? Como não via habitações, cidades, taes e tão ricas como Marco Paulo apregoara?

Dirigiram-se para os gentios signaes de chamada, gestos de caricias, mostrando-lhes bugigangas de pedrinhas, rosarios de contas, carapuças coloridas. Posto que exprimindo palavras meigas e amigaveis, não eram entendidos! Mas a pouco e pouco se foram os gentios approximando, empunhando lanças pontudas de páo, e sem ceremonia recebendo os presentes, que se lhes offertavam, e que pareciam alegral-os.

Ao cahir da tarde retiraram-se os hespanhóes para bordo das caravellas; no dia seguinte viram, antes de desembarcarem de novo, numerosos{73} gentios nadando á roda dos navios e batendo palmas, como para saudal-os, e muitos em canôas compridas ou pirogas movidas com remos. Traziam de terra bolos ou pães de mandioca, que offereceram aos navegantes europeus.

Estavam travadas as relações. Voltaram á terra os hespanhóes. Perceberam então pequenos ornamentos de ouro, de que os gentios usavam, e que trocavam por bugigangas, rosarios e carapuças. Colombo prohibiu logo o trafico do ouro, por pertencer á Corôa por seu contracto.

Perguntou-lhes por signaes onde estava o ouro, e elles apontaram para o lado do sul. Havia, pois, terras ao sul, e nellas ouro. O ouro era o principal incentivo dos aventureiros.

No dia 14 reconheceu o almirante, embarcado em uma chalupa, as costas da ilha, e viu ao pé uma outra pequenina, que hoje se chama Whattling, e que era a que mostrara-lhe a luz, por elle percebida na noite de 11. Arvoredo espesso, excellentes aguas, praias faceis, e umas pequenas aldêas nos bosques.{74}

Tomou o almirante a seu bordo sete gentios, na intenção de ensinar-lhes castelhano e servirem elles de guias e interpretes. Prestaram-se-lhe de boa vontade, convidados com caricias.

Deixou a ilha de S. Salvador e seguiu rumo do sul, e o mais lindo panorama se lhe desdobrou então aos olhos. Numerosissimas ilhas salpicavam os mares. Penetrava-lhe pelos sentidos um aroma agradavel dos bosques.

Cada vez mais acreditava Colombo que estava nas Indias, porque Marco Paulo declarara que o Cypango continha uma enorme quantidade de ilhas, abundantes de especiarias e arvores odorificas.

Em uma desembarcou, dando-lhe o titulo de Conceição, povoada como S. Salvador; depois em outra que chamou Fernandina; logo após em uma terceira, cujo aspecto o inebriou, e por isso lhe poz o nome de Isabel; o mesmo espectaculo presenciou em todas: estavam cobertas de arvoredos gigantescos, eram habitadas por gentio manso e tranquillo.{75}

Passando pelo meio dessas ilhas numerosas proseguiu para o Sul, apontado pelos guias gentios de S. Salvador: chegou a uma terra immensa, e desembarcou em um excellente porto ao Norte, onde corria um rio copioso, por cujas aguas foi subindo facilmente.

Maravilhado do esplendor e magnificencia da terra, dos passaros multicores, das plantas que avistava, dos pinheiros e arvores fructiferas e desconhecidas pelos Europeus—exclamou:—Eis os Campos Elyseos! Não será Cypango?—Era a ilha de Cuba que elle descobria, e que intitulou Joanna, por ser este o nome da Princeza hespanhola filha de Isabel e Fernando.

Viu maior quantidade de ouro nos ornamentos dos gentios, mas não lhes entendeu a linguagem; nem o Arabe nem o Chaldeo fallavam! Pelos signaes com que elles respondiam mostrando-se-lhes ouro, atinou logo que o ouro vinha do paiz que estava mais ao Oriente. Viveu perfeitamente em paz com os indigenas de Cuba, e gastou dias em reconhecer parte das suas costas do Norte. Duvidoso si estava{76} em ilha ou em continente, entendeu todavia não lhe ser util perder tempo em examinar a terra, preferindo continuar até que deparasse povos civilisados e ricos, e que por emquanto não encontrava.

Deixou Cuba portanto, e seguiu rota para o ponto designado pelos gentios da terra, sempre que se lhe fallava em ouro. Navegou para ESE. No dia 5 de dezembro achou-se defronte da ilha do Haity, que denominou Hespanhola, e que é tambem conhecida pelo nome de S. Domingos.

Estudemos agora, ainda que succintamente, a geographia e topographia destas localidades, afim de colhermos maiores esclarecimentos que bem elucidem as peripecias do descobrimento.

Entre a ponta da Florida aos 25 gráos de latitude Norte e ás bocas do rio Orinoco aos 9 gráos, estreita-se a terra Americana pelo lado occidental, e forma então um isthmo, que se estende entre os dous grandes continentes, abrindo pelo Oriente uma larga bahia chamada das Antilhas, no fundo da qual ao occidente se escondem golphos{77} importantes como o do Mexico, de Honduras, de Darien e outros. A bacia que mais propriamente se appellida mar das Antilhas contém em seu seio as ilhas de Cuba, Jamaica, Haity; e na parte de Léste onde se confunde com o Atlantico é toda fechada por uma muralha ou linha quasi symetrica de ilhas maiores ou menores, chamando-se as situadas ao norte Lucayas, que pertencem ao grupo septentrional, e as do lado do sul Caraibas. Por entre as do Norte penetrara Colombo quando descobriu S. Salvador.

Está o Haity quasi aos 20 gráos de latitude Norte. É ahi que Colombo mais encantos encontrou, e foi a ilha que elle mais amou e sempre preferiu em sua estima. O clima, o sólo, as florestas, as flôres, os fructos, a posição, as minas de ouro que desde o principio ouviu dizer existirem nas montanhas do interior; todas estas circumstancias affeiçoaram-lhe sympathia particular. Durante sua vida considerou-a como a ilha de Offir, onde reconta a Biblia que Salomão mandava navios buscar ouro. Colombo morreu{78} na convicção que era o Haity a ilha indiatica do Offir.

Tratou logo Colombo de firmar pazes com os gentios, e de fundar ahi o dominio hespanhol, como em um centro que lhe abrisse as relações para as Indias quer insulares, quer do continente asiatico, que perto devia achar-se, segundo seus estudos e calculos.

Mostravam-se os gentios, seus habitadores, amigos e innocentes como os das outras ilhas que visitara; menos selvagens, todavia, porque observavam-se entre elles signaes de cultura de algodão, ainda que agreste, caminhos traçados atravez dos bosques, e aldêas regulares edificadas.

Com um cacique respeitavel chamado Guanacaguary abriu relações, presenteou-o, visitou-o, recebeu-o a bordo, e banqueteou-o agradavelmente.

Infelizmente na noite do Natal, descuidos dos officiaes de quarto deixaram a sua caravella arrastar-se pelas correntes impetuosas das costas, e ella enterrou-se em areias, de onde os mais{79} diligentes esforços não puderam arrancal-a. Perdida, naufragada assim a Santa Maria, seus tripolantes desembarcaram parte, e parte com Colombo transferiram-se para a Nina.

Encontrou Colombo em Guanacaguary auxilios para o salvamento de tudo que havia a bordo do navio naufragado. Cuidou incontinenti de estabelecer uma fortaleza, a que deu o nome de Natividade; nella depositou algumas peças de artilharia e gente destinada á guarnecel-a, e dispoz-se a voltar para a Hespanha, afim de levar noticias de seus descobrimentos e viagens, e pedir reforço de homens, com que pudesse sustentar e continuar suas conquistas.

Não queria deixar S. Domingos sem que alli permanecessem hespanhóes como nucleos de povoações futuras, defendidos pela fortaleza levantada e ligados em sympathia com os gentios. Convinha impôr a estes estima e respeito, de modo que quando regressasse de Hespanha para S. Domingos pudesse livremente proseguir em suas emprezas maritimas.{80}

Muitos marinheiros hespanhóes, agradados do clima e do gentio, prometteram-lhe ficar em terra. Era uma necessidade imperiosa, porque as duas caravellas, que sobravam, não podiam conter a equipagem das tres, que commandara, tanto mais que perdida fôra a maior. Ouviu, pois, com grande prazer que acceitassem quarenta hespanhóes a proposta de occuparem a fortaleza, durante sua ausencia, e desde logo devotou-se á idéa de partida.

Enlevou-se-lhe a imaginação em vôos altanados, em allucinações mysticas, em projectos extravagantes. Não annunciara no seu jornal de bordo que Isaias o amparava e impellia para espalhar por todas as partes do mundo que encontrasse, a Religião do Crucificado? Não estava talvez predestinado para augmentar a influencia da Egreja Catholica? Não poderia egualmente arrecadar nos paizes conquistados riquezas taes, que lhe facilitassem os meios de ir com um exercito poderoso salvar o tumulo de Jesus Christo, e repôr e firmar em Jerusalém o culto do verdadeiro{81} Deus? Não era isto para elle um sonho; era um desejo, uma ancia, uma inspiração do céo, que lhe parecia sorrir como idéa realizavel, tão pratica e facil como fôra o descobrimento das Indias Occidentaes. Afim de conseguil-o carecia, porém, de gente, de armas, de soccorros de Castella, e era seu proposito, regressando á Hespanha, enthusiasmar os monarcas e povos, e alcançar delles os recursos com que voltasse habilitado para os mais grandiosos emprehendimentos.

Em Genova estava sua familia carnal, seu berço; Hespanha, porém, agora, Hespanha que o coadjuvara nos seus heroicos designios tornara-se sua patria de adopção, e por Hespanha e gloria de Hespanha convinha-lhe sacrificar-se. Exaltado o espirito, inundava-se de visões; é assim organizado o genio, inflltra-se-lhe um atomo de loucura, e realiza então grandes feitos ou meritorios, e extravagantes actos que só brotam do mysticismo das idéas que o dominam. Aquella atmosphera de Hespanha do XVI seculo respirava o mysticismo, a allucinação, e não se podia{82} resistir-lhe. Colombo, que já se deve dizer hespanhol, Ignacio de Loyola, Santa Thereza de Jesus, e tantos outros engenhos superiores, perdem-se nessa abstracção de idealidade mystica, de arroubos espirituaes de singular natureza, dignos entretanto da mais sincera admiração!

Firme no proposito que amadurecera, fortifica seriamente a Natividade com sufficiente artilharia; confia o presidio á quarenta homens, aos quaes nomeia chefes, e deixa-lhes instrucções miudas para viverem bem com os gentios, recommendações de muita prudencia e paciencia, e affiança-lhes que voltará breve para o meio delles, trazendo milhares de companheiros, e premios de preço pelos seus serviços e denodo. Com as equipagens dos tres navios, se não conseguiriam as grandes emprezas que agora começam; de Hespanha deverão vir os auxilios de gente para leval-as ao cabo. Aos que ficam cabe mais honra e mais gloria que aos que o acompanham na volta para a patria. Alcança assim promessas de obediencia e trata do seu regresso á Europa.{83}

Aprestadas regular, convenientemente as duas caravellas; carregadas com pequenas quantidades de algodão, que conseguira; de bastantes plantas exoticas e aromaticas, papagaios e aves desconhecidas, de colorido deslumbrante, macacos e uma duzia de gentios que se dispuzeram a seguil-o; levando tambem a pequena quantidade de ouro em joias e adereços que recebera dos indigenas; despediu-se Colombo amoravelmente dos quarenta companheiros que ficavam no forte da Natividade e do cacique seu amigo, e fez-se de vela, seguindo rumo de NE., tomando o commando da Pinta.

Feliz e quasi tranquilla fôra a viagem para as Indias; a volta, porém, para Hespanha tornou-se lenta, trabalhada e perigosa. Mais ao norte dirigindo-se, encontraram-se mares bravios, romperam grandes temporaes e as duas pequenas caravellas por vezes sossobraram no meio das aguas do Atlantico, batidas e inundadas pelas vagas furiosas. Quantas vezes anteviu Colombo perdido todo o seu trabalho! E que dôr o assoberbava, lembrando-se de que outro não{84} descobriria esse caminho das Indias, que elle conquistara com seu arrojo e fé, caso morresse nos mares e com elle seus companheiros, sem que á Hespanha chegassem noticias! Que pericia não lhe foi preciso applicar ao governo dos navios, que coragem mostrar para animar as equipagens estafadas e desesperadas! Quantas promessas á Virgem Santissima, aos santos predilectos, caso se salvassem!

Avistaram felizmente a ilha de Santa Maria, no archipelago dos Açores, depois de andarem muitos dias á matroca as duas caravellas, entregues ás correntes do oceano, impellidas para onde os ventos as empurravam, sem poderem usar das velas, porque seria um perigo, nem tomar alturas por falta de sol e de estrellas; coberto sempre o céo de negras nuvens!

Com difficuldades obteve Colombo que as autoridades portuguezas da ilha lhe consentissem concertos nas caravellas e lhe prestassem alguns soccorros de viveres. Ao deixar Santa Maria, nova tempestade irrompeu, e tão impetuosa, que{85} separaram-se de uma vez a Pinta e a Nina. Colombo tratou por seu lado de procurar abrigo na primeira costa, e avistando as montanhas de Cintra, penetrou no Tejo com o seu navio, emquanto que a Nina commandada por Martim Pinzon, atirada mais para o Norte, seguia rumo differente.

Que espanto o da população de Lisboa ao avistar a caravella de Colombo apparecer á barra, subir o Tejo, fundear defronte de Belém, e, visitada, obter informações de que Colombo descobrira as Indias pelo Occidente!

D. João II mandou-o ir logo á sua presença, interrogou-o, ouviu-o attentamente e louvou-lhe a façanha em termos lisonjeiros e agradaveis, não manifestando a menor decepção ou despeito, acolhendo-o antes com cavalheirismo. Despediu-o com presentes, afim de que livremente seguisse para a Hespanha, depois de receber os soccorros de que carecia. De Lisboa tomou Colombo rumo maritimo para o Sul, e dobrado o Cabo de S. Vicente entrou na barra de Salter, na manhã do dia 15 de março{86} de 1493. Subido o rio Tinto, fundeava ao meio-dia em Palos, depois de quasi oito mezes de ausencia, que tanto durara a sua excursão maritima! Caso inesperado! Appareceu e chegou a Palos, na tarde do mesmo dia, a caravella Nina, cuja vista e noticia perdera Colombo desde a altura dos Açores. Depois de errar longos dias pelo oceano, alcançara egualmente Pinzon dar fundo no porto, de onde partira.

Imaginai, minhas senhoras e senhores, as impressões, as sensações, as alegrias, os exaltamentos, os transportes, a admiração dos habitantes de Palos, ao reverem seus amigos, ao saudarem a empreza portentosa que se commettera, e que elles nunca haviam pensado que se podesse realizar!

Tinham-se descoberto as Indias, e era Hespanha que se gloriava do feito, e antes que Portugal as deparasse! Por quasi um seculo inteiro Portugal as procurava em vão, emquanto que logo a seu primeiro ensaio de navegação maritima, ao primeiro e fraquissimo commettimento que praticara{87} Hespanha, com tres miseraveis caravellas, abrira para as Indias o caminho da Europa!

Não se devia tudo ao genio de Colombo? Á sua audacia, á sua pertinacia, á sua paciencia, á sua sciencia, á seus trabalhos? Não arriscara seu nome, sua vida, em serviço e gloria de Hespanha?

Pensavam-no perdido, morto talvez, porque nem uma confiança depositavam nem sabios nem povos em sua temeraria e louca empreza, e eil-o com seus navios, radioso, triumphante, coberto de glorias!

Correram todos a recebel-o, a vel-o, a ouvil-o, a perguntar noticias dos amigos, das terras descobertas, dos novos mundos das Indias! Com difficuldade pôde elle desembarcar, dirigir-se á egreja a render graças á Deus! As ruas cobriram-se de folhas de arvoredos, as casas ornaram-se de cortinas, aos ares subiram os fogos, estrondaram as peças de artilharia, repicaram festivamente os sinos dos templos, repercutiram estrondosamente os gritos e saudações geraes, espontaneas. Foi para{88} Palos um dia de incomparavel jubilo, de alegria louca, de transportes patrioticos! Reis não são acclamados com mais espontaneidade e enthusiasmos! Como que um delirio se apoderava de todos os animos!

Sabendo Colombo que os reis catholicos estavam em Barcelona, para elles escreveu logo e fez partir emissarios communicando-lhes sua chegada.

Depois de rever seu amigo, o prior João Perez, a quem tanto devia, partiu para Barcelona, levando em seu sequito os gentios que trouxera, e cujas figuras causavam espantosa admiração, e as plantas, aves e animaes exoticos que trazia das terras descobertas, bem como os pequenos ornamentos de ouro que colhera e que mais excitavam as cobiças.

Por toda a estrada que vai de Palos á Barcelona derramavam-se multidões de povo: tomavam suas togas as autoridades, os alcaides, os corregedores para o comprimentarem; os sacerdotes benziam-no cobertos das mais esplendidas vestes; a plebe applaudia-o, saudando-o estrepitosamente.{89}

Era uma marcha triumphal, que lembra as honrarias dos antigos vencedores romanos, voltando de suas conquistas e carregados de despojos e prisioneiros.

Nas grandes e pequenas cidades que atravessava, ruas, casas, edificios se paramentavam, levantando bandeiras, espalhando illuminações, tocando sinos, roncando a artilharia, e resoando os ares com vivas, gritos enthusiasticos, e sons repetidos de musica.

Custava-lhe escapar á curiosidade das populações, que a cada passo estorvavam-lhe a marcha. A exageração de seus feitos inventava prodigios, e coroava-o como ente extraordinario!

Que admiração pelos gentios, pelos macacos, pelos papagaios! Que esperanças no ouro! Tudo era assombro! Seria milagre, sim, que os Hespanhóes de então acreditavam em toda a especie de milagres.

Entrou em Barcelona acompanhado por clerigos, fidalgos, autoridades, militares, pessoas de todas as classes, que o acompanhavam, uns desde Palos, outros juntando-se-lhe pela estrada!{90}

Acolheram-no os reis catholicos com a maior amabilidade, cercados de toda a sua esplendida e luzida côrte, e ao chegar Colombo para perto delles, levantaram-se do throno, abraçaram-no, mandaram-no sentar a seu lado, e ouviram-no com a maior attenção e curiosidade. Te-Deums nas egrejas, musicas pelas ruas, trophéos e arcos, illuminações, tudo manifestava a gloria de Colombo, e os reis de Hespanha passeavam com elle pelo meio do povo, para o honrarem e engrandecerem!

Decretaram logo os reis um premio á Colombo de trinta corôas de ouro, por haver sido o primeiro que avistara terras das Indias: não fôra quem descobrira a luz nocturna da ilha de Wattling, proxima da de S. Salvador? Concederam egualmente armas á sua familia com a legenda:

Por Castilla y por Leon
Nuevo mundo alhó Colon.

Fizeram partir incontinente para a França, Italia, Allemanha emissarios annunciando que{91} Colombo descobrira as Indias para a Hespanha! Os reis catholicos ostentavam-se vangloriosos dos feitos de Colombo, e prometteram-lhe coadjuval-o em tudo quanto meditasse e emprehendesse. De differentes pontos da Europa receberam parabens, e tambem de Roma não tardaram embaixadores, que o Summo Pontifice enviava para congratular Isabel e Fernando e entregar-lhes uma bulla que promulgaram na cidade eterna, concedendo-lhes, no tocante ás regiões descobertas por seus subditos, direitos eguaes aos que Portugal recebera no tempo do infante Dom Henrique de Vizeu. Para que se não travasse conflicto entre as duas Corôas, que tinham entrado em emprezas de conquistas ultramarinas, declarou o Summo Pontifice na referida bulla, que traçada uma linha ideal do polo do Norte para o polo do Sul, a cem leguas ao Oeste das ilhas dos Açores e Cabo-Verde, as terras do oriente pertenceriam a Portugal e as do occidente á Hespanha. Assim decidia o Papa da sorte do mundo, não sendo de estranhar que o rei{92} de França perguntasse-lhe em que verba do testamento de Adão achara Sua Santidade o direito de distribuir os territorios do globo!

Convencidos os reis em presença da exposição pomposa que lhes fez Colombo das grandezas das ilhas indiaticas que descobrira; das vantagens que colheriam fazendo dellas suas conquistas, e povoando-as de Hespanhóes; do ponto de apoio que ahi deparariam para estender suas relações e dominação ás Indias; convencidos mais ainda ao apresentar-lhes Colombo os gentios e explicar-lhes que eram da raça das Indias, segundo ensinavam os livros dos viajores que tinham visitado aquellas partes do mundo, e conformes em tudo, traços, côr e fórmas com os chins e tartaros, doceis para receberem o baptismo, e crerem na religião de Christo, não se demoraram em expedir ordens terminantes para apromptar-se uma esquadra de navios, embarcar-se nella grande quantidade de gente, artilharia, armas, munições, cavallos, gado, e o que mister fosse para lá empregar-se, e confiar tudo á inteira e{93} exclusiva disposição de Colombo, afim de que proseguisse nas descobertas, munido de elementos poderosos com que praticasse a guerra, sendo preciso, e firmasse posses da Corôa, que durassem, e excluissem alheias pretensões.{94}

{95}

 

 

 

 

Cabeçalho

QUARTA CONFERENCIA

28 de junho de 1891

Logo que soou aos espertos ouvidos de El-Rei D. João II, de Portugal, a noticia de que o Santo Papa publicara e enviara aos reis de Castella e Aragão uma bulla concedendo-lhes terras a descobrir, além de 100 leguas ao Occidente das ilhas de Cabo-Verde, protestou immediatamente contra o direito que a curia romana se arrogara e declarou aos reis de Castella e Aragão que se não submettia ás bullas Pontificias.

Um conflicto poderia nascer deste incidente, caso não chegassem a accordo amigavel os monarcas de Castella, Aragão e Portugal; um tratado, porém,{96} celebrado em Tordesilhas, em 1493, estendendo a linha ideal traçada de 100 a 365 leguas, e compromettendo-se os soberanos a respeitar em tudo mais a bulla referida, serenou os animos timoratos, e puderam, então, desassombrados de sustos de guerra, cuidar os reis de Hespanha de aprestar a expedição maritima, militar e colonisadora, promettida a Colombo, para que elle continuasse na empreza do descobrimento das Indias Occidentaes, tão felizmente iniciada em sua primeira viagem.

Olhava Isabel particularmente para os interesses da religião catholica. Quanto não ganharia Castella propagando o Christianismo nas Indias, chamando ao gremio da Egreja Romana tantas almas pagãs, perdidas naquelles desertos, baptizando e salvando infelizes creaturas, a quem estava feixado o reino dos céos!

Para outra direcção pendia Fernando de Aragão. Salvação de almas era para elle questão secundaria. A principal consistia em conquistar terras, augmentar dominios, alcançar riquezas para Hespanha, e dos relatorios pomposos e discursos{97} bombasticos de Colombo derivava-lhe a ideia de que immensas vantagens resultariam de uma segunda viagem de exploração.

Combinavam, portanto, agora, tanto Isabel como Fernando nos desejos e propositos de coadjuvar a Colombo, e de facultar-lhe todos os meios com que podesse realizar seus projectos.

Decretaram immediatamente uma leva de soldados e marinheiros, e uma esquadra de dezesete navios armados, que tudo se collocava á disposição de Colombo. Já não servia o pequeno porto de Palos para tão grande empreza. Foi designado o de Cadix, muito mais importante. Annunciou-se egualmente que á bordo se receberiam voluntarios militares, maritimos, profissionaes de industrias, missionarios, medicos, pharmaceuticos, agricultores, que quizessem partir para a conquista das Indias Occidentaes ultimamente descobertas. Transmittiram-se ordens ás autoridades de Andaluzia para se prestarem ao serviço, e aos recebedores das finanças para despenderem as sommas necessarias.{98}

Que contraste entre a segunda viagem, que vai Colombo emprehender, e a primeira effectuada em 1492, em que apenas teve sob seu commando tres miseraveis caravellas com 140 homens de tripolação, e quasi que sem despender o thesouro de Castella quantia notavel de dinheiro!

É que os reis agora estavam convictos de abundantes proventos, e tambem exaltava-se favoravelmente a opinião do povo. Então fôra preciso recrutar á força gente, derramar tributos, arrancar a seus donos os miseraveis e velhos chavecos que partiram de Palos, no meio dos choros, maldições e desesperos dos habitantes. Mas em 1493 todos queriam ir, brigavam por ir. Foi mister determinar que não mais de 1.200 pessoas se recebessem a bordo da esquadra. Cavalleiro avido de distinguir-se em emprezas romanescas; especuladores que pensavam encontrar riquezas que os saciassem; navegantes que sonhavam viagens maritimas venturosas; missionarios inflammados do zelo de promover a dominação da Egreja e o conhecimento da verdadeira fé; fidalgos, plebeus,{99} obreiros, lavradores, commerciantes, todos corriam pressurosos á offerecer-se para a partida. Não os olhavam mais as populações como victimas de temerarios e loucos planos; tinham-lhes agora inveja pelas opulencias e ouro que de certo adquiririam.

Dizia Lopo da Vega em uma comedia famosa:

Nono lhos leva christandad,
Sino el oro y la codicia.

Tal era o enthusiasmo que produzira a primeira viagem de Colombo, e tão exageradas se espalhavam as noticias das grandezas e magnificencias das Indias Occidentaes por elle felizmente encontradas!

Trabalhosa foi a tarefa de escolher a gente que pretendia embarcar. Colombo, queixoso dos Pinzons, não os quiz mais para companheiros. Escolheu outros pilotos e mareantes; acceitou egualmente varios fidalgos pobres, que lhe pareceram animados do espirito guerreiro hespanhol. Entre elles alistou-se um cortezão muito afamado pelo seu valor na conquista de Granada,{100} e pelas suas aventuras romanescas. Chamava-se Alonzo Ojeda, e vaticinara-lhe a sorte uma brilhante fama, bem que minguada de proveitos e de felicidade. Mais de mil e duzentas pessoas embarcaram em tres grandes galés, e quatorze caravellas, estas maiores de cem toneladas, e aquellas de trezentas, guarnecidas todas e convenientemente de peças de artilharia, e dos melhores petrechos de guerra e apparelhos de navegar. Não houve profissões e classes da sociedade que alli se não representassem, bem como todas as especies de animaes domesticos, sementes de plantas, cepas de vinha, cannas de assucar, e outros objectos de industria preciosos, e de necessidades domesticas e publicas.

De Cadix partiu a esquadra, no dia 25 de setembro de 1493, no meio das saudações estrondosas do povo. Collocava-se emfim o governo do reino, francamente, á testa de emprezas maritimas, e despendia com largueza as sommas necessarias. Da primeira viagem de Colombo, si nem a elle e nem á Corôa couberam vantagens{101} materiaes, visto que sob este ponto de vista fôra improficua, da segunda muito se esperava. Entrara tarde em descobrimentos de terras ultramarinas, mas entrava com resolução, vigor e poderosos elementos, e por isso Hespanha conquistou glorias imarcessiveis e proventos espantosos de riqueza e opulencia.

Da sua capitanea apenas de posse, transmittiu Colombo aos commandantes dos outros navios instrucções precisas para as eventualidades da viagem. Seguiu ao SO. para Gomera, onde refez-se de algumas provisões e aguada. Tomou rumo dahi em direitura para o Haity, mais ao sul do que o fizera na primeira expedição. Aos 15 gráos de latitude N. descobriu, no dia 1 de novembro, numerosas ilhas em frente da esquadra. Estavam todas cobertas de vegetação abundante, que exhalava perfumes pela atmosphera; comprehendiam-se no grupo das chamadas Antilhas, que pelo Sul e Léste feixam o mar interior por ellas separado do Atlantico. Dirigiu-se para a mais proxima e deu-lhe o nome de Dominica. Não{102} encontrando ancoradouro seguro, desembarcou em outra quasi tão extensa, que appellidou Maria Galante. Levando comsigo por interpretes os gentios que o haviam acompanhado de Haity á Hespanha, e que já fallavam um pouco o idioma castelhano, tratou de reconhecel-a, e entender-se com os indigenas.

Não encontrou, porém, nem-um signal de população; só florestas espessas.

Dirigiu-se então para uma terceira, chamada por elle Guadelupe. Visitou uma aldêa, de onde fugiram os habitantes ao avistarem navegadores estranhos, deixando apenas crianças abandonadas, que Colombo esmerou-se em adornar com rosarios e braceletes de contas, no intuito de patentear seus propositos pacificos para com os indigenas. Essa aldêa mostrava-se semelhante ás de Cuba, S. Salvador e Haity; conteria quarenta casinhas collocadas em um quadrado, construidas de madeira, cobertas com folhas de palmeiras. A aldêa tinha só sahida por uma especie de portico. Dentro das casinhas rêdes de algodão para dormir,{103} algodão em rama e trançado, arcos e flexas, e utensis de pedra e madeira. Horrorisaram-se estupefactos os hespanhóes, notando craneos humanos pendurados, que os gentios interpretes declararam pertencer á inimigos prisioneiros, que os Caraibas, terriveis habitadores das ilhas do sul, matavam para comerem e devorarem em seus festins e folguedos. Pelas praias encontraram canôas de um só tronco de arvore, mas enormes, em que cabiam quarenta a cincoenta homens.

Ordenou Colombo que uma partida de marinheiros commandada por Ojeda penetrasse no interior da ilha e examinasse seus sitios: voltaram elles, no fim do dia, conduzindo muitas mulheres, que os tinham procurado, e quizeram acompanhal-os. Soube, pelas conversas que os interpretes com ellas travaram, que haviam sido roubadas ás ilhas vizinhas e reduzidas á escravidão, e supplicavam as não deixasse elle naquella ilha entregues á ferocidade dos moradores que se tinham evadido com medo dos castelhanos. Comprehendeu Colombo que eram tribus de{104} barbaros que alli habitavam: acolheu as mulheres a bordo e continuou sua viagem, ancioso de chegar á fortaleza da Natividade no Haity.

Atravessou por entre muitas e innumeras ilhas de diversas dimensões, e deu fundo em uma que recebeu o titulo de Santa Cruz. Eis que de um promontorio surgiu-lhe uma piroga com bastante gente; apenas avistada mandou Colombo uma chalupa a seu encontro. Os gentios da piroga deitaram a fugir. Empunhavam arcos, disparavam no entanto flexas que feriram a varios hespanhóes, bem que defendidos por seus escudos. Combatiam tão valentemente como elles algumas mulheres. Cahiram os castelhanos sobre a piroga, viraram-na no abalroamento; mas os gentios e as mulheres que a guarneciam atiraram-se ao mar, e mesmo nadando faziam chover flexas sobre os hespanhóes, ao passo que desappareciam aos olhos mergulhando e impossibilitando sua perseguição. Percebeu-se que as flexas tinham veneno nas pontas, porque um dos castelhanos feridos morreu do virus communicado.{105}

Levantou então ancoras a esquadra e descobriu a grande ilha conhecida pelo nome de Porto Rico, de encantador aspecto; fugiram tambem os seus moradores apenas avistaram os navios. Depois de uma pequena exploração, continuou Colombo sua viagem e chegou emfim ao Haity, parando a esquadra defronte do local onde se construira o forte da Natividade e onde elle deixara 40 companheiros, quando partira para Hespanha. Era noite já, e para signal roncou a artilharia de bordo, avisando os amigos de terra.

Que surpreza foi, porém, a sua! Amanhecera o dia e ninguem lhe apparecia! Espantado de não avistar o forte, desembarcou, e em terra descobriu-o inteiramente arrasado; nem um hespanhol ahi deixado encontrou, e apezar de gritos e tiros de artilharia para lhes servir de chamada, ninguem appareceu-lhe! Expediu logo gente que visitasse a aldêa não muito distante, do seu amigo, o cacique Guanacaguary. Deserta e destruida estava tambem a aldêa. Mandou-o procurar nos mattos, e felizmente em nova aldêa{106} foi elle encontrado. Soube então pelos interpretes que os hespanhóes do forte tinham roubado ornamentos de ouro e mulheres aos da tribu guerreira do Cibão, que entre si mesmos haviam e por causa da divisão dos despojos, que alcançaram, travado luctas sangrentas e mortiferas, e que provocando com seu procedimento os furores do cacique Canoabo, este os atacara, vencera, matara a todos e arrasara completamente o forte. Accrescentava-se ainda que Guanacaguary esforçara-se em defender os hespanhóes, mas fôra derrotado, ferido e obrigado a esconder-se nas florestas até que Canoabo se houvesse retirado, e elle pudesse estabelecer-se com sua tribu em novas tabas que construira.

Inicia-se por esta maneira a historia dos estabelecimentos europeus na America. As paixões desordenadas dos invasores produziram guerras civis e a perversidade de seus espiritos suscitou contra elles os odios dos gentios que até então pareciam mansos, mas que eram por natureza barbaros e vingativos.{107}

Tratou Colombo de pacificar os animos dos gentios, que mostravam-se agora desconfiados dos hespanhóes; convidava-os a ir á bordo dos navios, acolhia-os com caricias e presenteava-os generosamente afim de angariar-lhes de novo as sympathias.

As visitas, no entanto, que a bordo do Almirante repetiam os gentios, suas conversas com as indigenas que Colombo acolhera nas ilhas das Antilhas, deram em resultado um espectaculo singular.

Em uma noite ellas se precipitaram todas ao mar. Bem que perseguidas pelos hespanhóes, mergulhavam, nadavam, e agarrando-se a rochedos, que se entranhavam nas aguas, desappareceram e escaparam ás perseguições! Não teriam havido concertos? Tão suspeitoso como o dos gentios tornou-se dahi por deante o animo de Colombo.

Traçou então a planta de uma cidade em terra, que denominou Isabel, edificada no centro norte do Haity, perto do Monte-Christo; não tardou em{108} construil-a, abrindo ruas e praças, edificando casas, levantando fortificações e estabelecendo uma egreja. Foi esta a primeira povoação que os europeus firmaram na America! Della tomaram posse os hespanhóes, e a mais vasta morada reservou Colombo para si, como almirante e governador das conquistas. Distribuidos terrenos, principiou-se a cultura do sólo, e confiaram-se-lhe as sementes de plantas européas, as cepas de vinha e de cannas de assucar, que se desenvolveram rapidamente. Não esqueceu a propagação dos animaes, e preparou-lhes os pastios indispensaveis. Em pouco tempo uma cidade hespanhola assim organizou-se e constituiu-se o nucleo de outras, que se semearam por aquellas paragens.

Expediu depois Colombo gente numerosa ás ordens de Ojeda, cujo desembaraço e intrepidez temeraria lhe agradavam, afim de que explorassem o interior da ilha, dirigindo-se particularmente para as montanhas do Cibão, onde, segundo os dizeres dos gentios, existiam importantes minas de ouro.{109}

Cumpriu exacta e resolutamente Ojeda a sua tarefa. Bateu por vezes os gentios do Cibão, aprisionou muitos, reconheceu signaes de ouro virgem nos leitos das torrentes e rios, e soube que existiam minas do mesmo metal, mais para as alturas dos morros. Estabeleceu-se em ponto fortificado, e remetteu a Colombo algum ouro em pó e pedaços petrificados. Para lá partiu immediatamente Colombo á testa de quatrocentos homens; feriu variados combates com os gentios e verificou com seus olhos a verdade do que Ojeda lhe communicara.

Fez voltar, no entanto, alguns navios para Hespanha, a dar contas de sua commissão. Confiou o commando a Antonio Torres, incumbindo-o não só de proclamar as riquezas da terra, levando para prova amostras valiosas de ouro, bastante algodão, plantas aromaticas e pimenta que adquirira; como de voltar com a maior brevidade trazendo vinho, medicamentos, viveres, armas, vestimentas, cavallos, artifices, agricultores, e particularmente mineiros para se{110} rasgarem com proveito e maior facilidade as minas opulentas do Cibão.

Infelizmente sorriu ao espirito de Colombo uma deploravel ideia: por que não converteria em escravos os gentios que nos combates aprisionara? Vendidos em Hespanha, como em Portugal e mesmo em Hespanha se vendiam mouros e pretos de Guiné, não prestariam ao thesouro régio colheita abundante de impostos, que o coadjuvasse nas despezas indispensaveis ás expedições maritimas? Convencido deste principio, embarcou cerca de quinhentos gentios nas caravellas que apparelhara e que expedira immediatamente para Hespanha.

As ideias fanaticas da epoca consideravam quem não fosse catholico como inferior em direitos aos catholicos, os hereges e pagãos podiam, portanto, escravisar-se: por que escapariam os gentios da America á este destino, á esta sorte miseranda? Apezar de seu espirito adeantado, não podia Colombo resistir á influencia das ideias do seu tempo.{111}

Emquanto se occupava Ojeda nas pesquizas de ouro, deliberou Colombo proceder á novas explorações de terras. Seguiu em um navio e tomou rumo pelo sul de Cuba, em direcção do oeste; encontrou a ilha da Jamaica; admirou suas bellezas naturaes, deu-lhe o nome de Santa Gloria, quiz desembarcar, mas oppuzeram-se os gentios em grandes canôas, armados de arcos e flexas. Pareciam guerreiros como os Caraibas, não pacificos e mansos como os de Cuba, e em geral os do Haity. Foi, pois, compellido Colombo a descer em terra levando chalupas bem guarnecidas de gente. Pela primeira vez empregaram-se, além das armas mortiferas de fogo, enormes cães de fila, que se atiravam furiosamente sobre os gentios, e que muito coadjuvaram aos hespanhóes em suas victorias, pois que apavorados de terror fugiam elles para os mattos e escondrijos.

Da Jamaica, bem que não domada e nem em parte submettida, partiu Colombo tratando de correr as costas meridionaes de Cuba, no intuito de verificar por si si era ilha verdadeira. Navegou por{112} entre as numerosas ilhas appellidadas Jardins da Rainha. Ahi foram amigaveis as relações com o gentio, traçando Colombo constantemente mappas geographicos das terras que via. Voltou para a cidade de Isabel ao findar o anno de 1494, sem ter conseguido contornar Cuba em toda a sua extensão. Com a mais intensa alegria encontrou ahi seus irmãos Bartholomeu e Diogo, que á seu chamado se tinham despedido do serviço maritimo de Portugal, e embarcado immediatamente para o Haity em navios que de Hespanha haviam partido no correr do anno, trazendo para as Indias Occidentaes auxilios de gente e viveres.

Infelizmente, porém, o caracter turbulento e altivo, e o levantado espirito dos hespanhóes não se desviavam de sua natureza e instinctos, trocando o sólo europeu pelas terras Americanas.

Sedições formaram-se logo em Isabel; um Bernal Dias excitou grande numero de moradores contra o governo de Colombo, e ousou ameaçal-o: suffocada a revolta, castigados os criminosos e enviados para a Hespanha o chefe e os{113} principaes cumplices, outra e mais terrivel sedição rompeu, capitaneada por Margarito e pelo Padre Boyle, que se apoderaram com seus asseclas de alguns navios, e partiram para Hespanha sem se importarem com o almirante.

Comprehendeu então Colombo as difficuldades da sua situação diante de gente tão insubordinada, e que se considerava illudida, porque não obtivera logo riquezas que sonhara, e pois considerava, por esse motivo, á Colombo como autor de suas infelicidades e soffrimentos.

Perseverava tambem inimigo o famoso cacique Canoaba, que ousou formar um tal qual cerco regular em torno de Ojeda quando se estabelecera nas montanhas do Cibão, e contra elle dirigir continuadas escaramuças e assaltos. Era Ojeda felizmente bravo e sagacissimo. Empregando estratagemas, conseguiu colhel-o ás mãos, aprisional-o, e remettel-o em ferros para Isabel. A guerra, pois, contra os gentios, inaugurava peripecias perigosas, e combates a combates se succediam, sem que se tivessem subjugado aquelles{114} selvagens da ilha, bem que já mais ou menos povoada pelos hespanhóes e dividida em districtos. Voltara Torres, no entanto, de Hespanha, trazendo reforços á Colombo. Fel-o de novo Colombo voltar com novo carregamento de indigenas escravisados e com os productos, que pôde colher, pensando assim sustentar seus creditos perante os reis catholicos.

Muitos hespanhóes, porém, que haviam regressado para Hespanha, começaram a espalhar alli vozes e noticias desabonadoras de Colombo; accrescia que poucos proventos alcançavam ainda á Corôa, visto que não traziam os navios mercadorias e ouro, que compensassem os sacrificios que ella fazia com as expedições. Maior intensidade tomaram as intrigas e o descontentamento, ao chegarem á Hespanha o padre Boyle e Margarito. Perdia Colombo no conceito, e começavam á manifestar-se-lhe adversarios. O Bispo Fonseca, presidente do tribunal fundado para os negocios das Indias Occidentaes, declarou-se logo seu inimigo e em memoriaes e relatorios dirigidos á Corôa accusava-o constantemente por tudo quanto{115} parecia nocivo aos interesses dos subditos e das conquistas.

A Rainha Isabel, impressionada com as noticias que se espalhavam, e com as communicações de Fonseca, resolveu mandar ao Haity um emissario incumbido de syndicar do procedimento de Colombo, e publicar edictos concedendo licença mediante clausulas aos subditos que desejassem ir ou mandar, por sua conta particular, navios que se destinassem a explorações e descobertas de terras fóra da alçada e da autoridade do almirante das Indias. João Aguado partiu immediatamente em caracter official para o Haity, commissionado pelo governo, e pela Castilha se espalharam os edictos regios.

Chegado que foi Aguado á villa de Isabel, mostrou-se Colombo resentido por lhe parecer falta de confiança o acto dos soberanos. Mais ainda exacerbou-se, sabendo do decreto que permittia a aventureiros emprezas exploradoras nas Indias Occidentaes, que elle reputara estarem todas sob seu governo exclusivo.{116}

Aguado abriu inquerito contra Colombo e ostentou autoridade independente. Reuniu elementos que lhe pareceram sufficientes para prejudicar ao almirante. Não ousando, porém, no Haity, commetter acto offensivo, decidiu-se a voltar para a Hespanha, afim de ahi formular, sem susto, sua accusação. Prestou-lhe Colombo uma caravella para a viagem. Temendo, todavia, o resultado do inquerito, preparou outra para si, e transferindo o governo ao irmão Bartholomeu, seguiu para Hespanha ao mesmo tempo que Aguado. Acompanhava assim a accusação e o magistrado que a instaurara, no propósito de nullificar-lhes os effeitos: era já o anno de 1496.

Apenas tomou terra em Cadiz, seguiu Colombo para Burgos, onde se achavam os reis hespanhóes. Convem dizer-vos, minhas senhoras e senhores, que não vos deveis admirar que os soberanos de Castella e Aragão ora estivessem em uma, ora em outra cidade dos dous reinos, que lhes pertenciam. Capital de Hespanha só tornou-se{117} exclusivamente Madrid para residencia do Rei e centro da administração geral, em tempo de Felippe II, na ultima metade do seculo XVI. Até então eram todas as principaes cidades consideradas capitaes, isto é, os soberanos residiam umas vezes nesta, outras vezes naquella, mudando sempre a côrte para assim agradarem a todos os povos das antigas provincias outr'ora independentes, que não queriam perder sua autonomia, e mostrar-se-iam desgostosos quando uma capital fixa fosse preferida para morada dos monarcas. E pois, no correr destas narrativas, os encontrais em Cordova, Granada, Sevilha, Barcelona, na Salamanca, e agora em Burgos e no intervallo do tempo achavam-se egualmente em Valhadolid, Saragoça, Toledo e Leão.

Não foi por Isabel mal acolhido Colombo, bem que sem aquelle enthusiasmo e intimidade, de que elle recebera publicas e particulares demonstrações em 1493. Nos funccionarios elevados deparou, porém, frieza, assim como em Fernando de Aragão. Para o povo andava já bastante{118} desconceituado: não o acreditavam mais aquelle heróe, aquelle ente sobrenatural que descobrira as Indias Occidentaes, e promettera á Hespanha tanta opulencia e riqueza que, desgraçadamente, se não tinha ainda realizado!

Procedia o descredito, em que começava Colombo a cahir, de ser accusado de enganar os soberanos e zombar da nação com descripções exageradas dos paizes descobertos, que mais custariam despezas e sacrificios que vantagens e gloria; attribuiam-lhe ainda uma administração tyrannica e oppressora, com que coagia os subditos á revoltas constantes; e imputavam-lhe tambem ambições arrojadas de explorações novas e inconscientes de que não havia proveito a esperar.

Felizmente para Colombo levara elle para Hespanha bastante ouro extrahido das montanhas do Cibão e de uma mina ahi encontrada no sitio denominado Hayna, que se descobrira com signaes de ter soffrido já antigas excavações. Esta circumstancia ultima, que elle verificara, mais lhe confirmava a ideia que tinha de que o Haity{119} era a ilha de Offir, e que aquellas excavações regularmente effectuadas deviam ter sido praticadas pelos povos indiaticos das costas fronteiras á ilha.

Quer apresentando e entregando notavel quantidade de ouro para os cofres publicos; quer com discursos e relatorios afiançadores de maiores riquezas, e em que reluzia sempre a esperança de tornar catholicas tantas almas perdidas, que imploravam o baptismo para se salvarem, com o que correspondia ás delicadas cordas da consciencia da Rainha; conseguiu Colombo desfazer muitos preconceitos e calumnias propaladas á seu respeito. Declarou-lhe por fim Isabel que continuaria a confiar nelle e lhe prestaria novos auxilios, com que executasse terceira viagem ás Indias Occidentaes, explorasse terras até encontrar o Japão e a China, e cuidasse de extrahir das minas descobertas no Offir a maior somma possivel de riquezas.

Que difficuldades se lhe antepuzeram, no entanto, aos desejos de aprestar navios com gente{120} e carregamentos necessarios! Ora allegava-se que o thesouro regio estava esgotado com as guerras que o ambicioso Fernando travara contra a França; ora excessivas despezas exigidas pelos casamentos da princeza D. Joanna com o archiduque austriaco Felippe, que governava em Flandres, e do principe D. João com uma infante egualmente da casa d'Austria.

Oppunha-se por seu lado tambem Fernando de Aragão a todo o gasto para se descobrirem ilhas e terras selvagens e incultas, preferindo nas guerras, em que quasi sempre laborou na Europa, empregar os recursos de Hespanha.

A Rainha, porém, decidiu-se á coadjuval-o efficazmente, logo que soube que em julho de 1497 El-rei D. Manoel, que herdara a corôa de Portugal, tratava de executar o pensamento e recommendações de D. João II, fallecido em 1495, de perseverar nos aprestos de uma grande expedição para as Indias do Indostão, e conseguira emfim fazel-a partir de Lisboa, ás ordens do almirante Vasco da Gama, que como seu auxiliar levara{121} em sua companhia o famoso Bartholomeu Dias, que descobrira e dobrara a ponta final da Africa, o tormentoso Cabo da Boa Esperança. Cortou então por todas as difficuldades, e ordenou que á todo o preço se prestassem auxilios á Colombo.

Não era agora desairoso á Castella deixar que a nação portugueza proseguisse só nos descobrimentos, e se lhe avantajasse em gloria e riquezas, que das Indias pintadas e imaginadas com as mais deslumbrantes opulencias deviam provir?

Não tardaram em promptificar-se seis grandes navios convenientemente armados e tripolados no porto andaluz de S. Lucar, vizinho do de Cadix. Foram carregados de armamentos e viveres em abundancia, de obreiros e mineiros para a extracção do ouro, e de missionarios para a catechisação dos gentios.

Confiados de novo á Colombo, transmittiu-lhe a Rainha instrucções para que não parasse na empreza de abrir commercio com o Japão e a China.{122}

Partiu assim Colombo para sua terceira viagem de descobrimento das Indias em julho de 1498, e agora do porto de S. Lucar.

Já algumas nações da Europa agitavam-se, no entanto, com o pensamento de relacionar-se tambem com as Indias. Por que Hespanha e Portugal seriam as unicas a ganhar louros gloriosos na historia do mundo, a dilatar os conhecimentos e sciencias cosmographicas, a opulentar-se e enriquecer-se em commercio e navegação? Faltavam á ellas elementos e meios para emularem e competirem com os dous povos da peninsula iberica? Não dispunham egualmente de homens habituados aos azares maritimos, de temerarios chefes e soldados intrepidos para tomarem parte no movimento assombroso e conquistador, cujas noticias causavam o espanto e a admiração geral?

Que poderiam, porém, Francezes intentar quando seu rei, Carlos VIII, vivia occupado em reunir á corôa franceza a Bretanha, no desejo de completar a obra de seu finado pai, Luiz XI,{123} que anciara unificar a França em um só reino? Quando, além disso, iniciara guerras com Fernando de Aragão por ciumes de dominar a Italia, e apoderar-se de Napoles e Sicilia? Atrevidos eram ainda como sempre o haviam sido os normandos, marinheiros audazes, e pois, em despeito das ordens régias, e apoiados só em suas energias e temeridades particulares, começavam espontaneamente á devassar as aguas do Atlantico, seguindo primeiramente os passos dos portuguezes pelas Costas da Barbaria e da Guiné.

Adeantou-se-lhes, porém, Henrique VII de Inglaterra: resolvido á partilhar as glorias de abrir caminho á seus subditos para a India, convidou a um venesiano, de nome João Caboto e a seus filhos, residentes em Bristol; autorizou-os á tripolarem navios, que seguindo como os hespanhóes o rumo de Oeste, descobrissem terras e dellas se apossassem em nome da corôa britannica. Não perdeu Caboto tempo; aprestou navios, e ousou viajar affoitamente, antes que terminasse o anno de 1496. Foram-lhe propicios{124} os ventos, e acertada a direcção. Descobriu em principios de 1497 terra na America Septentrional aos 58 gráos de latitude; encaminhou-se dahi para o Sul e verificou varios pontos; chegando á bahia de Cheasepeake, aos 34 gráos, no sólo fixou postes declarativos do dominio britannico. Voltou para Inglaterra levando á seu bordo algumas madeiras e bastantes gentios. Pararam ahi por alguns annos as explorações por parte de Inglaterra, porque não resultavam da viagem beneficios correspondentes ás despezas effectuadas. Si fôra Colombo o primeiro que descobrira a America em 1492, e se apossara das ilhas do mar das Antilhas; foi Caboto o primeiro europeu que avistou, em 1497, a terra firme, bem que já no Haity se houvesse Colombo estabelecido e ahi fundado a primeira povoação européa. Tanto, porém, um como o outro, conjecturavam que tudo aquillo eram ilhas asiaticas e não propriamente terra firme, ou um continente separado e novo.

Deixado este incidente, que muito esclarece, todavia, a historia do descobrimento da America,{125} acompanhemos á Colombo em 1498, na sua terceira viagem executada, já depois da partida de Vasco da Gama, que em 1497 deixara a barra do Tejo, largando de Lisbôa, em busca egualmente das Indias.

Com seus seis navios fundeou Colombo, segundo seu costume, na ilha Gomera. A tres ordenou seguissem directamente para a cidade de Isabel, no Haity. Com os outros tres, dirigiu-se para o Sul e arribou ás ilhas de Cabo Verde. Dahi caminhou para OSO., e a 31 de julho descortinou aos 9 gráos de latitude terra desconhecida. Era a ilha que tomou o nome de Trindade. Deslumbrando para o sul montanhas longinquas e que se perdiam no espaço, para ellas proseguiu sua rota, e achou-se deante de um canal rodeado de rochedos e recifes.

Espantou-se de ver o mar, bem que não agitado por ventos, levantar-se em ondas altanadas e subir e descer furiosamente, banhando terras cobertas de vegetação robusta e deslumbrante.

Passou instrucções aos commandantes dos navios e aos pilotos para se acautelarem contra{126} as correntes e impetos das vagas, emquanto elle tratava de examinar o phenomeno.

Ordenou que das lanchas lançadas ao mar se examinasse seu fundo. Provadas as aguas, percebeu-se que eram doces inteiramente. Comprehendeu logo que se precipitavam alli rios caudalosos, que só de terras vastas e não de pequenas ilhas podiam nascer tão possantes e tão abundantes.

Não se enganava. Alli rebentava o famoso Orenocco por suas numerosas e tumultuarias boccas, despejando aguas altivas no Oceano e fazendo recuar as salgadas do mar, prestando assim gosto adocicado ás vagas e causando esse phenomeno de elevações extraordinarias, de correntes perigosas e de ondas assoberbadas.

Communicou com a terra e pelos seus interpretes, que se entenderam com os gentios, soube que penetrara no golpho denominado Pariá, que o paiz era cultivado, e os indigenas mansos. É ponto ainda duvidoso si desembarcou então o proprio Colombo, ou si apenas mandou{127} pisar o continente por seus officiaes. Como quer que seja, avistou emfim a terra firme, travou relações com os indigenas, presenteou aos caciques com innumeras bugigangas e vestimentas coloridas, e recebeu em troca fios de perolas, que diziam os naturaes vinham do Oeste. Maravilhado e satisfeitissimo, continuou sua viagem, tratando de sahir do golfo em que se achava. Deparou caminho pela Bocca do Dragão, e penetrou no mar das Antilhas: numerosas ilhas se lhe apresentaram ainda. A costa do Pariá seria ainda uma ilha, ou era já parte do continente das Indias que por alli se estendiam? Posto que mergulhado em duvidas, tomou as alturas, verificou as localidades, e tratou de recolher-se ao Haity, para mais tarde e acuradamente proceder á escrupulosa exploração.

Chegado á Isabel, soube que seu irmão Bartholomeu fundara uma nova cidade ao sul da ilha, á qual dera o nome de S. Domingos, nas proximidades das minas de Hayna, e que resultados mais compensadores alcançavam suas{128} fadigas, tendo-se extrahido já bastante ouro. Para lá partiu incontinenti Colombo, e converteu S. Domingos em séde do governo. Fundações de novas aldêas e fortes militares determinou tambem, assegurando assim a posse da ilha e curvando os gentios a seu governo. Concedeu a uns liberdade, com obrigação de pagar tributos; declarou captivos os remissos, e empregou-os nos trabalhos da mineração. Quanto aos prisioneiros de guerra, perseverou no systema de envial-os para Hespanha, afim de lá se venderem como escravos.

Não viviam, porém, tranquillos os hespanhóes; intrigas, tumultos, rixas entre si, ameaças de revoltas, tinham roubado muito tempo á Bartholomeu, durante a ausencia de seu irmão. A presença deste não extinguiu as tentativas sediciosas. Um capitão, Roldan, havia levantado o estandarte da rebellião, e á frente de gente bastante tinha-se fortificado em um posto militar, atacando dahi e assaltando as povoações hespanholas vizinhas, e incitando as{129} tribus de gentios a se não resignarem ao jugo dos hespanhóes, que muitas eram e dirigidas todas por caciques particulares. Foi o almirante compellido a guerrear de novo. Á frente de numeroso corpo de soldados e servindo-se de cães de fila, e agora tambem de cavallaria, de que já dispunha, e que muito assustavam e maltratavam os gentios, dirigiu-se ás possessões do cacique Guarionez e desbaratou-o completamente. O mesmo não pôde, porém, fazer no tocante aos revoltosos hespanhóes capitaneados pelo chefe Roldan. Conjecturou ser melhor politica transigir e conciliar-se, fingindo acredital-o arrependido de haver-se levantado contra Bartholomeu, que elle accusava de injustiças praticadas.

Era um bravo e ousado soldado, que Colombo poderia conter com geito, e aproveitar para emprezas de vulto, bem que dahi podesse resultar quebra de seu prestigio. Não seria mais desastrosa uma guerra civil, caso o tratasse como qualquer outro rebelde e elle resistisse, como se deveria temer?{130}

Cumpre aqui dizer que o ouro e perolas enviadas para Hespanha, e as communicações officiaes feitas por Colombo de que descobrira as terras opulentas do Golfo do Pariá, e que dahi esperava colher copiosas riquezas, incitaram os animos de muitos audazes aventureiros, que se propuzeram logo aos reis catholicos para á suas expensas particulares emprehenderem descobrimentos novos. Não annunciara o governo que concederia patentes para suas emprezas? Animava-os, além disso, o bispo Fonseca, e á um delles, Alonso Ojeda, seu protegido, antigo companheiro e subordinado de Colombo, mas de quem agora se manifestava inimigo, concedeu-se carta régia patente para por sua conta aprestar navios e explorar continentes novos.

Quatro caravellas aprestou Ojeda, e partiu do porto de Santa Maria, defronte de Cadiz, em maio de 1499, levando como seus socios e companheiros um basco atrevido, por nome João de la Cósa, que aprendera ás ordens tambem de Colombo, e o florentino Americo Vespucio, que{131} residia em Hespanha, e era muito applicado á estudos cosmographicos e á confecção de cartas maritimas, e ambiciosissimo de tomar parte em expedições da India. Foi esta a sua primeira viagem, sob o commando de Ojeda, bem que elle em cartas particulares, que se publicaram, e que muito teem illudido os historiadores, declarasse falsamente que já em 1497 viajara nas Indias Occidentaes: com quem e quando, nunca exhibiu provas e nem deu ou deixou o menor esclarecimento, cahindo em contradicções palpaveis, e em inexactidões á respeito dos gráos de latitude, o que prova imaginara e não vira com seus olhos. Conseguiu Ojeda do bispo Fonseca cópia do roteiro da terceira viagem de Colombo, e dirigiu-se inteiramente por elle. Descahiu um pouco para o sul, e, segundo affirma, descobriu terras que se conjecturam ser as Guyannas, bem que credulos escriptores pensem ter elle chegado ao Brazil. Volveu das Guyannas para o Norte, sem ter ultrapassado a linha, como elle proprio o assevera. Atravessou o golfo de Pariá, e foi cosendo-se com a terra{132} firme. Desembarcou perto da Bocca do Dragão, e encontrando valentes oppositores nos gentios, travou com elles combates sanguinolentos, e perdeu bastante gente. Continuou, e ao entrar no golfo de Venezuela, simularam os indigenas que o acolhiam amistosamente, levando para bordo dos quatro navios hespanhóes cerca de vinte mulheres. Confiadamente desceu á terra Ojeda. Foi então assaltado repentinamente, e com difficuldades inauditas pôde voltar para seus navios. Revelaram-se os indigenas valentes lidadores, e usavam de flexas, escudos e lanças, batendo-se com alguma estrategia, e matando bastantes soldados adversos.

Proseguindo em suas aventuras, sem nenhum proveito, chegou ao Cabo da Vela: faltando-lhe viveres, dirigiu-se ao Haity, quando recebera ordens positivas em Hespanha para lá não desembarcar nessa ilha que era privativa de Colombo.

Que decepção apoderou-se de Colombo ao saber que navegavam hespanhóes por aquellas aguas e terras que elle reputava de seu governo e que{133} lhe não prestavam preito e homenagem! Não infringira a Corôa hespanhola seus contratos concedendo-lhes licenças? Não se lhe desprestigiava a autoridade?

Quantas difficuldades, perigos e desgostos para Colombo! Não lhe bastavam as permanentes sedições de rebeldes hespanhóes contra sua dominação. Não se haviam levantado Guemara e Moxica em 1500? Moxica e seus companheiros haviam sido condemnados á morte e executados, e Colombo precisava tornar-se mais severo e inexoravel com os conspiradores. Felizmente para Colombo, occupou-se Ojeda em concertar seus navios e refazer-se de viveres e aguada, e voltou para Hespanha sem causar-lhe o menor desgosto.

As noticias, porém, que á Hespanha chegavam á respeito da situação do Haity, das sublevações alli verificadas, e dos actos rigorosos que fôra Colombo compellido á commetter, suscitaram de novo clamores do povo contra Colombo, e impressionaram forte e desagradavelmente a propria rainha Isabel á seu respeito. Não ouvia{134} ella sómente queixas de seus inimigos e relatorios parciaes do bispo Fonseca? Por elles julgou conveniente decretar uma providencia destinada á syndicar o procedimento de Colombo, e á averiguar a verdade das accusações, que constantemente se lhe dirigiam. Nomeou á Bobadilha para seu representante nas Indias Occidentaes, e muniu-o de plenos e geraes poderes para castigar quantos julgasse criminosos, e retirar até das mãos de Colombo o governo da colonia, caso o considerasse indispensavel.

Em julho de 1500 partiu Bobadilha para o Haity.

Apenas desembarcado em S. Domingos, chama as autoridades, mostra-lhes seus plenos poderes, e declara-se na posse das conquistas, aproveitando-se da ausencia de Colombo e de seu irmão, que estavam no forte distante da Conceição.

Todos curvam-se á sua voz e ás ordens régias. Manda então Bobadilha intimar á Colombo para que venha defender-se de accusações que contra elle haviam sido endereçadas á Corôa. Não se{135} temeu Colombo de partir para S. Domingos. Bem, todavia, não havia chegado, foi preso com seus irmãos e amigos, carregados todos de ferros, e encarcerados em uma fortaleza. Processos se organizaram, ouviram-se como testemunhas quantos se suspeitavam adversos ao almirante. Não houve crime de arbitrio, tyrannia, concussão, ou roubo que lhe não fosse imputado. Embarcados em uma caravella foram Colombo e seus companheiros de infortunio mandados para Hespanha, com ferros aos pés, e ordens para serem vigiados por guardas, quaes réos de horrorosos attentados. Assim pagavam os reis de Hespanha á Christovam Colombo seu grande feito de descobrir um novo mundo!{136}

{137}

 

 

 

 

Cabeçalho

QUINTA CONFERENCIA

12 de julho de 1891

Entramos no seculo XVI. Resplendia elle, e corria seu primeiro anno, o de 1500.

Devia, com certeza, ter-se fundamente impressionado a Europa com as novas continuadas de expedições effectuadas por hespanhóes e portuguezes em mares nunca até alli devassados, e descobrimentos de terras inteiramente desconhecidas.

Portugal começara ao principiar o seculo XV. Unica nação persistira, durante elle, em aprestar e atirar ao oceano uns apoz outros navios. Tinha conseguido desencerrar os segredos dos mares; tinha conseguido dissipar os terrores da zona{138} torrida, corrido a costa d'Africa para o sul, dobrado—primeiro povo—a linha equinocial, e attingido e reconhecido emfim o Cabo da Boa-Esperança, ao sul, aos 34 gráos de latitude. Abrira, portanto, o commercio da Guiné e da Mina, e avassallara as copiosas ilhas, que desde os Açores ramalhetam o Atlantico, em ambos os hemispherios. Hespanha começara, em 1492, á explorar continentes novos, sob a direcção de Christovam Colombo, e alcançara no curto espaço de oito annos penetrar no mar das Antilhas, dominar importantes ilhas e avistar a terra firme do Pariá e Venezuela.

Estaria só á Hespanha e á Portugal destinada a gloriosa tarefa de retalhar os mares, deparar terras novas, aperfeiçoar as sciencias mathematicas e physicas, abrir relações commerciaes com povos desconhecidos? E o que é mais, gravar na historia universal as paginas mais deslumbrantes e proveitosas para a civilisação e a humanidade?

Certo é que, á excepção de Inglaterra, que em 1497 fixara marcos de posse na costa{139} Norte-Americana, graças ás ousadias dos Cabotos, mas que ahi parara, nada mais promovendo; nem a França com seus destemidos marinheiros normandos, que durante a edade média assolavam as praias de Hespanha, Portugal, Napoles e da Sicilia; nem qualquer outra nação européa se movia ao raiar do seculo XVI, primeiro dos tempos chamados modernos, á seguir-lhes o exemplo.

A corôa hespanhola firmara o principio de concessões á particulares que proseguissem na carreira das explorações, entendendo que era mais conveniente politica aproveitar-se dos seus trabalhos, sem dispendios, antes com vantagens para o thesouro.

Logo após Ojeda, quatro novos argonautas partiram de Hespanha, e no mesmo anno de 1499, Pedro Alonzo Nino, Leppe, Bastides e Vicente Pinzon, munidos de cartas patentes de concessão. Colombo aprendera na escola maritima portugueza. Creara, porém, em Hespanha, ao devotar-se ao serviço das corôas de Castella e Aragão, uma escola notavel egualmente de marinheiros{140} intrepidos e arrojados, que emulavam briosamente com os portuguezes. Tanto Ojeda e os Pinzons, como Leppe, Nino e Bastides eram discipulos de Colombo; haviam sido seus companheiros de emprezas ultramarinas, e servido sob suas ordens desde a primeira viagem de descobrimento em 1492. Os feitos e a gloria de Colombo attrahiam para a vida maritima muitos hespanhóes ambiciosos que posteriormente commetteram portentosas façanhas. Nino com uma só pequena caravella do porte de 50 toneladas percorreu, em 1500, as costas de Venezuela e Maracaibo; enriqueceu-se com perolas que em quantidade alcançara dos gentios, e que levadas para a Europa suscitaram ainda mais a cubiça. Vicente Pinzon, sahido tambem de Palos em fins de 1499, foi o primeiro á dobrar a linha equinocial para o sul, em afastada latitude, commandando quatro caravellas. Navegando então para o Oeste, descobriu a 28 de janeiro de 1500, á varios gráos de latitude sul, uma terra, que denominou Santa Maria da Consolação, e que parece ser o actual Cabo de Santo Agostinho.{141}

Era terra do Brazil, bem que ainda seja hoje duvidoso, si o Cabo de Santo Agostinho, na provincia de Pernambuco, ou outro mais ao norte, porque nos assentos do diario de bordo se não fixou exactamente a latitude, e apenas um calculo approximado. Foi, portanto, Vicente Pinzon o primeiro a avistar e pisar o continente brazileiro. No tocante á Ojeda, pelo seu proprio jornal maritimo e por suas declarações no processo judiciario dos filhos de Colombo contra a Corôa, ultimamente publicado, resulta prova de que não passou a Equinocial para o sul. Pinzon tomou posse, em nome dos reis de Hespanha, das terras que avistara. Encontrando depois numerosos indigenas, que lhe resistiram com denodo e lhe mataram dez homens da tripolação dos navios, teve que abandonar o sitio e seguiu para NO. Achou-se em um mar de agua doce, sob a linha equinocial, ahi descortinou tambem terras opulentas de arvoredo e reconheceu que estava nas boccas de um rio caudaloso, com mais de trinta leguas de largura. Era o nosso Amazonas, cujas aguas, entranhando-se nas do oceano,{142} e repellindo-as com força, subiam e desciam a olhos vistos, levantavam vagas monstruosas, e roncavam com medonho estampido. Saltou ahi em terra, e não encontrando opposição dos gentios, apanhou por surpreza á muitos que embarcou nos navios, seguindo logo depois para o Pariá. Um terrivel tufão causou o naufragio de duas de suas caravellas. Salvaram-se á custo as restantes, que aportando felizmente ao Haity, dahi voltaram em setembro para Hespanha. Bastides não passou do golfo do Pariá, bem como Leppe, posto que este declarasse em seu jornal de bordo que vira o hemispherio sul, quando confessa não tomara os gráos de latitude. Dahi deriva-se haver muitos chronistas assegurado que elle avistara o Brazil. Dando noticia das boccas de um rio caudaloso, em que quasi se perdera, conjecturou-se ser o Amazonas, quando deve ser o Orinoco, pois que, nenhum documento apparece que prove haver Leppe ultrapassado a linha equinocial.

Emquanto assim e unicos navegavam os Hespanhóes pelos mares do Oeste, não cessavam, por seu{143} lado, os portuguezes de continuar em descobrimentos ultramarinos para as bandas do Oriente. Em 1497 partira Vasco da Gama, e voltara para Lisboa em 1498, aos 29 do mez de agosto. As verdadeiras Indias haviam por elle sido descobertas, o mar Vermelho, o golfo Persico, Calicut e a costa do Malabar; Sofala, Moçambique, Melinde, Mombaça na Africa Oriental. Não contente ainda El-Rei D. Manoel com as Indias encontradas por seus marinheiros, mandou que Corte Real, em 1500, praticasse uma excursão ao Norte pelo Atlantico no proposito de acompanhar os hespanhóes ao Oeste. Avistou este explorador a costa do Labrador, e o rio S. Lourenço. Em segunda viagem, a que de novo se arriscou, enterrou-se nos gelos do polo Norte, e ahi pereceu desastradamente, sem que nenhumas noticias delle se recebessem.

Á 9 de março de 1500 largara tambem de Lisboa Pedro Alvares Cabral, commandando armada importante, afim de continuar as explorações de Vasco da Gama. Fugindo das calmarias da Africa Occidental, e pondo-se ao largo e ao O.{144} para mais ao sul demandar o Cabo da Boa-Esperança, descobriu no dia 22 de abril as terras do Brazil. Achava-se defronte do Monte Pascual na provincia da Bahia, aos 17 gráos de latitude. Desembarcando os portuguezes no dia 23, travaram relações com os indigenas que pareciam mansos, e tomaram tambem posse da terra. Nella demoraram-se alguns dias, e deram-lhe o nome de Vera Cruz.

Allegou Hespanha seus direitos á terra do Brazil, descoberta antes e ao N. por Vicente Pinzon: mas por convenios diplomaticos, e em consideração do estipulado no tratado de Tordesilhas de 1492, abriu delles mão, considerou-a conquista portugueza, e prohibiu a seus navegadores que no futuro para ahi se dirigissem.

Nem Colombo, nem Caboto, nem Ojeda, nem Corte Real, nem Pinzon, nem Cabral, acertaram jamais no conhecimento e apreciação das terras que ao Oeste da Europa e da Africa haviam descoberto. Continuaram todos na crença de que eram ilhas sinão costas da Asia, e portanto as{145} denominavam constantemente de Indias Occidentaes, e a seus habitantes de indios.

Ninguem adivinhava que entre a Asia e a Europa existisse um continente novo, inteiramente então desconhecido, habitado por uma raça diversa, e onde ao lado de selvagens bravios e anthropophagos e selvagens mansos e innocentes, residiam nações civilisadas como os Incas do Perú e os Aztecas do Mexico!

Si Hespanha vangloriava-se com os descobrimentos de terras occidentaes praticadas por Christovam Colombo, oppunha-lhe Portugal agora os das Indias Orientaes, effectuados por Vasco da Gama. Eram os dous grandes vultos, cuja fama rivalisava, e que espantavam a Europa com seus feitos gigantescos. Si após Colombo, denodados Hespanhóes, como Ojeda, Vasco Nunez de Balboã, Fernando Cortez e Francisco Pizarro ganharam-lhe importantissima parte do continente Americano, e conquistaram até reinos civilisados como os do Mexico e Perú, ao lado e no centro de povos barbaros; Bartholomeu Dias não se manifesta{146} tambem arrojado navegador, e não commettera façanha reconhecendo o Cabo das Tormentas? Duarte Coelho, Francisco de Almeida, Affonso de Albuquerque e João de Castro não perscrutaram e avassallaram as verdadeiras terras indiaticas, não submetteram as nações poderosas e opulentas do Malabar e golfo Persico de Malaca? Não levantaram na Asia um assombroso imperio portuguez?

Deviam, portanto, ao saberem dessas excursões prodigiosas de Portuguezes e Hespanhóes, incitar-se os espiritos interesseiros dos povos europeus. Manifestou-se de feito um tal qual movimento, ao principiar o seculo XVI, para que Portuguezes e Hespanhóes não fossem os unicos que dominassem o mundo até alli ignorado. Que importava que os feitos dos filhos da Iberia produzissem admiração e espanto, formassem verdadeiras epopéas? Francezes e Inglezes e Hollandezes achariam tambem theatro vasto para empregarem sua actividade e satisfazerem suas ambições. Havia espaço para todos. Convinha não se conservarem tranquillos espectadores do{147} movimento. De 1500 em deante entraram, pois, em scena Inglezes, Francezes e Hollandezes, em procura tambem de conquistas ultramarinas, e particularmente na parte Norte da America e entre o Orinoco e o Amazonas conseguiram plantar estabelecimentos e firmar posses de terras.

Emquanto se preparam ou se desenvolvem os acontecimentos, que temos referido, bem que pareçam estranhos á primeira vista, mas que estudados coincidem e explicam os relativos á Colombo e ao descobrimento da America, prosigamos na narrativa de sua prisão e remessa para Hespanha.

Chegara, em 1500, a Cadix, após viagem curta, o navio, que conduzia preso a Colombo. Nada mais natural que a mudança repentina das impressões dos animos populares. A opinião corria em Hespanha desfavoravel á Colombo, accusado por quantos Hespanhóes regressavam do Haity, despeitados de se não terem enriquecido, quando haviam partido da patria arrastados pela idéa de um Eldorado certo e immediato, que lhes{148} compensaria os trabalhos e sacrificios. Ninguem o defendia, e secretas se guardavam suas communicações officiaes, noticiando-se, apenas, seus procedimentos que pareciam tyrannicos.

Ao vel-o, porém, os moradores de Cadix, desembarcar preso, com ferros aos pés, em andrajos despreziveis, e ser transportado da caravella que o trouxera para o calabouço dos grandes criminosos, lembraram-se de subito do quanto elle havia praticado de importante e portentoso, descobrindo as Indias Occidentaes, lançando gloria imarcessivel sobre Hespanha, e creando uma escola de marinheiros e exploradores, que levavam a bandeira régia aos confins da terra! Quantos o accusavam até alli começaram por delle apiedar-se, observando sua situação do momento; não tardaram em tomar seu partido, e em declarar-se contrarios aos que o perseguiam!

Modificou-se assim de novo em Hespanha a opinião publica, sem que esperasse informação, nem esclarecimentos, nem provas; por instinctos de justiça, porém; por opposição á violencias, á{149} arbitrios e despotismos. Um grito unisono soou desde Cadix até ás mais distantes cidades e povoações dos dous reinos de Castella e Aragão.

Logo que soube do acontecimento em Granada, onde estava então a Côrte hespanhola, mostrou-se pezarosissima a rainha Isabel e arrependida do que havia praticado. Tratou incontinente de remediar o mal, passou ordens terminantes para Cadix, afim de soltarem-se os presos vindos de S. Domingos; mandou entregar á Colombo a quantia de dous mil ducados, pois que devia carecer de dinheiro, e por seu proprio punho escreveu-lhe, convidando-o a dirigir-se á Granada, afim de explicar-lhe os desgraçados successos, que tinham motivado tão desagradaveis occurrencias.

Cumpriu Colombo a ordem de Isabel, satisfeito por lhe ser dirigida tão distincta demonstração de affecto da Rainha. Cumpre dizer aqui que á bordo já o commandante da caravella o tratara cordial e respeitosamente, e quizera tirar-lhe dos pés os ferros que o apertavam e opprimiam: elle, porém, o não consentira, declarando que obedecia ao que{150} haviam os reis de Hespanha ordenado á Bobadilla, como seu delegado, e só uma nova decisão régia poderia allivial-o dos seus soffrimentos.

É curioso ler-se ainda em um escripto de Fernando Colombo, publicado posteriormente em Hespanha, que no seu gabinete em Sevilha tinha pendurados ás paredes aquelles ferros que manietaram a seu pae desde S. Domingos até Cadix, e que este lhe pedira que á sua morte fossem com seu corpo encerrados na sepultura, que se lhe abrisse. Seria invento do filho para gloriar o pai? Posto que em nenhuma das obras impressas á respeito de Colombo se falle deste incidente, e nem do destino que os ferros tiveram, é verosimil a narrativa, desde que se estuda o caracter altivo e o espirito heroico de Colombo.

Acolheu-o a Rainha benevolamente no magestoso edificio do Alhambra, antigo palacio e fortaleza dos Arabes, edificado sobre montes apraziveis ao lado da cidade de Granada, e dominando uma formosa e extensissima veiga, entrecortada pelos dous rios Darro e Xenil, verdadeira maravilha da{151} architectura! Não lhe permittiu que se lhe lançasse aos pés; levantou-o e affirmou-lhe sua confiança e amizade com palavras repassadas do maior sentimento. Assegurou-lhe egualmente que jámais elle desmerecera do seu conceito e que ella continuaria a dar-lhe provas do seu affecto.

Destituido foi logo Bobadilla da sua commissão, e mandado recolher á Hespanha; nomeado Ovando para substituil-o no governo das Indias Occidentaes, durante a ausencia de Colombo, com ordens expressas de partir immediatamente. Não tardou Ovando em seguir para seu destino, á frente de imponente frota, no proposito de executar as ordens régias em seus dominios das Indias Occidentaes.

Reclamou, no entanto, Colombo autorização de voltar para S. Domingos, e auxilios poderosos com que pudesse dilatar os dominios de Hespanha nas terras descobertas, convencido cada vez mais de que navegando ainda para o Oeste encontraria por fim o continente da Asia, de que lhe pareciam ser ilhas proximas os logares até então{152} reconhecidos. Prometteu Isabel acceder-lhe aos desejos, logo que houvesse recebido noticias da commissão confiada á Ovando, e se certificasse de que a ordem publica e a autoridade legal se tinham restabelecido em S. Domingos. Não pesaria nessa resolução da Rainha influencia de Fernando de Aragão, que considerava já dispensaveis os serviços de Colombo, porque novos argonautas hespanhóes se applicavam, á seu exemplo, em excursões exploradoras de terras, que, sem quasi sacrificios do thesouro, continuariam e talvez completariam a obra por elle iniciada?

Qualquer que fosse a causa, certo é que arrastou-se muito tempo ainda Colombo pela côrte, sem conseguir satisfação a seus projectos. Durante os longos dias que assim decorriam, antes que alcançasse deferimento, lembrou-se de uma ideia antiga, que sempre lhe ruminava o espirito, e que era a de libertar o tumulo de Jesus Christo em Jerusalem; propunha-a constantemente á Rainha, e escrevia egualmente á respeito ao Summo Pontifice de Roma, implorando-lhe as bençãos e a{153} intervenção protectora para que podesse realizal-a! Ao terminar o anno de 1502 é que resolveu a Rainha deixal-o partir para as Indias Occidentaes, influida pelos seus discursos de que era necessaria para Hespanha uma descoberta que excedesse á de Vasco da Gama e á de Pedro Alvares Cabral, afim de que a Hespanha se não deixasse sobrepujar pela nação portugueza. Quatro pequenas caravellas se lhe confiaram de novo, de cerca de 60 toneladas cada uma, tripoladas por 150 homens.

Não era mais o poderoso governador de esquadras importantes: dir-se-hia um aventureiro obscuro, como o fôra na sua primeira viagem, e como o haviam sido Ojeda e Pinzon. Recebia, comtudo, instrucções para cuidar de novos descobrimentos, dirigir-se á terra firme das Indias, pelo rumo de Oeste, e abrir emfim relações commerciaes entre ellas e Hespanha; prohibia-se-lhe, porém, desembarcar no Haity, que convinha conservar-se sob o governo de Ovando, suspensos, no entanto, por conveniencias publicas seus direitos firmados nos contratos de 1492.{154}

Resignou-se Colombo a tão estranhas resoluções. Que faria elle em Hespanha, não querendo cumpril-as? Vegetaria vergonhosamente quando seu genio incitava-o ainda para grandiosos emprehendimentos, e não o interesse, mas a gloria, a anciedade de gloria, o transportava, inspirava e electrisava?

Em maio de 1502 partiu do porto de Cadiz, para executar sua quarta viagem ás Indias Occidentaes. Estava já avelhantado, contava entre 60 a 70 annos de edade, e mostrava-se reduzido de corpo, e depauperado de forças physicas. Era alimentado quasi exclusivamente pelas faculdades do espirito, que conservavam a robustez, a força, a energia da primitiva mocidade, sem que houvessem soffrido com as decepções, trabalhos e soffrimentos. Demorou-se em Arzilla, então possessão portugueza na costa de Marrocos, e depois na ilha da Grande Canaria, que começava a ser frequentada e habitada pelos Hespanhóes como sua propriedade. Refeitos ahi os navios de viveres, seguiu o rumo de Oeste e deu fundo na ilha de Martinica, ou, como{155} pensam alguns chronistas, na proxima de Santa Lucia.

Posto que contrariamente ás ordens da Rainha, pensou que poderia tocar em S. Domingos, para o fim de ahi deixar uma das caravellas muito ronceira e deteriorada, e em seu logar receber outra com que pudesse proseguir nas emprezas que lhe estavam confiadas.

Mandou Colombo a S. Domingos um dos seus officiaes pedir a Ovando autorisação para trocar uma das suas caravellas, arruinada e incapaz de navegar, e declarar-lhe na mesma occasião que tinha necessidade tambem de receber viveres.—Acredital-o-heis?—Prohibiu-lhe Ovando que se approximasse de S. Domingos!—Era assim expellido brutalmente das terras de que se reputava pelo seu contrato com a corôa governador exclusivo e almirante!—Mandou de novo Colombo supplicar á Ovando que permittisse, pelo menos, que se abrigasse no porto durante uma tempestade que ameaçava, que elle percebia imminente, e que poderia causar a perda de seus{156} pequenos e miseraveis navios! Até para tão legitima supplica foi-lhe denegada a licença!

Como não transbordaria de dôr e de indignação sua alma, tão susceptivel de todos os sentimentos compassivos? Como encararia essa ingratidão de homens para com elle, que honrara e gloriara Hespanha com seus feitos memoraveis! Para com elle que fôra chefe e mestre de todos esses entes secundarios, que agora dominavam!

Não teve remedio sinão fazer-se ao largo com suas caravellas: mas como pela experiencia maritima antevia a explosão de temporaes, e particularmente dos daquellas paragens, procurou logo o primeiro escondrijo da ilha, e uma enseada occulta onde se abrigou contra a tormenta que approximava.

Ella não faltou á seus calculos previdentes. O proprio porto de S. Domingos presenciou o naufragio de varias caravellas; a frota hespanhola que dalli sahira dias antes, e em que se embarcara para Hespanha Bobadilla, perdeu a maior parte de seus navios; o proprio Bobadilla exhalou a vida{157} no seio das vagas em que foram as embarcações submergidas.

Amainado o tempo, proseguiu Colombo, e achou-se defronte do Cabo de Honduras, no fundo da bahia. Desembarcou, tomou posse em nome da Hespanha, e travou relações com os indigenas. Pisava em terra firme Americana, e pensava ainda achar-se nas Indiaticas! Correu depois a costa para Léste acompanhando-a; chegou ao Cabo de Graças á Deus, e dahi seguindo para o Sul encontrou o territorio de Mosquitos e mais longe a Costa-Rica. Em poder dos gentios com quem relacionou-se, viu copiosa quantidade de ouro em joias, corôas, braceletes, que elles trocavam por ninharias europeas, declarando que era o solo abundante desse metal precioso. Da Costa-Rica assim por elle denominada por causa das noticias, navegou ao longo de Nicaragua e Veragua até Porto Bello e Golfo de Darien, procurando uma passagem para o Oeste. Desenganado de que a não encontrava ainda, regressou para Veragua, por lhe parecer a localidade mais apropriada para a fundação{158} de uma colonia européa, e para ahi descançar algum tempo, concertar suas caravellas bastantemente deterioradas e refazer-se de viveres.

Póde-se dizer que seus sonhos de ouro de descobrir as verdadeiras Indias começavam á esvaecer-se e evaporar-se quaes verdadeiras chimeras! Via só terras habitadas por selvagens, não deparava as cidades opulentas, o commercio importante das Indias, da China, das ilhas do Japão, como o haviam descripto os viajores que da Europa, Egypto e Jerusalem haviam penetrado no interior da Asia! E por mais que procurasse o occidente esbarrava em regiões incultas e desprovidas de toda a civilisação! E entretanto aquellas ilhas, aquelle continente eram a Asia, porque se não conhecia outro solo que se lhe interpuzesse deante da Europa! Açoutado pelos ventos, empurrado pelas correntes, dirigindo caravellas imprestaveis e estragadas pelo tempo e pelos mares, manobrava, todavia, posto que velho, com aquella pericia, que o distinguira no meio dos mais perigosos parceis.{159}

Em Veragua deparou um excellente porto banhado por um rio navegavel, ao qual deu o nome de Belém. Devia o solo conter ouro, e ser o sitio apropriado para descançar das fadigas maritimas, que já agora tanto lhe pesavam! Resolveu-se a edificar ahi uma povoação hespanhola, que servisse á projectos futuros.

Escolhido o local, desembarcou com sua gente, e applicou-se á edificação de uma cidade, fortificada convenientemente e sita ás ribas do rio. Acolheram-no agradavelmente os indigenas ao principio; pouco tempo, porém, depois, mudaram de procedimento, assaltaram-lhe a povoação, e bem que repellidos voltaram por varias vezes como inimigos francos. Pensou Colombo que lhes imporia a paz com a força de armas; collocou-se á frente de setenta e cinco homens, e assaltou-os em sua aldêa mais proxima. Destroçou-os em luta pertinaz e arrasou-lhes quasi inteiramente a aldêa. Difficil, porém, tarefa a de domar gentios tão destemidos, e que pertenciam á raça valente dos Caraibas, tanto mais audaciosos quanto do interior{160} precipitavam-se hordas e hordas no intuito de se soccorrerem, e auxiliarem. E como poderia Colombo resistir-lhes com um tão pequeno numero de hespanhoes, bem que suas armas de fogo e seu denodo e valentia o amparassem? Preferiu abandonar seus intentos de ahi fixar uma povoação européa, que não poderia sustentar-se por muito tempo. Embarcou-se de novo, agora decidido a voltar para a Hespanha, e a exigir melhores embarcações e mais poderosos elementos com que podesse proseguir em seus designios. Não perdera ainda as esperanças de dilatar sua gloria por novos feitos que praticasse! Um temporal, porém, o assaltou logo depois da partida de Veragua. Tão maltratados ficaram seus navios, que o almirante com dôr reconheceu-os innavegaveis. Faziam agua por todos os poros; não havia meio de segurar-lhes as costuras; a cada momento ameaçavam naufragar, e nem dia nem hora e nem minuto tinham de descanço os navegantes occupados em esgotar as embarcações que se afundavam á olhos vistos.{161}

Difficultosamente arribou á Jamaica. Examinando com cuidado o estado das caravellas, percebeu-as perdidas de todo, incapazes até de arrostar aguas tranquillas. Não havia para ellas salvação, qualquer que fosse a viagem. Não descobriu remedio sinão em abandonal-as por impossivel o concerto. Conhecendo quanto eram bravios os indigenas da Jamaica, não ousou desembarcar. Formou plano novo. Enterrou nas areias da praia as suas caravellas, para que ao menos lhe servissem de morada. Encalhadas assim e firmemente, para o convez transferiu os depositos de armas e o resto de mantimentos e munições, e ahi armou leitos para si e para a tripolação, como casas improvisadas. Por este modo poderia conter os indigenas e defender-se quando assaltado, em quanto lhe não viessem soccorros do Haity. Mandou apromptar a melhor lancha de bordo, nella embarcou intrepidos navegantes e incumbiu-lhes fossem á S. Domingos pedir embarcações, que o viessem buscar, compromettendo-se com Ovando que não lhe disputaria o governo da ilha, e só queria{162} navio, em que podesse recolher-se á Hespanha. Pediu-lhes toda pressa em trazer-lhe auxilios, e animou-os á seguir a costa meridional do Haity até chegar á S. Domingos.

É mais facil que imagineis do que me seria pintar-vos os soffrimentos do infeliz almirante: doente e obrigado a apasiguar a uns, consolar a outros, animar os companheiros prostrados, desesperados, irritados, que delle se queixavam, imputando-lhe temerarias e fantasticas emprezas. Não menos de duas revoltas francamente irromperam; resultou de uma que se embarcaram cerca de vinte e cinco sediciosos em escaleres e canôas de gentios, e atiraram-se aos mares para se acolherem á S. Domingos, sem se importarem com o commandante e companheiros que deixavam. Ao segundo motim conseguiu Colombo oppôr resistencia, e feriu-se combate á bordo dos navios encalhados; abandonados estes pelos sediciosos, foi mister continuar a luta em terra, á vista dos gentios que se espantavam de assistir á brigas entre os invasores. Houve mortes de parte á parte,{163} mas Colombo venceu e sustentou ainda sua autoridade! Exasperava-se, todavia, porque mezes e mezes estavam decorrendo sem que lhe viesse resposta de S. Domingos! Mais penosa e attribulada tornava-se ainda sua situação, sómente alimentando-se com os vegetaes e fructas, que por bem ou ameaças conseguia dos indigenas!

Felizmente que de S. Domingos chegou, no fim de um anno de soffrimentos na Jamaica, uma pequena embarcação que se conseguira fretar, destinada a receber á seu bordo Colombo e os tripolantes dos navios naufragados! Seguiu então para S. Domingos; ahi recebeu-o Ovando convenientemente, e prestou-lhe uma caravella em que seguisse viagem para Hespanha.

Que sentimento, que dores agudas não supportou Colombo, revendo a terra que elle tanto amara, curvada agora pela mais terrivel tyrannia e perseguidos e maltratados os gentios como animaes bravios! Tanto Bobadilha como seu successor Ovando tratavam exclusivamente de escavar o solo, procurando minas de ouro.{164}

Para conseguir melhor seus intentos, aprisionavam indigenas, obrigavam-n'os á fadigas superiores ás suas forças, atormentavam-n'os com castigos atrozes, trucidavam-n'os á menor relutancia. Não parecia sufficiente o arbitrio e violencia da autoridade official. A horda hespanhola existente na ilha, famelica de riquezas, visionaria de opulencias, atirava-se ás minas por si e por sua conta particular, arrastados pela avidez de arrancar-lhes o thesouro. Para realizar seus desejos não só escravisavam por seu lado, como com castigos barbaros obrigavam os desditosos selvagens á trabalho excessivo á que não estavam acostumados; resultava-lhes a morte mais ou menos apressada, conforme a robustez dos corpos.

Taes foram os horrores praticados contra os infelizes indigenas, que a voz eloquente de Las Casas acordou por fim os sentimentos religiosos da Rainha. Impressionada Isabel com as noticias, ordenou que em vez de escravisar os gentios, se mandassem buscar ás costas africanas pretos afim de os substituirem no captiveiro. Infelizmente só{165} com a extincção dos miseros americanos é que socegou a tyrannia dos invasores, e se puderam executar as ordens régias! Doze annos depois da descoberta do Haity, cerca de um milhão de naturaes haviam perecido, victimas da cobiça hespanhola, porque Ovando ao receber ordens régias terminantes para não escravisal-os, e para substituil-os por pretos arrancados á Africa, entendeu que a segurança dos hespanhoes exigia a diminuição de seu numero, e então pretextando levantes e rebeldias delles, moveu-lhes guerras continuadas, e permanentes assaltos. O exterminio augmentava de fórma que a olhos vistos desappareciam os mal aventurados indigenas! Horrorisa ainda hoje a noticia da matança em massa denominada de Xaragua, em que mais de tres mil, velhos, moços, mulheres, crianças, foram esmagados á passos de cavallo, despedaçados pelos cães de fila, fuzilados pelos arcabuzes dos soldados, e cortados pelas espadas dos hespanhoes, sem que se lhes attendesse ás vozes implorando misericordia, e sem que os gentios{166} oppuzessem a menor resistencia quando surprehendidos em sua aldêa!

Que arrependimento não seria agora o de Colombo! De que lhe servia a gloria do descobrimento da America deante do painel tenebroso, que aos olhos se lhe desfraldava! Não fôra o algoz dos americanos. Fôra, porém, quem ahi levara os carrascos para que exterminassem barbaramente uma raça de homens innocentes e pacificos!

Desembarcado em Cadix, dirigiu-se Colombo para Sevilha, onde foi obrigado a demorar-se alguns dias por se lhe aggravarem os padecimentos physicos. Escreveu, no entanto, á Rainha, summariando-lhe os desastres de sua ultima viagem. A morte inesperada de Isabel de Castella, em 1504, cortou-lhe, porém, todas as esperanças de conseguir justiça ás suas reclamações. Estava pobre, e tinha sido despojado do seu governo e dos seus bens no Haity. Logo que pôde emprehender viagem, seguiu, todavia, de Sevilha para Segovia á procurar D. Fernando{167} de Aragão, que, além do seu reino, governava como regente o de Castella, na ausencia da filha D. Joanna, herdeira de Isabel. Bem que encontrasse frieza no acolhimento que lhe fez o Rei, perseverou em suas supplicas, acompanhando-o a Valhadolid.

Ahi suas molestias o levaram de novo ao leito, do qual se não levantou mais. Morreu em 1506. Nem mesmo depois de perder a vida, ficou o cadaver tranquillo no tumulo. Após alguns annos seus herdeiros o transportaram para Sevilha; tempos mais decorridos, para S. Domingos; ainda em 1795, cedida pelos hespanhoes aos francezes a parte da ilha que possuiam, transferiram-se os restos mortaes de Colombo para a de Cuba, onde desde então repousam.

Minhas senhoras e senhores.

Até aqui historiámos os factos: agora apreciemos o verdadeiro valor delles, o resultado que o mundo colheu de tão trabalhados e heroicos esforços.

Muitos são e alguns excellentes os escriptores que tratam da America e de Colombo, e em{168} todas as linguas européas. Bibliothecas importantes formariam as collecções de livros publicados á respeito. E portanto varias versões, differentes apreciações, contrarios juizos, factos differentemente recontados e opposições manifestas, encontram-se, desde os chronistas que só o cobrem de elogios até aquelles que procuram a todo transe escurecer-lhe a memoria, e denegrir-lhe os creditos.

Soffreu numerosas injustiças durante a vida. Não menos clamorosas se levantaram contra sua reputação depois de sua morte.

Para se lhe reduzir a memoria espalharam-se muitos escriptos destinados á arrancar-lhe os louros que conquistara com seu genio, pertinaz audacia e insoffrida temeridade.

Ousou-se negar-lhe até a gloria do descobrimento da America, asseverando-se que antes delle outros haviam reconhecido o novo mundo, e entre esses scandinavos pelo Norte do continente, e um piloto portuguez que na Madeira fallecera ao voltar de viagens que praticara.{169}

Que é das provas escriptas, dos vestigios deixados por esses exploradores primitivos? Que é das narrações que elles fizeram? Como antes de Colombo ninguem nisso fallou? Como nada constava então na Europa?

Ainda da Atlantida de Platão encontraes o mytho, a legenda, que o grande philosopho grego attribue aos egypcios, mas em que não acredita. Quanto, porém, ás viagens dos noruegos e islandezes, cumpre dizer que só depois da morte de Colombo é que nellas fallou-se. É muito possivel que um ou outro navegante daquelles mares, impellido pelos ventos e correntezas das aguas, avistasse costas desconhecidas do Norte da America, sem as ter procurado de proposito e de sciencia certa. Que provaria isso sinão o acaso? Como, porém, só se espalharam estas noticias depois que Colombo baixara á sepultura? Entretanto inventaram-se lendas, imaginaram-se sagas, decantaram-se expedições de aventureiros que da Groelandia se communicavam com a America; minuciaram-se tradições, e fabricaram-se noticias{170} escriptas. Colheu Colombo ou qualquer outro navegante esclarecimentos, indicios desses descobrimentos anteriores?—Não, nada delles se sabia, nem mesmo por meio de tradições oraes e que se propalassem. Nem no solo americano vestigio se encontrara. E quando ellas fossem reaes, não eram conhecidas.

O que é verdade e verdade historica, é que de nenhuns elementos por elles colligidos, si é que existiram, se aproveitou Colombo para ousar ir em busca das Indias. Inspirava-o só a certeza de que havia de encontral-as, logo que era redondo o hemispherio terrestre. Fallam alguns escriptores hespanhoes de um piloto portuguez que lhe deixara na ilha da Madeira derrotas e itinerarios á que havia procedido, e de que resultara recolher elle a noticia de terras novas ao oeste. Demonstram, porém, o asserto, com documentos? Não os teriam portuguezes publicado quando acaso os houvessem encontrado? Quando mesmo alguma noticia identica lhe chegasse aos ouvidos, perderia elle os direitos de descobridor? Quantas{171} vezes se apropria o genio inventor de trabalhos anteriores de outros, mas confusos materiaes, e a elle se deve a invenção e não aos antecedentes? Equivale o descobridor de terras ao inventor. Assim Newton, assim Galileu, assim Leibnitz, assim Colombo. Do feito de Colombo é que resultou para a Europa o conhecimento do novo mundo. Antes delle tudo se ignorava.

Que importa que procurasse a Asia, e tomasse a America pela Asia? Não era a America inteiramente ignorada? Quem adivinhava então que entre a Europa e a Asia existia um continente tão importante e dilatado?

Que importa ainda que, encontrados na America povos tão distinctos, e alguns tão adeantados em civilisação como os do Mexico e os do Perú, se possa dizer que tinham havido communicações entre elles e os de outras partes do mundo? Com a Asia porventura? De lá teriam vindo, é presumivel, pelo Norte, aonde quasi se ligam Asia e America. Não só os monumentos como os traços physionomicos dos Mexicanos, Peruanos e outras tribus{172} coincidem. Como, porém, se deram essas migrações de povos, quando se realizaram, eis questões sujeitas ainda á conjecturas mais ou menos naturaes, não á juizo exacto e certo.

Da Europa, porém, antes de Colombo, jámais fôra aberta navegação: não se conhecia, nem se adivinhava a existencia da America. Quando muito o saberiam os asiaticos, e estes não o communicaram nem aos gregos, nem aos phenicios, nem aos romanos, nem aos egypcios. Seriam os chins, ou os japonezes, que occupavam terras oppostas e que nem uma relação ou contacto travavam com os asiaticos do Oeste, persas, judeus ou arabes?

Si ninguem sabia que havia America, em que desmerece seu descobridor por encontral-a em caminho para a Asia? Não ia elle no proposito firme de procurar terras ignotas para os europeus?

Não resultou do seu achado—appellidae assim o feito—que importa!—não resultou gloria para o seu nome, e o que é mais, a maior vantagem moral, social, politica, physica, intellectual para a Europa e para o mundo!{173}

Na historia universal não raia pagina mais proficua e nem mais gloriosa.

Os passos de Colombo e dos hespanhoes seguiram depois na America portuguezes, inglezes, francezes e holandezes. Devassando egualmente os mares atlanticos, tomaram todos parte no continente descoberto: todos colheram louros, todos conquistaram terras, que povoaram com suas raças, mas não lhes cabe a gloria que compete exclusivamente ao primeiro descobridor e á nação que lhe servia.

E quanto não ganhou a Europa, fundando cidades e Estados na America, creando futuras nações independentes e civilisadas que guardam suas tradições e suas linguas? Que como filhos a estimam bem que vivam vida propria e livre?

Tentou-se ainda diminuir a gloria de Colombo com o facto de que elle morrera persuadido de que descobrira as Indias Occidentaes e não a America, isto é, um mundo novo.

Não morreu egualmente na mesma convicção Americo Vespucio, o piloto que, pela primeira vez,{174} em 1499, e depois empregado em armadas portuguezas, percorreu as costas da America central e as do Brazil, e falleceu em 1512? O desenhador habilissimo de cartas geographicas, o feliz mortal emfim, cujo nome coroou o novo mundo?

Como Colombo e quantos navegadores visitaram as terras americanas até quasi 1520, a Europa inteira persuadia-se que a Asia para alli estendia e prolongava suas costas maritimas do occidente, e não havia um continente entre a Asia e a Europa.

Toda a Europa denominava até 1520 a parte da America descoberta de Indias Occidentaes e pois seus indigenas de Indios. O proprio continente brazilico passou por muito tempo depois de seu achado quer por Pinzon quer por Cabral, depois de explorações já effectuadas pelos portuguezes, hespanhoes e francezes como uma enorme ilha assim descripta e pintada nos mappas que se publicavam na Europa.

Para saber-se que era um mundo novo, mesmo depois que já hespanhoes, portuguezes, inglezes, francezes e hollandezes, para alli navegavam, alli{175} traficavam e alli formavam presidios e colonias, foi preciso que um audaz aventureiro hespanhol, Vasco Nunez de Balboa, subindo, em 1513, ás altas montanhas do isthmo de Panamá, daquelles cimos levantados descobrisse o Oceano tranquillo ao Oeste, e das terras d'além e dos proprios mares tomasse posse em nome de Hespanha. Foi preciso que em 1519 o cavalheiro Cortez tivesse domado o imperio do Mexico; que em 1520 Magalhães,—portuguez no feito, mas não na lealdade—buscando egualmente as Indias emprehendesse e praticasse, seguindo o isthmo, que ainda hoje conserva seu nome, a primeira viagem em derredor do globo; que finalmente o arrojado e sanguinario Pizarro encontrasse em 1527 o imperio dos Incas na costa do Oceano Pacifico.

Só de então por deante é que se alteraram os mappas geographicos, destacando-se da Asia o mundo novo, e particularisando-se como continente proprio. E o primeiro mappa-mundi que se desenhou assim, com a separação da Asia e America, data de 1530; foi publicado em Baulez, e{176} attribue-se á Pomponio Mela, que applicou ao novo mundo o titulo de America, deixando de denominal-o como até alli de Indias Occidentaes por que era geralmente conhecido. Appellidou-o de America, sem duvida, porque as melhores cartas geographicas da época tinham a assignatura de Americo.

Nem a Americo se deve attribuir a responsabilidade de tão negra injustiça; chamava-a elle de Indias Occidentaes, como todos os seus contemporaneos, e assim rubricava as cartas que espalhava com sua assignatura.

Esta assignatura de Americo, nas cartas geographicas, causa foi de se lhe dar seu nome, e não outro ao continente descoberto por Colombo.

Segundo a opinião de alguns geographos, foi um Martinho Waldizemuler que em um tratado de cosmographia publicado em Saint Dié, annos antes, lembrara a conveniencia de chamar-se de America as Indias Occidentaes, porque os melhores mappas e roteiros haviam sido por elle desenhados e impressos.{177}

Confirmaram o titulo as edições, que desde então se repetiram, daquelle mappa-mundi de 1530, e que se derramaram profusamente, firmado o erro, que o tempo consagrou, e que nunca mais se conseguiu corrigir, apezar de haverem empregado bastantes esforços muitos afamados e eruditos sabios da Europa.

Não obsta ainda que antes que Colombo visse a terra firme e nella pisasse, o houvesse effectuado o audaz Caboto, em 1497.

Não eram partes da America as ilhas de Haity, Cuba, S. Salvador, Porto Rico, Jamaica, Guadelupe, de que já Colombo se apossara, e onde fundara fortes e até povoações hespanholas? Podemos pela fórma seguinte estabelecer as datas dos descobrimentos da America: em 1492 Colombo; em 1497 Caboto; em 1499 Ojeda; em 1500 Pinzon, e logo após no mesmo anno Cabral e Corte-Real. Cabe a gloria de preferencia a Colombo, cabe-lhe exclusivamente a gloria do descobrimento da America. Seu nome ligou-se para sempre ao novo mundo, e nenhuma pretensão, por{178} mais ousada, conseguirá roubar-lhe os louros, que lhe foram dispensados com toda a justiça. Todos os mais navegadores seguiram apenas seus passos, bem que se distinguissem com façanhas dignas de memoria.

—Minhas senhoras e senhores!

Tenho concluido a missão que me foi confiada de conversar comvosco a respeito de Colombo e do descobrimento da America, no momento em que grandes festas se preparam em Hespanha, Chicago e Genova no intuito de commemorar-se o quarto centenario do dia glorioso—12 de outubro de 1492, em que o novo continente raiou para Europa e lhe revelou sua opulencia e suas grandezas. Não tratei de narrar episodios, que a legenda ajuntou á historia, pensando ornal-a, quando a escurecia e falsificava. Mais de cem livros, mais de quarenta escriptores examinei e estudei para poder extrahir de suas narrativas o que só fosse exacto, e se houvesse realizado. Joeirei, comparei, contrastei os ditos e asseverações de todos, desprezei os que se não comprovam,{179} e expuz-vos com franqueza e lealdade o que se póde e se deve appellidar verdade historica.

Faltavam-me qualidades, sei-o bem, para satisfazer plenamente vossa curiosidade, attrahir vossa attenção, captar vossa benevolencia; todavia a concurrencia numerosa e ininterrupta, que teem provocado estas conferencias, os applausos que immerecidamente me haveis prodigalisado, provam-me que, dados os devidos descontos ás habilitações do orador, tendes apreciado suas intenções, e portanto grangeado, para todo sempre, seu profundo reconhecimento.{180}

{181}

 

 

 

 

Cabeçalho

INDICE

 

PAGS.
PROLOGO...
PRIMEIRA CONFERENCIA—Situação moral e politica da Europa ao principiar o seculo XV—As diversas nações—Portugal—Principios de descobrimentos de terras desconhecidas—Unica nação que se dedica ás navegações ultramarinas—Principes D. Pedro de Coimbra—D. Henrique de Viseu—D. João II—Serve em Portugal Christovam Colombo—Propõe-se á ir directamente ás Indias pelo Oeste—Recusa—Abandona Portugal 1
SEGUNDA CONFERENCIA—Colombo em Genova—Nada consegue—Parte para a Andaluzia—Obtem protecção para Isabel, Rainha de Hespanha—Apresenta seu plano—Sujeita-se ao Concilio de Salamanca—É recusado—Tenta procurar outro paiz que o auxilie—É chamado de novo pela Rainha—Tomada de Granada—Contracto para a expedição maritima—Preparativos de tres caravellas em Palos, que se lhe confiam—Primeira viagem 52{182}
TERCEIRA CONFERENCIA—Peripecias da viagem—Descobrimento da Ilha de S. Salvador—Reconhecimento da terra e dos habitantes—Visita á outras ilhas e á Cuba—Fixa-se no Haity—Descripção das localidades e mares novos—Deixa um forte e quarenta hespanhoes—Volta para Hespanha—Seu acolhimento pelos monarcas e pelo povo 57
QUARTA CONFERENCIA—Segunda viagem—Descobrimento de novas ilhas no mar das Antilhas—Funda uma cidade no Haity—Percorre as costas, bem como as de Cuba e Jamaica—Encontra minas de ouro, cuja exploração começa—Revoltas de hespanhoes—Trafico e captiveiro dos indigenas—Desespera-se com a vinda de um syndicante—Confia o governo ao irmão, e dirige-se de novo á Hespanha—Volta para Haity—3ª viagem—É preso por Bobadilha, e remettido em ferros para Hespanha 95
QUINTA CONFERENCIA—Descobrimentos de hespanhoes, portuguezes e inglezes—Impressões da Europa—A verdadeira Asia visitada por Vasco da Gama—Colombo é solto, e realiza a 4ª viagem—Desastres e decepções que soffre—Volta á Hespanha e morre—Considerações sobre o descobrimento da America—Primeiros globos e mappas á respeito—Americo Vespucio—Quando se soube que era continente proprio e separado da Asia—Como alli, após hespanhoes, entraram inglezes, portuguezes, francezes e hollandezes—Como se lhe deu o nome 137

{183}

 

OBRAS DO MESMO AUTOR

JÁ PUBLICADAS

HISTORIA DA FUNDAÇÃO DO IMPERIO BRAZILEIRO—Comprehendendo:
    1º periodo de 1808 a 1825 3 vols. 2ª edição.
    2º periodo de 1825 a 1831 1 vol. 2ª edição.
    3º periodo de 1831 a 1840 1 vol. 2ª edição.
CURSO DE HISTORIA DOS ESTADOS AMERICANOS—Comprehendendo: America do Norte, Mexico, Perú, Chile, Venezuela, Equador, Nova Granada, Buenos Aires, etc. 1 vol.
NACIONALIDADE, LINGUA E LITTERATURA DE PORTUGAL E BRAZIL 1 vol.
VARÕES ILLUSTRES DO BRAZIL DURANTE OS TEMPOS COLONIAES 2 vols. 3ª edição
MEMORIAS LITTERARIAS E POLITICAS 2 vols.
DISCURSOS PARLAMENTARES 2 vols.
POESIA EPICA E POESIA DRAMATICA 1 vol.
JERONYMO CORTE-REAL, chronica do seculo XVI{184} 1 vol.
MANOEL DE MORAES, chronica do seculo XVII 1 vol.
D. JOÃO DE NORONHA, chronica do seculo XVIII 1 vol.
ASPASIA—Narrativa do seculo XIX 1 vol.
GONZAGA—Ensaio poetico 1 vol.
LITTERATURE PORTUGAISE, son passé, son état actuel 1 vol.
SITUATION SOCIALE, POLITIQUE ET ECONOMIQUE DE L'EMPIRE DU BRÉSIL 1 vol.
FELINTO ELYSIO E SUA ÉPOCA 1 vol.
Curiosidades da historia e da legenda 1 vol.





End of the Project Gutenberg EBook of Christovam Colombo e o descobrimento
da America, by João Manuel Pereira da Silva

*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK CHRISTOVAM COLOMBO ***

***** This file should be named 32519-h.htm or 32519-h.zip *****
This and all associated files of various formats will be found in:
        https://www.gutenberg.org/3/2/5/1/32519/

Produced by Pedro Saborano and the Online Distributed
Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This book was
produced from scanned images of public domain material
from the Google Print project.)


Updated editions will replace the previous one--the old editions
will be renamed.

Creating the works from public domain print editions means that no
one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
(and you!) can copy and distribute it in the United States without
permission and without paying copyright royalties.  Special rules,
set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark.  Project
Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
charge for the eBooks, unless you receive specific permission.  If you
do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
rules is very easy.  You may use this eBook for nearly any purpose
such as creation of derivative works, reports, performances and
research.  They may be modified and printed and given away--you may do
practically ANYTHING with public domain eBooks.  Redistribution is
subject to the trademark license, especially commercial
redistribution.



*** START: FULL LICENSE ***

THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK

To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
distribution of electronic works, by using or distributing this work
(or any other work associated in any way with the phrase "Project
Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
Gutenberg-tm License (available with this file or online at
https://gutenberg.org/license).


Section 1.  General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
electronic works

1.A.  By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
and accept all the terms of this license and intellectual property
(trademark/copyright) agreement.  If you do not agree to abide by all
the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.

1.B.  "Project Gutenberg" is a registered trademark.  It may only be
used on or associated in any way with an electronic work by people who
agree to be bound by the terms of this agreement.  There are a few
things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
even without complying with the full terms of this agreement.  See
paragraph 1.C below.  There are a lot of things you can do with Project
Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
works.  See paragraph 1.E below.

1.C.  The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
Gutenberg-tm electronic works.  Nearly all the individual works in the
collection are in the public domain in the United States.  If an
individual work is in the public domain in the United States and you are
located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
are removed.  Of course, we hope that you will support the Project
Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
the work.  You can easily comply with the terms of this agreement by
keeping this work in the same format with its attached full Project
Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.

1.D.  The copyright laws of the place where you are located also govern
what you can do with this work.  Copyright laws in most countries are in
a constant state of change.  If you are outside the United States, check
the laws of your country in addition to the terms of this agreement
before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
creating derivative works based on this work or any other Project
Gutenberg-tm work.  The Foundation makes no representations concerning
the copyright status of any work in any country outside the United
States.

1.E.  Unless you have removed all references to Project Gutenberg:

1.E.1.  The following sentence, with active links to, or other immediate
access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
copied or distributed:

This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever.  You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org

1.E.2.  If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
and distributed to anyone in the United States without paying any fees
or charges.  If you are redistributing or providing access to a work
with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
1.E.9.

1.E.3.  If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
with the permission of the copyright holder, your use and distribution
must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
terms imposed by the copyright holder.  Additional terms will be linked
to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
permission of the copyright holder found at the beginning of this work.

1.E.4.  Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
License terms from this work, or any files containing a part of this
work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.

1.E.5.  Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
electronic work, or any part of this electronic work, without
prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
active links or immediate access to the full terms of the Project
Gutenberg-tm License.

1.E.6.  You may convert to and distribute this work in any binary,
compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
word processing or hypertext form.  However, if you provide access to or
distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
form.  Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
License as specified in paragraph 1.E.1.

1.E.7.  Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.

1.E.8.  You may charge a reasonable fee for copies of or providing
access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
that

- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
     the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
     you already use to calculate your applicable taxes.  The fee is
     owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
     has agreed to donate royalties under this paragraph to the
     Project Gutenberg Literary Archive Foundation.  Royalty payments
     must be paid within 60 days following each date on which you
     prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
     returns.  Royalty payments should be clearly marked as such and
     sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
     address specified in Section 4, "Information about donations to
     the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."

- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
     you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
     does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
     License.  You must require such a user to return or
     destroy all copies of the works possessed in a physical medium
     and discontinue all use of and all access to other copies of
     Project Gutenberg-tm works.

- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
     money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
     electronic work is discovered and reported to you within 90 days
     of receipt of the work.

- You comply with all other terms of this agreement for free
     distribution of Project Gutenberg-tm works.

1.E.9.  If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
electronic work or group of works on different terms than are set
forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark.  Contact the
Foundation as set forth in Section 3 below.

1.F.

1.F.1.  Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
collection.  Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
works, and the medium on which they may be stored, may contain
"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
your equipment.

1.F.2.  LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
liability to you for damages, costs and expenses, including legal
fees.  YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
PROVIDED IN PARAGRAPH F3.  YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
DAMAGE.

1.F.3.  LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
written explanation to the person you received the work from.  If you
received the work on a physical medium, you must return the medium with
your written explanation.  The person or entity that provided you with
the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
refund.  If you received the work electronically, the person or entity
providing it to you may choose to give you a second opportunity to
receive the work electronically in lieu of a refund.  If the second copy
is also defective, you may demand a refund in writing without further
opportunities to fix the problem.

1.F.4.  Except for the limited right of replacement or refund set forth
in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.

1.F.5.  Some states do not allow disclaimers of certain implied
warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
the applicable state law.  The invalidity or unenforceability of any
provision of this agreement shall not void the remaining provisions.

1.F.6.  INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
with this agreement, and any volunteers associated with the production,
promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
that arise directly or indirectly from any of the following which you do
or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.


Section  2.  Information about the Mission of Project Gutenberg-tm

Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
electronic works in formats readable by the widest variety of computers
including obsolete, old, middle-aged and new computers.  It exists
because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
people in all walks of life.

Volunteers and financial support to provide volunteers with the
assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
remain freely available for generations to come.  In 2001, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.


Section 3.  Information about the Project Gutenberg Literary Archive
Foundation

The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
Revenue Service.  The Foundation's EIN or federal tax identification
number is 64-6221541.  Its 501(c)(3) letter is posted at
https://pglaf.org/fundraising.  Contributions to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
permitted by U.S. federal laws and your state's laws.

The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
throughout numerous locations.  Its business office is located at
809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
[email protected].  Email contact links and up to date contact
information can be found at the Foundation's web site and official
page at https://pglaf.org

For additional contact information:
     Dr. Gregory B. Newby
     Chief Executive and Director
     [email protected]


Section 4.  Information about Donations to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation

Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
spread public support and donations to carry out its mission of
increasing the number of public domain and licensed works that can be
freely distributed in machine readable form accessible by the widest
array of equipment including outdated equipment.  Many small donations
($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
status with the IRS.

The Foundation is committed to complying with the laws regulating
charities and charitable donations in all 50 states of the United
States.  Compliance requirements are not uniform and it takes a
considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
with these requirements.  We do not solicit donations in locations
where we have not received written confirmation of compliance.  To
SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
particular state visit https://pglaf.org

While we cannot and do not solicit contributions from states where we
have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
against accepting unsolicited donations from donors in such states who
approach us with offers to donate.

International donations are gratefully accepted, but we cannot make
any statements concerning tax treatment of donations received from
outside the United States.  U.S. laws alone swamp our small staff.

Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
methods and addresses.  Donations are accepted in a number of other
ways including including checks, online payments and credit card
donations.  To donate, please visit: https://pglaf.org/donate


Section 5.  General Information About Project Gutenberg-tm electronic
works.

Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
concept of a library of electronic works that could be freely shared
with anyone.  For thirty years, he produced and distributed Project
Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.


Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
unless a copyright notice is included.  Thus, we do not necessarily
keep eBooks in compliance with any particular paper edition.


Most people start at our Web site which has the main PG search facility:

     https://www.gutenberg.org

This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.