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Rita
Farinha (Jul. 2009)
O
RECONHECIMENTO
DO IMPERIO
GEORGE CANNING
Segundo uma tela de
Stewardson, gravada por Wm Brett.
OLIVEIRA LIMA
da Academia Brazileira
Historia Diplomatica do Brazil
O
Reconhecimento
do Imperio
H. GARNIER, LIVREIRO-EDITOR
71-73, rua
do Ouvidor, 71-73 |
|
6, rue des
Saints-Pères,
6 |
RIO DE JANEIRO |
PARIS |
TRABALHOS DO AUCTOR
Pernambuco,
Seu
desenvolvimento historico.―Leipzig,
F. A. Brockhaus, 1895. 1 vol. de XIII, 327 paginas, com
4 retratos.
Sept Ans de République
au
Brésil (1889-96), extrait de la
«Nouvelle Revue».―Paris, 1896. 1 folheto de
36 paginas.
Aspectos da Litteratura Colonial
Brazileira.―Leipzig,
F. A. Brockhaus, 1896. 1 vol. de XVI, 301 paginas.
Nos Estados Unidos,
Impressões politicas e
sociaes.―Leipzig,
F. A. Brockhaus, 1899. 1 vol. de 524 paginas.
Memoria sobre o descobrimento do
Brazil,
Suas primeiras
explorações e negociações
diplomaticas a que deu origem.―Premiada
em concurso pela Associação do
Quarto Centenario do Descobrimento do Brazil e publicada
no Livro do Centenario. Rio de Janeiro, 1900.
Á MEMORIA DE UM AMIGO
(† 3 de Novembro de 1897.)
Dedicando á memoria do barão d'Itajubá
este ensaio,
o primeiro de uma serie sobre a nossa historia no exterior,
desejo relembrar esse amigo, que durante trez
saudosos annos foi meu chefe na Legação em
Berlim,
e cuja morte prematura significou para a diplomacia
brazileira, n'aquelle momento, a perda do seu mais
completo representante.
Digo completo, porque elle reunia á finura da intelligencia
e á pratica dos negocios, a distincção
das maneiras
e a formosura do caracter. Pode-se de certo ser
um grande diplomata sem o ultimo predicado: o já
classico exemplo de Talleyrand ahi está para proval-o.
A experiencia dos negocios pode ser supprida pelos
rasgos de genio: Napoleão, aos 28 annos, dirigia as
negociações de Campo Formio com a pericia
consummada
que Albert Sorel nos descreveu em um bello
trabalho. Itajubá era porem o equilibrio moral em pessoa.
N'elle algumas qualidades se não haviam desenvolvido
extraordinariamente á custa d'outras. Methodico
em extremo, a chancellaria era o seu templo, o
[VI]
expediente o seu sacerdocio, sem que comtudo a rotina
o tornasse imbecil, ou sequer a burocracia lhe desmanchasse
a linha fidalga. A certa hora aquelle funccionario
modelo convertia-se muito naturalmente―porque
n'elle nada havia de affectado―no homem de sociedade
mais correcto e mais attrahente. Á banca de trabalho
nunca conheci intelligencia mais viva, percepção
mais prompta dos diversos lados de uma questão. Em
um salão nunca conheci pessoa mais á sua vontade,
tendo uma resposta finamente espirituosa, nunca maldosa,
para tudo, igualmente amavel para com todos.
Esta amabilidade era tanto mais captivante, quanto
derivava não só da sua
educação, como do seu
coração.
Itajubá era, além de intelligente e distincto,
bom, fundamentalmente
bom, de uma bondade simples e tocante.
A sua alma rejubilava discretamente á idéa do bem
que
n'um dado momento podia praticar, e atormentava-se
com o mal―para outrem―que não podia evitar. Para
outrem note-se, porque, no que lhe dizia respeito, mostrava
uma impassibilidade que dava a medida do seu
espirito superior. Não que fosse indifferente aos ataques
ou á má vontade. Sua sensibilidade era em demasia
delicada para permittir-lh'o, mas sabia como genuino
mundano esconder a sua contrariedade, sem, christão
verdadeiro, guardar o mais leve rancor.
Repito, Itajubá era o equilibrio moral em pessoa:
igualmente solicito no desempenho dos seus deveres
officiaes e sociaes, polido até o requinte, generoso de
verdadeiras attenções―que é bem mais
difficil do
que ser generoso de dinheiro―affectuoso até a ternura
para os seus, que o adoravam, e para os amigos,
que o estremeciam.
O nome do barão d'Itajubá não ficou
ligado em nossa
historia diplomatica a nenhuma convenção
particularmente
[VII]
notavel, mas a um sem numero de pequenas
negociações delicadas e a algumas espinhosas, que
elle
sabia guiar com mão segura e resolver com um tacto
perfeito. Ministro em Madrid, em Washington, em
Roma, em Pariz e em Berlim, nunca se lhe deparou
occasião para diplomacias de alta escola, nem elle a
procurava. Achava com razão que, no caminhar diario
dos negocios, ha farto ensejo de prestar serviços para
quem os não visa como meio de chamar a
attenção. A
sua excellente posição social em todas aquellas
capitaes
facilitava-lhe, de resto, a solução de qualquer
questão,
reflectindo-se toda em lustre do paiz que elle personificava.
Nos ultimos annos o facto que poz mais em evidencia
a capacidade diplomatica do barão d'Itajubá foi o
reconhecimento da Republica Brazileira pelo Governo
Francez a 20 de Junho de 1890, obtido exclusivamente
por sua influencia pessoal, trez mezes antes de fazel-o
qualquer outra nação européa, sem
aguardar a França
o resultado das eleições para a Constituinte do
Rio de
Janeiro. Fizeram-lhe d'isso um crime por ser elle um
representante vindo do antigo regimen e um amigo do
Imperador deposto; quando o
crime,
aliás commum a
centenares de outros, significava apenas que, com a
sua visão sempre clara dos acontecimentos e
dedicação
á nação que servia, Itajubá
comprehendêra perfeitamente
que a monarchia americana cahira para sempre,
e que o dever dos brazileiros residia muito mais na
defeza do bom nome do paiz, em promover a continuidade
das suas tradições de honra e de
civilização, do
que na dedicação platonica e improficua a uma
dynastia
que mais se suicidára do que fôra derrubada. Elle
serviu
a Republica com a lealdade que foi a regra da sua vida
publica e privada, que foi a melhor arma, a unica mesmo,
[VIII]
da qual se serviu victoriosamente contra os seus detractores
e, usemos do termo proprio, os seus invejosos. A
sua norma, a sua justificação, consistiam em
antepôr
sempre e em tudo ás formulas que passam, alguma
cousa que fica―a Patria.
Oliveira
Lima.
Londres, 25 de Janeiro de 1901.
HISTORIA DIPLOMATICA DO BRAZIL
O
RECONHECIMENTO DO IMPERIO
I
A
Europa e o
reconhecimento.
A Independencia consummou-se em 1822;
o reconhecimento do Imperio do Brazil pelo
Reino de Portugal apenas teve lugar em
1825, e antes da ex-metropole nenhuma
nação européa, nem mesmo a Inglaterra
de
Canning, abalançára-se a receber em seu
convivio official a colonia insurgente. De
1823 a 1827 coube pois á joven diplomacia
brazileira pugnar na Europa pela admissão
no areopago politico do mundo civilizado da
nova nação americana, creada pela ousadia
e decisão de um Principe, pelo sentimento
latente e crescente da desunião, pela habilidade
e patriotismo de alguns estadistas,
pelo enthusiasmo e confiança de numerosos
espiritos cultos, e pela valiosa cooperação de
[2]um
almirante inglez
em ostracismo social.
Papel da esquadra
na Independencia.
Sem esta ultima contribuição não
é exaggerado
dizer que os esforços das demais corriam
grave risco de ficarem frustrados. Com
effeito, senhores os Portuguezes do norte
do Brazil, estabelecidos em terra e no mar,
e sendo absurdo pensar n'uma expedição
terrestre sahida da capital, só poderiam ter
sido expellidos das suas posições por meio
de uma esquadra, a qual se formou ás
carreiras e com benemerito vigor local,
supprindo elementos da officialidade estrangeira,
especialmente da britannica que acabava
de se distinguir na libertação do Perú
e do Chile, o que havia ainda de escasso e
deficiente na marinhagem nacional. Era
esta tanto mais inexperiente quanto, sob
o dominio portuguez, o proprio commercio
de cabotagem andava vedado aos Brazileiros.
Na Inglaterra acontecia justamente
que a terminação das guerras napoleonicas,
depois de revolucionada a Europa, deixára
a meio soldo e sem pasto para sua actividade
muitos officiaes de valor e ambição,
que sobremaneira estimavam encontrar em
outros campos de batalha emprego para
seus gostos e habilitações.
[3]
A esquadra ás ordens de Lord Cochrane,
o grande
condottiere naval da
emancipação
do Novo Mundo, foi, mau grado a sua
composição heterogenea, o agente principal
da nossa União. A ella deve-se que, quando
o marechal Felisberto Caldeira Brant Pontes
e o cavalheiro Manoel Rodrigues Gameiro
Pessoa, com razão fiados nas boas
disposições
do Foreign Office, apresentaram-se a
Canning urgindo o exercicio da influencia
ingleza para effectuar-se o reconhecimento
pela mãi patria e conseguintemente pela
Europa do Imperio sul-americano, este
merecesse bem o seu titulo pela enormidade
do seu territorio e homogeneidade da
sua organisação.
Aberturas de
reconciliação.
Não fôra sem grande trabalho que
chegára
a tornar-se possivel esta solução pacifica da
acalorada disputa que, por motivo da separação,
tinha lavrado entre as duas partes da
monarchia portugueza. Canning, que de
principio tomára a peito a questão,
manifestára
porem o parecer que o Brazil não podia
nem devia mais esquivar-se com pretextos
de dignidade e amor proprio á
inclinação,
muito por ultimo e a muito custo, mostrada
por Portugal, de consentir na abertura de
[4]
negociações directas de
reconciliação sem
exigir a previa e incondicional submissão,
na qual insistira inflexivelmente para satisfazer
o espirito publico e quando julgava
que o Reino Unido passaria do papel de
honnête courtier para o de
interventor determinado.
De accordo com a suggestão do
Secretario d'Estado dos Negocios Estrangeiros
de Sua Magestade Britannica e ao
tempo que Portugal, seduzido pelos conselhos
das potencias continentaes, ia regressando
á primitiva intransigencia, o Brazil
iniciava sua campanha diplomatica nas
côrtes do Velho Mundo.
Nomeação de
Brant e Gameiro.
Caldeira Brant e Gameiro Pessoa tinham
sido encarregados de aplanar as differenças
entre as duas nações sem propriamente solicitarem
a mediação britannica, mas tendo
ordem de communicar ao Foreign Office os
seus passos e tentames, e de pedir e receber
os conselhos de Canning. Caldeira Brant
anteriormente á sua missão residira na
Inglaterra,
officialmente acreditado na qualidade
de agente do Governo do Brazil. Como
tal se occupára de variados negocios,
entre outros de construcções navaes e
alistamento de marinheiros, até Agosto de
[5]
1823, mez em que partira para o Imperio.
Expedições
armadas na Inglaterra.
O alistamento de marinheiros realizava-se
sem inconveniente nem embaraço, mesmo depois
da Independencia, não tendo na pratica
applicação ás possessões
portuguezas o
Foreign
Enlistment Bill, proposto e approvado
em 1819 para privar d'então em diante de
justificação as queixas da Hespanha, a qual
via com desgosto e irritação sahirem dos
portos britannicos expedições armadas em
favor da emancipação das suas colonias
americanas. Eram semelhantes expedições,
tanto a consequencia do tradicional espirito
liberal da nação ingleza, naturalmente sympathica
a qualquer nacionalidade oppressa
ou desejosa de ganhar seus fóros, como a
expressão das vantagens mercantis que um
commercio que acabava de soffrer o bloqueio
continental e se via a braços com a
accumulação de mercadorias d'elle resultante,
encontrava em novos mercados abertos
á sua iniciativa. Custára tanto menos a
Canning defender aquelle projecto ministerial
quanto achava-se persuadido, com a
firmeza da intelligencia e a confiança da
vontade, que a emancipação da America
Latina consummar-se-hia fossem quaes
[6]
fossem as circumstancias que a favorecessem
ou a retardassem. O Brazil estava de resto
em posição differente, porque em rigor
não
podia considerar-se uma colonia abruptamente
despregada do tronco metropolitano.
Algum tempo antes de declarar-se independente
e sobretudo com a curta regencia de
D. Pedro, gosára o reino ultramarino de
uma larga autonomia que o habilitára a
entabolar relações européas e a
fazer-se
julgar como um governo de facto, capaz de
desempenhar seus proprios compromissos.
Encarregatura
de negocios
de Hyppolito.
Na ausencia de Caldeira Brant ficou interina
e officiosamente encarregado dos negocios
do Imperio o vigoroso jornalista que
durante quinze annos estivéra na estacada,
redigindo o
Correio Brasiliense e
prestando
á causa constitucional e da liberdade americana
os mais assignalados serviços. Em
recompensa havia Hyppolito José Pereira
da Costa Furtado de Mendonça merecidamente
sido nomeado Consul Geral em
Londres, lugar que exerceria cumulativamente
com o de Conselheiro da Legação
quando o Governo Britannico reconhecesse
ambas as nomeações, pois até
então estava
permittida nos portos da Inglaterra a
[7]
admissão da bandeira independente, mas
não se concedia o
exequatur aos consules,
posto que fossem nomeados e recebidos
consules inglezes no Brazil e na Cisplatina.
A etiqueta diplomatica o mais que tolerava
n'este ponto eram os agentes commerciaes,
vedando quaesquer formulas externas do
reconhecimento politico a que no fundo
annuia.
A encarregatura de Hyppolito foi muito
curta e pouco interessante. Em Novembro
de 1823 era o cavalheiro Gameiro, que
estava servindo de encarregado de negocios
em Pariz, removido no mesmo caracter
para Londres, só recebendo porem a respectiva
communicação em Março de 1824.
O pobre Hyppolito fallecia entretanto,
quando via despontar o triumpho do seu
ideal, sem poder desfructar a victoria e
deixando tão pobre a senhora ingleza que
desposára, que o Imperador, a pedido do
duque de Sussex, mandou conceder-lhe
uma pensão de cem libras annuaes.
Instrucções a
Gameiro.
Nas instrucções que simultaneamente com
a nomeação eram expedidas a Gameiro, dizia-se
que elle e o marechal Caldeira Brant,
que estava para regressar do Rio de Janeiro,
[8]
seriam os plenipotenciarios escolhidos para
tratar em Londres da questão primordial e
magna do reconhecimento do Imperio, que
preoccupava essencialmente os estadistas
brazileiros e que tambem mais ou menos tinha
occupado a attenção de Canning desde a sua
volta ao Foreign Office, coincidente com a
proclamação do Ipiranga. As
instrucções
do Ministerio de Estrangeiros recommendavam
entretanto a Gameiro que se fosse
empenhando sósinho pelo alludido negocio,
procurando ser logo admittido publicamente
como encarregado de negocios, depois ou
mesmo antes de dar satisfacção, corroborando
a que no Rio de Janeiro fôra dada
em Notas ao consul Chamberlain, pelos
«actos inconsiderados do passado ministerio».
Diziam estes actos respeito ao incidente
com o brigue de guerra
Beaver,
contra
o qual a fortaleza da Lage disparára dois
tiros de polvora secca quando ia sahindo em
occasião que o porto havia sido mandado
fechar, e á entrada na armada nacional do
desertor tenente Taylor, que o Governo
Imperial a muito custo e com muito sacrificio
se prestava a demittir e, si tanto fosse
exigido, entregar, como prova da sua boa
[9]
vontade para com a Grã Bretanha. Lembremos
de passagem que Canning teve o
espirito e a generosidade de contentar-se
com a demissão do seu distincto compatriota.
Posição
diplomatica
do Brazil.
O recebimento, pelo menos officioso, de
Gameiro não padecia duvida, apezar das intimas
ligações de Portugal com a Inglaterra.
Nem podia ser d'outro modo. A França, si
bem que não permittindo a reciprocidade,
acabava de despachar como encarregado de
negocios para o Rio de Janeiro o conde de
Gestas; a Prussia até manifestára desejos
de concluir um tratado, e o consul britannico
Henry Chamberlain exercia no Brazil
funcções diplomaticas que, no rigoroso acatamento
dos preceitos do direito das gentes,
só deveriam caber a um agente acreditado
perante um governo legalmente constituido.
O reconhecimento formal estava porem
longe ainda de achar-se ultimado, e era
essa a chave que para o Brazil abriria a
porta a todas as outras negociações, mesmo
a da abolição do trafico de escravos com
que o Imperador acenava á Inglaterra, e
cuja regulação inicial no tratado de 1810
com Portugal e na convenção de Londres
[10]
de 1817 andava tão imperfeita ou mal interpretada,
que fornecia azo a seguidos protestos
do consul Chamberlain.
Justificação
da Independencia.
Nas instrucções mandadas a Gameiro,
após insinuado que outras potencias européas
poderiam roubar á Inglaterra a prioridade
no passo de amizade internacional que
o reconhecimento significava, assim affectando
os interesses commerciaes britannicos,
e de reaffirmada a resolução inabalavel
do Imperador e do seu povo em manterem
a attitude tomada, resumiam-se os motivos
que tivera o Brazil para desligar-se de Portugal,
avultando entre elles a retirada de
D. João VI do Rio de Janeiro e a tyrannia
das Côrtes demagogicas de Lisboa, e salientava-se
«que a Politica, os interesses Nacionaes,
o resentimento progressivo do
Povo, e até a propria Natureza tornavam
de facto o Brazil Independente
[1].»
Relembrava-se
que a ex-colonia «conciliando os
principios da Legitimidade com os da Salvação
do Estado, e interesses publicos»,
patenteára toda a sua dedicação
á Casa de
Bragança ao acclamar como seu soberano o
[11]
primogenito do monarcha portuguez, ao
passo que as nações hispano-americanas se
tinham constituido debaixo da forma republicana
de governo, forma que tambem era
a predilecta de uma turbulenta facção no
Brazil, «animada pela effervescencia do
seculo», e a qual augmentaria e ganharia
força si se verificasse que ás realezas
européas
repugnava a plena admissão como
legitimo «de um governo fundado na justiça,
e na vontade de quatro milhões de
habitantes». O titulo de Imperador correspondia
aliás a uma idéa de escolha,
eleição
ou sagração popular que se coadunava com
o espirito democratico do paiz, e, no dizer
das instrucções, fôra adoptado
«por certa
delicadeza com Portugal; por ser conforme
ás idéas dos Brazileiros; pela
extensão territorial;
e finalmente para annexar ao
Brazil a cathegoria que lhe deverá competir
no futuro na lista das outras Potencias do
Continente Americano».
A mediação
ingleza suggerida.
Declarando estar prompto para tratar com
seu Augusto Pai sobre a base do reconhecimento
da cathegoria politica assumida pelo
Brazil, e por este modo facultar a Portugal
«aproveitar do Brazil o que ainda fôr
possivel»,
[12]
o Imperador acabava por mencionar,
como podendo originar um tal resultado, a
mediação ingleza, certamente agradavel a
Portugal e que elle de boa mente acceitava,
sem que a tivesse solicitado. Assim pois,
antes da chegada de Caldeira Brant, já
tivera Gameiro ensejo e tempo para
entender-se com aquelles que deviam ser os
mais importantes personagens na peça que
se ia representar no tablado do Foreign
Office. O caminho estava aberto. Quando
ambos os enviados receberam do Rio suas
instrucções definitivas e plenos poderes para
negociarem com todas as potencias européas,
immediatamente procuraram em virtude
da previa intelligencia tanto o Secretario
d'Estado dos Negocios Estrangeiros
do Reino Unido, como o barão de Neumann,
encarregado de negocios da Austria na ausencia
do Embaixador, principe Esterhazy.
A Austria
igualmente medianeira.
Viera a combinar-se que o gabinete de St-James,
protector declarado de Portugal, e o
Imperador da Austria, sogro de D. Pedro I,
seriam conjunctamente os medianeiros ou
antes assistentes na paz e reconciliação
directamente negociadas em Londres entre a
metropole e a colonia da vespera. Canning,
[13]
em seu louvavel empenho de preservar a
paz quanto possivel, gostava de proceder
de harmonia e até favorecer os designios
das potencias continentaes, sempre que
esses não fossem adversos aos interesses
britannicos. Os bons officios da Grã Bretanha
haviam sido primeiro suggeridos por
Palmella, ao responder a uma declaração
do novo ministro inglez, Sir Edward Thornton,
de que o gabinete britannico estando
persuadido da impossibilidade de restabelecer-se
a sujeição, voluntaria ou forçada, do
Brazil, era conveniente concordar-se logo
no modo de resolver a pendencia, satisfactoriamente
para a independencia politica do
Brazil e para a soberania em ambas as
partes da monarchia portugueza da Casa de
Bragança.
Canning resolve
a questão
da mediação ou
bons officios.
Um pouco depois, por effeito de conselhos
contrarios dados em Lisboa ao gabinete
da Bemposta, o conde de Villa Real,
ministro portuguez em Londres, vibrou
como uma ameaça a interferencia das potencias
continentaes. Canning porem, que
combatia no Velho Mundo os dictames reaccionarios
da Santa Alliança e os desconhecia
com relação ao Novo, declinou para
[14]
o caso vertente toda e qualquer intervenção
de semelhante natureza. Abria apenas uma
excepção para a Austria pela razão do
intimo
parentesco entre as côrtes de Vienna e
do Rio de Janeiro, ao ponto mesmo de prometter
suspender eventualmente o reconhecimento
do Imperio Brazileiro até dar mostras
de consummar-se a mediação austriaca,
si preferida á britannica. Os bons officios
da Inglaterra não podiam todavia ser evitados,
dada a sua posição de ascendencia em
Lisboa como no Brazil, e o Governo Portuguez
volveu a cortejal-os, no intuito de por
meio d'elles obter do Imperio as condições
mais suaves para o orgulho da mãi patria.
Por seu lado Canning, servindo-se do consul
Chamberlain, insinuou a vantagem
d'aquelles bons officios no espirito dos governantes
brazileiros, a cujo conhecimento
incumbiu-se de levar posteriormente as
disposições
mais conciliadoras de Portugal, de
entrar em negociações para regular a futura
successão das duas partes da monarchia e
restabelecer as primitivas relações commerciaes
existentes entre os dous reinos.
Canning como
interventor
a pedido.
Não era facil empreza, mesmo para o genio
diplomatico de Canning, o desmanchar
as desconfianças e attritos levantados entre
Portugal e Brazil, fazendo ver a este quanto
a amizade do Velho Mundo lhe seria proveitosa
e
[15]
como lhe cabia angarial-a pela sua
moderação e condescendencia, e
esforçando-se
por annullar n'aquelle a procrastinação
e má vontade estimuladas pelas potencias
continentaes, as quaes pintavam o gabinete
britannico como exclusivamente devotado
a fomentar os interesses brazileiros.
Canning logrou todavia realizar o seu
intento. A dissolução da Constituinte do Rio
de Janeiro, em Novembro de 1823, animára
o Governo de Lisboa em sua estudada morosidade,
alvoroçando-o com a perspectiva
do predominio no Brazil do chamado partido
portuguez; quando porem essa ultima
esperança se lhe esvaio, de que o Imperador
seria levado ou compellido a readmittir a
soberania paterna, mandou ao conde de
Villa Real instrucções que o fizeram solicitar
formalmente, por meio de uma Nota Verbal
com data de 4 de Março de 1824, a
intervenção
britannica afim de obter satisfacções
por parte do Brazil. Era um meio indirecto
ou antes um circumloquio diplomatico para
reabrir a questão, sendo posta de lado a
[16]
preliminar submissão do Imperio ao seu
status colonial. Apparentava-se
tratar sómente
de reparar offensas e prevenir maiores
conflictos, previamente a ventilar-se
qualquer outra differença, isto é, a de soberania
ou independencia. Os bons officios da
Grã Bretanha e da Austria entraram por
esta forma n'uma phase de effectividade,
não dispensando absolutamente Canning a
collaboração da côrte de Vienna, cuja
mediação havia sido solicitada em fins de
1823 pelo Governo Portuguez.
Benevolencia
da Austria.
E a Austria entrava no negocio cheia de
benevolencia, porque Canning convencêra
tão perfeitamente Metternich que a
destruição
do throno brazileiro, fatal no caso
de falhar o reconhecimento, seria mais perniciosa
ao principio monarchico, por ambos
os estadistas acatado, do que a acceitação
da separação dos dous reinos, que o
Chanceller austriaco, após demorar por
alguns mezes sua resposta ao gabinete de
Lisboa, declarára sem ambages que lhe não
parecia possivel restabelecer-se a situação
anterior á Independencia e que o mais avisado
seria, na hypothese muito provavel
do Brazil não consentir em acceder a uma
[17]
autonomia completa e effectiva, debaixo da
suzerania portugueza e sob o governo de
um principe portuguez, assegurar a corôa
americana para a Casa de Bragança. O Governo
Austriaco dizia-se prompto até a
annunciar ao Imperador do Brazil, uma vez
effectuada, a concessão da independencia,
a qual todavia nunca reconheceria senão
depois de o fazer Sua Magestade Fidelissima.
Hostilidade
da Santa Aliança.
A Inglaterra
e a Austria
em pontos
de vista diversos.
A boa vontade da Austria, inspirada pelas
considerações de familia, não era
porem
tudo, mesmo que não variasse, segundo
veio a acontecer. Canning perceberia a
breve trecho, conforme escrevia a Lord
Liverpool poucos mezes depois, que «Portugal
parecia ser o terreno escolhido pela
Alliança continental para combater peito a
peito a Inglaterra, pelo que devemos estar
preparados para travar a peleja e destroçar o
inimigo, supportando qualquer forma imaginavel
de intriga ou intimidação, sob pena
de sermos expulsos do campo
[2]».
Começa
porque os dous medianeiros da questão
brazileira de certo modo collocavam-se em
[18]
pontos de vista diversos. A Austria, ou
Metternich por ella, não podia seguramente
ver com muito bons olhos que o
Imperio Americano pretendesse trilhar a
senda constitucional, legado da maldicta
Revolução.
Metternich e
a Constituição
Brazileira.
Um momento houve mais tarde em que
Canning assustou-se devéras com um boato
corrente, de ter Telles da Silva, o agente
brazileiro em Vienna, promettido ao Chanceller
desistir o Imperador, em troca do
reconhecimento, da perfilhada orientação
liberal, e chegou a perguntar por escripto a
Brant e Gameiro si era verdadeira tal intenção.
O boato era falso, ainda que lhe dessem
côr a dissolução forçada da
Constituinte
e as subsequentes deportações politicas,
mas o certo é que, segundo lê-se na
correspondencia dos nossos enviados, Neumann
iria successivamente esfriando do
seu primitivo interesse pela causa brazileira,
acabando por trabalhar de mãos dadas com
o plenipotenciario portuguez, conde de
Villa Real.
A orientação
franceza sob os
Bourbons.
Esta mudança só deve ser attribuida
á conhecida e fundamental antipathia da
Santa Alliança por tudo quanto tresandava
a liberalismo e ao accrescimo de favor que
conseguintemente lhes merecia o Portugal
regressado
[19]
aos bons tempos do absolutismo.
A referida attitude do Imperador D. Pedro
contra a Camara emanada da vontade
popular, o seu acto de violencia seguido da
outorga de uma Carta Constitucional, deviam-lhe
no emtanto assegurar pelo menos
a sympathia da França, que para effectuar
uma mudança semelhante em proveito de
Fernando VII, emprehendêra a expedição
de Hespanha. Á França porem desagradariam
altamente o reconhecimento pacifico
e cordial e a reconciliação do Imperio com
o Reino mediante a intervenção amigavel
da Inglaterra, que assim recolheria a gratidão
de ambas as partes; isto quando os
seus planos politicos, sobretudo acariciados
pela fogosa imaginação romantica de
Chateaubriand,
abraçavam uma larga esphera
de actividade opposta á britannica.
Largos planos
de Chateaubriand.
O Ministro dos Negocios Estrangeiros de
Luiz XVIII calculára, não sem propriedade,
que a restauração da monarchia absoluta
hespanhola pelo exercito francez daria á
nação invasora o direito consequente e
inseparavel de auxiliar a reconquista da
[20]
America Hespanhola, ou mesmo redundaria
n'uma procuração para tal fim. Á
Inglaterra
que, quarenta annos atraz, sustentára
uma custosa guerra para reduzir á obediencia
as suas colonias americanas revoltadas,
estava vedado empatar em principio o exercicio
dos incontestaveis direitos hespanhoes,
e si tal o fizesse na pratica, contava a França
com a neutralidade benevola das potencias
continentaes para a sua faina de abater, por
meio de uma guerra, as pretenções britannicas
e tomar a desforra de Waterloo, ao
mesmo tempo tornando popular pelo reflexo
da gloria militar a monarchia dos Bourbons.
Nas
Memorias d'além campa
Chateaubriand
confessa não ter tido em vista
fito mais alto do que esse interesse dynastico,
ao servir a politica bellicosa do momento
e levar a cabo as decisões do Congresso
de Verona, parallelamente reduzindo
a questão hespanhola, de européa a franceza,
o que traduzia uma decidida vantagem
nacional.
A França no
Novo Mundo.
A reconquista da America Hespanhola
em proveito do inepto representante dos
Bourbons d'Hespanha, afóra o immenso
beneficio moral, traria com certeza para a
[21]
França―assim o devaneavam Chateaubriand
e o gabinete Villèle―uma recompensa
territorial avultada no Novo Mundo,
a qual seria o nucleo da reconstituição do
poderio colonial francez, perdido no decorrer
do seculo anterior e com que se locupletára
a Inglaterra, empolgando o Canadá e alastrando-se
pelo Hindostão. Chateaubriand,
que vagueára pelos campos do Oeste americano,
tornados ainda mais extensos pela
solidão immensa em que jaziam, e, contemplando
as aguas barrentas do Mississippi,
meditára longamente sobre os problemas
politicos e moraes do universo, sentia
mais do que qualquer outro a importancia
da diminuição soffrida pela França com
a
perda do Canadá e a alienação da
Louisiana,
cuja juncção com a possessão do
norte, subindo a corrente do grande rio que
parte longitudinalmente em dous os Estados
Unidos, interceptaria a expansão ingleza e
fundaria um imperio latino onde hoje se
espraia a magestosa democracia anglo-saxonica.
O posto seria, alem de tudo o
mais, excellente para exercer sobre a America
Central e Meridional a hegemonia que
os Estados Un
França―assim o devaneavam Chateaubriand
e o gabinete Villèle―uma recompensa
territorial avultada no Novo Mundo,
a qual seria o nucleo da reconstituição do
poderio colonial francez, perdido no decorrer
do seculo anterior e com que se locupletára
a Inglaterra, empolgando o Canadá e alastrando-se
pelo Hindostão. Chateaubriand,
que vagueára pelos campos do Oeste americano,
tornados ainda mais extensos pela
solidão immensa em que jaziam, e, contemplando
as aguas barrentas do Mississippi,
meditára longamente sobre os problemas
politicos e moraes do universo, sentia
mais do que qualquer outro a importancia
da diminuição soffrida pela França com
a
perda do Canadá e a alienação da
Louisiana,
cuja juncção com a possessão do
norte, subindo a corrente do grande rio que
parte longitudinalmente em dous os Estados
Unidos, interceptaria a expansão ingleza e
fundaria um imperio latino onde hoje se
espraia a magestosa democracia anglo-saxonica.
O posto seria, alem de tudo o
mais, excellente para exercer sobre a America
Central e Meridional a hegemonia que
os Estados Unidos já estavam avocando e a
[22]
que Luiz Napoleão mais tarde quiz insensatamente
oppôr a do Imperio Mexicano estabelecido
e protegido pelas aguias francezas
Inconvenientes
para o partido
da reacção
de uma solução
amigavel do
conflicto luso-brazileiro.
A serena liquidação da questão
brazileira
seria, para a execução de tão altos
designios, um obstaculo quasi insuperavel,
representando uma victoria para a Grã
Bretanha, que assim desfeiteava a Santa
Alliança, reforçava a opinião liberal
do
mundo em prol da independencia das colonias
hespanholas, e em extremo difficultava
o complemento do projecto de restauração
ultramarina da auctoridade da metropole.
Não admira pois que a França se absorvesse
na partida, usando de toda a sua pericia.
Mesmo despedido Chateaubriand do ministerio,
o que se deu a 5 de Junho de 1824, a
politica franceza não variava o seu rumo e
Villèle, senão um ultra, pelo menos governado
por elles, ficava para zelar-lhe a orientação
geral, naturalmente antipathica ao
Imperio, cujo soberano trahia em alguns
actos a sua educação absolutista, mas cujos
estadistas persistiam, com o seu instinctivo
feitio democratico, em desafiar a legitimidade,
o direito divino e outros fetiches do
passado.
[23]
Embaraços
creados pelo
partido da reacção
«Si l'empereur ne s'accommode pas aux
vues des Souverains de l'Europe, on le fera
sauter en trois mois», chegou Neumann a
dizer um dia a Brant; ao que, sem perder
o sangue frio, replicou laconicamente o
marechal: «Tant pis pour eux», significando,
como Canning, que os soberanos
europeus assim ceifariam ingloriamente a
unica monarchia americana, sem poder
mais substituil-a pelo extincto regimen
colonial e sómente dando nascimento a uma
outra republica. Brant e Gameiro, bem que
não quizessem dar a conhecer aos estranhos
o seu estado de espirito, arreceavam-se todavia
muito das tendencias hostis da Santa
Alliança, a cujas intrigas attribuiam mesmo
a opposição e animosidade de Buenos
Ayres, que já em 1824 ameaçava declarar-nos
a guerra. É preciso não esquecer que
batia justamente então a hora do apogêo da
politica reaccionaria de Metternich, quando
em França os ultras, com a elevação
imminente
de Carlos X ao throno, preparavam-se
para dominar exclusivamente o governo;
a Hespanha soffria em dolorida resignação
as prepotencias de Fernando VII, forro da
escravidão constitucional, e Portugal via
[24]
apparecer em plena luz, á frente dos regimentos
que regressavam empoeirados de
Villa Franca ou postavam-se insolentes no
largo da Bemposta, a figura esbelta e brutal
do Infante absolutista.
Evolução
liberal
na Inglaterra
e papel de
Canning na politica
européa.
Na Inglaterra, pelo contrario, accentuava-se
a evolução liberal, naturalmente
combatida pelos
tories puros, mas
tirando
forças do contacto com a lucta e ganhando
incremento com o proprio ardor da peleja.
O papel politico de George Canning na historia
britannica e na do mundo avulta tanto
aos olhos da posteridade, porque na verdade
foi decisiva a sua acção e grandiosa a sua
obra, que consistiu particularmente em garantir
a autonomia completa de um Continente,
para isto transformando a politica
externa da Inglaterra, creando o seu isolamento,
e pondo cobro ás allianças austriacas
cultivadas por Castlereagh em obediencia
ás suas inclinações pessoaes e no
intuito
diplomatico de fazer frente ás
ambições russas.
Poucos mezes depois de recolher a herança
de Castlereagh, Canning desvendava
sem hesitações as suas vistas nas seguintes
palavras de uma carta ao Rei, de 11 de Julho
de 1823 "...As grandes potencias despoticas
[25]
do Continente presumiam estar V. M.
indissoluvelmente unido aos seus principios
e projectos. Por minha parte desejo pelo
contrario, avisada ou inconscientemente,
ver o peso da auctoridade de V. M. lançado
no outro prato da balança. Muito mais do
que isso. Estou intimamente convencido
que a verdadeira posição de V. M. no embate
existente de theorias adversas e opiniões
extremas, é uma posição neutra:
neutra tanto entre principios hostis como
entre nações hostis; e que é
sustentando
essa posição, a qual V. M. unico entre os
soberanos da Europa pode assumir, que V.
M. conduzirá sem demora o seu povo ao
mais alto gráo de prosperidade, e estará
melhor habilitado para salvar outros paizes
dos perigos que, por seu turno, podem ameaçar
quasi todos elles."
O conservantismo
de Lord
Castlereagh.
Não devemos d'ahi entender que o predecessor de
Canning no Foreign Office tivesse
sido um reaccionario do estofo de Metternich.
Não podia sel-o, porque forçosamente
ainda que inconscientemente, pulsava n'elle
o constitucionalismo organico do Inglez.
Era porem um
tory da velha eschola,
com
os peores prejuizos politicos da classe aristocratica,
[26]
contrario por instincto ás mais
benignas manifestações revolucionarias, e
disposto por natureza ao mais compromettedor
galanteio com a Santa Alliança. Apenas
appellára para a sua sobranceria quando
essa Alliança, tornando-se mais ousada
com a acquiescencia do gabinete de Londres,
proclamou doutrinas, no seu dizer incompativeis
com as leis fundamentaes da Grã
Bretanha; e ainda assim não falta quem
assevere que, em semelhante emergencia,
fôra precaria a sua sinceridade, e que mais
imperára n'elle o respeito pela opinião do
Parlamento do que a propria convicção.
Castlereagh em principio repellio com apparente
vigor a theoria da intervenção absolutista,
preconisada e firmada no Congresso
de Troppau em 1820, mas assentira praticamente
na miseravel e sangrenta intervenção
austriaca em Napoles.
Castlereagh
e a emancipação
do Novo
Mundo.
Si assim ousava ir d'encontro á opinião
progressiva do seu paiz, não é de espantar
que o interesse mercantil do mesmo, combinado
com a indifferença ou antes antipathia
pela Hespanha, não fossem sufficientes
para compellir o seu ingenito conservantismo
a favorecer o movimento autonomista
[27]
do Novo Mundo. Tão pouco sympathica era
comtudo a attitude de Castlereagh á opinião
predominante na Inglaterra, mesmo á de
antes da Reforma de Lord Grey; tão avessas
ao caracter politico britannico, aquella
fascinação pelas prerogativas das monarchias
absolutas e qualquer identificação
com os planos domesticos continentaes, que
um observador como Greville, movendo-se
no meio social mais exclusivo e aparentado
com algumas das primeiras casas da Inglaterra,
escrevia no seu diario que a perda do
então marquez de Londonderry fôra grande
para o partido e maior para os amigos, mas
nulla para o paiz, e criticava sem rebuço o
proceder do Governo Inglez para com aquellas
das nações européas que se tinham
fiado
na Grã Bretanha, ao tratarem da
applicação
do seu ideal liberal.
Metternich e
o Foreign Office.
O bisbilhoteiro Greville conta mesmo que
Castlereagh andava feito com Metternich,
tendo Canning e Lord George Bentinck, secretario
particular d'este, encontrado no Foreign
Office, por occasião da accessão de
Canning ao posto, papeis particulares que
evidenceiam, não só que Castlereagh, ao
affectar afastar-se da Santa Alliança, pretendia
[28]
apenas deitar poeira nos olhos da Camara
dos Communs, como que na realidade seguia
cegamente a politica mystica e retrograda
inaugurada por Alexandre I. O positivo
é que lavrava manifesta contradicção
entre as exigencias publicas, do meio e do
momento, e as preferencias individuaes e de
casta de Castlereagh, e tambem que Metternich
levou tempo a convencer-se que Canning
era sincero na opposição movida á
Santa
Alliança: persuadira-se a principio que o
seu liberalismo internacional se cifrava
n'uma mera necessidade parlamentar
[3].
Era Canning
um democrata?
Canning estava entretanto longe de ser
um democrata. «Desadoro as
revoluções,
exclamava elle no famoso discurso de Plymouth,
ao ser-lhe offertada em 1823 a franquia
do burgo. Passei quasi trinta annos da
minha vida batalhando por velhas instituições.
Não deve comtudo ficar deslembrado
que, ao resistir á Revolução Franceza,
em
todas as suas phases, desde a Convenção
até
Bonaparte, eu certamente advogava a resistencia
ao espirito de innovação, mas não
advogava menos a resistencia ao espirito
de dominação estrangeira. Emquanto esses
[29]
dous espiritos permanecem ligados, a resistencia
a um anima a resistencia ao outro;
uma vez separados todavia, ou, o que é
ainda peor, em antagonismo um ao outro,
o mais estrenuo e mais consistente anti-revolucionario
pode bem hesitar no partido
a escolher». Si bem que fosse um
tory
enthusiasticamente anti-reformista, Canning
tinha chegado, por um concurso de
circumstancias politicas e da propria idiosyncrasia,
a personificar na politica exterior
britannica o elemento mais audaz de
governo, bem como na politica geral européa
a defeza das franquias constitucionaes,
ameaçadas de destruição. No mesmo
discurso de Plymouth elle assim
definia sua posição: «Julgo muito pouco
avisado, como parece querer a Santa Alliança,
forçar a um conflicto os principios
abstractos da Monarchia e da Democracia.
O papel da Inglaterra consiste em preservar,
tanto quanto fôr possivel, a paz do mundo
e a independencia das diversas nações que
o compõem. Não julgo, como parece julgar
a Santa Alliança, que não existe
segurança
para a paz entre as nações, a menos que
cada nação esteja em paz comsigo mesma,
[30]
ou que a Monarchia absoluta seja o feitiço
de que depende tal tranquillidade interna».
Pensando assim, nenhuma tendencia
propriamente reaccionaria podia ser-lhe
sympathica. Os povos valiam no seu entender
tanto quanto os reis, ou por outra, um
rei só merecia fidelidade quando reinava
para o seu povo. Elle mesmo era um exemplo
vivo do quanto já logravam alcançar
em sua patria o prestigio pessoal e o favor
da opinião. Não passava do filho, singularmente
dotado de talento, de um homem
bem nascido mas quasi pobre, e de uma
mãi honesta mas que tivera de fazer-se
actriz depois de viuva, para manter-se a si
e a elle. Este desprotegido do berço, após
uma brilhante ascenção parlamentar, alguns
annos de administração, uma curta embaixada
e outros annos de estudado afastamento,
vira-se quasi unanimemente indicado
e fôra novamente collocado por Lord Liverpool
no Foreign Office, quando o tornou
vago o suicidio de Lord Castlereagh.
Canning e
Jorge IV.
É sabido que Jorge IV, que mais tarde
viria a estimal-o sinceramente, oppoz-se com
acrimonia á sua segunda elevação aos
conselhos
da corôa, sendo o motivo vulgarmente
[31]
apontado do rancor real, o facto da demissão
de Canning do gabinete por occasião do processo
da rainha Carolina, da qual pretendia o
monarcha divorciar-se depois de enxovalhar-lhe
a reputação. Canning, como amigo e conselheiro
que havia sido da infeliz princeza,
entendeu conservar-se neutral n'esta questão
que tanto agitou a Inglaterra e quasi conduziu
a uma revolução, não tomando parte
alguma no andamento do processo e debates
parlamentares. É porem mais natural,
como quer provar o commentador da correspondencia
de Canning, que o Rei se sentisse
alheado d'este homem d'Estado, não
por um resentimento já apagado e em todo
o caso injustificavel, mas antes por causa
das idéas avançadas de Canning no tocante
á emancipação dos Catholicos e
á das colonias
latino-americanas. Pela primeira não
poude fazer muito, tendo-o roubado a morte
em plena maturidade e poucos mezes depois
de haver galgado a
premiership,
assumindo
a direcção geral dos negocios publicos.
Quanto á segunda, os cinco annos de
gerencia dos negocios estrangeiros foram-lhe
bastantes para transmudar a politica
ultra-conservadora do seu predecessor e
[32]
affixar-se deliberadamente como o adversario
europeu da Santa Alliança.
Influencia de
Canning no partido
e sua independencia
de opiniões.
Consentia-lhe esta postura, em desaccordo
com a maioria dos
leaders e com o
throno, a
sua força extraordinaria na Camara dos
Communs e no partido, isto é, a harmonia
do seu pensar com o sentimento geral do
paiz, e a fascinação exercida pela superioridade
do seu espirito sobre a massa dos partidarios,
os quaes não poderiam tambem
olvidar que Pitt lhe encaminhára os primeiros
passos parlamentares, se lhe affeiçoára
em extremo e por fim o designára como seu
successor.
Tory leal até
que a repugnancia
dos elementos mais conservadores do partido
fel-o inclinar para os
Whigs, com os
quaes
pode dizer-se que, havendo-o abandonado
Wellington, Eldon e Peel, governou depois
da morte de Liverpool, durante a sua curta
premiership, nunca podia ter sido um
tribuno
popular, nem como tal teria feito carreira
no tempo dos burgos podres e do predominio
quasi exclusivo das grandes
familias nobres; mas tampouco foi um
satellite da aristocracia, posto que a ella
estivesse ligado por laços de parentesco.
Canning porem nascêra para guiar e não
[33]
para ser guiado. A sua composição moral
era completa, pois que era um delicado no
sentir, um idealista no conceber e um
homem de acção no executar.
Perfil intellectual
e politico
de Canning.
As inclinações litterarias de Canning levavam-no
para a poesia satyrica, que traduzia
a feição humoristica do seu espirito, no
qual casava-se, n'uma combinação encantadora,
uma preoccupação repassada de
gravidade dos problemas politicos do momento
com uma certa levesa propria do
tempo, da sociedade e do homem, e que o
tornou alheio aos problemas propriamente
sociaes. As suas preferencias mundanas
conduziam-no para a vida elegante e refinada
n'um circulo limitado e escolhido de
apreciadores, nunca tendo conseguido a
ambição tão vasta quanto legitima que
o
impellia, vergar-lhe o animo ao ponto de
cortejar a facil popularidade dos comicios e
das plataformas. Até ser membro do gabinete,
Canning escreveu muito mais do que
fallou. As suas orações parlamentares mais
notaveis datam quasi todas do tempo em que
se sentava no Banco do Thesouro, quando
com o prestigio do cargo passou a expôr na
sua forma um tanto diffusa mas cuidada,
[34]
animada e persuasiva, as idéas e os conceitos
que lhe acudiam em abundancia, e que
até então confiava especialmente á
correspondencia
privada com os seus intimos.
Os seus ideaes politicos arrastavam-no, já
o sabemos, para a restituição dos direitos
politicos aos Catholicos, a abolição da
escravatura
e o reconhecimento das nacionalidades
americanas, sem que comtudo o
liberalismo n'elle constituisse o desdobramento
de uma natureza apaixonada, philantropica
ou exhuberante de seiva. A
localisação d'esse liberalismo na alma
ponderada e equilibrada de Canning não
correspondia portanto ao enthusiasmo de
O'Connell, nem ao evangelismo de Wilberforce,
nem á exaltação communicativa de
Brougham. O defensor da America Latina
era um estadista reflexivo, um monarchista
convicto, um governante por temperamento;
conservador por calculo si não por instincto
no que dizia respeito aos negocios domesticos,
patriota intransigente em questões de politica
exterior, não recuando ante a solução
extrema da guerra na aspiração de salvaguardar
a grandeza britannica, quando falhassem
os meios suasorios, da paz e da diplomacia.
[35]
Pitt e Canning
Pitt apparecia-lhe como o typo representativo
da epocha, como o precursor do
imperialismo que tinha de ser a caracteristica
e a condição da orientação
ingleza.
Como Pitt, possuio elle nervo e mostrou
audacia, e não foi sem razão que n'um celebre
discurso, alludindo á guerra da
intervenção
franceza na Hespanha, lhe foi dado
exclamar com toda a emphase a que, no
periodo litterario de Chateaubriand, nem
a oratoria ingleza escapou: «Eu decidi
que, a ter a França a Hespanha, tel-a-hia
sem as Indias. Olhei para a America com o
fim de corrigir as desigualdades da Europa.
Chamei um novo mundo á existencia para
servir de contrapeso ao antigo.»
A libertação
da America Latina.
O pronome da primeira pessoa não foi
muito do agrado dos collegas de Canning
no gabinete, mas traduzia a realidade. A
intervenção da França nos negocios da
Hespanha,
combatida até o ultimo momento
pelo ministerio Liverpool―receosa a Inglaterra
d'essa renovação anachronica do velho
Pacto de Familia―e apenas tolerada com
as trez condições, que a França
respeitaria
Portugal, deixaria em paz, entregue ás suas
luctas e facções, a America Hespanhola, e
[36]
não permaneceria indefinidamente além dos
Pyreneus, determinou Canning, e Canning
mais que ninguem na Grã Bretanha, a procurar,
nas colonias emancipadas das metropoles
peninsulares, um contrapeso valioso
para a balança internacional, e uma nova e
mais extensa base sobre que apoiar a influencia
britannica. O seu systema politico,
inverso do de Castlereagh, tinha, como
vimos, por fundamento que a Inglaterra devia
ser o fiel da balança, não só entre
nações
inimigas, como entre principios inimigos.
Sendo o anti-liberal o prato que então pendia,
por amor do proprio equilibrio Canning
lançou o poder moral e material da sua patria
no outro prato, que tinha reunido contra
si o peso da Europa continental.
II
O commercio
britannico favoravel
ao reconhecimento.
O meio era indubitavelmente favoravel á
acção da novel diplomacia brazileira. O commercio
britannico, cujo influxo na Camara
dos Communs é consideravel pelo facto
mesmo de achar-se representado n'essa assembléa
n'uma vasta proporção (já assim
era antes de 1832), aspirava abertamente
á tranquillidade publica do outro lado do
Oceano, e com tal intuito favoneava quanto
podia o reconhecimento do Imperio, cuja
grandeza territorial e fartura de recursos
promettiam um campo remunerador á
exploração mercantil européa. Aferindo
as
cousas pela craveira ingleza e medindo
quanto no seu paiz valia a influencia do commercio
sobre a marcha dos negocios publicos,
é que o consul geral Chamberlain aconselhava
no Rio de Janeiro o Ministro de
Estrangeiros Carvalho e Mello a cessar o Governo
[38]
de fazer apprehender os navios mercantes
portuguezes e, pelo contrario, abrir-lhes
os portos brazileiros. Restabelecido o
trafico entre os dous paizes e accumulados
os creditos commerciaes portuguezes no Brazil,
os proprios negociantes do Reino sentiriam
o maximo interesse em promover a
reconciliação, antepondo as vantagens praticas
ás susceptibilidades patrioticas.
Differente
proceder de
Canning para
com Portugal e
a Hespanha.
A Canning não era comtudo licito ferir
directa e profundamente as susceptibilidades
de Portugal, onde estava justamente envidando
esforços para moralmente sustentar
o regimen constitucional, que parecia ser da
escolha enthusiastica da nação, mas que na
verdade era repugnante não só á
côrte, como
á idiosyncrasia nacional. Não
precisára ter
as mesmas contemplações com a Hespanha,
adversaria de sempre em vez de alliada de
seculos, e cujo imperio colonial se esphacelára
debaixo das vistas indulgentes da Inglaterra,
sem que esta pensasse um instante
em obstar á desaggregação, antes
indirectamente
favorecendo-a com a sua sympathia
e até agindo directamente, ao combater os
ensaios europeus da intervenção supplicada
por Fernando VII junto dos monarchas da
[39]
Santa Alliança. Ainda depois do restabelecimento
do poder absoluto em Madrid, teve
o rei d'Hespanha de dar ao gabinete de St-James
as duas garantias por este exigidas
para não tornar immediato o reconhecimento
da independencia das possessões rebelladas
do Novo Mundo.
As garantias eram as seguintes: 1.ª, que
a Santa Alliança não auxiliaria a Hespanha
no reduzir á obediencia as colonias insurgentes;
2.ª, que o trafico mercantil não volveria
a ser exclusivo da mãi patria, ficando
aberto a todas as bandeiras. Semelhante
promessa por parte da Inglaterra estava porem
longe de ser definitiva, no pensamento
dos que a formulavam. Não passava de uma
dilação. As garantias da Hespanha apenas
temporariamente satisfaziam a Canning,
para quem o reconhecimento das nacionalidades
da America Latina era resolução
assente, e que formalmente declarou á Hespanha
que, no momento opportuno, o Governo
Britannico adoptaria as medidas convenientes
para executar o seu designio sem
mais entender-se com ella (
without further
reference to the court of Madrid).
Emancipação
das colonias
hespanholas da
America.
As colonias hespanholas da America já
tinham aliás todas dado provas mais que
sufficientes da vitalidade que n'ellas borbulhava.
Buenos-Ayres, a que primeiro, rebellando-se
contra o usurpador, por menos
guarnecida e sopitada e mais pobre e descurada
logrou separar-se da mãi patria, não
só derrubára
[40]
o poderio dos seus vice-reis,
como armára expedições libertadoras
que
com Belgrano tinham chegado sem proveito
ao Paraguay, com Balcarce attingido ousadamente
o Alto Perú, e com San Martin denodadamente
corrido ao soccorro do Chile
depois do fracasso da insurreição local.
Buenos Ayres tambem por si resistira ás
intrigas francezas e austriacas, soffregas por
impôrem-lhe um principe da Casa de Bourbon
ou da de Habsburgo depois de mallograda
a candidatura de D. Carlota Joaquina,
e, conservando com amor a sua liberdade,
ainda que esta não passasse de uma mescla
de tyrannia e de anarchia,
affirmára
em 1826
no Congresso de Tucuman a sua independencia
e das provincias que lhe gravitavam em
torno, assim consagrando o movimento de
25 de Maio de 1810, em que fôra deposto o
vice-rei Cisneros e acclamada a junta governativa.
[41]
No resto dos vice-reinados a contenda
com os elementos fieis ao dominio da metropole
sob não importa que regimen, passára
por alternativas, ora jubilosas, ora cruciantes,
e motivára o derramamento de
muito sangue generoso e muito sangue leal
em scenas de carnificina que dão á historia
da emancipação da America Hespanhola
uma tonalidade rubra que a da America
Portugueza não conheceu. Na primeira a
lucta foi incomparavelmente mais porfiada.
Foi antes uma campanha prolongada que
começou logo em 1809, quando chegaram
além mar as primeiras noticias da invasão
da Hespanha pelos exercitos de Napoleão,
e ainda durava no Perú quando a Inglaterra,
após a entrada em Madrid e em Cadiz das
forças do duque d'Angoulême, entrou a
dispôr
o reconhecimento das republicas que haviam
alcançado a victoria e ensaiado a
pacificação.
O espirito de independencia seguira
levando com effeito a melhor, e o
gabinete inglez encontrava, nas decididas
vantagens obtidas pelos revolucionarios americanos,
a mais completa justificação da politica
momentaneamente tentada pelos ministros
de 1797, de, em opposição á Hespanha,
[42]
ajudarem moral e praticamente a
libertação das suas possessões no Novo
Mundo.
Estas a tinham entretanto grangeado por
si mesmas, pelo explodir dos odios amontoados,
e á custa de muitos sacrificios, de
muita heroicidade e de muita barbaridade.
A insurreição alli resentira-se da falta de um
centro, como o tivera a do Brazil, que attrahisse
e harmonizasse os disseminados esforços,
mas o rastilho revolucionario fôra
tão veloz e preciso que ateára fogo a todo o
continente, desde o Orenoco até o Prata,
desde o planalto do Mexico, em que se ergue
a antiga cidade de Montezuma, até a fralda
dos Andes, em que se espreguiçam as villas
levantadas pelos conquistadores. A extrema
facilidade com que o incendio se propagou,
com que as labaredas revolucionarias apontaram
quasi a um tempo em Caracas, em
Quito, em Santa Fé de Bogotá, em Santiago,
em Buenos Ayres, prova á saciedade que a
usurpação franceza foi apenas um pretexto,
posto que em muitos casos sincero, para a
lealdade colonial, e que de facto as possessões,
si não estavam promptas em educação
civica para desfructarem os beneficios da
[43]
emancipação, achavam-se no emtanto maduras
para a insurreição pela
infiltração das
idéas jacobinas―como tinham vindo a ser
denominadas as idéas crescidas e acalentadas
no seculo XVIII. Por mais que calafetassem
as construcções coloniaes, o aroma subtil
e violento da liberdade derramava-se por
toda a parte e estonteava todas as cabeças.
Frequentemente inconsciente muito embora,
a aspiração era tão geral quanto
irresistivel,
e acabára por conduzir á autonomia do continente.
Emissarios
inglezes na
America Hespanhola.
Pelo tempo em que os plenipotenciarios
brazileiros, transpunham os humbraes do
Foreign Office, apparelhados para a peleja
diplomatica, emissarios inglezes percorriam
as ex-colonias hespanholas afim de informarem
com segurança o gabinete de Londres
da situação politica e social em cada
uma e do gráo de estabilidade dos seus governos.
A litteratura britannica sobre a America
Latina é devéras copiosa no primeiro
quartel do seculo XIX e a opinião publica na
Inglaterra agia com perfeito conhecimento,
não só dos recursos, das bellezas naturaes
e da historia de qualquer das possessões da
Peninsula, como dos seus costumes, qualidade
[44]
de população e tentativas de
independencia.
Canning porem carecia de proceder com
todas as precauções e reservas officiaes, e
por isso aguardou os relatorios dos seus
emissarios antes de decidir entrar em relações
commerciaes com Buenos Ayres, como
aconteceu em Julho de 1824, e com a Colombia
e o Mexico, como succedeu em Dezembro
do mesmo anno. É evidente que taes
relações commerciaes equivaliam a
relações
politicas, mas em rigor, segundo Canning
explicou n'um dos seus discursos parlamentares,
o reconhecimento em condições semelhantes,
podia passar pela consequencia de
protegerem-se interesses já legalmente existentes
e não denotar o proposito de crear
interesses novos.
Offerecimento
pela Grã Bretanha
á Hespanha
da sua mediação.
Immediatamente antes, porem debalde,
offerecêra a Grã Bretanha á Hespanha a
sua
mediação para tratar com as possessões
emancipadas, sobre a base da sua respectiva
independencia. Apenas pretendia que o
governo de Fernando VII entrasse nos
ajustes preliminares com inteira disposição
de ceder n'esse ponto em troca de outras
condições satisfactorias. A Hespanha
não
entendeu acquiescer: appellou para a sua
[45]
dignidade como um argumento irrespondivel
contra tamanha derogação da sua soberania,
e o ensaio de accordo gorou sem que
Canning se preoccupasse extraordinariamente
com isso, porque contava infallivelmente
com o futuro.
Laissez faire et laissez
venir―tinham sido as suas
instrucções de
31 de Dezembro de 1823 a Sir William
A'Court, representante britannico em Madrid.
«Mais cedo ou mais tarde, si nos conservarmos
quietos e não dermos pretexto de
queixas contra nós, as cousas correrão muito
da forma que desejarmos, ou pelo menos
que permittirmos..... A questão hispano-americana
está essencialmente ajustada.»
A doutrina de
Monroe e a parte
que n'ella cabe
a Canning
A doutrina de Monroe acabava de dar, na
expressão de Canning, o
coup de
grâce ao
Congresso de que cogitavam as potencias
continentaes para regular aquella questão.
Ora não convinha por modo algum á Inglaterra
deixar tomar-se a dianteira pelo Governo
de Washington, o qual, mediante a
famosa declaração presidencial e o connexo
reconhecimento das novas nações
latino-americanas,
andava grangeando influencia
e popularidade no Novo Mundo. É curioso
[46]
que Canning tivesse indirectamente sido o
maior causador da doutrina de Monroe.
Havendo proposto ao ministro americano
Rush uma acção conjuncta dos Estados Unidos
e da Inglaterra na questão da America
Latina, dirigida contra a politica reaccionaria
da Europa continental, obtivera como
resposta achar-se o ministro sem poderes
especiaes para acceitar tão imprevisto alvitre,
não duvidando comtudo assumir tamanha
responsabilidade si a Grã Bretanha quizesse
começar por proceder ao reconhecimento
politico dos novos paizes hispano-americanos.
Opportunidade
do reconhecimento da
America Hespanhola.
Canning julgou não ser ainda chegado o
momento indicado e declinou a suggestão
de Rush, a qual levantava forte opposição
no seio do gabinete. Os Estados Unidos
aproveitaram-se porem e deram expressão
concreta á insinuação que
fôra feita pelo
Secretario dos Negocios Estrangeiros de
Jorge IV, d'ella resultando a chamada doutrina
de Monroe. O instante verdadeiramente
opportuno para a sua acção, vangloriou-se
Canning de tel-o escolhido um pouco depois,
quando Buenos Ayres entrou a soldar as
suas desconjunctadas provincias confederadas,
[47]
a Colombia a escapar ao perigo que lhe
acarretára o embarque para outro vice-reinado
do seu exercito nacional libertador, e
o Mexico a forrar-se das loucas tentativas
dos pretendentes como Iturbide.
Influxo dos
Estados Unidos.
Canning entretanto não entendia oppôr-se
em caso algum ao estabelecimento de uma
monarchia no Mexico, mesmo que fosse em
proveito de uma infanta hespanhola. No seu
pensar esse acontecimento, que extenderia
ao continente norte o principio monarchico
já estabelecido no sul, obstaria até a
traçar-se
a linha de demarcação de que elle mais
se arreceava, a saber, America contra Europa,
como davam mostras de pretender os
Estados Unidos e seria fatal n'uma geral
democracia transatlantica. Que assim procedendo,
obedecia o illustre estadista á sua
perspicacia e não a moveis egoistas, já o
verificámos. O espirito politico de Canning
attingira o gráo de visão e de tolerancia em
que a preoccupação das formas de governo
desapparece perante as considerações mais
puras, mais levantadas ou mesmo simplesmente
mais patrioticas, porque elle
não occultava, na sua feliz expressão,
que em vez de Europa, gostaria de
[48]
quando em vez de ler―Inglaterra
[4].
Canning e as
monarchias absolutas.
N'uma carta escripta em 16 de Setembro
de 1823 a Sir Henry Wellesley, então
embaixador em Vienna, acha-se mais uma
vez affirmada a sua liberrima theoria das
formas de governo. Não tinha, dizia,
objecção
alguma a que a monarchia absoluta
continuasse a florescer onde era o producto
proprio do solo e onde estivesse contribuindo
para a felicidade, ou para a tranquillidade
(que afinal de contas é a felicidade)
do povo. A harmonia do mundo politico
não ficaria comtudo destruida por
causa da variedade de instituições civis, em
Estados differentes, assim como a harmonia
do mundo physico não é perturbada
pelas grandezas diversas dos corpos que
constituem um systema. O Evangelho proclamou
que ha uma gloria do sol, outra gloria
das estrellas, e assim por diante. O principe
[49]
de Metternich parecia ser de opinião
contraria―que todas as glorias deviam ser
iguaes, e estava até disposto a tentar a
experiencia com a Inglaterra, para tornar a
gloria d'ella o mais possivel identica á do
sol e da lua do Continente. Metternich porem
que nos deixe socegados em nossa esphera,
accrescentava Canning, ou tocaremos uma
musica muito desafinada.
Condições de
neutralidade
no reconhecimento
da America
Hespanhola.
Canning era de opinião que uma nação
tinha por dever reservar suas energias para
dadas occasiões, e não andar
desperdiçando-as
em contendas que se podessem evitar.
Por isso labutava por despir o acto que daria
validade internacional ás colonias emancipadas
da tutela hespanhola, de toda e qualquer
apparencia de hostilidade. Na occasião
em que, resolvendo agir, resolveu a agirem
gabinete e corôa, reconhecendo a entrada
d'aquellas colonias no gremio das nações,
já não mais se tratava, com effeito, de retaliar
pelas injurias recebidas ás mãos das
auctoridades da metropole pelos vehiculos
do commercio britannico, nem sequer de
n'um impeto de enthusiasmo ajudar os
estados embryonarios a alcançarem sua
liberdade. Tratava-se tão sómente de admittir
[50]
os factos consummados e entrar em
relações officiaes com as unicas auctoridades
constituidas do Novo Mundo. Canning
desejava no emtanto fazer sobresahir
a neutralidade de facto guardada pela Inglaterra,
chegando a consentir na justificação
eventual da Hespanha no pretender favores
mercantis especiaes das suas possessões
emancipadas.
Canning entre
Portugal e
Brazil.
A parcialidade britannica em prol da
constituição autonomica da grande
porção
do continente que obedecia aos dictames de
Madrid, não era todavia um segredo para
ninguem, pelo menos desde que se iniciára
a gerencia por George Canning dos negocios
exteriores da Inglaterra, e sobretudo
desde que o Governo Hespanhol recusára
os offerecimentos de mediação ou bons officios
que, melhor avisado ou mais sagaz, o
Governo de Lisboa acabaria por adoptar
para grande beneficio dos seus interesses,
os quaes de outro modo teriam corrido á
revelia e sido por completo sacrificados ao
pundonor do Imperio. Tratando-se de Portugal,
carecia Canning, disposto embora no
intimo e inabalavelmente a igualmente reconhecer
a independencia do Brazil, de salvar
[51]
mais ainda as apparencias, zelar todas
as formas, orientar a sua navegação entre
peores cachopos e mais difficeis correntezas.
Tomou não obstante pela nossa questão
tão decidido interesse quanto pela das republicas
hispano-americanas, por amor da
qual duas vezes offereceu a Jorge IV sua
demissão, e foi quem realmente promoveu
o rapido e feliz resultado d'esse inicial conflicto
diplomatico.
Interesse de
Canning no
reconhecimento
do Imperio.
O seu interesse no reconhecimento pacifico
da independencia do Imperio era de resto
multiplo e de facil comprehensão. Á Inglaterra
convinham freguezes ricos e alliados
fortes, não freguezes arruinados e alliados
desmantelados pela guerra. Demais, a forma
monarchica de governo adoptada pelo novo
Brazil estava, em face da poderosa facção
demagogica nacional, para assim dizer dependente
da prompta sancção européa. O
exemplo da cordialidade restabelecida entre
a mãi patria portugueza e a sua ex-colonia,
com todo um cortejo de vantagens economicas,
devia além d'isso ser efficacissimo
para a Hespanha e para a Santa Alliança,
que a sustentava em sua improficua obstinação.
[52]
Delongas de
Portugal.
Portugal é que não estava açodado como
o promettido mediador no fazer as pazes
com a sua possessão rebellada, sobretudo
depois que a expulsão
manu
militari dos
deputados da nação brazileira e a
prisão e
exilio dos corypheus do partido anti-portuguez
lhe haviam dado fagueiras esperanças
de que D. Pedro, um instante desorientado
pelos perfidos conselhos dos patriotas, voltaria
á razão e ao lucido exame dos seus interesses,
que eram os de uma monarchia
una.
Portugal não contava portanto demover-se
da sua postura sem primeiro ter exgottado
os ardis e delongas da diplomacia, e sem
bem experimentar a rigidez da decisão de
Canning, para a qual influira, afóra os
expostos e palpaveis motivos, a attitude
sympathica e correcta do Brazil official, contrastando
com a hostilidade á Inglaterra,
evidenciada pelas Côrtes de Lisboa. Verdade
é que o Governo Constitucional estrebuchava
nas ancias da morte desde a Villafrancada,
e que a plena auctoridade
restabelecida do soberano buscaria instinctivamente
firmar-se na amizade britannica,
tradicional na sua dynastia, ainda que fossem
[53]
fortissimas as seducções empregadas
pela Santa Alliança para angariar mais
este sequaz.
Instabilidade
politica no Brazil.
Os Andradas e o
sentimento liberal.
Por outro lado a instabilidade politica no
Brazil era tão pronunciada que com
orientação
definitiva alguma se podia contar. É
sabido que os Andradas, que governavam
quando foi proclamada a Independencia e
para esta trabalharam pertinazmente, excitaram
pelas suas arbitrariedades a inimizade
de Ledo, José Clemente e outros elementos
mais democraticos, apoiados nas
lojas maçonicas, mandadas mais tarde parcialmente
fechar, e para minarem a influencia
das quaes organizaram os Andradas o
Apostolado e fundaram o
Regulador. O
Apostolado tomou as feições de um club
como os da Revolução Franceza, sendo para
a Constituinte do Rio de Janeiro o que o
club dos Jacobinos foi para a Convenção:
alli se discutiam primeiro as medidas legislativas
a propôr á Assembléa deliberante.
Os Andradas eram, no justo dizer de
Armitage, facciosos na opposição e prepotentes
no poder. Após uma curta demissão,
tinham voltado ao ministerio com a condição
de deportarem os contrarios e buscaram
[54]
firmar na perseguição a sua auctoridade,
com o resultado que lhes decahiu de
prompto a popularidade, crescendo a onda
liberal. Ao iniciar a Constituinte as suas
discussões, encarnavam os Andradas a
defeza dos interesses monarchicos contra as
idéas radicaes da maioria da Assembléa. As
posições inverteram-se porem muito depressa.
A defeza por Antonio Carlos de um
projecto anti-portuguez de Muniz Tavares
levára os realistas extremes a travarem
alliança com os patriotas, sempre desconfiados
dos Andradas, cuja queda assim se
tornou inevitavel, substituindo-os ministros
moderadamente realistas (Carneiro de Campos
e Nogueira de Gama). Os Andradas
converteram-se logo por isso ás idéas
opposicionistas
e tornaram-se façanhudos
liberaes. Foi o tempo inolvidavel do
Tamoyo
e da accesa lucta parlamentar que
terminou com a demonstração militar levada
a cabo pelos Portuguezes, a organização de
outro gabinete mais marcadamente realista,
a dissolução da Constituinte e a
deportação
de José Bonifacio, Antonio Carlos,
Rocha, Montezuma e outros.
Portugal invoca
em Londres os
antigos tratados
de alliança.
O golpe de vista antolhava-se pois favoravel
á ex-metropole, para a qual a desordem
no Brazil significava a perspectiva de melhores
tempos. D'ahi uma recrudescencia
em Lisboa de esperanças e de impertinencia.
Em Londres o ministro Villa Real exigira
na Nota Verbal ao Foreign Office de 4
[55]
de Março de 1824, a mesma aliás em que
Portugal entrou a fraquejar, que, em observancia
dos antigos tratados de alliança entre
as duas nações, a Inglaterra não
celebrasse
convenção alguma com o «Governo do Rio
de Janeiro» sem que fosse contemplado Portugal,
e indicára ao mesmo tempo as condições
preliminares de quaesquer negociações
suas com o Brazil. Eram quatro essas condições:
cessação de hostilidades;
restituição
das prezas maritimas e levantamento dos
sequestros; promessa formal de não serem
atacadas as colonias ainda fieis á Corôa
portugueza; despedida dos subditos britannicos
ao serviço do Imperio.
Na sua communicação ao ministro Carvalho
e Mello, successor de Carneiro de Campos,
o consul Chamberlain especificava
como sendo os seguintes os tratados invocados
por Portugal em abono da sua reclamação:
Tratado de Londres de 29 de Janeiro
[56]
de 1642, artigo 1.º, Tratado de
Westminster de 10 de Julho de 1654, artigos
1.º e 16.º, e Tratado de Whitehall de
23 de Junho de 1661, artigo secreto. No
proprio mez da proclamação da Independencia
do Brazil e na previsão d'esta occorrencia,
o Governo Portuguez, o qual durante
o mesmo predominio das Côrtes pensára
em entrar com a Hespanha n'uma
alliança defensiva e offensiva, juntando-se
os seus recursos e armamentos com o fim
de subjugarem as respectivas possessões
rebelladas, instára com o Governo Britannico
para concluir um tratado garantindo
a Constituição approvada e a integridade do
dominio lusitano. Apezar do governo liberal
ameaçar fechar o accordo com o correlegionario
hespanhol e necessariamente
prejudicar a influencia ingleza até então
absorvente, Canning excusára-se ao convite,
que só vinha pôr estorvos ao seu plano
de organização autonomica do mundo
latino-americano,
e não lhe parecia deduzir-se
como clausula obrigatoria das solemnes
convenções de amizade pactuadas entre as
duas nações.
A Chancellaria
Brazileira
discute o appello
portuguez.
No entender da Secretaria de Estrangeiros
do Brazil o appello portuguez áquelles
velhos tratados devia ser antes taxado de
pueril, visto que, quando taes convenções
haviam sido ajustadas, apenas podiam ter
cogitado da hypothese de uma desavença e
eventual reconciliação
com
terceira potencia,
[57]
entrando uma das partes contractantes
em accordos prejudiciaes aos interesses
da outra parte. Em 1808 por exemplo,
no momento da declaração de guerra
de Napoleão, Portugal não teria a liberdade
de ajustar a paz com a França em prejuizo
da Inglaterra.
É claro que os dous tratados, de 1642
e 1654, estipulavam nos termos mais explicitos
que nenhum dos dous paizes consentiria
em que fosse perpetrada injuria por guerra
ou por tratado contra o outro paiz; que não
seria concedido asylo nos territorios de um
aos insurgentes contra o poderio do outro,
e que ficariam fóra da lei os transgressores
das disposições contidas nos referidos tratados.
Mais do que isso―o tratado de 1661,
celebrado por occasião do casamento de
Carlos II com a Infanta de Portugal, rezava
muito cathegoricamente que a Grã Bretanha
protegeria a integridade do dominio
[58]
colonial portuguez. O Governo de Lisboa
sustentava que a tomada pelas forças do
Governo independente do Rio de Janeiro
das provincias brazileiras fieis á auctoridade
portugueza; a persistencia nas hostilidades
a despeito da attitude pacifica voluntariamente
assumida por Portugal, e
sobretudo o engajamento na marinha e
exercito imperiaes de subditos britannicos,
constituiam flagrantes violações dos tratados
em vigor. Estes tratados não podiam
porem, contestava nossa Chancellaria, prever
o conflicto entre porções da mesma monarchia,
da qual uma reclamasse «o goso
privativo de seus direitos naturaes e politicos».
A admittirem-se semelhantes fundamentos,
a Inglaterra deveria igualmente
pôr-se contra as colonias ao lado da Hespanha,
nação com que andava ligada por
tratados tão antigos quanto o de 18 de
Agosto de 1604. Este facto não impedira
comtudo a Hespanha de, alliada á França,
combater a Grã Bretanha quando foi da
revolta das Colonias Inglezas da America,
com as quaes o proprio Portugal pretendêra
entrar em relações, propondo a Benjamin
Franklin, então enviado em Pariz, a
negociação
[59]
de um convenio, antes de reconhecida
pela mãi patria a independencia dos
Estados Unidos.
Levando a 5 de Maio de 1824, por ordem
de Canning, ao conhecimento do nosso
Ministerio de Estrangeiros o conteudo da
Nota Verbal do ministro Villa Real, o consul
Chamberlain ajuntára achar-se S. M. Britannica
disposto a não abandonar o seu
velho alliado Rei de Portugal, e reiterára
as representações do Governo Inglez contra
«a continuação inutil de hostilidades
não
provocadas nem sequer retaliadas, as confiscações
injustas e sem motivo plausivel de
propriedades portuguezas, e o emprego indesculpavel
de subditos britannicos nas operações
de guerra contra uma potencia com
a qual estava S. M. Britannica em relações
de amizade e alliança». O Governo Britannico
«esperava que o Governo Brazileiro,
guiado por um espirito de sabedoria e humanidade,
prestar-se-hia de bom grado a acceder
a essas representações, baseadas tanto
sobre seus proprios interesses quanto sobre
os usos reconhecidos».
Concessões
do Imperio.
Respondendo, avançava o Brazil que a
Portugal não era dado valer-se de obsoletos,
ou melhor, inapplicaveis tratados de alliança
com a Inglaterra no intuito de embaraçar a
[60]
obra do reconhecimento da sua cathegoria
politica. Afim de por seu lado aplainar a
execução da dita obra, convinha porem o
Governo Imperial no levantamento dos sequestros;
na attribuição das prezas ao julgamento
de uma commissão
ad hoc
para
fixação dos prejuizos soffridos e de justa e
reciproca compensação; e por ultimo na
facil promessa de não mandar atacar as
colonias portuguezas d'Asia e Africa, persistindo
em cerrar os ouvidos ás requisições
chegadas d'Angola e Benguella, na
costa occidental africana, para se lhes prestarem
auxilio com que se reunissem ao Imperio.
Uma expedição longinqua d'essa
natureza mudaria aliás logo o caracter civil
da contenda entre Brazil e Portugal, tornando-a
quasi analoga a uma aggressão
estrangeira contra as possessões de S. M. Fidelissima.
Na materia da demissão dos officiaes
britannicos, que livre e espontaneamente,
no goso das suas prerogativas de
cidadãos do Reino Unido, haviam posto
suas espadas ao serviço da libertação
de um
paiz escravisado, é que o Governo Imperial
[61]
escolhia não acceder; assim como continuava
a fazer a cessação legal (porque virtual
já o era) das hostilidades dependente
do reconhecimento da independencia pela
ex-metropole.
A opinião publica
e a suspensão
das hostilidades.
O Governo Imperial explicava que não
só seria desairoso e offenderia o espirito
publico, naturalmente susceptivel n'uma
crise semelhante, o ordenar publicamente o
Imperio a suspensão das hostilidades quando
a paz se não achava ainda firmada, como
daria ensejo a propagar-se a calumnia assacada
pelos demagogos ao Imperador, de
estar em connivencia secreta com seu Pai.
Isto quando a separação era um facto consummado
e absolutamente ao abrigo de
qualquer reconsideração. O gabinete do Rio
devia já estar farto de repetir o que representava
a pura verdade historica―que a
independencia do Brazil não fôra o simples
resultado de um movimento brusco e repentino
de despeito ou de revolta: fôra a
coroação calculada e consciente de uma
serie de actos praticados pelo paiz em defeza
propria, desde que a politica franca e inequivocamente
anti-brazileira das Côrtes de
Lisboa obrigou o monarcha a regressar
[62]
para Portugal, e pretendeu compellir o reino
ultramarino a deixar-se novamente impôr a
tutela do outro reino.
Solidez da
Independencia.
D. Pedro não podia ter interesse pessoal
na separação, que lhe diminuia o patrimonio:
si accedeu em pôr-se á frente do movimento
de desunião, é que o amor proprio
offendido, a conveniencia do momento historico
e mesmo a justiça da causa brazileira
dictavam-lhe este procedimento, desejado e
applaudido tanto pelos que ambicionavam
obter depressa a emancipação do Brazil,
como pelos que receavam ver cahir o paiz
nas mãos da facção extrema ou
fragmentar-se
a immensa colonia. A independencia não
corrêra no emtanto tão facil e rapida quanto
poderia deduzir-se do aspecto quasi incruento
do conflicto. O partido portuguez era
poderoso, tinha soldados aguerridos, armas
e mais dinheiro. O partido nacional possuia
massas indisciplinadas, as armas de carregação
que ia importando por intermedio dos
seus agentes na Europa, e os montes de papel
moeda que, a guisa de destroços de um
naufragio, annunciavam o sossobrar do
Banco do Brazil, creado pelo governo paternal
de D. João VI para desenvolver a
[63]
economia brazileira, e que passára a ser,
com seus cofres vasios de numerario e seus
livros de caixa prenhes de passivo, o emblema
do descalabro financeiro da colonia
que no seculo anterior fizera a opulencia de
Portugal. O impeto do movimento separatista
foi comtudo tão indomavel, que as
forças militares da metropole cederam ante
as ameaças palavrosas mais ainda do que
diante das demonstrações bellicosas, que o
sentimento de antagonismo ao Reino foi
gradualmente tomando consistencia, linhas
e feições com as
provocações reaes e imaginadas,
e que o divorcio dos espiritos attingiu
o seu auge no momento mais azado para
vingar e para forçar a deferencia das outras
nações.
Conveniencia
de transferir
para Londres
a séde das
negociações.
As pretenções de Portugal tinham sido,
com os argumentos expostos, habilmente
discutidas no Rio de Janeiro entre o Ministerio
de Negocios Estrangeiros do Imperio
e o Consulado de S. M. Britannica, mas, para
serem efficientes, as negociações tinham que
transportar a sua séde para Londres, pelo
menos emquanto se não chegasse a uma primeira
intelligencia, que fizesse apparecer a
perspectiva da reconciliação. A Nota do
[64]
conde de Villa Real offerecia, no dizer da
communicação ingleza a Carvalho e Mello,
«uma animação evidente á
abertura de uma
negociação directa com Portugal», a
qual o
gabinete britannico entendia que não era
licito ao Brazil rejeitar, consultando quer a
justiça, quer a prudencia. Portugal, já o
sabemos, abstivera-se de insistir mais na
sujeição incondicional preliminar, e apenas
reservára a discussão da soberania e
independencia
para depois de suspensas as hostilidades
e restabelecidas as relações de paz
e commercio. A Grã Bretanha, recommendando
á acceitação do Imperio a abertura de
paz feita pelo Reino, assumia uma responsabilidade
de que Canning tinha plena consciencia.
O livro do Foreign Office na Legação de
Londres, correspondente aos annos de 1824
e 1825, poucos documentos encerra além
de um avultado numero de chamados,
muitos d'elles urgentes, para conferencias
dos enviados brazileiros já com Canning, já
com Mr. Planta, o Sub-Secretario permanente.
As negociações foram pois quasi
exclusivamente verbaes, consignando-se
porem o seu andamento nos protocollos das
[65]
conferencias, e não se relaxando por assim
dizer uma semana o interesse de Canning
no seu progredir. Com a firmeza de Canning
por um lado, e o temperamento irrequieto e
obstinado de D. Pedro I pelo outro, estavam
condemnadas,
doomed to a failure
como
antecipava Canning, a inercia de D. João VI
e a procrastinação de Palmella.
A personalidade
do Imperador.
A personalidade resoluta do Imperador
era sem duvida um elemento muito consideravel
para a certeza do resultado a attingir.
Em face de um soberano de vontade fraca e
de estudada contemporisação erguia-se agora
outro de vontade energica e todo de impulsos,
cujos sentimentos de veneração
filial não tinham sido amorosamente cuidados
nem pela Mãi, de quem elle herdára
a vivacidade, a bravura, a generosidade e
até o erotismo (
very frisky with the
ladies,
escreveria de D. Pedro alguns annos depois
Lady Granville), mas que lhe preferia o
outro filho, mais docil á sua tutela, nem
pelo Pai, que pela prole inteira distribuia
igualmente a sua affeição, tibia como a sua
indole, e guardára a sua mais pronunciada
estima para um sobrinho e genro mais respeitoso
que os filhos. Os escriptores estrangeiros
[66]
do tempo são, para o estudo dos personagens
e factos d'esta epocha, preferiveis
aos de lingua portugueza porque os não
prendia a cortezania nem o receio de exprimir
a verdade, e ao mesmo tempo os illuminava
o clarão de uma percepção intellectual
tornada muito mais desannuviada e
penetrante pela educação e estranheza ao
meio que observavam. Todos esses escriptores
são tão concordes em elogiar a bonhomia
de D. João VI, a sua clemencia, que
não era absolutamente um effeito da fraqueza
pois ao contrario são os tyrannos
mais fracos os mais crueis, a sua accessibilidade,
a sua sagacidade mesmo, como em
derramar louvores sobre o donaire e a magestade
do porte, a indefatigavel actividade,
a coragem e sangue frio, e a preoccupação
de agradar, ser justo e fazer bem, que distinguiam
D. Pedro I. Não alcançára
illustração
nem possuia a qualidade de ouvir conselhos
outros que os da propria experiencia, como
de passagem no Rio observou o general
Miller, inglez que desempenhou papel conspicuo
nas campanhas da independencia sul-americana.
Queria não só agir como pensar
por si. Semelhante orientação era certamente
[67]
contraproducente n'uma terra que,
na essencia democratica, se vangloriava
de constitucional, e entre homens d'Estado
que andavam intimamente, e em muitos
casos inconscientemente mesmo, solicitados
por predilecções republicanas: valia porem
um thesouro quando se tratava de questões,
como a do reconhecimento, envolvendo a
dignidade da nação.
A fibra militar.
N'outro ponto ainda a dissociação do Imperador
com o meio tornar-se-hia mais para
diante distincta. D. Pedro de Bragança, soldado
até a medulla, era antes o monarcha
talhado para um paiz enthusiasta do exercito
do que para um paiz fundamentalmente
paizano, a custo fascinado pelas glorias das
batalhas. Esse mesmo antagonismo não se
dava entretanto no momento da emancipação
como se daria por occasião da guerra da
Cisplatina, porque então todas as energias
convergiam para a manutenção da liberdade
politica alfim alcançada, e a animosidade
contra as ambições de
recolonização
por parte da metropole despertava na alma
nacional a somnolenta fibra militar.
Os plenipotenciarios
brazileiros.
Da parte dos plenipotenciarios brazileiros
escolhidos para a missão de Londres, devia
evidentemente manifestar-se o maior fervor
no cumprimento das ordens recebidas. Antes
[68]
de tudo, tratava-se do baptisado politico da
nova patria, fundada com o alvoroço natural
á nação que adquire a consciencia de
haver attingido a sua virilidade. Pessoalmente,
Gameiro Pessoa, o futuro visconde
de Itabayana, gosava em alto gráo da confiança
e estima do Imperador, e era apenas
legitimo que se sentisse ancioso por honrar
a elevada distincção de que fôra
recipiente,
com prestar os melhores serviços ao seu
paiz e ao soberano em plena popularidade.
Felisberto Caldeira Brant, o futuro marquez
de Barbacena, era um militar de calma energia
e um politico de commedida ambição, o
qual devia nutrir pelo Reino um odio hereditario,
como neto do faustuoso contractador
de diamantes que maravilhára a colonia
com suas audacias, riquezas e liberalidades,
antes de ir expirar em Lisboa sob o
peso de graves accusações de fraude, livrando-o
o terremoto de 1755 da clausura
no Limoeiro desabado, mas não lhe restituindo
a opulencia, nem a honra, nem a paz
d'alma
[5].
[69]
Homem de variadas aptidões, o marechal
Caldeira Brant tornou-se conhecido como
guerreiro, como negociante, como diplomata
e como administrador. Pelejou nos
mares d'Angola e nos campos da Cisplatina.
Commerciou na praça da Bahia, e com igual
desembaraço representou depois o Imperio
em Côrtes européas e privou com os personagens
mais importantes da epocha. Foi
estadista benemerito, tendo atravessado um
largo aprendizado para a vida publica e
havendo-se salientado, antes mesmo de
entrar na politica, pelas suas idéas intelligentes
e progressistas: assim introduziu o
primeiro a vaccina no Brazil, abriu estradas,
importou machinismos bellicos, agricolas e
de navegação, inclusive a primeira machina
a vapor, e interessou-se por estabelecimentos
de credito, pelo desenvolvimento da lavoura
e pela colonização das terras
[6].
A questão do
reconhecimento.
Para os dous enviados de D. Pedro I, a
Legação do Brazil não foi certamente
uma
sinecura. O proprio reconhecimento appareceu-lhes
bem mais difficil do que á primeira
[70]
vista se imaginava. Varias questões, conforme
é sabido, andavam-lhe connexas, e
não era facil achar-lhes solução que
agradasse
a ambas as partes.
A successão
da corôa portugueza.
Primeiramente, havia a questão de dignidade,
pretendendo Portugal que a admissão
da independencia do Brazil fosse materia da
negociação diplomatica e não
preliminar
d'ella, e pensando o Brazil do modo justamente
opposto. Depois, havia a questão da
successão, motivada pela coincidencia de
ser o Imperador o filho primogenito e legitimo
herdeiro do Rei. A Inglaterra, certamente
para evitar o pouco auspicioso dominio
de D. Miguel, mostrava desejar que
as duas corôas se reunissem, após o fallecimento
de D. João VI, na cabeça de D. Pedro:
subentendia-se ou não no espirito dos
estadistas inglezes que o Imperador opportunamente
as repartiria, como veio a succeder,
formando com a sua progenie duas
dynastias. Opinava Metternich, com melhor
senso e previdencia e contra o juizo dos
representantes d'Austria no Rio de Janeiro
e em Londres, que a reconciliação na familia
e dominios de Bragança se não poderia
operar de uma maneira permanente ou pelo
[71]
menos duravel sem uma separação inicial,
absoluta e perpetua das duas corôas, tanto
mais razoavel quanto Portugal nunca se
sujeitaria a ser, por um instante sequer, colonia
do Brazil. D. Miguel por esse tempo
chegava exilado á côrte de Vienna e o Chanceller,
que decerto se mirava n'esse espelho
reaccionario, não levaria á paciencia deixar
sem destino tão formosa vocação
auctoritaria.
Sobre o assumpto capital da successão,
Caldeira Brant e Gameiro nenhumas instrucções
tinham recebido e viram-se na
necessidade de mandar pedil-as de Londres.
O Imperador visivelmente abordava o negocio
da regulação dos seus direitos de
successão com muita reserva mental, preferindo
aliás não comprometter-se de antemão
a respeitar uma composição que os
menoscabasse. O agente austriaco no Rio
de Janeiro não passaria n'este ponto de
receptaculo da opinião imperial, que facilmente
haveria sido suggerida por transmissão
ao encarregado de negocios em
Londres da côrte de Vienna. Os ideaes politicos
do barão de Neumann não abrangiam
por certo as emancipações coloniaes, e tudo
[72]
quanto fosse de molde a favorecer a legitimidade
attrahia-o por instincto. Faltava-lhe
a visão limpida ou cynica do homem d'Estado,
que em Metternich se sobrepunha aos
preconceitos cortezãos.
III
Primeiros
passos de Brant
e Gameiro.
O primeiro passo dado em commum por
Caldeira Brant et Gameiro, no desempenho
da sua ardua missão diplomatica, foi procurarem
o barão de Neumann, a pedir-lhe que
encaminhasse para Lisboa a communicação
da chegada a Londres dos plenipotenciarios
brazileiros e solicitasse a nomeação de
plenipotenciarios
portuguezes, que com aquelles
se entendessem para firmar a paz. A Austria
estava a começo―como por fim estaria de
novo―em tão boas disposições para com
o
Imperio, que o seu encarregado de negocios
na Inglaterra dissera ao banqueiro Rothschild
que podia sem risco de desagradar á
Santa Alliança contractar o emprestimo
brazileiro de tres milhões esterlinos, que os
nossos enviados tinham instrucções para
negociar sob hypotheca das rendas aduaneiras.
[74]
Carta ao marquez
de Palmella.
O mesmo Neumann questionou porem
longamente a redacção da
participação de
Caldeira Brant e Gameiro ao marquez de
Palmella, apenas recebendo-a, para endereçal-a
ao destinatario, quando approvada por
George Canning a terceira e ultima minuta,
e com o protesto de que esse seu acto não
envolvia o reconhecimento do Imperio e do
Imperador
[7].
Para
pouparem-se uma qualquer
fin de non-recevoir, Caldeira Brant
e Gameiro acquiesceram em não redigir a
carta nos termos que lhes tinham primeiramente
acudido, de que estavam auctorisados
a chegar a qualquer arranjo que julgassem
compativel com a independencia do
Brazil; mas não deixaram de referir-se ao
seu soberano como tal, achando o contrario
em desaccordo com o theor mesmo das
instrucções vindas do Rio. A este proposito
escreveu Canning ao marquez de Palmella,
aconselhando o Governo Portuguez a que
não compromettesse a boa vontade manifestada
pelo Brazil em semelhante pormenor
com meras questões de forma, pelas quaes
não era atilado sacrificar-se a substancia.
[75]
Na diplomacia é entretanto conhecido que
as questões de forma não raro primam as
de fundo: n'este caso porem a forma traduzia
essencialmente o fundo.
Resposta do
Governo Portuguez.
O ministro portuguez, conde de Villa
Real, abstivera-se de entrar em relações formaes
com os enviados do Governo Brazileiro
até receber ordens positivas de Lisboa, para
onde empurrára o negocio da abertura das
proposições de paz e para onde Canning, o
qual por occasião da subida de Palmella ao
poder sustára a discussão directa com o
Brazil do seu reconhecimento, preferindo
sondar a tal respeito o novo gabinete, escreveu
tambem ao ministro inglez Thornton,
que influisse no sentido de uma prompta
solução no despacho da
auctorisação. A
26 de Maio já Villa Real recebia os plenos
poderes para negociar, tendo aliás sido feita
a sua nomeação antes de chegada ás
mãos
de Palmella a communicação de Caldeira
Brant e Gameiro, a qual obteve a polida
resposta que podia antecipar-se da penna
do culto diplomata e perfeito homem do
mundo
[8].
Palmella no
ministerio.
O regimen monarchico-democratico uma
vez varrido pela Villafrancada, o marquez
de Palmella fôra chamado por D. João VI
para o ministerio de Estrangeiros
[76]
afim de
deslindar a embrulhada situação externa
legada pelas Côrtes, cujas relações com
os
outros Governos estavam geralmente rotas.
Como notorio, era Palmella um liberal moderado,
que sinceramente pensava na outorga
de uma Carta Constitucional pelo
soberano, ainda que a lembrança despertasse
uma grande opposição por parte dos
gabinetes da Santa Alliança. Como acontece
a todos os moderados em circumstancias
apuradas e momentos criticos, foi negativo
e impopular: accusavam-no a um tempo, os
reaccionarios de pedreiro livre, e os liberaes
de corcunda, e, hesitante entre os dous
fogos, elle nada ousava de decisivo ou sequer
de decidido. O regimen liberal carecia
de ser implantado pelas armas para tornar-se
fecunda a acção de Palmella.
Inclinações
francezas de
Subserra.
Em 1824 a sua influencia, mais propensa
á amizade ingleza, posto que sem a minima
disposição de sacrificar os interesses do
Reino com relação á
separação da sua colonia
americana, andava fortemente contrabalançada
no seio do ministerio pela do seu
[77]
collega Pamplona (conde de Subserra), o
valido do monarcha, cuja demissão Canning
acabaria por exigir
quasi com
ameaças, por
consideral-o com justa razão partidario
estrenuo e fautor principal do predominio
francez. A dupla corrente tradicional na politica
portugueza, a da alliança britannica
contra a da amizade gauleza, recrudescêra
no seu embate, depois da Villafrancada, com
a accessão simultanea de Palmella e Subserra
ao poder, concretisando-se não só
n'uma emulação de interesses politicos e
dynasticos, como até n'um desafio de honrarias
reaes.
Desafio de
honrarias: o
Santo Espirito
e a Jarreteira.
Com effeito, ao tempo que desembarcava
em Lisboa o embaixador extraordinario de
Luiz XVIII que trazia ao rei de Portugal a
ordem do Santo Espirito, singrava da Inglaterra
n'um vaso de guerra o portador da
ordem da Jarreteira, e contam as cartas de
uma senhora ingleza, por esse tempo residente
em Lisboa, que D. João VI só fazia
ralhar com os physicos da real camara
para que lhe puzessem logo garbosa a perna
engrossada pelas erysipelas, permittindo-a
receber condignamente a liga symbolica
com que Jorge IV queria mimosear o seu
[78]
fiel alliado. Aquella rivalidade de estadistas
e de vistas, estimulada pelos motivos d'occasião,
revelar-se-hia fatalmente no andamento
da nossa questão diplomatica, si bem
que Palmella haja deixado escripto nos seus
Apontamentos que as
relações particulares
e officiaes que entreteve com o conde de
Subserra foram sempre excellentes, e que
procurou o mais possivel defender o seu
collega de gabinete contra o Infante e contra
a Inglaterra.
Tergiversação
da Côrte de
Lisboa.
A côrte de Lisboa apparentemente manifestava
a melhor vontade de encetar as negociações
com os representantes de D. Pedro,
e a isso movia-a o interesse de pôr inabalavel
cobro ás hostilidades que Canning não
cessava de pedir ao Imperio para sobrestar
de vez, por seu turno reclamando os enviados
brazileiros o exercicio da influencia britannica
afim de pôr obstaculo ás apregoadas
expedições portuguezas. Afóra porem
estarem
Subserra e suas affeições continentaes
em plena voga e achar-se D. João VI na lua
de mel semi-absolutista que se seguio ao
grosseiro regimen dos Pétions das Côrtes,
Palmella planeava reforçar sua popularidade
á custa do reino ultramarino, e andava
[79]
pessoalmente muito despeitado com Canning,
pela recusa do gabinete de St-James
de mandar tropas inglezas a defenderem o
rei de Portugal contra as facções extremas
que o empuxavam em direcções oppostas,
e garantirem o partido do
juste
milieu que
Palmella encarnava.
Attitude do
ministro Villa
Real na troca
dos plenos poderes.
Reflectindo esses cumulativos estados
d'alma, o ministro portuguez em Londres
logo á primeira entrevista com os brazileiros
levantou uma difficuldade, negando-se
á troca dos plenos poderes por poder ser
este acto erroneamente interpretado como
um reconhecimento, posto que indirecto,
do Imperador que delegára os seus. Caldeira
Brant e Gameiro recorreram á auctoridade
de Canning, citando o precedente
de Mr Oswald, o plenipotenciario britannico
que nos ajustes de paz com os Estados Unidos
não tivera duvida em proceder, sobre
a base da reciprocidade, ás
negociações com
os representantes das colonias rebelladas,
e o Secretario dos Negocios Estrangeiros,
em resposta, lembrou com o seu costumado
espirito que os reis da Grã Bretanha usaram
por seculos do titulo de reis de França,
sem que se entendesse, pelo facto da troca
[80]
repetida de plenos poderes, que os Francezes
reconheciam semelhante titulo. Villa Real
acabaria por acceder á troca, mas acompanhando-a
de um protesto seu ou declaração
de resalva dos direitos do seu soberano,
identico ao de Jorge III por occasião da
emancipação politica dos Estados Unidos.
A Abrilada.
Os acontecimentos sobrevindos em Lisboa,
onde entretanto o Infante commettêra
a peor das suas travessuras, deviam naturalmente
acirrar o desejo de Canning de
ver logo ultimada a transacção entre Brazil
e Portugal, antes que se complicasse mais
a penosa situação do Reino, tornando impossivel
qualquer accordo immediato. A
insubordinação de seu filho, contagiando
parte das tropas da guarnição da capital,
obrigou D. João VI, por conselho e de
combinação com Palmella, o embaixador
de França e o ministro d'Inglaterra, a
refugiar-se a bordo da nau britannica
Windsor Castle e d'ahi fomentar a
reacção
contra a reacção, sendo preso D. Miguel e
restabelecida a regia auctoridade.
Pressa da
Inglaterra
com
relação ao
reconhecimento.
A Inglaterra tinha pressa de liquidar o
assumpto, porque importantes interesses
commerciaes de subditos britannicos se
tinham creado no Brazil á sombra da amizade
portugueza, augmentando de anno
para anno o numero de casas inglezas nos
portos e avolumando-se portanto o intercurso
[81]
de mercadorias. O seu objectivo diplomatico
era fazer seguir o tratado de reconhecimento
do Imperio de outro para
obtenção de favores mercantis e para completa
abolição do trafico de escravos, no
espirito das anteriores disposições entre
Portugal
e a Grã Bretanha e das conclusões
do Congresso de Vienna, onde aquella abolição
fôra consagrada como principio.
A questão do
trafico de escravos
desde
1810.
A Inglaterra que em 1807, certamente
por philantropia e espirito liberal, extinguira
o trafico nas proprias colonias, pretendia
agora extirpal-o de vez em todo o mundo
por espirito tambem de egoismo ou de conservação,
não lhe convindo alimentar,
mercê da barateza do trabalho servil, concorrentes
temiveis aos seus estabelecimentos
tropicaes. Conforme é sabido, a
abolição
do trafico fôra consignada anteriormente,
como promessa de gradual extincção, no
tratado celebrado em 1810 com a côrte do
Rio de Janeiro, e, fundada n'elle, entrou a
marinha britannica a capturar nos mares
[82]
d'Africa navios portuguezes com carregamentos
d'Africanos, pelo que a Inglaterra,
em virtude dos energicos protestos do conde
da Barca, teve de pagar em 1815 trezentas
mil libras esterlinas de indemnização. No
mesmo anno de 1815, a 8 de Fevereiro, as
oito potencias signatarias do tratado de
Pariz, as quaes prepararam os actos finaes
do Congresso de Vienna e dirigiram os trabalhos
d'esta celebre reunião
d'Africa navios portuguezes com carregamentos
d'Africanos, pelo que a Inglaterra,
em virtude dos energicos protestos do conde
da Barca, teve de pagar em 1815 trezentas
mil libras esterlinas de indemnização. No
mesmo anno de 1815, a 8 de Fevereiro, as
oito potencias signatarias do tratado de
Pariz, as quaes prepararam os actos finaes
do Congresso de Vienna e dirigiram os trabalhos
d'esta celebre reunião de soberanos
e ministros, assignaram uma declaração
reprovando o trafico e manifestando collectivamente
sua intenção de abolil-o
[9]:
entre
essas potencias contava-se Portugal.
Como certas contemplações eram porem
devidas a certos interesses, a certos habitos,
a certas prevenções mesmo, não se
estabeleceu um prazo fixo para a referida
abolição: deixou-se em aberto afim de ser
determinado de accordo com as conveniencias
de cada potencia. N'esta questão, como
na da annexação da Saxonia á Prussia e
da
avassallação da Italia á Austria,
Talleyrand
soube insinuar-se no espirito dos outros
delegados e manobrar com tão consummada
[83]
habilidade, que conseguio dar as cartas
mais ou, pelo menos, tanto quanto Metternich.
O diplomata francez ajudou muito o
então conde de Palmella nos seus esforços
para neutralizar os da Inglaterra, que queria
arrancar á Hespanha e a Portugal a
abolição
immediata do trafico de escravos. Em
vez d'esta, o tratado de 22 de Janeiro de 1815,
assignado em Vienna por Lord Castlereagh
e pelos plenipotenciarios portuguezes―Palmella,
Saldanha da Gama e Lobo da
Silveyra―estipulava que ficaria vedado
aos subditos portuguezes traficarem em
escravos em qualquer parte da costa d'Africa
ao norte do equador. Permanecia comtudo
de pé a promessa geral de que as duas partes
contractantes fixariam o periodo, em que o
commercio de negros teria de cessar inteiramente
para os dominios portuguezes.
Na correspondencia de Talleyrand,
quando embaixador em Vienna, para
Luiz XVIII, está escripto que a Hespanha
e Portugal obtinham um prazo de oito annos
para abolição (o prazo prescripto para a
França no tratado de Pariz fôra de cinco
annos), o que leva a crer que esteve por tal
modo assente esse ponto, ainda que logo
[84]
ficasse abandonado. Em 1817, voltando a
Grã Bretanha á carga, alcançou pela
convenção
de 28 de Julho que fosse adoptado e
reconhecido o direito de visita e busca, pelos
vasos de guerra britannicos, nas embarcações
portuguezas suspeitas d'aquelle
trafico, e bem assim a creação de
commissões
mixtas para julgarem os navios
aprezados
[10].
Para Canning seria um motivo
de verdadeiro jubilo dar n'esta estimulante
questão um passo adiante dos de Castlereagh
e, conseguindo um prazo certo e
irrevogavel para a cessação do trafico de
negros entre a Africa e o Brazil, poder
exclamar com o poeta seu compatriota:
Thy chains are broken, Africa, be free
Thus saith the island―empress of the sea.
O Brazil e a
escravidão.
O empenho de Canning era tão forte que
chegára antes a assegurar que reconheceria
sem demora o Imperio e afiançaria sua integridade,
si o trafico fosse completamente abolido.
O Brazil constituia o grande mercado
de escravos africanos, tendo-se a America
Hespanhola liberado d'essa peste, e, sem o
[85]
seu encerramento, inutil seria insistir na
extirpação do trafico. A opportunidade
apparecia seguramente unica á philantropia
e á diplomacia do Reino Unido, carecendo
o Imperio tanto do apoio britannico e dando
por isso mostras inequivocas de estar disposto
a fazer concessões em tal terreno.
Canning acreditou na logica dos factos e,
por esta consideração mais do que por todas
as outras, sem demora desanimára Portugal
nas suas primeiras pretenções de
angariar o auxilio inglez para reduzir á
obediencia o reino ultramarino, declarando
ao Defensor Perpetuo do Brazil que nada
tinha a recear de hostil ou pouco amigavel
da parte do governo de Jorge IV.
A missão
Amherst ao Rio
de Janeiro. O
trafico e José
Bonifacio.
Mais do que isso, aproveitando a ida para
a India, em Fevereiro de 1823, do governador
geral Lord Amherst, Canning incumbira-o
de, no decurso da escala do seu navio
no Rio de Janeiro, tratar com o Imperador
e o seu ministerio do assumpto vital do trafico,
fazendo-lhes ver que uma nação independente
não poderia decentemente preservar
uma instituição que era sómente
toleravel
n'uma colonia, campo de cultivo e commercio,
sem a dignidade de uma potencia soberana,
[86]
nem as responsabilidades da defeza
da sua integridade territorial. Além d'isso
o Brazil permaneceria isolado, como uma
vasta mancha negra, na America Latina
livre, unico a sustentar um commercio
odioso e universalmente reprovado. A justiça
britannica ser-lhe-hia facultada, como
o soe ser a qualquer paiz, mas a amizade
britannica, essa tinha de ser conquistada
mediante aquelle sacrificio, que era uma
depuração. Procedendo com tamanha urgencia
quanto denunciava essa incumbencia,
confiada áquelle que ia preencher o
lugar acceito por Canning no momento do
inopinado desapparecimento de Castlereagh,
a Inglaterra não tencionava abandonar
Portugal á sua sorte; antes exigia do Brazil
que o reconhecimento fosse logo correspondido
«com os ajustes necessarios ácerca
do reino»: mas a obsessão da
extincção
do trafico imperava por forma tal na sua
imaginação que dissipava os melindres das
allianças.
Stapleton, o secretario particular, fiel
amigo e historiographo de Canning, conta
que Lord Amherst tratou do objecto da sua
missão com José Bonifacio, cujas
inclinações
[87]
abolicionistas não padecem duvida, mas
foram infelizmente platonicas. O ministro
de D. Pedro recuou ante a perspectiva do
descontentamento nacional, o qual podia
até ameaçar a propria existencia do novo
regimen, e somente concordou n'uma diminuição
gradual e progressiva do numero
de escravos importados, que daria em resultado
a abolição completa do trafico dentro
de muito poucos annos.
Instrucções
secretas de
Brant e Gameiro
sobre o trafico.
As instrucções secretas mandadas a Caldeira
Brant e Gameiro no anno immediato
prescreviam-lhes, porem, que obtivessem o
reconhecimento sem essa condição julgada
desairosa, cuja retirada não significava todavia
que o Imperador não estivesse disposto,
como firmemente estava, a abolir no
futuro um tão deshumano commercio. A
ultima concessão que, segundo as mencionadas
instrucções secretas, o Brazil se inclinava
a fazer afim de obter o almejado
reconhecimento, o qual só muito contrariado
o Governo Imperial prestar-se-hia a
acceitar conjunctamente com a abolição do
trafico, era a de estabelecer-se o prazo de
oito annos, como se projectára em Vienna,
ou mesmo o de quatro, mas com uma
[88]
indemnização de 800 contos por anno
nos quatro restantes, para compensar a
falta dos direitos de importação sobre os
negros e outros damnos. A ausencia de
colonização estrangeira que supprisse o
trabalho escravo, a necessidade de prover
nos annos proximos uma mais avultada
entrada de Africanos para habilitar a lavoura
a fazer face á forçosa escassez ulterior, e os
desarranjos agricolas e commerciaes que a
terminação do trafico acarretaria, eram
outras tantas razões ponderosas que aconselhavam
a fixação de um prazo e excluiam
por nociva a abolição immediata.
No fundo esta questão do trafico approximava
então os dous paizes mais do que os
dividia. A Inglaterra estava ainda justamente
persuadida de que muito melhor lhe
iria em obter a extincção pela iniciativa do
Governo Imperial, do que por meio de pressão
exterior. O Brazil começava ligeiramente
a convencer-se―e pena foi que não continuasse
a pensar assim―de que o espirito
do seculo não permittiria a
preservação de
condições sociaes em que fosse elemento o
escravo, e que o dia chegaria no qual, não
havendo formulado espontaneamente a concessão,
[89]
teria de ceder violentado. Effectivamente,
no despacho de 28 de Agosto
de 1824, em vista da correspondencia recebida
da Legação em Londres, mandava o
Governo Imperial desistir até da citada
indemnização
pecuniaria, «no ultimo caso de
se não poder conseguir d'outra maneira o
reconhecimento.»
É claro que o Governo Brazileiro mudava
de resolução pela força das
circumstancias,
pois a auctorização facultada aos
plenipotenciarios
brazileiros, para liquidarem finalmente
a divergencia de vistas das duas
nações sobre o trafico, havia-lhes sido retirada
dias antes, no Despacho de 18 de
Agosto, por ter-se o Governo Imperial capacitado
de que a Grã Bretanha não deixaria
de reconhecer a independencia do Brazil
pelo facto de não ajustar-se aquella divergencia.
O Imperador sentia-se tambem desobrigado
de quaesquer contemplações para
com o gabinete de St-James, que traduzissem
prejuizo para a economia nacional.
É mister não esquecer que até alli a
Inglaterra
se não decidira inteiramente a pôr
Portugal de lado e negociar directamente
o tratado de reconhecimento, nem «quizera
[90]
ser abertamente mediadora para com Portugal,
tendo-se apenas mostrado officiosa»,
verdade é que pela simples razão que Portugal
nunca solicitára formalmente a
mediação
para celebrar
a paz com o Brazil.
A França e a
Grã Bretanha
na Peninsula
Iberica.
A Inglaterra no emtanto possuia, além
dos commerciaes e humanitarios, motivos
de natureza restrictamente politica para desejar
não ser vencida por qualquer outra
potencia do Velho Mundo nas boas graças
do Brazil. A sua rivalidade com a França,
rivalidade tradicional e caracteristica na
historia européa, encontrára na Peninsula.
Iberica, mercê da localização do
conflicto
geral entre absolutismo e constitucionalismo,
um campo de verdadeira cultura
intensiva. Depois da guerra d'Hespanha e
das faceis victorias do duque d'Angoulême,
a influencia dos Bourbons de França tornára-se
poderosissima na côrte parente de
Madrid. Na côrte de Lisboa Hyde de Neuville
estava em alguns casos conseguindo
mais do que Thornton, não só pela
ligação
pessoal com Subserra, como pelo facto de
representar uma monarchia que, longe de
permittir á inundação democratica
fertilizar
a administração publica, antepunha um
[91]
dique de preconceitos á maré popular.
Partido tirado
pelos politicos
brazileiros
das rivalidades
internacionaes.
Os politicos do Rio de Janeiro, para os
quaes a amizade britannica, da nação senhora
dos mares, era bem mais importante
do que a franceza, com bastante tino
pensaram em explorar essa conhecida rivalidade
com o fito de mais facilmente obterem
a classificação politica do Imperio, e
tampouco se descuidaram de jogar outras
cartas diplomaticas. Nas instrucções ostensivas
de Caldeira Brant e Gameiro notava-se―um
mez depois de proclamada
a doutrina de Monroe, a qual Canning, ao
suggeril-a indirectamente n'um momento
de apuro, certamente não antevia quanto
poderia de futuro tornar-se infensa á propria
Inglaterra―que o estabelecimento
de uma possante monarchia constitucional
no hemispherio sul da America operaria
como uma barreira opposta «á ambiciosa e
democratica politica dos Estados Unidos,
afim que para o futuro não prevaleça a
politica americana á européa.» Esta
razão
não era futil para que a Inglaterra hesitasse
em urgir Portugal. Era pelo contrario uma
das mais convincentes para o estadista que
geria as relações externas do Reino Unido.
[92]
Canning antevia e temia a concorrencia
mercantil e sobretudo politica dos Estados
Unidos, e o facto mesmo d'elle recear a
preponderancia norte-americana no continente
que se jactava de haver chamado á
existencia autonoma, é um motivo para não
acreditar-se que, como pretendem alguns, a
declaração do Presidente Monroe tivesse
sido o fructo do concerto do Secretario dos
Negocios Estrangeiros de Jorge IV com
John Quincy Adams.
Na verdade, mais do que a suggestão das
palavras ao ministro Rush, aproveitou á
Republica a indicação fornecida pela propria
attitude de Canning para com a metropole
hespanhola, si bem que não tivesse igualado
a postura aggressiva de Pitt, reflectida na
famosa proclamação de Sir Thomas Picton,
convidando o povo venezuelano a «libertar-se
do jugo oppressivo e tyrannico que mantinha
o monopolio do commercio». Formulando
a sua doutrina internacional, cuidavam
porem os Estados Unidos de combater
a importancia que estava adquirindo sobre o
Novo Mundo a protecção ingleza, e não
em
auxiliar quaesquer planos do estadista britannico.
Monroe de facto oppoz o protectorado
[93]
americano ao inglez quando ambas as
potencias visavam o mesmo alvo, que era a
conquista commercial e moral das novas
nações fabricadas com os fragmentos do
imperio colonial iberico.
Acção dos
enviados
brazileiros
junto a Canning.
Continuando entretanto Villa Real a
demorar o seguimento das negociações,
allegando não receber de Canning a formula,
que lhe pedira, do protesto inglez
por occasião do tratado de paz com as colonias
da America, e que lhe devia servir de
modelo, os enviados brazileiros, impacientados,
foram ter com o Secretario d'Estado,
a quem perguntaram desassombradamente
si estava disposto a tratar isoladamente com
elles, não dando Portugal mostras de querer
reconciliar-se. Canning, por cuja individualidade
Caldeira Brant e Gameiro professavam
a maior admiração e estima, não se
furtando a encarecer-lhe o genio e a sinceridade,
e tratando-o repetidamente nos seus
informes para o Rio de
grande homem
d'Estado,
fizera-os socegar e os aconselhára
a de novo procurarem o conde de Villa
Real, ajustando-se por fim a futura troca
dos plenos poderes na forma já descripta, e
realizando-se no Foreign Office, a 12 de
[94]
Julho, a primeira conferencia sobre o
negocio do Brazil, a que assistiram os cinco
interessados: Caldeira Brant, Gameiro,
Villa Real, Canning e Neumann
[11].
Esboço de
tratado formulado
por Brant
e Gameiro.
Os plenipotenciarios brazileiros tinham
previamente submettido a Canning, a pedido
mesmo d'este, um esboço do tratado
pelo qual Portugal reconheceria a independencia
do reino ultramarino. Era o unico
accordo que tinham recebido instrucções
para assignar immediata e definitivamente,
devendo celebrar outro tratado
ad
referendum,
em que fossem passadas em revista e
assentadas todas as questões oriundas ou
prendendo-se com a Independencia, taes
como successão da corôa,
indemnizações e
outras.
Canning e a
successão.
Canning queria, pelo contrario, incluir
logo no tratado de reconhecimento a regulação
da herança do throno portuguez, que
visivelmente o preoccupava, presentimento
do qual se pode colligir a agudeza da sua
visão politica.
Exigencias
previas de Villa
Real na primeira
conferencia
do Foreign Office.
Quanto a Villa Real, assignalou a entrevista
pedindo, antes mesmo de fallar em reconhecimento,
explicações sobre trez pontos,
que correspondiam ás condições
portuguezas
para a entrada em relações diplomaticas
com a ex-colonia: a cessação das hostilidades;
o restabelecimento das relações
commerciaes, e a restituição das propriedades
[95]
de Portuguezes sequestradas e das
embarcações aprezadas, ou a
indemnização
equivalente.
A suspensão
das hostilidades.
O ministro portuguez, como cabia a um
bom diplomata, não deixou de fazer valer―e
a referencia produziu impressão nos
circumstantes―que D. João VI, assim
que reassumira a plenitude do seu poder,
mandára espontanea e generosamente suspender
as hostilidades. Habilmente porem
acudiram Caldeira Brant e Gameiro que
D. Pedro de facto havia feito o mesmo: de
direito não ousaria fazel-o mais expressiva
ou terminantemente, visto não ser, como
seu Pai, monarcha absoluto. A evocação
das limitações constitucionaes tinha o
condão
de agradar sempre a um ministro, como
Canning, que luctava contra os restos do
poder pessoal na monarchia britannica.
Expedição
portugueza ao
Rio de Janeiro.
Tendo os enviados brazileiros aproveitado
perfeitamente o ensejo offerecido pelo portuguez
para occuparem-se da expedição de
10,000 homens, com 5,000 mercenarios
hanoverianos, a qual ameaçava partir de
Lisboa
[96]
para o Brazil, ficou combinado que
tal expedição quedaria em projecto (Villa
Real prometteu-o com tanto menos ambages
quanto Portugal não sentia grande confiança
na praticabilidade do plano de ataque),
si por parte do Brazil continuassem effectivamente
suspensas as hostilidades. Por seu
lado prometteram Caldeira Brant e Gameiro
encaminhar para o Rio de Janeiro, a Luiz
José de Carvalho e Mello
[12],
as
proposições
do plenipotenciario de S. M. Fidelissima.
Segunda conferencia
no Foreign Office.
Canning assume a
tarefa de redigir um
projecto de tratado.
A 19 de Julho teve lugar no Foreign
Office a segunda conferencia, á qual tambem
assistiu o principe Esterhazy, já de
regresso da Austria e removido para a embaixada
de Pariz
[13].
Deu-se nova e infructifera
insistencia dos plenipotenciarios brazileiros
para arrancarem ao conde de Villa
Real o reconhecimento da Independencia,
[97]e como elle se
recusasse, para levarem
as côrtes medianeiras a obterem-no.
Fazendo Caldeira Brant e Gameiro depender
tudo mais d'aquelle reconhecimento, e não
indo as instrucções do plenipotenciario
portuguez,
conforme declarou depois n'uma
entrevista confidencial com os brazileiros
realizada a 1º de Agosto, além da
auctorisação
para o reconhecimento da autonomia,
não da soberania do Brazil, a
negociação
teria entrado n'um becco sem sahida si
Canning, com sua habitual presença d'espirito,
não houvesse, para remover a difficuldade,
tomado o expediente de avocar ás
potencias medianeiras a tarefa de redigirem
e apresentarem o tratado de reconciliação.
E como o principe Esterhazy advertisse que
a côrte austriaca apenas queria conciliar
idéas e não suggeril-as, o Inglez propoz-se
assumir sósinho o trabalho e a responsabilidade.
Por sua vez Villa Real observou, que
não possuia poderes para mais do que para
discutir as proposições brazileiras, podendo
comtudo encaminhar para Lisboa qualquer
projecto de Canning.
IV
Fraqueza dos
recursos militares
do Reino.
Papel glorioso
da marinha nacional.
O plenipotenciario portuguez defendia
com pertinacia uma causa de antemão perdida.
O que se tratava de ganhar, era não mais
o Brazil, mas a honra. O governo de D.
João VI devia estar, como o proprio Rei, plenamente
convencido de que, pela guerra,
Portugal nada alcançaria. Que os recursos
do Reino se viam impotentes para bater o
Imperio, provára-o de sobejo o facto da pobrissima
esquadra nacional ás ordens de
Lord Cochrane, com uma unica nau forte,
veleira e bem tripolada, a
Pedro
Primeiro,
haver logrado bloquear a Bahia, immobilisar
as forças maritimas contrarias, incomparavelmente
superiores em numero e como
unidades, e compellir em terra o general
Madeira a capitular. Peor do que isso―com
quatro navios apenas o almirante
[99]
anglo-brazileiro, em Julho do anno anterior
(1823), dera caça á esquadra portugueza de
treze navios, comboiando sessenta a setenta
embarcações com tropa, familias portuguezas
que se retiravam para a metropole, munições
e o mais, e aprezára ou incapacitára
uma porção d'essa frota, pondo a mão
sobre
metade do exercito inimigo com bandeiras,
artilheria e provisões.
Ficou demonstrado, uma vez ainda depois
da guerra naval com os Hollandezes na
costa do norte do Brazil, quanto vale no
mar a ligeireza: as naus portuguezas, mais
pesadas, não podiam escapar, quando isoladas
ou interceptadas, ás embarcações
mais velozes da marinha brazileira, nem
tampouco podiam perseguil-as de combinação.
Deixando em paz o resto da esquadra
dos adversarios, Cochrane aproveitou-se
d'essa sua maior facilidade de movimentos
para fazer-se de vela para o Maranhão, que,
sem derramar gotta de sangue, audaciosa e
astutamente reduziu á auctoridade imperial
antes de chegar o reforço portuguez. No
Pará o capitão Grenfell, para alli despachado
pelo almirante, procedeu de modo
analogo e com identico afortunado resultado,
[100]
podendo a improvisada esquadra
nacional gabar-se no fim da curta campanha
de ter, sem sacrificio de uma nau, subjugado
duas enormes provincias e aprezado mais
de 120 navios portuguezes
[14].
As prezas de
Lord Cochrane.
E sabido que, apezar das legitimas reclamações
de Lord Cochrane e da sua soffrega
marinhagem, o Imperador não mandou proceder
á condemnação e
adjudicação das embarcações
capturadas e bens sequestrados,
conscio de que tal acto excitaria extrema
animosidade em Portugal e causaria má impressão
na Inglaterra, e desejando conservar
toda a propriedade portugueza em deposito
para opportunamente restituil-a, quando
fosse celebrada a reconciliação com a
mãi
patria. O Governo Imperial, cuja segurança
contra a opinião nativista não era comtudo
tanta que o tivesse permittido abolir por acto
publico as hostilidades, quando para este
passo o instigava o Governo Britannico,
porta-voz do Portuguez, queria manifestar
por aquella forma ao Reino e á Europa a
sua honestidade e moderação.
Entrevista
confidencial de
Villa Real com
os enviados
brazileiros.
Considerando todas estas razões, o exgottamento de Portugal
e a tolerancia do Brazil
no assumpto das prezas, Villa Real entendeu,
não obstante a sua sobranceria de gentilhomem-diplomata,
dever abrir-se um poucachinho
mais na entrevista confidencial de
1º de Agosto com Caldeira Brant e Gameiro,
[101]
na qual affirmou com segunda intenção
estar-lhe formalmente vedado ouvir e encaminhar
proposições de independencia que
não fossem acompanhadas de justas
compensações.
Perguntado n'um tom indifferente
pelos nossos enviados quaes poderiam
ser essas suppostas compensações, respondeu,
na apparencia vagamente, que julgava
serem, pelo menos, a reunião por morte de
D. João VI das duas corôas na cabeça de
D. Pedro, ou dos seus successores immediatos
ou collateraes; favores especiaes ao
commercio portuguez, e assumpção pelo
Brazil de parte da Divida Publica portugueza.
Caldeira Brant e Gameiro responderam
que, por emquanto, lhes falleciam instrucções
para tratarem dos pontos aventados,
havendo, quanto ao primeiro, o
Imperador propositalmente querido separar
seus interesses pessoaes dos geraes do Imperio.
Não deixaram entretanto os plenipotenciarios
[102]
brazileiros de ir logo apontando o
perigo, senão a impossibilidade da reunião
das duas monarchias, a qual no dizer de
Villa Real o Governo Britannico julgava
factivel «mediante a alternativa da residencia
dos soberanos entre os dous Estados».
Novas conferencias
no Foreign
Office. Má
vontade da
Austria. Juizo
de Metternich
sobre Canning.
A 9, 11 e 12 de Agosto tiveram lugar
no Foreign Office novas conferencias plenarias
[15],
em que voltou longamente á discussão
a questão do reconhecimento preliminar
reclamado pelo Brazil e das condições
preliminares exigidas por Portugal,
sem outro effeito mais do que evidenciar a
crescente má vontade da Austria em ajudar
as pretenções do Imperio sul-americano.
Nem Metternich, que subordinava todas as
considerações publicas e de familia á
da
preservação da Alliança tendente ao
«repouso
politico» sobre que devia, no seu
juizo, assentar o desenvolvimento industrial
e commercial do seculo, acreditava
ainda muito na sinceridade liberal de Canning,
ou na sua solicitude pelos povos
emancipados de tutelas anachronicas pelas
circumstancias que as rodeavam. N'uma
[103]
communicação ao principe Esterhazy, a
qual traz antes o cunho litterario de Gentz,
o Chanceller externava nos seguintes termos
a sua impressão do caracter politico do
estadista inglez: «Si me não engano,
M
r Canning pertence a essa classe de
homens que por vezes entram em certas
associações, sem por isso ligarem ao exito
d'ellas os seus sinceros votos; taes homens
especulam sobre as vantagens do momento
e não se esforçam menos por assegurar o
seu capital fóra da empreza»
[16].
Projecto de
tratado apresentado
por
George
Canning.
As conferencias de Agosto teriam porem
continuado a dar o mesmo resultado negativo
das de Julho, si na primeira d'ellas o
homem de dous pesos e de duas
medidas,
conforme o qualificava Metternich, não
tivesse cumprido sua promessa de apresentação
de um projecto de tratado, virtualmente
analogo ao que fôra previamente
offerecido pelos plenipotenciarios brazileiros
[17],
mas com um artigo secreto relativo
[104]
á successão, estipulando que as
Côrtes
de Lisboa, ao determinarem a forma da
herança da Corôa Portugueza, poderiam
chamar a cingil-a o primogenito, ou, na falta
de successão masculina, a primogenita do
Imperador. Após conversações
particulares
com Canning, Esterhazy e Neumann, e discussão
com o mesmo Canning de algumas
objecções ao referido artigo secreto, resolveram
os plenipotenciarios brazileiros acceitar
o alludido tratado
sub spe rati.
Este procedimento,
que lhes aconselhou o Secretario
d'Estado britannico, mereceu a approvação
do Governo Imperial. As cousas estavam
todavia longe ainda do seu termo.
Insistencias
de Villa Real e
evasivas de
Brant e Gameiro.
Na conferencia seguinte com effeito voltou
Villa Real á carga com as suas trez
proposições, insistindo na pouca vontade
em annuir a essas condições que denunciava
a resposta do ministro Carvalho e
Mello ao consul Chamberlain, e ameaçando
interromper a negociação encetada até
receber
novas ordens do seu Governo. Só
não levou a cabo a ameaça pela
opposição
dos trez medianeiros, que não quizeram que,
por motivo de um emperro considerado
pueril, ficassem gorados os seus desejos e
[105]
esforços para uma pacificação
inevitavel e
inadiavel. No tocante ás queixas do ministro
portuguez, só era dado aos nossos enviados
replicar com evasivas, e isto executaram-no
com geito. Lembraram que a reclamação
transmittida por Chamberlain e compendiando
o preliminar desideratum portuguez,
fôra anterior á abertura das
negociações de
Londres, e que a replica do Ministro de
Estrangeiros correspondia á phase que precedêra
o exercicio dos bons officios das duas
potencias amigas. N'aquelle instante, porem,
as intenções do Governo Brazileiro dirigiam-se
no sentido de concorrer para a cessação
das hostilidades, suspensão dos
sequestros e facilidades das relações commerciaes
entre o Imperio e o Reino. Carecia
comtudo o Imperador de proceder com toda
a deferencia para com a opinião publica, a
qual se manifestava adversa a qualquer
composição com a ex-metropole antes de
reconhecida a independencia da ex-colonia,
e no Novo Mundo se sentia capaz de impôr
ao throno, ainda mal firmado, as suas preferencias.
Espirito de
rebellião no
Brazil.
Invocando o espectro da anarchia, que as
difficuldades domesticas poderiam gerar, o
Governo Brazileiro era mais sincero do que
pareceria á primeira vista, para quem apenas
se lembrasse da oppressão exercida
sobre
[106]
a America pelas duas metropoles da
Peninsula Iberica. O povo já não era o
mesmo dos bons tempos coloniaes, quando
o throno de Portugal exercia de longe para
o Brazileiro nato a attracção do fetiche para
o Africano boçal. A Côrte permanecêra
treze
annos no Rio de Janeiro, não mais a côrte
dos vice-reis, com suas pequenas tyrannias
e suas ridiculas vaidades, mas a verdadeira
Côrte dos Braganças, não menos
ignára e
moralmente corrupta, no seu conjuncto, do
que aquella. O contacto de todos os dias com
a fidalguia do Reino, junto com a franca leitura
de livros estrangeiros e a convivencia
com os estrangeiros―e n'estes pontos o
governo de D. João VI foi perfeitamente liberal―tinham
destruido até o respeito pela
realeza. A sympathia pelas instituições e
costumes de outros povos surgiu simultaneamente
com o desapparecimento da confiança
nas instituições e costumes de casa,
ou por outra vingava a ambição de transformar
umas e outros.
Um viajante inglez que esteve no Rio de
[107]
Janeiro em 1821 conta quão effervescente
estava o sentimento constitucional e nacionalista,
isto é, o sentimento adverso ao
absolutismo e á metropole. Um dos dramas
populares do dia no theatro da cidade intitulava-se
a
Eschola dos Principes, e como o
titulo o indica, punha em scena com intuitos
moralizadores os erros a que pode ser conduzido
um joven principe mal aconselhado.
A primeira representação teve lugar no
anniversario natalicio de D. Pedro, já principe
regente e presente ao espectaculo, e os
assistentes sublinharam, com olhares intencionaes
e applausos as frequentissimas
allusões e advertencias, de que se achava
recheada essa peça
sui
generis e de alcance
patriotico. A opinião esclarecêra-se e adquirira
consistencia com a vista do espectaculo
politico que lhe fôra proporcionado pelo
monarcha e seu sequito.
Aspecto moral
da capital brazileira.
O quadro traçado por Mathison
[18]
da séde
da monarchia portugueza é em muitos sentidos
degradante, mas exacto. A emigração do
Reino transportára, com seus thesouros, os
[108]
seus favoritismos e as suas intrigas, e a
administração publica, salvo esforços
individuaes
dignos dos maiores encomios, desgraçadamente
moldára-se pela da metropole.
O erario não podia fazer honra aos
gastos da corôa, que raramente se traduziam
por beneficios publicos, lucrando antes
a camarilha com a prodigalidade regia e
continuando o paiz sem esquadra que defendesse
os seus disseminados e ameaçados
dominios, a cidade sem edificios que lhe
dessem fóros de capital, o povo sem
instrucção
nem bem estar que lhe grangeassem
devoção civica e lealdade dynastica. O peculato
assentára por toda a parte os seus
arraiaes; o suborno era um systema consagrado;
a venda de honrarias, dignidades e
posições uma cousa admittida; o contrabando
uma funcção creada senão reconhecida,
posto que perturbadora do organismo
economico. A moeda andava legalmente
falsificada, sendo os pesos de prata hespanhoes,
avaliados ao par em 800
rs, refundidos
em peças de trez patacas ou 960
rs, e
passando
o cobre por identica adaptação. Sobre
esta circulação metallica avariada repousava
o credito da circulação fiduciaria, e Estado
[109]
e Banco auxiliaram-se com uma permuta
de favores equivocos até que, retirando-se
de novo para Portugal, a Côrte arrecadou o
dinheiro e fundos nacionaes e deixou o
Banco limpo de numerario e sobrecarregado
de notas desvalorisadas. Esta situação
era patente e criticada desde que a critica
conquistára sua franquia, e tão impressiva
tornára-se a influencia da opinião que o
Imperador, particularmente quando era
ainda principe real, cortejava o mais afanosamente
a popularidade das ruas e mórmente
a do exercito, apparecendo repetidamente
em publico, passando continuas
revistas ás tropas, correspondendo pressurosamente
ás saudações, protestando em
proclamações o seu devotamento á terra
em
que crescêra e que chamava sua.
Recusa para
a transmissão
do projecto
Canning.
Essa terra elle só a poderia porem chamar
verdadeiramente sua, depois que lh'o
permittissem as potencias do Velho Mundo,
e o meado do anno de 1824 já decorrêra sem
que as respectivas negociações se approximassem
do seu desfecho. Pelo contrario,
ao procurar discutir-se no Foreign Office o
projecto de tratado offerecido por Canning,
deu-se uma nova serie de recusas. Allegou
[110]
immediatamente o ministro portuguez seu
papel unico de transmissor de propostas
brazileiras, que não envolvessem o desconhecimento
dos legitimos e sagrados direitos
de S. M. Fidelissima. Propuzeram então os
enviados brazileiros que o Secretario d'Estado
britannico e os representantes da
Austria endereçassem o projecto ao gabinete
da Bemposta, para que este auctorisasse
Villa Real a discutil-o. Furtaram-se porem
os Austriacos á missão, por julgarem-na
fóra
do papel todo consultivo adoptado pela côrte
de Vienna, que não queria propriamente
intrometter-se n'um negocio por ella considerado
de familia, e muito preferia que a
solução viesse do accordo directo entre as
duas partes, sem recurso a terceiros. A verdade
era, além dos ciumes de Metternich
pela posição preponderante que estava
cabendo a Canning na independencia do
Novo Mundo, que a Austria chegava-se para
Portugal e desamparava o Brazil á medida
que se dissipava a impressão das Côrtes
demagogicas de 1820 e que a politica de
reacção vingava em Lisboa sobre as
aspirações
liberaes.
Canning
transmitte seu
proprio projecto
de tratado
para Lisboa.
Canning, que não tinha razão para professar
as mesmas hesitações que Esterhazy
e Neumann, prestou-se a ser o transmissor
unico do seu proprio projecto, protestando
acompanhal-o das maiores instancias pela
sua acceitação por parte do Governo Portuguez.
Como homem superior que era,
[111]
declarou mais e sem rebuço que não fazia
questão, nem do fundo nem da forma, do
escorço apresentado e que do melhor grado
acceitaria quaesquer modificações razoaveis,
que lhe fossem suggeridas. Ora, na
opinião de Caldeira Brant e Gameiro, não
podiam deixar de ser introduzidas alterações
pelo gabinete de Lisboa, ao qual―devia
considerar-se certo―o projecto não
agradaria, si bem que parecesse andar em
tão benevolas disposições que, segundo
declaração do conde de Villa Real n'uma das
conferencias de Agosto, as auctoridades do
Reino haviam mandado desembargar e restituir
a sumaca brazileira
Jervis, do
Maranhão,
arribada á ilha Terceira.
Solicitude de
Canning pelas
negociações.
Não é exaggerado dizer que sem a
intervenção
de Canning, as negociações de Londres
teriam sido um fiasco. Elle com effeito acompanhou-as
de começo a fim com a maior
solicitude,
looking on for England to see
fair play[112](vendo
pela Inglaterra que tudo
se passasse
direito), para usar das suas palavras.
Não era sem razão que elle escrevia a 17 de
Agosto ao seu intimo amigo Granville, a
quem escolhêra para ir substituir em Pariz
Sir Charles Stuart: «Portugal sósinho
deu-me mais trabalho durante os ultimos
dous mezes, do que se deveria razoavelmente
contar em meio anno da parte de
todas as côrtes da Europa
[19].»
Agora, porem,
dava-se forçosamente uma pequena suspensão
de actividade no negocio do Brazil,
que lhe permittiria voltar com mais vagar
sua attenção para as outras
nações latino-americanas.
Affazeres da
Legação.
Após as trez successivas entrevistas do
Foreign Office e emquanto aguardavam a
sequencia dos acontecimentos, tampouco
ficavam inactivos os representantes do Imperio
em Londres. A Legação accumulava
n'aquelle tempo as funcções de consulado,
de repartição fiscal e de casa de
commissões.
Comprava encommendas para o Arsenal de
Marinha do Rio de Janeiro, e até adquiria,
tanto quanto nos Estados Unidos, navios de
[113]
combate, pois a neutralidade affectada pelo
Governo Britannico não era tamanha que
impedisse geralmente essas manifestas violações.
Nem deve admirar a liberdade com
que na Inglaterra se permittiam o apresto e
partida de expedições armadas, com homens,
embarcações e petrechos bellicos, para servirem
no Brazil contra Portugal, quando a
França, mau grado a sua politica ultra-conservadora,
não reluctára a admittir os
consules brazileiros nos seus portos sob o
titulo de agentes commerciaes. Era necessario
engajar muitos marinheiros para a
armada nacional porque o nosso espirito,
capitalmente refractario á disciplina militar,
já n'esse momento obrigava a utilisarem-se
no serviço naval os mercenarios estrangeiros
que tão damninhos viriam a tornar-se
no exercito. A Legação fazia igualmente
operações financeiras, negociando emprestimos
e emittindo apolices.
Emprestimo
brazileiro prejudicado
pela revolução
pernambucana de
1824. Esperanças
portuguezas.
Fuga de Manoel
de Carvalho.
Reza um dos officios de Caldeira Brant e
Gameiro que a emissão parcial de apolices
realisada a 75 no dia 11 de Agosto de 1824,
foi prejudicada pelos noticias da rebellião
pernambucana de Manoel de Carvalho e sua
tentativa de fundação da
Confederação do
Equador. Esta sanguinolenta revolução,
cuja terminação Carvalho e Mello só a
4 de
Outubro poderia annunciar para Londres,
tambem foi, combinada com a experiencia
de uma negociação á parte, um
poderosissimo
incentivo para a encommendada
[114]
hesitação
de Villa Real em admittir a realidade
da Independencia: o gabinete de Lisboa
espreitava ancioso o successo da revolução.
É conhecido que, vencido pelas tropas imperiaes,
Manoel de Carvalho Paes de Andrade
seguio para a Inglaterra a bordo da
corveta ingleza
Brazen, para onde
passára
da fragata
Tweed, na qual se
refugiára diziam
os legalistas, ou, como argumentavam
os Inglezes, fôra negociar a sua
capitulação
com o almirante da esquadra de
bloqueio, que para aquelle fim erguêra bandeira
de tregoa. Em Londres perseguio-o
sem resultado o odio da Legação, reflexo do
rancor imperial. De facto a fuga do Presidente
rebelde desapontou vivamente o Governo
Brazileiro, que descarregou desapiedadamente
a sua contrariedade sobre as
figuras secundarias do movimento. O brigadeiro
Lima e Silva, chefe das forças legaes,
inutilmente reclamára a entrega de Manoel
[115]
de Carvalho ao commandante britannico, e
o Ministro dos Negocios Estrangeiros, depois
de ter ensaiado sem exito recorrer a
Chamberlain, tentou a reclamação directa
em Londres por intermedio dos nossos dous
enviados.
O Governo Imperial não só exigia a entrega
do
facinoroso, como uma
satisfacção
pelo occorrido sob a forma de punição do
commandante da
Tweed por causa da
infracção
de neutralidade commettida n'um
porto nacional e bloqueado pela marinha
nacional, na forma da participação previamente
expedida aos Consules estrangeiros.
O official inglez recusára-se mais tarde a
annuir ás justas representações da
primeira
auctoridade de Pernambuco, encaminhadas
pelo consul britannico, assim procedendo
em desaccordo com o precedente estabelecido
por Sir Thomas Hardy, o qual fizera
desembarcar de um paquete inglez, aportado
á Bahia, e entregára ao governo
local, que o reclamava, o pernambucano
Gervasio Pires Ferreira, e em desaccordo
não menos flagrante com a declaração
britannica de absoluta neutralidade em
todas as luctas intestinas da America. Carvalho
[116]
e Mello invocou todas as regras de
direito publico maritimo para provar que
um navio, sobretudo de guerra, «não deve
servir em porto estrangeiro de valhacouto
a criminosos», constituindo o contrario
uma violação de soberania, e procurou rebater
as desculpas do consul e almirante
britannicos quanto á partida de Manoel de
Carvalho antes de recebido o pedido de
entrega; ao asylo concedido no mar alto e
não dentro do porto, e outras circumstancias
adduzidas para justificação do seu acto
de humanidade, cuja discussão proseguio,
mas não embaraçou no minimo a do reconhecimento
politico do Imperio.
Brant e Gameiro
recebem novas
instrucções.
O armisticio
e a successão
ao throno
portuguez.
Não soffreram sequer demora as novas
instrucções pedidas por Caldeira Brant e
Gameiro, e que a 20 de Setembro chegaram
do Brazil, auctorisando-os a celebrarem,
uma vez que as negociações proseguissem
com segura expectativa de obter-se o almejado
reconhecimento, o armisticio preliminar
de facto existente desde o inicio d'aquellas
negociações, mas em cuja formal
declaração
insistia sem recuar o ministerio portuguez.
Esse armisticio seria de um anno
para menos, «com a clausula de se estipular
[117]
expressamente um prazo, que poderia ser
de trez mezes pouco mais ou menos, para
fazer constar no Brazil a epocha do rompimento
por parte de Portugal», não devendo
o Governo Portuguez recomeçar as hostilidades
antes de expirar o prazo estipulado.
As ordens do Rio recommendavam além
d'isso que os nossos enviados evadissem
quanto possivel a questão dos direitos hereditarios
do Imperador á corôa portugueza.
D. Pedro persistia em entreter a doce
illusão de que lhe seria facil governar um
dia Portugal do Brazil, ser Imperador e
Rei como o são hoje os soberanos da Austria-Hungria,
mas como si estes fossem
Imperadores da Hungria e Reis da Austria;
ou como o é o Rei Eduardo VII, sem que porem
se lembre de transferir para Calcuttá a
capital dos seus dominios. D. Pedro acceitára
ou antes cingira a corôa imperial para não
ver o Brazil tornar-se independente debaixo
do systema democratico, mas tanto não perdia
de vista o throno dos seus maiores, que
eliminou na Constituição por elle outorgada
a disposição contida no projecto da
Assembléa
Constituinte dissolvida pela força em
1823, prohibindo expressamente a reunião
[118]
das duas corôas sobre a cabeça do Imperador
do Brazil. Agora, nas instrucções mandadas
aos seus plenipotenciarios em Londres,
limitava-se a mencionar muito confusamente
que a renuncia á corôa portugueza
era tacita e subentendia-se desde que
ficára dividida a monarchia com a
fundação
de uma nova dynastia americana; para
mais, até lhe estava constitucionalmente
vedado sahir do territorio brazileiro sem
consentimento da Assembléa Geral. Si a
consignação d'esta
separação definitiva de
dynastias fosse a condição
sine
qua non do
reconhecimento, D. Pedro concordaria em
assignar a renuncia para não ficar sem o
throno imperial. Suspirava porem por que
d'este assumpto «se não faça
menção até
que para o futuro, no silencio das paixoens,
e do furor dos partidos que tolhem o livre
curso á razão, e á boa politica,
possam as
partes interessadas tomarem com madureza
e liberdade o accordo que melhor convier á
sua commum prosperidade». No caso de
forçada opção entre o Reino e o
Imperio, é
que o soberano confessava com uma adoravel
franqueza que escolheria ficar no Brazil
desde llogo,
pela sua superioridade em
todo
[119]
o genero ao pequeno e envelhecido Reino de
Portugal, e tambem porque era isto conforme
aos desejos da população brazileira,
assim como aos interesses das duas partes
da monarchia, de que uma teria de ver-se
abandonada em proveito da outra, não gosando
infelizmente o monarcha do dom
divino da ubiquidade.
Considerações sociologicas,
aspirações
populares e conveniencias publicas desappareceriam
porem de mistura, si porventura
a renuncia não fosse indeclinavelmente exigida.
A porção confidencial das
instrucções
mandadas a 16 de Julho de 1824, descobrindo
um pouco o pensamento imperial,
dizia que a reciprocidade das renuncias, ao
Brazil por parte do Rei de Portugal e a Portugal
por parte do Imperador do Brazil, não
podia em rigor ser invocada, visto não
existir paridade nas duas situações, contando
a do Imperador a seu favor, ou para
tornal-a muito mais difficil, com os direitos
de nascimento e primogenitura; que o artigo
constitucional prohibindo a ausencia temporaria
do Imperador continha em si mesmo
a alternativa ou remedio, e não tornava
portanto de modo algum obrigatoria a renuncia
[120]
pelo facto de não poder ir D. Pedro
eventualmente recolher a successão portugueza;
finalmente que era mister conservar
um regio asylo para D. Pedro no caso,
não
provavel mas possivel, de ter elle que desertar
o Imperio «por effeito de successivas e
horriveis reacçoens».
Pretenções
portuguezas a
suzerania. Vantagens
commerciaes
offerecidas pelo
Brazil.
Cedendo ou parecendo ceder no ponto do
armisticio preliminar e explicando-se, posto
que imperfeitamente, no da successão, o
Imperador do Brazil não convencia no emtanto
Portugal a desistir da sua pretenção á
suzerania. Para melhor seduzir o Reino,
chegou o Governo Brazileiro a pensar―do
que dá testemunho o Despacho de Carvalho
e Mello de 16 de Julho de 1824―em
conceder logo a Portugal umas primicias
das vantagens commerciaes que elle cobiçava,
e que Canning achava naturalissimo
fossem arbitradas ás mãis patrias pelas
antigas colonias americanas. O reconhecimento
da Independencia implicaria d'essa
forma para Portugal o tratamento da nação
mais favorecida, passando suas mercadorias
a pagar, como as inglezas por virtude
do tratado de 1810, 15 0/0
ad
valorem de
direitos, em vez dos 24 0/0 que eram a
[121]
pauta geral para as importações estrangeiras:
isto emquanto se não ajustasse com
maior vagar um convenio commercial definitivo.
Na correspondencia official de Caldeira
Brant e Gameiro não se encontra
comtudo vestigio algum de que elles houvessem
proposto a referida vantagem mercantil,
conforme achavam-se auctorisados
e conforme achavam opportuno, com uma
reducção ainda maior, no momento de redigirem
o seu projecto de tratado no inicio
das negociações. Certamente mudaram de
opinião porque, tendo recebido aquellas
instrucções
em Outubro, já as circumstancias
eram outras e, mercê do jogo obstinado
da côrte portugueza, a discussão ia entrando
n'uma phase diversa, que pouco
depois se accentuaria pela chegada da resposta
do Reino ao projecto de Canning.
Accresce que os nossos enviados tinham
tomado inteiramente pé no mundo politico
de Londres e tinham razões para nutrir uma
quasi certeza de que a teimosia do gabinete
de Lisboa só lhes acarretaria beneficios, e
que mais facil era Canning romper com os
ministros de D. João VI do que deixar por
longo tempo sem solução a questão
brazileira.
[122]
Opposição
portugueza.
Idéas de Palmella.
Sympathia
de Canning.
Durante esse tempo, fortes com o estalar
da rebellião pernambucana e com as
informações
do panico que se apossára da cidade
do Rio ao serem alli conhecidos os preparativos
da expedição portugueza, as gazetas
de Lisboa puzeram-se a insultar desaforadamente
o Brazil. Por meio d'essa expedição,
ou do annuncio d'ella, imaginára Palmella,
de ordinario tão sensato, mas talvez
um instante desorientado com a volta ao
poder depois da opera buffa da Abrilada,
cujo ultimo acto se representára a bordo da
Windsor Castle, apoiar o seu plano
politico
de fraccionar o Brazil em estados separadamente
dependentes da metropole, assim
lisonjeando o sentimento particularista que
elle se habituára a ver tão cioso na Allemanha―a
Allemanha de Madame de
Staël.
O Imperio sómente lucrou com taes ataques,
de imprensa e de imaginação. A sympathia
de Canning pela causa brazileira cresceu
em vista d'essa attitude antipathica
tomada pelos periodicos do Governo Portuguez
e por este mesmo, que patenteava
n'essa inequivoca maneira sua reluctancia
a tratar seriamente da paz. Por seu lado o
principe Esterhazy, o qual nas duas ultimas
[123]
conferencias denotára ter
pessoalmente sua
queda pelo successo diplomatico da ex-colonia,
não entendeu que quebrava o seu orgulho
magyar indo á casa de Caldeira Brant e
Gameiro aconselhal-os a manterem-se na sua
postura moderada e conciliadora. Ella acabaria
por conduzil-os ao melhor exito da
sua missão, contribuindo a Austria para tal
resultado. Ao mesmo tempo promettia Canning
aos delegados imperiaes que o Brazil
seria a primeira das nações americanas que
o Governo Britannico reconheceria e que
até, estando a expirar os tratados de 1810,
era de toda conveniencia para a Inglaterra
regular suas relações commerciaes com a
Imperio. Segundo a declaração contida na
Nota de Carneiro de Campos a Chamberlain
de 6 de Agosto de 1823, os tratados de
1810 subsistiam de facto por assim o preferir
o Imperador, mas não subsistiam de
direito visto terem sido celebrados com a
corôa portugueza, e haverem caducado com
a separação, não sendo compulsoria a
sua
observancia por parte do Brazil.
Contra-projecto
portuguez.
Em presença da cordialidade do embaixador
austriaco e do Foreign Office, revelada
por aquella visita e por esta promessa, propuzeram-se
Caldeira Brant e Gameiro outra
[124]
vez precipitar os acontecimentos e fazer
reconhecer logo o Imperio pela Grã Bretanha,
caso o não reconhecesse Portugal.
Pensaram n'isso mais ainda quando, em
começos de Novembro, simultaneamente
com a communicação do Governo Brazileiro
[20]
de que em troca do reconhecimento
faria a restituição das prezas e concederia
as vantagens commerciaes já propostas,
«e que poderão ser augmentadas em Tratado
especifico», chegava o contra-projecto
portuguez que para todos foi uma decepção.
Bastará dizer que principiava pelo rebaixamento
do Imperador a Regente e restabelecimento
da perpetua soberania portugueza
sobre a colonia já completamente emancipada
[21].
Canning promptamente julgou o
contra-projecto «desarrazoado e inadmissivel»,
mas pediu aos plenipotenciarios
brazileiros que o não rejeitassem
in
limine,
antes o acceitassem
ad referendum
para
ganharem tempo.
Caldeira Brant e Gameiro accederam ao
alvitre por motivo de uma justa deferencia
[125]pessoal
para com o
Secretario d'Estado,
não escondendo porem que o projecto portuguez
seria formalmente repellido no Rio
de Janeiro. Para evidenciarem quanto estavam
d'isso convencidos, fallaram até em
estipular-se na proxima futura conferencia,
em que o tratado devia ser officialmente
apresentado por Villa Real, um prazo para
a renovação das hostilidades no caso de
rompimento das negociações. Canning offereceu-se
para formular em pessoa a proposição
e affirmou aos delegados imperiaes
que, uma vez rotas as negociações com
Portugal, elle por sua conta iniciaria outras
para o reconhecimento pelo Governo Britannico
da nova nação americana, que os
Estados Unidos acabavam justamente de
reconhecer. Entretanto assegurava-lhes que
a
Inglaterra permaneceria
neutral, dada a
guerra, consentindo em que continuassem
a servir na armada brazileira os officiaes e
marinheiros britannicos, excepção feita dos
desertores.
Esforços dos
enviados brazileiros
em favor da paz.
Correspondencia
entre Brant e
Palmella.
Apezar da manifesta sympathia de Canning
ser sufficiente garantia de destruição
dos obstaculos, a Legação brazileira
não
descuidára outros meios de attingir o
objecto da missão que lhe fôra confiada.
Em Julho, auctorisado pelas relações affectuosas
que entre ambos se tinham estabelecido
nos ultimos tempos da residencia
da côrte no Rio de Janeiro, escrevêra
[126]
Caldeira Brant ao marquez de Palmella
pedindo-lhe que apressasse o inevitavel
reconhecimento; ao que o marquez
respondeu collocando toda a questão no
terreno da successão do throno, a qual
considerava bem mais importante do que a
da independencia, de facto gosada pelo
Brazil desde que tinha sido elevado a
reino e cumulado de favores por El-Rei
D. João VI. Atacar a acclamação do
Imperador
em si mesma, recusar ao Povo Brazileiro
o direito de confiar seus destinos a
um principe da sua livre escolha, seria na
verdade, conforme Caldeira Brant tornava
saliente
[22],
dar um solemne desmentido a
toda a historia portugueza, negar a legitimidade
de D. Affonso Henriques, do Mestre
de Aviz D. João I e do Duque de Bragança
D. João IV. O essencial parecia a Palmella
[127]
saber-se como ficaria estabelecido para o
futuro o consorcio ou divorcio das duas
corôas
[23].
Para acudir a essa
preoccupação
magna em Portugal, onde por tal porta
travessa pensava-se volver á reconquista do
Brazil, é que Canning inserira no seu projecto
o mencionado artigo secreto, que não
foi todavia do agrado do Imperador.
Observações
da Chancellaria
brazileira
ao projecto de
Canning.
Accusando o recebimento d'este documento,
respondia o ministro Carvalho e
Mello
[24]
recommendando aos enviados em
Londres que acceitassem a convenção,
«fazendo
d'isso quanto ser possa um merecimento
para com o Governo Inglez», mas
não sem n'ella incluir varias
modificações,
aliás mais de forma que de substancia. No
artigo 1.º por exemplo desejava o Governo
Brazileiro que fosse eliminada a expressão
pouco constitucional de «dominios da Casa
de Bragança» (a qual de resto não
figura
no esboço que tive presente), e que se tornasse
mais claro o reconhecimento da Independencia,
o qual nunca ficaria demasiado
explicito para o reino ultramarino. A redacção
de alguns artigos mais seria ligeiramente
[128]
alterada em pequenos pontos, afim de tornar
suas disposições mais precisas e directas,
tambem retirando-se a expressão
outras
colonias,
empregada com relação ás
possessões
portuguezas da Asia e Africa, pelo facto de
recordar e por assim dizer commemorar o
antigo
status colonial do Brazil,
melindrando
portanto o sentimento publico. Sobre o assumpto
da successão o Governo do Rio de
Janeiro apresentava-se mais arisco, nada
querendo adiantar ao consignado nas anteriores
instrucções, appellando para o disposto
na Constituição concernente á
successão
do Imperio―que o Brazil pretendia
conservar em ordem regular na dynastia,
herdando o throno o primogenito ou primogenita
do monarcha―e passando sob
silencio a eventualidade da successão á
corôa portugueza, a qual nem renunciava
nem reivindicava, deixando a sua regulação
ao futuro, ao destino, ou á logica dos
acontecimentos. D. João VI mostrára ser
praticavel reinar em Portugal e Brazil, residindo
na America: porque não continuariam
as cousas assim com D. Pedro, com
a simples mudança do titulo de Rei para
o de Imperador? O soberano brazileiro não
[129]
queria admittir que, tendo-se elle rebellado
contra a auctoridade paterna e proclamado
independente o paiz que governava como
Regente, mandava a boa razão que o throno
de Portugal fosse para o filho segundo.
A transferencia de direitos não envolvia
quebra de legitimidade e não passava afinal
do arranjo dynastico que veio a consummar-se
com a progenie de D. Pedro, e que teria
sido mais justo estabelecer logo com a de
D. João VI, rei indisputado de Portugal e
seus dominios.
V
Communicação
official do
contra-projecto.
Preparativos
de guerra.
O contra-projecto portuguez foi formalmente
communicado por Villa Real na conferencia
realizada no Foreign Office a 11 de
Novembro
[25],
ouvindo os plenipotenciarios
brazileiros sua leitura no mais profundo silencio
e abstendo-se de aprecial-o ao findar
a communicação. Apenas, a pedido de Caldeira
Brant e Gameiro, consentiu Canning
em demorar a reunião da nova e ameaçadora
conferencia, quando o esboço do tratado devia
forçosamente ser submettido á
discussão.
A Legação queria aproveitar o intervallo para
embarcar o maximo de munições de guerra
e fornecer ao Governo do Rio mais dilatado
ensejo para armar-se para a lucta imminente,
constando mesmo que Portugal tencionava
atacar o Pará como o ponto mais
[131]
vulneravel do Imperio e aquelle por onde
mais facilmente se conseguiria quebrar a
União. A tentativa não passaria certamente
do que depois veio a chamar-se um
bluff,
pois baixára a tanto a penuria do thesouro
de Lisboa que o Governo de D. João VI teve
por esse tempo que mandar desmanchar a
esquadra, a qual não tinha recursos para
manter.
Relações
commerciaes
do Brazil com
a Inglaterra.
Oposição de
Wellington e
Eldon ao
reconhecimento.
Em troca do favor do adiamento da conferencia,
evidenciou Canning o desejo de
que, não permittindo as circumstancias o
ajuste immediato de novo tratado, fosse
prorogado por um anno mais o tratado de
commercio em vigor entre a Inglaterra e
o Brazil. Era este de resto o argumento capital
com que o Secretario d'Estado dos Negocios
Estrangeiros intentaria arrastar na
senda que deliberára trilhar em
opposição
á dos gabinetes continentaes, o gabinete de
que fazia parte e onde sua vontade estava
longe de ser omnipotente. Prevaleciam pelo
contrario no seio d'elle as vistas do duque
de Wellington e do Lord High Chancellor
Eldon, contrarias ao reconhecimento dos
paizes americanos, inclusive do Brazil, apezar
de ter-se este organisado debaixo de uma
[132]
forma monarchica de governo, e dos enviados
do Imperador, com um leve e habil snobismo,
trabalharem para obter o cumprimento
dos desejos de seu Amo fóra de toda
associação com o enxame de Hispano-Americanos,
pretendentes ao reconhecimento politico
dos seus governos pela Grã Bretanha,
que então pejavam a ante-camara do Foreign
Office. Da sua banda Caldeira Brant e Gameiro,
no mesmissimo intuito de actuarem
sobre os politicos, sempre praticos, que dirigiam
a marcha dos negocios publicos na
Inglaterra, aconselharam o gabinete de São
Christovão a dar por caduco, ao fim dos
quinze annos legaes, o tratado de 1810, mandando
desde logo organisar uma pauta geral
e commum de direitos aduaneiros para
ser igualmente applicada ás
importações
inglezas no Brazil.
Ninguem ignora quanto a questão commercial
devia valer para Canning, como para
qualquer outro estadista britannico. «Os negociantes
brazileiros ou que teem relações
mercantis com o Imperio vão representar
perguntando em quanto tempo podem calcular
a duração do tratado vigente, escrevia
Canning a Lord Liverpool, e a pergunta,
[133]
longe de ser impertinente, é legitima e mais
que razoavel.» Não se sabia ao certo o que
estava para acontecer, e os negocios nunca
prosperaram em temporadas dubias. A situação
de incerteza mais se complicou com
uma inesperada occorrencia.
A questão do
pau brazil.
O presidente revoltoso de Pernambuco,
Manoel de Carvalho, para fazer dinheiro
embarcára para a Europa cargas de pau
brazil, de que os nossos agentes em Londres
reclamavam a restituição em proveito da
Junta de Fazenda legal e local. Por seu lado
porem o agente portuguez em Hamburgo,
para onde fôra remettida a consignação
e
para onde haviam sido despachadas outras
cargas inglezas do mesmo artigo, pretendia
ser todo esse pau brazil legitimamente pertencente
a Portugal, visto constituir a sua
posse um monopolio da Corôa. Acontecia
que a Inglaterra se negava a reconhecer
analoga pretenção da Hespanha aos productos
das minas americanas, e em semelhante
caso como proceder differentemente
com Portugal? Admittir a pretenção portugueza
seria o mesmo que classificar como
contrabando o trafico já estabelecido com os
portos hispano-americanos, e provocar o
[134]
Brazil a privar a Grã Bretanha dos beneficios
do tratado que estava desfructando.
Opposição
da maioria do
gabinete e do
Rei ás idéas de
Canning.
N'esta complexa questão do reconhecimento
das nações latino-americanas é que
se revelou particularmente a immensa tenacidade
de que Canning era felizmente dotado.
Luctando contra todo o gabinete, excepção
feita de Liverpool, e luctando contra o Rei,
animado em sua resistencia por Wellington,
Esterhazy e o embaixador russo Lieven, os
quaes faziam o monarcha acreditar que a
politica do seu Secretario de Estrangeiros
produziria uma conflagração européa,
Canning
logrou finalmente cantar victoria. Peel,
de começo adverso, mais tarde converteu-se
ao ponto de vista liberal, e o gabinete teve
todo que fazer côro com elle quando Liverpool
e Canning muito resolutamente ameaçaram
dar suas demissões, caso se não chegasse
a accordo ministerial. O proprio Wellington
viu-se na contingencia de aconselhar
o Rei a que declarasse ceder, porquanto o
gabinete não poderia viver sem Canning,
que era a sua alma. Jorge IV resignou-se e
acquiesceu, ainda que de pessima vontade,
fazendo claramente sentir toda a sua reluctancia,
ao ponto de Canning novamente fallar
[135]
em demittir-se. Nem ficou terminada a
tarefa de Canning com o triumpho alcançado
em conselho sobre a repugnancia ao
reconhecimento, da maioria hostil do gabinete
Liverpool.
Wellington, Eldon e Westmorland possuiam
a intimidade do Rei e á socapa moveram
tão viva campanha contra a idéa a
um tempo generosa e utilitaria de Canning,
que em Janeiro de 1825, depois mesmo dos
conselhos de gabinete e da extensa correspondencia
de Dezembro, quando o assumpto
devia julgar-se decidido, Jorge IV lembrou-se
ainda de formular por escripto aos seus
conselheiros e
servidores
confidenciaes a seguinte
insidiosa pergunta: si havia sido
revogada a politica a que a Grã Bretanha
adherira no Congresso de Vienna, a saber,
a politica conservadora de Castlereagh? A
essa pergunta o gabinete, com a maioria do
qual o Rei concordára anteriormente, annuindo
a que fossem officialmente communicadas
ás potencias continentaes as
resoluções
adoptadas pelo Governo Britannico,
respondeu collectivamente que, no seu entender,
«as medidas em andamento com relação
á America Hespanhola não eram por
[136]
forma alguma inconsistentes com os compromissos
tomados por Sua Magestade com
os seus Alliados, já sendo irrevogaveis taes
medidas, e achando-se empenhadas em todas
suas necessarias consequencias a fé e honra
da nação».
Reconciliação
do Rei com
o seu Secretario
d'Estado.
O reconhecimento da America Latina
começou pois a ser uma realidade, mas
o Rei deixou patente na sua resposta de
30 de Janeiro que lhe era infenso, fazendo
todavia votos para que d'elle resultassem
beneficas consequencias. O que Jorge IV
sobretudo receava, ou fôra levado a recear,
eram, como vimos, complicações internacionaes
e uma colligação das potencias continentaes
contra a Inglaterra. Quando se capacitou
de quão infundados tinham sido
seus receios e de que se dera até perfeitamente
com não resistir mais tempo á pertinacia
do seu ministro, procedeu de accordo
com o seu cognome de primeiro
gentleman
da Europa: confessou a Canning o seu
engano e dispensou-lhe por completo, até a
morte prematura do estadista, a sua confiança
politica e a sua amizade privada.
Canning por seu lado explicou-lhe com sincera
eloquencia que apenas pretendia, como
[137]
subdito fiel e dedicado, ver o seu soberano
á testa da Europa, em vez de vel-o occupar
o quinto lugar n'uma confederação odiosa,
onde Alexandre da Russia, Metternich, a
Prussia e os ultras francezes desempenhavam
seus papeis com coherencia e agiam de
conformidade com seus respectivos destinos
historicos, mas onde o Rei da Grã Bretanha
accumularia sobre a sua propria cabeça
todos os odios, em virtude da conhecida
dissociação que existia entre a idiosyncrasia
britannica e a physiologia da Santa Alliança.
Assim lisonjeado pela franqueza convincente
do ministro, o monarcha, que era
imaginoso, chegou, conta Greville, a persuadir-se
que lhe pertencia a iniciativa da
medida, a qual alcançou a meta que o seu
auctor se propunha e tão illustre veio a tornar
o nome de Canning. É quasi dispensavel
repetir que a este cabe principal, senão
exclusivamente, a gloria da politica previdente
e de largos horizontes esboçada logo
em 1822, por occasião da sua entrada no
gabinete Liverpool, quando, em opposição
a Villèle, que pretendia ajudar com as armas
francezas a preservar, em proveito da metropole
ou pelo menos de principes da Casa
[138]
de Bourbon, o imperio colonial hespanhol,
Canning deu mostras evidentes de impugnar
o restabelecimento do systema de exclusivismo
peninsular, do qual havia em contraposição
de emergir o deboche de liberdade
da America Latina.
Influencia da
Santa Alliança
em Lisboa.
Mudança benevola
para com o Brazil
na attitude da
Austria. Intriga
de Metternich.
Recordando-nos que a Santa Alliança tomára
por fito e tinha como razão de ser o suffocar
todos os ensaios de liberdade politica,
imaginaremos facilmente que não eram só
as preferencias genuinamente
tories
do vencedor
de Waterloo o que animava na sua
resistencia o Governo de Portugal. As Côrtes
continentaes―a Russia mais que todas―favoneavam
particularmente essa attitude
intransigente; excepção talvez feita, por
mais extraordinaria que pareça a reviravolta,
do primitivo foco europeu da reacção,
da Austria soberba e aristocratica onde, a
voz do parentesco fallando por um lado
mais alto do que os dictames da politica
preconizada, e por outro sendo mais fortes
os seus ciumes da Russia que da Grã Bretanha,
o Imperador, Metternich e seu porta-voz
Gentz de subito puzeram-se a dar razão
ao Brazil em querer resistir pelas armas á
reconquista. Em Londres Esterhazy, simultaneamente
[139]
e de certo sem muito custo,
convertia o barão de Neumann ás vistas da
Chancellaria e do Palacio Imperial. Sem
fallar na voz do parentesco e nos zelos internacionaes,
a verdade tambem estava em
que Metternich se convencêra da inutilidade
da sua intriga palaciana, da qual a princeza
de Lieven fôra o orgão junto de Jorge IV,
para expellir do ministerio o incommodo
Canning. Esterhazy capacitára-se primeiro
de que os esforços da intriga ficariam frustrados,
mas não lográra persuadir d'isto
Metternich, que em todo o caso, para não
descobrir o seu jogo, empurrára para a
frente a boliçosa embaixatriz russa. É o
proprio Canning quem, informado de tudo,
fornece estes pormenores a Lord Granville
em Março de 1825.
Cordialidade
de relações entre
Esterhazy e
Canning. A
Santa Alliança
e o reconhecimento
das republicas
hespanholas.
O principe Esterhazy, que parece ter sido
um hungaro de excellente senso, adiantou-se
mesmo a Jorge IV na sua reforma de
opinião sobre Canning, e não só se
apressou
em querer desmanchar as prevenções
de Metternich, como em confessar ao Rei
da Inglaterra a sua mudança de conceito
relativa ao Secretario dos Negocios Estrangeiros.
A 20 de Dezembro de 1825, ao ter
a sua audiencia de despedida antes de partir
para tomar conta da embaixada de Pariz,
que afinal não occupou, voltando
como
persona
gratissima
[140]
para Londres, elle nobremente
e sem reservas explicou-se com Canning
na presença do monarcha. Já então
datava de bastante mezes o estabelecimento
de cordiaes relações entre Jorge IV e Canning,
tendo-se realizado a 27 de Abril a
symptomatica visita de Sir William Knighton,
thesoureiro privado do Rei, que, despachado
como a pomba da arca com o ramo
d'oliveira no bico, fôra apparentemente
buscar noticias da saude de Canning, o qual
andava indisposto com a gotta, na realidade
para approximar do soberano o ministro.
Pouco antes, no mez de Março, ainda
Canning recebêra das mãos de Lieven,
Esterhazy e Maltzahn, o enviado prussiano,
as respostas dos seus respectivos Governos,
muito dessatisfeitos com o annunciado reconhecimento
do Mexico. Replicára-lhes
Canning com exemplos frescos de derogação
de legitimidade, como o de Bernadotte
na Suecia, de que a Santa Alliança
havia sido cumplice, e proseguira seu caminho,
mas em Abril mesmo mostrava-se
[141]
receoso da repetição das intrigas de Metternich.
N'uma carta escripta a Granville
insurge-se elle positivamente contra o constante
intercurso dos representantes dos
Governos da Santa Alliança com o Rei,
achando tal proceder contrario ao espirito
e pratica da Constituição ingleza, e pelo
mesmo tempo escrevendo muito contrariado
á mulher, dizia estar absolutamente disposto
a obstar que os embaixadores d'Austria e
Russia conversassem com Jorge IV, a não
ser em sua presença.
A Austria abandona
Portugal. Palmella
e Subserra mandam
ao Rio um emissario
secreto. O Imperador
e as negociações
clandestinas.
A defecção da Austria representava para
Portugal um duro golpe, mas o gabinete
de Lisboa como que o previra. Palmella
pelo menos, habituado desde a adolescencia
ás intrigas de côrte e conhecedor perfeito
das molas que faziam trabalhar as chancellarias
européas, não podia deixar de ter
presentido aquella deserção. Conhecel-a,
era muito; attenual-a, era porem tudo, e a
Palmella faltavam, na phrase epistolar da
sua grande amiga a princeza de Lieven,
a
firm will and a lucky star (uma vontade
firme e uma boa estrella). Que a côrte de
Lisboa deixou de sentir-se no mesmo gráo
segura da sua inflexibilidade, prova-o (porque
[142]
não é provavel que tal acto obedecesse a um
ardil diplomatico, como tantos outros inhabil)
o facto de haver sido mandado ao Brazil
um agente secreto com instrucções de Subserra,
com o fim de entabolar negociações
clandestinas para a paz, em detrimento das
que se proseguiam em Londres sob a direcção
de Canning. Havia reincidencia no caso,
porque antes de abertas as negociações regulares,
tinha o Governo Portuguez enviado
ao Rio uma missão secreta no intuito de
tentar a reconciliação. A opinião
publica no
Brazil oppunha-se porem vigorosamente,
como sabemos, a qualquer negociação que
não fosse precedida pelo reconhecimento, e
de harmonia com a inclinação popular, reflectida
na attitude da Assembléa Constituinte,
mandou o Imperador deter e sequestrar
a corveta
Voador, que conduzira a
missão, e recambiar para Portugal os commissarios,
depois de igualmente detidos e
até sua partida conservados incommunicaveis
com o Governo. D. Pedro foi não
obstante accusado de ter tido entrevistas
clandestinas com um dos emissarios, o
conde de Rio Maior, e os que o accusavam
eram os chamados patriotas, os quaes
[143]
temiam mais que tudo a possivel reunião
das duas corôas e censuravam desabridamente
a nascente benevolencia imperial
para com os ultra-realistas ou do partido
portuguez. O odio ia crescendo entre um e
outro lado e a politica conciliatoria do Imperador,
acobertando os Portuguezes com a
vista no futuro e afagando os Brazileiros
por causa do presente, estava longe de poder
aterrar o fosso da desunião e apenas alheava
cada dia mais o monarcha do sentimento
nacional, sem ao menos angariar-lhe a sympathia
de Portugal, que sempre lhe havia
de faltar, até que a morte em plena mocidade
o cercasse de uma aureola de heroismo
e de poesia.
Brant e Gameiro
exploram o despacho
do emissario.
Brant preconiza
uma guerra
economica.
Nada pode comtudo arguir-se contra
o procedimento do Imperador nas citadas
emergencias. Muito avisadamente declinou
pela segunda vez entreter quaesquer
negociações irregulares ou sequer receber
o emissario, um medico por nome José
Antonio Soares Leal, que foi da mesma
forma preso e reexpedido para Lisboa. Caldeira
Brant e Gameiro não se desleixaram
porem em dar toda a publicidade a semelhante
incidente, que vinha muito a proposito
[144]
lançar a pecha de perfido sobre o gabinete
de Lisboa, cujas verrinas contra o
Brazil figuravam de thermometro das suas
esperanças, recrudescendo á medida que se
ia desvanecendo em Portugal a confiança
de recobrar a perdida ascendencia sobre o
paiz americano. Note-se que, como depois
os factos amplamente confirmaram, o campo
não ficava absolutamente perdido para a
actividade industrial do Reino, pois que dos
portos portuguezes sahiam entretanto navios
carregados para o Brazil, propondo Caldeira
Brant o appello á guerra, a qual deveria
compellir Portugal á paz, muito mais como
meio de arruinar o seu trafico mercantil do
que como modo de destruir seus recursos
militares. Tanto entendia o futuro marquez
de Barbacena que essa guerra fosse economica
que, no plano de hostilidades apresentado
á approvação do soberano, fazia-a
acompanhar da prohibição de
introducção
das mercadorias portuguezas no Brazil, embora
transportadas em navios neutros.
O Brazil recusa
declarar a
cessação das
hostilidades.
Como o projecto de tratado de que
Soares Leal fôra infeliz portador não passava
de uma copia do contra-projecto offerecido
em Londres por intermedio de Villa
Real, decidiram com sobeja razão os dous
plenipotenciarios brazileiros não mais existir
motivo para acceitar este
ad
referendum,
[145]
segundo ficára accordado com Canning,
e sim para rejeital-o
in limine,
pois
sem querer tinham-se tornado previamente
conhecidas as vistas do gabinete do Rio de
Janeiro sobre o assumpto. Em Despacho
recebido na Legação pelo mesmo tempo
communicava o Ministro dos Negocios Estrangeiros
do Brazil que, não podendo mais
confiar na lisura do Governo Portuguez
com o triste exemplo que acabava de dar da
sua tergiversação e má fé,
recusava-se o
Imperador a mandar publicar a declaração
de cessação das hostilidades. Regressava-se
assim, após mezes de diligencias, á phase
primitiva das negociações quando, de harmonia
com as instrucções originariamente
expedidas a Caldeira Brant e Gameiro, o
armisticio estava dependente do reconhecimento
da independencia do Imperio pelo
Reino.
Desavença
entre Villa Real
e os enviados
brazileiros.
Subsequente
reconciliação.
Tudo de resto caminhava mal e as cousas
appareciam mais atrazadas do que antes
mesmo de iniciadas as trocas de impressões
entre as partes contrarias e os medianeiros.
Na occasião em que se effectuára a conferencia
de 11 de Novembro, em cujo decorrer
Villa Real participou a natureza do
contra-projecto, o qual motivaria tamanho
e tão justificado alvoroço, as
relações entre
os plenipotenciarios brazileiros e o plenipotenciario
portuguez
[146]
achavam-se suspensas
por causa de um incidente, pode dizer-se
alheio ás negociações pendentes.
Gameiro
dirigira ao conde de Villa Real, a proposito
de uma letra cujo montante devia ser recebido
e recolhido pelo Banco do Brazil, uma
carta
official a que o ministro
portuguez
estranhou o caracter, retorquindo por escripto
com uma vivacidade muito peninsular
mas quasi indesculpavel n'um diplomata
provecto, e deixando subir sua irritação
ao ponto de, no calor de uma conversação
a respeito do negocio, desrespeitosamente
tratar o Imperador D. Pedro de
rebelde. O
marechal Caldeira Brant e o cavalheiro Gameiro
Pessoa retiraram-se cheios de dignidade,
tapando os ouvidos á
blasphemia,
como appellidaram a crúa designação, e
protestando ser-lhes de então em diante impossivel
fallar com o representante de
D. João VI, ou com elle entreter qualquer
[147]
communicação. Villa Real logo depois cahiu
em si e, não contentando-se com despachar
Esterhazy e Neumann como padrinhos da
reconciliação, foi em pessoa nobremente
offerecer aos brazileiros as mais inequivocas
desculpas pela sua «proposição
irreflectida.»
Conforme acontece frequentemente
nos duellos, o apaziguamento fez-se á
mesa: terminou por um jantar em casa do
principe Esterhazy e por uma segunda visita
de Villa Real a Caldeira Brant e Gameiro.
A injuria ficou afogada no Tokay do
magnate hungaro.
Desunião moral
entre Portugal
e Brazil.
Razões d'este
estado de espirito.
Infelizmente as boas relações preservadas
entre os diplomatas não significavam boas
relações entre os Governos que elles
representavam
e cujos interesses defendiam: não
passavam de anodinas trocas de cumprimentos
entre pessoas bem educadas. O Brazil
e Portugal conservavam-se arredados,
tornando-se mais viva cada dia a antipathia
que os distanciava. Em Portugal os ministros
de D. João VI eram, da mesma forma
que em sentido inverso no Brazil os de
D. Pedro I, actuados na sua aversão a legitimarem
os factos consummados pelo sentimento
popular profundamente hostil á desunião.
[148]
Sabemos todos os que temos estudado
esse periodo, o que era a plebe portugueza
dos primeiros decennios d'este seculo―não
só ignorante como insubordinada, com
certas qualidades excellentes mas degradada
pela degradação das classes altas,
cynicamente irreligiosa porque religião se
não podia chamar o seu fetichismo grosseiro,
e porque não encontrava tal sentimento
entre aquelles que tinham por missão
zelar o fogo sagrado. O clero regular, tão
numeroso, só merecia o desprezo do populacho,
que o sentia mais perto de si do que
de Deus, e esta impiedade latente explica
bem que, com o voltairianismo da epocha
constitucional, as crenças se houvessem
apagado tanto e tão depressa n'uma terra
onde pareciam mantel-as abrazadas as fogueiras
do Santo Officio.
N'uma sociedade semelhante os vicios
fermentavam mais do que floresciam as
virtudes, e as ruins paixões tinham-se certamente
exacerbado com a desgraça e a
desordem. O odio á ex-colonia americana,
começára porque para ella haviam emigrado
Rei e Côrte, abandonando a metropole
á sua triste sorte de paiz invadido. Os
[149]
favores dispensados no dourado exilio por
D. João á terra onde se abrigára; a
superioridade
politica assumida pelo reino ultramarino,
que antes já possuia a superioridade
economica; a alheação que entre
ambos os reinos mais e mais se estabelecia
por effeito de uma natural differenciação de
idéas e de sentimentos, eram outros tantos
estimulos para aquelle odio, cujo crescendo
culminaria com a separação do Brazil, a
qual todo Portugal considerou como uma
ingratidão a castigar e uma offensa a vingar.
Nada concorreu mais para a impopularidade
das Côrtes do que a Independencia,
immediatamente attribuida, como era
de esperar, á falta de tacto manifestamente
exhibida pelos liberaes em todos os seus
actos publicos, e mais remotamente á
ligação
das sociedades secretas do Reino com
as do ultramar. Dispersando as Côrtes,
D. Miguel tomava a desforra da perda do
Brazil mais do que punia a rebeldia contra
o poder absoluto dos reis, o qual cahira
insensivelmente em desprestigio. A ausencia
do monarcha redundaria logicamente
na presumpção de ser quasi dispensavel
a instituição, e o respeito pelos symbolos
[150]
e attributos externos da realeza desapparecêra
por forma tal que, durante a regencia
da junta, os coches de gala da Corôa,
cuja coberta de brocado resguardára a vaidosa
cabeça de D. João V e sobre cujos
coxins de damasco tinham-se recostado a
provocante princeza de Nemours, a garbosa
D. Marianna d'Austria e a soberba
D. Maria Victoria de Bourbon, alugavam-se
para baptizados a troco de alguns cruzados,
com que os empregados subalternos do
Paço se subtrahiam ao ingrato fado da bicharia
exotica reunida por D. Maria I no
jardim do palacio de Belem e que fôra toda
destruida pela fome.
O papel de
D. Miguel. Palmella
e Subserra.
A reacção miguelista não teria sido
possivel
com uma monarchia unida. D. Pedro
durante a sua contenda em prol do throno
da filha, teria muito mais que luctar contra
a recordação do seu feito de 7 de Setembro
de 1822 do que contra o apego da nação
ás
suas formulas e tradições. Por seu lado
D. Miguel, com o seu porte desempenado,
o seu enthusiasmo vibrante, a sua brutalidade
attrahente, como apparecia aos contemporaneos
portuguezes; com o seu sorriso
meigo, a sua conversação acanhada, os
[151]
seus accessos de furiosa gesticulação, o seu
todo seductor, como o viu e nol-o descreve
Madame de Lieven, encarnou aos olhos do
vulgo muito mais o velho regimen colonial
do que o obsoleto direito divino. Para dominar
a ira nacional portugueza, faziam-se
mister um nervo que não possuia o pobre
D. João,
a very cunning as well as a very
weak man, na phrase do embaixador A'
Court; uma tempera de aço que não era a
do intelligente e refinado Palmella, e uma
superioridade de vistas que estava longe de
distinguir Subserra, cuja ambição de mando
era o movel unico que o fizera passar de
jacobino a liberal, depois a absolutista e por
fim a constitucional. Os dous ministros, um
culto e o outro brusco, um frouxo e o outro
virulento, um cortezão e o outro soldado,
não se completavam, annullavam-se. Eram
electricidades contrarias que o pára-raios
real impedia de encontrarem-se produzindo
destruição e levava a descarregarem suavemente,
perdendo-se na terra o seu fluido
que, combinado, poderia talvez gerar na
ruina uma força fecunda e regenerante. A
situação continuava assim neutra, gravida
de perigos, angustiosa.
[152]
Resolução de
Canning.
Canning―o benemerito Canning segundo
o tratavam os enviados brazileiros
na sua correspondencia para o Rio―quiz
baldadamente serenar a atmosphera: tenazmente
forcejou por fazer modificar pelos
proponentes o mal acolhido e mal fadado
contra-projecto de paz, para isto usando de
toda a sua auctoridade junto ao ministerio
de Lisboa. Não confiando porem demasiado
em que a côrte portugueza chegasse
a adquirir a percepção das
condições do
momento historico que atravessava, e como
sempre vendo claro no que estava para acontecer,
o Secretario d'Estado de S. M. Britannica
desde logo planeou e poz de reserva
um golpe de mestre. Pelo que consta de uma
carta de Caldeira Brant para D. Pedro I a
10 de Dezembro de 1824, com novas e repetidas
instancias para o rompimento das hostilidades
no intuito de facultar ao Imperio
dictar a paz ao Reino, o amor proprio de
Canning estava extremamente picado com
o proceder dubio de Portugal na questão da
intentada negociação clandestina. Mandando
ao Brazil um emissario secreto, o
gabinete da Bemposta accedêra conscientemente
ás insinuações da Santa
Alliança, da
[153]
Russia e França nomeadamente, potencias
que tanto queriam frustrar a obra da Independencia,
reflexo da politica de nacionalidades
contra a qual se organisára o concerto
dos Reis, como despojar a Grã Bretanha,
e Canning designadamente, da gloria
e das vantagens de ter conduzido a bom
termo a ardua negociação. N'uma carta,
já
citada, a Lord Liverpool em 25 de Outubro
de 1824, escrevia Canning que vira o bastante
da correspondencia entre Palmella e
Villa Real para comprehender que o projecto
de ambos era em ultima instancia
romper as negociações de Londres e fazer
sahir do Tejo a quixotesca expedição. No
caso de realizar-se este designio, a esquadra
britannica surta diante de Lisboa não poderia,
segundo Canning, alli permanecer, de
facto protegendo uma tal politica, incompativel
com a orientação do Governo Inglez,
que, si respeitava a corôa portugueza, não
desejava fazer sossobrar a monarchia brazileira.
Justamente, como a divisão naval, britannica
seria infallivelmente substituida no
Tejo por uma esquadra franceza, a Inglaterra,
afim de determinar a compensação,
daria em direcção ao Brazil os passos
[154]
que dava afastando-se de Portugal.
Bons conselhos
de Canning.
Canning tinha o direito de mostrar-se
impaciente. Os conselhos por elle dados ao
Governo Portuguez quando lhe offerecêra o
seu projecto de tratado, haviam sido os mais
acceitaveis e sensatos. Não cabendo nas
forças de Portugal sujeitar o Brazil pelas
armas, o mais prudente era intuitivamente
não manifestar azedume nem resentimento,
e não alimentar odios que, facilmente extinguiveis
de começo, se tornariam depois de
accesos em extremo difficeis de apagar.
Como vingança, o adiar
sine
die o reconhecimento
e fomentar a desaggregação do Imperio
(segundo ensaiaria a Republica Argentina
no momento do conflicto pela Cisplatina)
não passava de uma estupidez perversa,
porque em nada aproveitaria ao Reino, seria
indigno de um Monarcha e Pai, e perderia
para a dynastia metade do patrimonio
da Casa de Bragança, o qual, após uma
curta separação, podia tornar a congregar-se
nas mãos da sua descendencia, si as
Côrtes de Lisboa não arredassem os titulos
hereditarios do Imperador do Brazil, e o Rei
de Portugal attrahisse a boa vontade dos
Brazileiros concedendo por livre vontade
[155]
aquillo que não mais podia recuperar pela
força. A sinceridade de Canning n'esta
ultima parte do seu arrazoado é um tanto
discutivel, porque nem elle podia acreditar
nem desejar a reunião das duas partes da
monarchia portugueza, mas não se lhe pode
levar a mal o emprego de uma pequena
dose da duplicidade diplomatica de que o
faziam diariamente victima, com o fim de
obter a «paz com honra» que marcaria
depois o triumpho de um outro prestigioso
chefe
tory.
Canning não escondia aliás que o indefinido
retardamento de uma decisão por
parte de Portugal equivaleria á liberdade de
acção por parte da Inglaterra. Dispondo da
amizade britannica, nada tinha Portugal a
recear por deixar de seguir os conselhos de
intransigencia da Russia, como tampouco
ganharia alguma cousa seguindo-os. O que
lucrára a Hespanha com obedecer ás
suggestões
de Alexandre I? O seu imperio colonial
escapára-lhe todo sem remissão.
Ainda Alexandre I era um soberano de puras
intenções; o proceder da França
poderia
porem encobrir um duplo sentido. Traduziria
porventura um leal designio de adaptar
[156]
a sua politica portugueza á politica geral
das côrtes continentaes; poderia no emtanto
significar tambem um estratagema para
exigir e obter um preço mais elevado pelo
seu reconhecimento isolado, precedendo o
da Inglaterra e não levando em conta as delongas
de Portugal.
O reconhecimento
em
França.
A correspondencia de Domingos Borges
de Barros, nosso encarregado de negocios
em Pariz depois da transferencia de Gameiro
para Londres, dá com effeito a impressão
que a França não oppunha absolutamente
uma denegação formal á idéa
do reconhecimento
do Imperio, antes usava com o
agente brazileiro de uma linguagem promissoria.
Começa pelas seguintes palavras a
carta de Borges de Barros a Caldeira Brant
e Gameiro em 22 de Abril de 1824: «A
França devendo obrar de acordo com as Potencias
com que forma a grande Alliança
continental, não pode sem quebrar aquele
laço reconhecer de per si, e abertamente o
Imperio do Brazil, comtudo conhecendo
talvés melhor que as outras, ou a justiça da
nossa causa, ou seus particulares interesses
que com efeito são taes que mais que dos
outros Aliados convidão a relaçoens com o
[157]
Imperio do Brazil, alem das outras se tem
prestado ás nossas coizas já convindo em
umas com o primeiro de VV. SS., e já em
outras commigo.» O Imperio, quando
andava tratando de arranjar padrinhos
europeus para a sua chrisma politica, tambem
insinuára á França que acceitaria para
o reconhecimento por Portugal a sua mediação
disfarçada em bons officios. Prevaleceram
porem os bons officios da Inglaterra,
e a França ficou esperando, para resolver
sua acção, que as
negociações de Londres
chegassem a um resultado, embora, longe
de facilital-as, pela força mesmo das circumstancias
viesse a combatel-as.
Pessoalmente Luiz XVIII não estimaria
menos, na sua qualidade de chefe da Casa de
Bourbon, ser parte nos ajustes de paz, e si
houvesse sido convidado pela Inglaterra e
Austria a associar-se a ellas, e tivessem reservado
á França o seu quinhão de vantagens,
é muito provavel que o Rei deixasse a
Russia urdir sósinha a sua teia reaccionaria.
N'esta previsão é que o futuro visconde da
Pedra Branca na mesma carta aos seus collegas
de Londres recommendava de principio
que se procurasse «conservar a boa
dispozição
[158]
em que estão os dois
Governos, e não
dar azo a que com as franquezas que tem
Portugal, seja tratado por mais amigo, e o
Brazil taxado de reserva grangeie o ar
equivoco que se tem com aqueles de quem a
lhaneza entra em duvida». Chateaubriand
levára sua benevolencia ao ponto de mandar
refutar, em artigo da folha officiosa do ministerio,
as noticias alarmantes do Rio
espalhadas e exploradas por pessoas que
eram adversas ao Brazil, e ao emprestimo
que os nossos enviados em Londres estavam
n'aquelle instante diligenciando obter. O
conflicto de interesses francezes e inglezes
travado na côrte de Portugal não permittiu
comtudo a harmonia das duas nações n'esse
assumpto do reconhecimento em que ambas
eram sympathicas ao Brazil, e fez com que
a França frequentemente nos hostilizasse,
querendo hostilizar a Grã Bretanha, com a
qual estavamos identificados. As expressões
de cordialidade que acudiam aos labios de
Chateaubriand nas suas entrevistas com
Borges de Barros, brigavam com a actividade
de Hyde de Neuville em Lisboa, o
qual, no intuito exclusivo de abolir a connexão
entre Portugal e a Inglaterra, açulou
[159]
a resistencia do Reino que, não tendo mais
o que invocar para explicar sua opposição,
se apegára por ultimo á phrase pomposa de
que abandonar um tal imperio sem defender-se
seria deshonroso para a nação, e
proclamára fazer questão pelo menos da
suzerania nominal do Rei de Portugal.
Interesses
britannicos na
America latina.
Ao resentir-se da interferencia aggressiva
n'este negocio das potencias que formavam
a Santa Alliança, Canning partia
do principio que qualquer intervenção politica
devia ser regrada, não pela theorica
pretenção de adaptar modos de
administração
a formulas abstractas, mas pela defeza
de interesses que corressem o risco de
soffrer. Ora, como escrevia o Secretario
d'Estado dos Negocios Estrangeiros, nem
a Russia, nem a Austria, nem a Prussia
possuia uma unica colonia transoceanica
(com excepção de Alaska), ou uma unica
vela nos mares que banham as costas da
America do Sul, ou um unico fardo de mercadorias
nos portos, quer de Portugal, quer
do Brazil. O que queria pois dizer que representantes
d'aquellas nações e da França se
reunissem em Pariz para discutir e emittir
opinião sobre a questão de Portugal e Brazil,
[160]
sem que tivessem sido solicitados por
nenhum dos dous paizes, mas extendendo
sua petulancia até desapprovarem a fallada
convocação em Lisboa das
antigas Côrtes e
recommendarem a manutenção do estado de
guerra entre metropole e colonia? A usurpação
de soberania era ahi tão flagrante que
o proprio Palmella se indignára com o
occorrido e o criticára n'um memorandum
dirigido aos representantes acreditados na
côrte portugueza das potencias que haviam
participado nas alludidas conferencias de
Pariz.
Palmella e a
Santa Alliança.
Replica de Canning
ao contra-projecto.
Palmella não partilhava de certo da opinião
da Santa Alliança «de que era preferivel
destruirem-se mutuamente metropole e
colonia a attentar-se por qualquer forma
contra a legitimidade, com a adhesão de ambas
a uma transacção salvadora»―era assim
que Canning compendiára os resultados das
conferencias de Pariz. Na pratica porem
Palmella, em vez de persistir no seu ponto
de vista liberal, condensára suas idéas n'um
contra-projecto, fazendo condições irrecusaveis
das quatro primeiras clausulas, que
eram bastantes para annullar as negociações
em andamento e comprazer á politica da
[161]
Santa Alliança. Canning analysou esse documento
com toda a sagacidade e brilho da sua
formosa intelligencia. Como, ponderava elle,
fazer do Rei de Portugal o Imperador
senior
do Brazil, quando a dignidade imperial é essencialmente
electiva e nunca pertencêra a
D. João VI, que d'ella nunca poderia revestir-se,
tendo-a D. Pedro recebido por
acclamação, assim como Bonaparte a
recebêra
por votação? O partido republicano no
Brazil sem duvida por tão excellente razão
preferira aquelle titulo ao de Rei. Não cabia
mesmo na alçada do Imperador fazer semelhante
concessão, sob pena de abrir um
grave conflicto, sem consultar as assembléas
municipaes e propôr-lhes acclamação
igual
em favor de seu Augusto Pai. A clausula
relativa á confecção e
celebração por Portugal
dos tratados de commercio referentes
ao Brazil, essa era tão absurda que nem
valia a pena discutil-a longamente, sendo
impossivel que o Imperio abdicasse semelhante
condição indispensavel de autonomia.
Si Canning recommendára aos plenipotenciarios
brazileiros em Londres e, por
intermedio de Chamberlain, aos membros
[162]
do gabinete de São Christovão, de não
rejeitarem incontinente e sem debate o
contra-projecto, não era pois porque o
achasse viavel na sua original redacção,
mas para evitar que as negociações se rompessem,
fazendo assim o jogo de Palmella
e Villa Real no momento em que tal solução
lhes teria agradado.
Intrigas francezas
em Lisboa.
Hyde
de Neuville.
Era o momento em que o papel diplomatico
de Hyde de Neuville attingia sua
maior intensidade, tocando o auge os seus
esforços para substituir o protectorado
britannico pelo francez, esforços que elle
sinceramente levava mais longe talvez do
que convinha e sorria ao gabinete das
Tulherias. Depois da Abrilada as perseverantes
intrigas francezas tinham movido
D. João VI a reiterar o pedido do reforço
militar britannico, com o fito occulto da
parte dos que o instigavam a isto de, no
caso de ser recusado o favor, demonstrar-se
a Portugal o egoismo da sua alliada e
justificar-se a installação de uma
força
franceza; emparelhando a Inglaterra, no
caso de ser acceita a indicação, com as
nações da Santa Alliança na sua
politica
commum de intervenção. Canning accedêra
[163]
á ida dos soldados hanoverianos de Jorge IV,
mas, antes da partida, uma declaração
peremptoria do embaixador de Luiz XVIII
em Londres sobre a abstenção que com
relação á questão
portugueza qualificaria
a attitude das tropas francezas, então occupando
a Hespanha, determinára o gabinete
de St-James a abandonar o projecto, no
que concorreram a contra-gosto o gabinete
da Bemposta e, ainda mais contrariado, o
fogoso embaixador francez.
Linguagem
de Canning para
o Brazil.
Na exposição das suas vistas para uso do
Governo do Rio de Janeiro, Canning variára
de linguagem, incluindo certos argumentos
em favor da consideração desapaixonada do
contra-projecto, que não podem ser taxados
de viciosos ou forçados. D. João VI, lembrava
elle, si assumisse o titulo de Imperador
do Brazil, tacitamente renunciava o
de Rei do Brazil que por direito lhe pertencia,
e tão sómente lucraria uma honraria
vã, ficando substancialmente confirmada a
auctoridade adquirida por D. Pedro I, o
qual conservava além d'isso os seus direitos
hereditarios á corôa portugueza, devendo
d'esta maneira chegar no futuro a governar
o Reino como uma dependencia do Imperio,
[164]
já que lhe era garantida a opção da
residencia.
Canning confessava que n'esse
ponto o seu proprio projecto apparecia
menos favoravel ás pretenções, suas e
da
sua prole, que o Imperador do Brazil não
podia deixar de zelar com relação ao throno
dos seus antepassados.
Circular do
Governo Portuguez.
Emquanto Canning assim cumpria, como
muito bem faz resaltar o seu biographo Stapleton
[26],
as suas obrigações de mediador,
procurando suavisar a excitação que o
contra-projecto certamente havia de despertar
no Rio de Janeiro, o Governo Portuguez,
fiel á sua orientação, expedia,
além
do emissario Leal ao Brazil, uma circular
aos representantes da Russia, Hespanha,
França e Prussia, de facto appellando para
a intervenção continental sob pretexto de
explicar mais detalhadamente o contra-projecto.
O enfado de Canning trasbordou
n'um documento em que verbera o acto do
gabinete da Bemposta, immolando, para
pedir o auxilio da França e da Hespanha,
todas as diligencias empregadas pela Grã
[165]
Bretanha havia dous annos em nome e em
prol de Portugal, e, com invocar a Russia e
a Prussia, desgostando a Austria que por
motivo das ligações de familia dos Habsburgos
com os Braganças adherira e perseverára
nas negociações para a paz, por mais
que esse procedimento brigasse com os seus
compromissos internacionaes e os seus
deveres moraes para com a Santa Alliança.
A ida de Soares Leal ao Rio de Janeiro―facto
de que o Secretario d'Estado britannico
só teve conhecimento quando o emissario
chegou de torna-viagem ― confirmára
ponto por ponto as apprehensões de dolo e
ludibrio que em Canning despertára a circular
de Palmella, e collocava a mediação
anglo-austriaca n'uma postura quasi ridicula.
Canning desde esse dia assentou inabalavelmente
em reconhecer o Imperio sem
mais demora, de parceria com Portugal si
possivel, dispensando o Reino si este persistisse
na sua obstinação. Achou no emtanto
equitativo e habil começar pelo reconhecimento
de outros paizes americanos que,
emancipados da sua metropole annos antes
do Brazil, já offereciam certas garantias de
socego e estabilidade no governo.
[166]
Deliberação
de Canning
com relação ao
reconhecimento
das republicas
hespanholas.
Despeito de
Brant e Gameiro.
Vimos que no mez de Dezembro de 1824
vingára esta politica de Canning nos conselhos
do gabinete Liverpool. Para os primeiros
dias do novo anno de 1825 estava reservado
a Caldeira Brant e Gameiro o trecho
mais cruel da sua conjuncta missão diplomatica
em Londres. Deu-se quando souberam
do proprio Foreign Office que o Governo
Britannico, de certo instigado tambem no
momento pela noticia de ter o Governo Americano
celebrado um tratado de commercio
com a Colombia e estar negociando convenios
similares com o Mexico e Buenos Ayres,
deliberára proceder de igual modo nas suas
relações com esses Estados effectivamente
independentes e regularmente constituidos,
e entrar com elles em accordos mercantis.
É verdade que Canning accrescentou que
negociar tratados de commercio equivalia
simplesmente a reconhecer a existencia politica
dos referidos Estados, e não a sua independencia
de direito; mas o sophisma era
em demasia fraco e exposto, quer para
enganar a Santa Alliança e adormecer o
resentimento da côrte hespanhola, quer para
serenar o animo perturbado dos dous delegados
brazileiros. Sustentavam estes, e muito
[167]
bem, que celebrar tratados era pelo contrario
reconhecer formalmente as nações
com as quaes se ajustavam taes accordos, e
que elles viam com profundo desgosto
sacrificada a influentes interesses mercantis
a primazia que, com tão razoavel motivo
quanto podia ser a promessa do Secretario
d'Estado, acreditavam haver conquistado o
Imperio nas preoccupações do gabinete
inglez.
Por mais que se lhes repetisse o que se
mandára dizer a Chamberlain para o Rio
de Janeiro: que a mediação exercida pela
Grã Bretanha na negociação da paz e os
tratados de alliança subsistentes com a
corôa portugueza não permittiam
antepôr-se
o seu reconhecimento ao do Governo de
Lisboa; que semelhante acto com relação
a paizes hispano-americanos instigaria sem
duvida o gabinete da Bemposta, fazendo-o
medir a gravidade do perigo e claramente
marcando o limite da paciencia britannica;
finalmente que a celebração de tratados
de commercio com a Colombia, Mexico e
Buenos Ayres redundava tão sómente em
collocar essas republicas no mesmo pé em
que estava o Brazil, com o qual existia tratado
[168]
de commercio e onde residiam consules
britannicos;―Caldeira Brant e Gameiro
não se resignavam nem se acalmavam.
Queixavam-se acerbamente a Mr Planta
(Canning ausentára-se para Bath), a Esterhazy,
a Neumann, a todos quantos tinham
que ver com o negocio, estranhando não
sómente tão palpavel
desconsideração á
unica monarchia americana, como a comminação
que Canning julgára dever annexar
ás suas explicações, a saber, que
qualquer
rompimento entre Brazil e Portugal apenas
serviria para prejudicar o reconhecimento
do Imperio por todas as potencias européas.
O reconhecimento tinha indeclinavelmente
que ser iniciado por S. M. Fidelissima, e
uma guerra não podia ser assumpto indifferente
á Grã Bretanha, que por tratado
estava obrigada a garantir as possessões de
Portugal. Os plenipotenciarios do Imperador
perguntavam-se desesperados: Metternich
teria por fim de contas razão? O
defensor da Grecia e das nações do Novo
Mundo revelar-se-hia um homem de dous
pesos e de duas medidas? Para ser maior
seu desapontamento, linguagem parecida
com a do Secretario d'Estado ouviram os
[169]
enviados brazileiros do principe Esterhazy
e do barão de Neumann pelo que tocava á
côrte d'Austria, a qual continuava a urgir
a nossa Legação a acceitar
ad
referendum
o contra-projecto portuguez.
Jubilo dos
nossos enviados.
Missão de
Sir Charles
Stuart.
Nem por tudo isso modificaram Caldeira
Brant e Gameiro a sua intransigencia a respeito
d'aquella tentativa deprimente de semi-reconhecimento,
e sua firmeza viu-se dentro
em pouco bem recompensada, cessando todo
motivo para despeitos. Uma bella manhã
souberam com jubilo estar imminente a nomeação
de Sir Charles Stuart, que acabava
de ser durante dez annos nada menos do que
embaixador em França, para ir ao Rio de
Janeiro em missão especial do Governo de
S. M. Britannica, facto que importava no
reconhecimento do Imperio. Sir Charles
Stuart por occasião do fallecimento de
Luiz XVIII fôra retirado de Pariz e substituido
pelo conde de Granville, não tanto por
motivo da suggestão do principe de Polignac,
embaixador francez em Londres, que
o declarára persona
non
grata―o que é
facillimo succeder quando não se combinam
as vistas dos dous Governos―como por
effeito da pouca estima em que o tinha
[170]
Jorge IV. O Rei não só considerava Sir
Charles Stuart um jacobino, o que não offerecia
excepcional gravidade n'um meio em
que tal designação, sendo até
applicada a
M
me de Staël, parecia ter perdido muito
da
sua verdadeira significação, mas, o que era
peor, um diplomata
good for
nothing[27].
Por
outro lado Canning desejava muito inocular
sangue novo na representação britannica no
continente, a qual ainda obedecia á velocidade
adquirida sob a impulsão retrograda
de Castlereagh. Comtudo Canning sempre
dispensou a Sir Charles Stuart―no tempo
mesmo em que o Rei se obtinava em
recusar-lhe
um pariato
[28],
do que se arrependeu
depois, influenciado pelos amigos de Sir
Charles, querendo então lançar sobre Canning
o odioso da retirada―senão viva sympathia,
pelo menos grande consideração,
que posteriores differenças não desmancharam
e que nada demonstrou melhor do que
a sua nomeação para o Rio de Janeiro
n'uma importante missão, a qual as
condições
da politica européa tornavam n'aquelle
[171]
momento de interesse universal.
Essa honrosa escolha fôra simultanea
com a dos negociadores para a Colombia,
Mexico e Buenos Ayres, mas Canning conservára-a
occulta, arrostando a justificada
irritação dos enviados brazileiros, para
não
quebrar a rigidez das funcções de medianeira
que estavam cabendo á Grã Bretanha,
e para não despertar no animo dos plenipotenciarios
do Imperio uma confiança tão
extremada que os impellisse a maltratar
Portugal, cujo reconhecimento era muito
conveniente que precedesse o de qualquer
outra potencia, porque simplificava muito
a tarefa das demais côrtes e realçava a Augusta
Casa de Bragança, que a Inglaterra
desejava proteger nos dous hemispherios.
Canning contava por seguro, já se sabe,
com o effeito d'essa sua resolução para
decidir de uma vez o Governo Portuguez a
ceder. A esgrima diplomatica, mesmo praticada
por um profissional como Palmella,
não conhecia parada para semelhante bote,
que consistia em nada menos do que levar
o adversario á parede.
Fatigado da procrastinação portugueza e
descoroçoado com a apathia das
negociações
[172]
de Londres, Canning com lançar
mão
de um conspicuo diplomata em ferias, o qual
preferia uma collocação da carreira a qualquer
outra, para ir tratar da reconciliação
sur place, tocando na passagem em
Lisboa
e em seguida discutindo com o Governo
Imperial os termos da proposta de que se
tornasse portador, desenvincilhava-se a um
tempo da trama dos enredos de Villa Real e
das contemporisações enervantes dos Austriacos.
A fortuna parecia tamanha após os
mezes de vexames, que Caldeira Brant conservava
ainda restos de receio e não podia,
por mais que as circumstancias o certificassem
do nenhum fundamento dos seus
temores, impedir-se de pensar n'um ultimatum
portuguez confiado a Sir Charles
Stuart, ou pelo menos em que a missão
d'este agente ficasse reduzida a negociar
um tratado de commercio. Sabia-se, e, o
facto não era para animar as esperanças
de um proximo ajuste, que a teimosia de
D. João VI estimulava a de seus ministros,
concentrando-se com a energia dos fracos
na questão do titulo de Imperador que tambem
queria para si. Canning não deixou
porem reducto que não atacasse e provou a
[173]
boa fé e o empenho com que agia, provocando,
mercê da queixa dada contra a missão
Leal ao Rio de Janeiro, uma mudança
de ministerio portuguez. Qualquer mudança
n'estas condições seria sem a minima duvida
favoravel ao intento que dominava o
estadista britannico.
Canning concilia
a Austria.
Brant e Gameiro
rejeitam o
contra-projecto.
Antes de dar os dous passos que apressaram
o desenlace do negocio―a missão de
Sir Charles Stuart e o afastamento de Subserra―Canning
medira com acerto que a
Austria, despeitada com a applicação da
idéa
do reconhecimento das republicas hispano-americanas,
se arredaria da mediação referente
ao Brazil e que isto, si d'uma banda
deixava a Inglaterra só em campo para arrecadar
os despojos da campanha, da outra
fornecia ao gabinete portuguez opportunidade
para persistir nos subterfugios adoptados,
os quaes tinham até então constituido
os melhores dentre os seus argumentos.
Identico raciocinio respeito á
deserção da
Austria fizeram Caldeira Brant e Gameiro
ao robustecerem-se na sua deliberação de
rejeitar absolutamente o contra-projecto pendente,
e sustar toda negociação com Villa
Real antes de serem abandonados pela côrte
[174]
de Vienna. A missão confiada a Sir Charles
Stuart vinha aliás
ipso
facto dispensal-os do
incommodo de considerar o contra-projecto,
o qual renunciaram por meio de uma dupla
communicação, ao Foreign Office e aos
representantes austriacos, vista e plenamente
approvada pelo Secretario d'Estado
antes de expedida
[29].
Tomando exclusivo
encargo da questão, Canning não queria
todavia dispensar a benevolencia da Austria
e insinuou-lhe quanto facilitaria a transacção
e resguardaria os interesses da metropole
e da Casa de Bragança a continuação
dos bons conselhos do Imperador Francisco
a seu genro e ao gabinete de São Christovão.
Natureza da
missão de Sir
Charles Stuart.
Na conversação em que ficou combinada
esta inesperada solução das
negociações
encetadas em Londres sob os auspicios da
Inglaterra e da Austria―negociações que
os plenipotenciarios brazileiros conservavam
a liberdade de reatar directamente si
para tanto offerecesse ainda ensejo uma
subita determinação do Governo
Portuguez―declarou
Canning a Caldeira Brant e
Gameiro que o Reino sabia desde longa data
[175]
que a Inglaterra não esperaria para tratar
com o Brazil senão até a
expiração do prazo
do tratado de 1810, e que o objecto primordial
da missão de Sir Charles Stuart consistia
justamente na celebração de um novo
tratado de commercio com o Imperio. Ao
dar o plenipotenciario britannico em Lisboa,
na sua escala, conhecimento ao gabinete do
fim da sua viagem, era comtudo bem possivel
que algumas aberturas lhe fossem feitas
para a reconciliação, que elle se encarregasse
de transmittir á outra parte uma vez
no Brazil. E Canning ajuntou, para completa
tranquillidade das tribulações ainda
não adormecidas, «que não devendo
considerar-se
como feito pela Inglaterra o reconhecimento
das Republicas hispano-americanas
senão depois de publicada a
ratificação
dos Tratados por S. M. Britannica;
esperava que antes de chegada essa epocha
se houvesse verificado o reconhecimento do
Imperio.» A data d'esta conversação
é 7 de
Fevereiro de 1825. Cerca de um mez depois,
Caldeira Brant soube positivamente da
bocca de Canning que o Imperador ia ser
indubitavelmente reconhecido pelo Rei da
Grã Bretanha, resolução
aliás logica com
[176]
todo o occorrido até então e dictada por um
sereno exame dos melhores interesses britannicos
n'aquella crise.
Portugal perde
a opportunidade
de fazer o
reconhecimento.
Carta de Brant a
D. Miguel de Mello.
A missão Stuart por si só equivalia
com effeito ao reconhecimento da nova cathegoria
politica do Brazil, mas Portugal
não soube ou não quiz aproveitar a melhor
opportunidade―aliás suggerida por Brant
e Gameiro que, como é natural, prefeririam
assignar em Londres o honroso tratado de
reconciliação―de agir de motu proprio
n'esta questão, em vez de vir a fazel-o
sob a influencia estrangeira, apezar de ser
esta a que, desde dous seculos, mais ou
menos guiava a sua acção diplomatica. A
culpa não pode ser attribuida no minimo
aos nossos representantes, pois que, ao
saber da entrada para a pasta de Estrangeiros
do Reino do seu amigo e protector
D. Miguel Antonio de Mello, não se descuidou
Caldeira Brant em escrever-lhe,
como anteriormente fizera a Palmella. Na
carta de 16 de Fevereiro de 1825 insinua
elle que, comquanto rotas as negociações,
estava prompto a renoval-as e até concluil-as
em poucas horas sobre a base do pleno
reconhecimento do Imperio. A ausencia de
[177]
intervenção de estranhos derivaria para
Portugal as vantagens de todo genero que
a Inglaterra se apromptava para monopolizar,
pelo facto de preceder qualquer nação
no simples e pouco arriscado acto de admittir
uma independencia consummada e inabalavel
como era a do Brazil.
Politica pratica
da Inglaterra.
Dissimulações
de Metternich.
Graças á previdencia do opportunista de
genio que foi Canning a Grã Bretanha ia de
facto ahi concretisar uma parte do seu plano
geral de politica externa n'aquelle periodo,
plano que inscrevêra como seu fito capital a
conquista economica e moral do continente
emancipado da tutela hispano-portugueza.
Tanto o comprehendeu o espirito atilado e
matreiro de Metternich, o extraordinario
acrobata politico que ora atiçava uma contra
outra nos Balkans a Russia e a Inglaterra,
ora se servia da França para embaraçar o
jogo de Canning, ora da Prussia para sopitar
os ardores de Alexandre I, que apparentou
desmascarar suas baterias e, afim de satisfazer
dous compromissos de uma assentada,
oppôr o poder da reacção á
politica innovadora
de Canning. As instrucções mandadas
para o Rio ao agente austriaco, barão de
Mareschal, dão testemunho d'esse estratagema
[178]
do Chanceller. Rezavam que Mareschal
devia apoiar qualquer ultimatum de
Portugal e não poupar diligencias para persuadir
o
Principe a ceder, não
hostilizando
criminosamente seu Pai e adherindo aos
principios da Legitimidade.
Caldeira Brant e Gameiro, logo acertando
com a verdade, communicaram para o Brazil
que semelhantes instrucções da ultima
hora eram de encommenda, tanto para satisfazer
o Imperador da Russia, cujas velleidades
liberaes se tinham curado e que
accusava a Austria de desviar-se por
considerações
de familia das obrigações contrahidas
com a Santa Alliança; como para não
desemparar ás escancaras a Côrte portugueza,
a qual com tamanho gosto estava
ajudando a causa commum das realezas.
Metternich no seu fôro intimo reconhecia
porem a justeza dos motivos que assistiam
os plenipotenciarios brazileiros em julgarem
desmanchado o nó gordio: a breve trecho
elle o faria perceber.
Urgencia do
reconhecimento.
Nada mais decerto, depois da attitude
francamente assumida pelo Governo Britannico,
lograria empatar o reconhecimento do
Imperio. Estavam-no urgindo em Lisboa o
[179]
proprio Villa Real e outros personagens para
que, irremediavel como se tornára, tomasse
o aspecto de uma doação generosa e não
parecesse arrancado pela diplomacia de Sir
Charles Stuart. O empenho tinha sido antes
obstar ao reconhecimento, mas agora passava
a ser roubar á Inglaterra a gloria e
proventos de um acto tão importante e de
tanto alcance quanto era a perfilhação de
uma nova e immensa nação, cuja mãi se
convertêra em madrasta e de que Canning
se mettêra a padrinho. Por isso não
parecerá
inverosimil que, desde a ruptura das
negociações directas, os representantes de
Portugal e da Austria em Londres alterassem
não só a sua norma de proceder como
até o estylo, passando a tratar D. Pedro I de
Imperador e Soberano, sem fallar em quererem
á viva força reatar aquellas
negociações
que ainda na vespera pareciam uma audacia
da parte do Brazil.
Resposta de D.
Miguel de Mello.
A resposta de D. Miguel Antonio de Mello
á carta de Caldeira Brant, documento que faz
parte do archivo Barbacena
[30],
já aponta
para a
necessidade reciproca que os
dous
[180]
povos experimentavam um do outro, e fallava,
posto que bastante vagamente, em
reconhecimento da Independencia feito
de
uma maneira decorosa e util. Offerecia transferir
para Lisboa a séde das negociações
directas e convidava Caldeira Brant a ir
alli proseguil-as, certo de que «seria recebido
e acolhido com a maior benignidade, e
bom agasalho que podesse desejar.» A
indisposição
contra a Grã Bretanha crescêra
em Lisboa correlativamente com os passos
dados por Canning no caminho do reconhecimento,
e d'este estado de espirito tiravam
indirectamente lucro os Brazileiros, que
assim deixando de desmerecer no conceito
dos Portuguezes, conservavam-se entretanto
nas boas graças dos Inglezes.
Mudança radical
em Metternich.
O proprio Metternich, o pontifice maximo
dos expedientes e palliativos, calculando
exactamente as consequencias da dianteira
tomada pela Grã Bretanha, mudou ostensivamente
de linguagem nas conferencias de
Vienna com Telles da Silva, o futuro marquez
de Rezende e fiel amigo de D. Pedro,
cujo elogio historico pronunciaria na Academia
de Lisboa. Passou a affectar o maior interesse
pelo Brazil e despachou ordens positivas
[181]
ao encarregado de negocios em Lisboa
para cooperar francamente com Sir Charles
Stuart, cujas instrucções estavam sendo
redigidas do punho mesmo de Canning, que
depois as mostrou ao representante d'Austria,
desarmando pelo seu rasgo de franqueza
qualquer susceptibilidade acordada
no espirito do Chanceller pelo facto da Inglaterra
ir concluir sósinha uma mediação
começada pelas duas potencias.
Instrucções
para igual collaboração, ainda que passiva,
recebeu o agente austriaco no Rio de Janeiro,
pois que Metternich, homem de um só peso
e de uma só medida, entrára a achar mais
do que justa a separação do Brazil, e a
considerar
como um dever
religioso, moral e
paternal de D. João VI o reconhecel-a sem
ambages. Agora era o seu delegado em
Lisboa quem instava diariamente com o
Governo Portuguez pelo desfecho do conflicto,
desmanchando sem sombra de piedade
as illusões de superioridade militar e
de interferencia continental ainda acariciadas
por alguns dos estadistas do Reino, e
exclamando como uma sibylla que «reconhecendo
o Brazil, S. M. Fidelissima perdia,
sim, os seus direitos pessoaes, mas
[182]
para segurar os da sua descendencia.»
Os adversarios
de Canning
na sua politica
latino-americana.
A Austria, a França
e a Russia.
De todos os adversarios da Inglaterra
não era porem Metternich aquelle que Canning
então mais temia. O papel preponderante
da Austria estava findo e, sob a sua
hegemonia, o Imperio Germanico não passava
de um simulacro de confederação, sustentado
pela habilidade de alguns homens
d'Estado e pelo cultivo da tradição, mas
condemnado á dissolução. Vienna
apparentava
ainda constituir o foco capital da reacção,
como nos primeiros tempos da politica
prégada, sustentada e imposta por Metternich.
Dir-se-hia que alli repousavam
sempre os verdadeiros alicerces do systema
da Santa Alliança. Quem comtudo, como o
Secretario d'Estado Britannico, possuia a
visão desannuviada e penetrante dos acontecimentos,
já caracterisaria de academica
a reacção austriaca fóra da Allemanha
e da
Italia, e qualificaria de falsos aquelles alicerces
pelo que dizia respeito á politica geral
do mundo. Mais perigosa mostrava-se a
França, cuja guerra aos interesses inglezes
se extendia a todos os terrenos. Na questão
mesmo do reconhecimento Hyde de Neuville,
o trefego representante francez em Lisboa,
[183]
envidára os maiores esforços para transladar
para Pariz a séde das negociações,
servindo a França de medianeira, e segundo
dizia o Francez com melhores garantias
para o desempenho do papel, visto não ser
inclinada a extremos de liberalismo. O
Foreign Office foi supportando a contenda
com longanimidade até o fim de 1824, quando
Hyde de Neuville formulou o offerecimento
de protecção ao Governo Portuguez, contra
os inimigos domesticos, por parte de um
corpo do exercito francez de occupação da
Hespanha. Canning aproveitou então o
ensejo para engrossar a voz, ameaçando a
França de oppôr-se pelas armas ao projectado
eclipse do tradicional prestigio inglez
na côrte de Lisboa, e o Rei de Portugal de
retirar-lhe a protecção muito mais valiosa
da esquadra britannica estacionada no porto.
O pobre D. João VI, em quem o ceder ja
era uma segunda natureza, acquiesceu á
intimação, immolando Subserra. Para
não
ficar atraz Villèle, que alguns escriptores
francezes accusam de ter tido no intimo um
fraco pela Inglaterra, sacrificou no mesmo
altar Hyde de Neuville.
A Austria e a França não o amedrontavam
[184]
portanto muito, e o que sobretudo detivera
Canning de dar mais cedo o testemunho
da sympathia britannica pela causa da
emancipação do Novo Mundo
fôra―além
da deferencia devida ao velho alliado portuguez
no caso do Brazil―o receio de que a
Russia se servisse do exemplo para libertar
a Grecia, como um meio de desconjunctar o
Imperio Ottomano e resolver em seu exclusivo
proveito a questão do Oriente. Tal
receio perdurou até que em 1825, graças
mesmo ás vacillações e
contradicções do
autocrata russo, alcançou o habilissimo
politico inglez converter-se igualmente no
Oriente no arbitro da situação, adoptar a
politica que lhe dictavam a consciencia e a
conveniencia, e tirar a sua desforra de
Alexandre I, n'esse mesmo anno fallecido.
O Czar havia sido na questão latino-americana
o constante e vehemente adversario da
Inglaterra, querendo até fazer em 1818 com
que a Santa Alliança por elle creada auxiliasse
materialmente a Hespanha nas suas
reivindicações coloniaes. Ninguem tampouco
trabalhou com mais afinco em Verona
para a intervenção franceza na Hespanha.
A imaginação desenfreada e desordenada
[185]
actividade do soberano que um escriptor do
historia diplomatica alcunhou de Czar ideologo,
careciam de pasto para se exercerem,
e tendo a Inglaterra e a Austria embaraçado
em 1821 os planos de expansão russa no
Oriente, acção que determinou a
substituição
de Richelieu por Villèle na presidencia
do conselho francez, o Imperador lançou-se
como uma aguia sobre o tropel perigoso de
jacobinos que aos olhos da Santa Alliança
se formava na Hespanha, parallelamente
achando n'essa diversão, elle, em quem se
casavam o mysticismo e o espirito pratico,
um novo campo onde contrariar a Inglaterra.
A demora de Canning, de 1822 a 1825,
em reconhecer as nações do Novo Mundo
era pois particularmente devida á sua
resolução
de não auctorisar com o seu exemplo
a Russia a intervir nos dominios do Sultão
em favor da Grecia, nação cujas
ambições
de liberdade Alexandre I successivamente
afagára e maltratára. O desejo mais ardente
do Czar era exercer uma influencia preponderante
na dissolução da Turquia; Canning
porem era um politico tão cauteloso quanto
avisado, que punha o maior cuidado em
[186]
não dar por meio dos seus actos pretextos a
represalias. Constitucional até o amago,
nunca quiz ajudar em Portugal, no tempo
das Côrtes, a estabilidade do regimen constitucional,
e até impediu os liberaes portuguezes
de alliarem-se aos hespanhoes,
quando estes dominavam em Madrid, para
não estabelecer com isso um precedente
desvantajoso que désse côr de justiça
á intervenção
franceza para restauração das
prerogativas monarchicas. No mez de
Dezembro de 1824 elle fizera decidir e a
1º de Janeiro de 1825 annunciou o reconhecimento
de alguns dos Estados da America
Latina, depois que a França ajustára,
pelo tratado de 10 de Dezembro, prolongar
por um periodo indeterminado a sua occupação
militar da Hespanha.
VI
Sir
William A' Court,
embaixador
em Lisboa.
Sir Charles Stuart partiu a 15 de Março
de 1825 para Lisboa, onde Sir Edward
Thornton fôra no decorrer do anno anterior
e por motivo do papel preponderante
que, devido a natural pusillanimidade, permittiu
ao seu collega de França representar
na Abrilada, substituido por Sir William
A' Court, ao mesmo tempo que,
para satisfazer uma pequena vaidade de
D. João VI, era a missão elevada a embaixada,
quando igual favor negava o
Foreign Office á Hespanha. Eis as palavras
com que o proprio Canning, a 17 de Agosto
de 1824, referia o incidente a Granville
[31].
«Fui obrigado a demittir Thornton. Acobardou-se
e deixou-se mystificar ao ponto de
[188]
esquecer que era Ministro da Inglaterra. O
Rei de Portugal solicitára a creação
de uma
embaixada, com intenção que fosse Thornton
o Embaixador. Satisfiz-lhe a vontade
em metade, estabelecendo a embaixada, mas
confiei-a a A' Court, que, espero, conterá
Hyde de Neuville». Sir William A' Court
(depois lord Heytesbury) andava afeito a
negociações difficeis, sendo o mesmo diplomata
que junto ao Governo Constitucional
de Fernando VII representára o Governo
de Jorge IV no tempo em que, em Verona,
combatia o duque de Wellington por instrucções
de Canning a politica de intervenção
da Santa Alliança na Hespanha, e
que, em Madrid, reclamava o plenipotenciario
inglez contra os abusos das ultimas
auctoridades da metropole nas colonias
americanas em relação ao commercio britannico,
e contra outros embaraços postos
ao desenvolvimento do intercurso mercantil
da Grã Bretanha com o Novo Mundo hespanhol.
Sir William A' Court acompanhára
depois Fernando VII, sequestrado pelos
constitucionaes, de Madrid para Sevilha e,
tendo-se mais tarde mudado para Gibraltar,
quando Rei e Côrtes se retiraram para
[189]
Cadiz, fôra até certo ponto o intermediario
entre o monarcha, o seu odiado governo
legal, e o exercito invasor commandado
pelo duque d'Angoulême e que substituio a
Constituição radical pelo regimen supposto
liberal do soberano mais perfido que o
throno hespanhol tem visto sentar-se sob o
seu docel. Para Lisboa levára Sir William
A' Court como primordial objecto da sua
missão obter a mencionada demissão de
Subserra, o qual voltára com Palmella ao
ministerio após o restabelecimento da auctoridade
real effectuado a bordo da nau de
guerra ingleza, mas a contra gosto do monarcha
teve de seguir para o dourado exilio
da embaixada de Pariz.
Chegada
de
Sir Charles
Stuart a Lisboa.
Inicio das
negociações.
Sir Charles Stuart chegou á capital portugueza
no dia 25 de Maio, encontrando
o terreno excellentemente preparado para
receber a semente da reconciliação,
graças
á persistencia de Canning; á fallada carta
de Caldeira Brant a D. Miguel Antonio
de Mello e igual missiva de Gameiro ao
conde de Porto Santo, novo Ministro dos
Negocios Estrangeiros; sobretudo á justa
convicção de que a Inglaterra, depois de
dez mezes de discussões infructiferas, não
[190]
esperaria mais pelo reconhecimento portuguez
para conceder o seu, sendo mister
portanto chegar-se a um accordo qualquer
que mantivesse o Brazil no goso da sua
completa independencia. As instrucções de
Sir Charles Stuart ordenavam-lhe que primeiramente
tratasse de obter de D. João VI
uma Carta Regia pela qual, no pleno exercicio
dos seus direitos magestaticos e reservando-se
seus titulos, dignidades e bens
privados situados no Imperio, o monarcha
outorgasse ao Brazil completa independencia
legislativa e a D. Pedro inteiro
caracter soberano além mar, com a
conservação
do seu titulo de herdeiro da corôa
portugueza. Não era isto mais do que confirmar
e tornar real uma phrase memoravel
escripta por D. João VI, no momento de
desembarcar no Rio de Janeiro a côrte fugida
de Lisboa: de que vinha, fiado no
amor dos seus subditos brazileiros, crear
no seio da America um novo e grande
Imperio. As tendencias reaccionarias e impetuoso
caracter do Infante haviam-no prejudicado
na estima da Inglaterra, que antes
desejava ver sentado no throno de Portugal
o Imperador, temperamento igualmente impetuoso,
[191]
mas já mais polido e com certa
educação politica adquirida, de natureza
constitucional.
Instrucções
de Canning.
Canning acompanhou as instrucções do
plenipotenciario britannico das seguintes
persuasivas palavras: «As negociações
em Londres foram encerradas, e n'um certo
sentido constitue uma felicidade para o Rei
de Portugal que tal succedesse, pois que
lhe offerece o ensejo de passar em revista
suas previas concessões e considerar quanto
as completaria uma pequena addicional applicação
das mesmas generosidade e benevolencia,
e bem assim sã politica, que dictaram
aquellas concessões. A Real Graça
e Auctoridade de S. M. Fidelissima lograriam
assim effectuar tudo aquillo que as
negociações podiam pretender e mais do
que um Tratado poderia estipular. Desde
o momento em que a Independencia do
Brazil era manifestamente inevitavel, competia
de seguro á verdadeira dignidade
do Rei de Portugal, o qual de facto havia
por actos de espontanea mercê cavado os
alicerces d'aquella Independencia, dar a
ultima demão á sua obra e, associando-os
voluntariamente, crear titulos á gratidão de
[192]
seu Filho e de seus subditos brazileiros. Si
D. Pedro tinha de bom grado repellido a
Fidelidade devida a seu Pai e Soberano,
existiria em justiça algum fundamento mas,
mesmo assim, na prudencia pouco, para
insistir n'uma retractação d'essa injuria
intencional. Si tudo porem quanto o Principe
praticára além do que lhe fôra
delineado
por seu Pai, tinha sido involuntario e forçado
pelas circumstancias, que aliás pela
maior parte se originavam não no Brazil
mas em Portugal, seria duro exigir do
Principe uma estricta conta das medidas,
das quaes lhe cabia tão limitada responsabilidade.
Exigir sua annullação, isso era
perfeitamente ocioso». Si D. João VI estivesse
disposto a conformar-se com este
parecer, a independencia do Brazil, concluia
Canning, tornar-se-hia o effeito de um acto
do poder real e não o fructo de uma tediosa
e humilhante negociação. Mais valia ceder
com amabilidade (
with a good grace)
do que
depreciar o favor dispensado «com fazer a
independencia dependente», conforme pretendia
o contra-projecto ainda de pé. Portugal
lucraria até―já que se antevia a
futura reunião das duas corôas―dando ao
[193]
Brazil a opportunidade de exercer sua actividade,
expandir suas energias e entrar
para correr na liça do progresso com vantagens
iguaes ás dos outros paizes do Novo
Mundo, sendo todavia o unico d'elles que
conservava alguma ligação com a mãi
patria por meio da successão do throno, cuja
regulação entretanto permanecia no poder
do Rei de Portugal e das suas Côrtes.
Outra consideração não para desprezar
e que Canning lembrava, era que, uma vez
independente o Brazil, poderia o Reino com
sobeja razão reclamar e obter o auxilio
previsto no tratado com a Grã Bretanha.
Qualquer contenda futura―e não seria
possivel evitar uma guerra no caso da
recusa do reconhecimento―deixaria de
parecer uma discordia domestica para converter-se
n'um ataque de inimigo estrangeiro.
O conselho posto pelo Secretario
d'Estado britannico na bocca de Sir Charles
Stuart resumia-se pois na doação de effectiva
e absoluta independencia por meio de
uma Carta Regia, da qual poderia elle ser o
portador para o Rio de Janeiro e que seria
logo publicada, ou sómente depois de haver
o plenipotenciario inglez conseguido a
[194]
expressão da annuencia do Governo Brazileiro
á liquidação das prezas e sequestros
de
que tinham sido victimas bens portuguezes,
e estabelecimento do intercurso commercial
sobre a base da nação mais favorecida. No
intuito de facilitar este ultimo ajuste, estava
a Inglaterra prompta a abandonar
quaesquer direitos que em contrario lhe
fosse dado apresentar, fundados no tratado
de 1810. Preferindo D. João VI á
doação a
negociação com o subsequente tratado, estava
Sir Charles Stuart auctorisado para
tornar-se plenipotenciario de S. M. Fidelissima,
uma vez que as concessões portuguezas
fossem as que a Grã Bretanha suggeria
para figurarem na Carta Regia, ou
para collaborar com qualquer plenipotenciario
portuguez mandado ao Brazil, o qual
não lhe ficaria em todo o caso aggregado,
nem partiria conjunctamente com elle. Por
ultimo devia Sir Charles tornar sciente o
Governo Portuguez de que, no caso de
falhar ou demorar-se mais do que convinha
a missão do seu plenipotenciario, a Inglaterra
reconheceria e trataria com o Imperio.
As negociações
e as potencias
continentaes.
As conferencias entre o enviado especial
britannico, o conde de Porto Santo e Sir
William A' Court, começaram sem demora
e continuaram em grande segredo, para que
não fossem as negociações provocar
maiores embaraços
[195]
por parte da Russia, cuja attitude
intromettida se tornára um momento
verdadeiramente importuna. D. João VI,
cuja cordura é no emtanto proverbial, chegára
a perguntar impacientado ao encarregado
de negocios Rosel si tinha ordem do
Imperador Alexandre para offerecer-lhe
algumas forças de mar e terra com que
reduzir o Brazil á obediencia; e diante da
resposta negativa do russo, ajuntára seccamente:
«Pois bem, eu farei o que houver
por conveniente.» Emquanto ao mais,
sabemos que a opposição da Santa
Alliança
ao reconhecimento do Imperio diminuira de
vigor á medida que se denunciára a robustez
da amizade ingleza, e Metternich,
quando estivera em Pariz tratando de assumptos
diplomaticos, julgando sobremaneira
inutil persistir, mesmo a fingir, em
contrariar o inevitavel, fizera appello ao
seu opportunismo e convencêra a França,
Russia e Prussia de expedirem ordens aos
seus representantes em Portugal para não
embaraçarem a missão de Sir Charles
[196]
Stuart, limitando-se a fazer o mal que podessem
á subsistencia da Constituição
Brazileira.
Por fim, nada alcançando n'esta
direcção sequer, quizeram aquellas potencias
absolutistas experimentar entrarem de
parceria nos lucros politicos e mercantis de
antemão descontados, e moveram o Imperador
d'Austria a aconselhar seu genro D.
Pedro a annuir ás proposições, de que
fosse
portador o enviado britannico. D. Pedro
estava por esse tempo aguardando com
paciencia taes proposições, de que lhe
haviam mandado aviso seus plenipotenciarios
em Londres e de que lhe dera conhecimento
o consul Chamberlain. Por isso até
declinara discutir um offerecimento do
representante francez no Rio de Janeiro de
reconhecer a independencia do Imperio,
mediante a participação da França nas
vantagens
commerciaes usufruidas pela Grã
Bretanha. A lealdade do monarcha brazileiro
contrastou favoravelmente n'este incidente
com a duplicidade revelada pelo
Governo Francez, ao qual Canning communicára
sem reservas o objecto da missão de
Sir Charles Stuart, e que se compromettêra
a mandar os seus agentes coadjuvarem
[197]
os esforços do enviado britannico.
O reconhecimento
na Europa e na
America Latina.
Todas estas intrigas de côrtes constam
particularmente da correspondencia de Caldeira
Brant e Gameiro para o Ministerio
dos Negocios Estrangeiros do Brazil, da
qual se deprehende que o reconhecimento
do Imperio passára na realidade a ser o
que denominam os Francezes
le secret de
Polichinelle, a saber, aquillo que entrou
no conhecimento de todos. Communicando
em Londres o ministro da Suecia a
Gameiro que a sua Côrte estava prompta a
receber um agente ou consul geral brazileiro,
e indagando Gameiro si tal recebimento
seria com caracter publico, respondeu
o representante sueco que o Despacho a elle
remettido não era bem explicito a semelhante
respeito, mas que estava persuadido
de que o reconhecimento do Brazil por parte
de Portugal e das demais potencias da
Europa precederia sem duvida alguma a
chegada de um agente diplomatico ou de
um consul do Brazil a Stockolmo. Accrescentavam
os nossos enviados, ao relatarem este
facto n'um dos seus officios a Carvalho e
Mello, que outras muitas aberturas lhes
teriam sido feitas si as houvessem diligenciado,
[198]
mas que por dignidade patriotica
preferiam esperar que ficasse regularisada a
situação politica do Imperio. Dos
restantes
paizes da America Latina, contemporaneamente
emancipados, é evidente que as aberturas
choveram sem serem provocadas, e
logo á sua chegada a Londres e inicio da
missão commum, tinham Caldeira Brant e
Gameiro sido solicitados pelo general Michelena,
ministro do Mexico em Londres, para
estabelecerem entre o Imperio e a Republica
relações de amizade.
A entrevista
de Combe
Wood.
Depois da transferencia das negociações
para Lisboa e Rio de Janeiro, a expectativa
dos nossos plenipotenciarios foi de
curta duração. A 10 de Maio Caldeira
Brant e Gameiro visitavam Canning, então
convalescendo de um ataque de gotta em
Combe Wood, casa de campo do conde
de Liverpool, e ouviam da sua bocca a
agradavel noticia de que D. João VI havia
afinal accedido a reconhecer como Imperador
do Brazil o Principe Herdeiro de
Portugal, ficando Sir Charles Stuart encarregado
de obter do Governo Imperial algumas
concessões e favores commerciaes em
gratificação por aquelle acto, que entretanto
[199]
nada tinha de espontaneo, e como
indemnização do prejuizo que a Portugal
occasionava a separação do Brazil. A
idéa
do Governo Portuguez fôra de mandar
um plenipotenciario seu na companhia do
plenipotenciario inglez, mas, como vimos,
as instrucções de Sir Charles Stuart vedavam-lhe
acceitar este alvitre, que roubaria
á Grã Bretanha parte da gloria e do beneficio
de ter angariado sósinha a solução de
uma
questão tão irritante, tão melindrosa
e tão
complexa sob o seu aspecto singelo.
A Carta Regia.
Partida de
Sir Charles para
o Rio de Janeiro.
Canning não dissera tudo na entrevista de
Combe Wood. Porventura ignorava
ainda os ultimos arranjos feitos por Sir
Charles Stuart com o conde de Porto Santo.
Com effeito D. João VI annuira á
lembrança
da Carta Regia ou Carta Patente, mas
assumindo primeiro o titulo de Imperador
do Brazil conjunctamente com o de Rei de
Portugal e Algarves, associando D. Pedro
na primeira dignidade e transferindo-lhe a
soberania brazileira. O plenipotenciario britannico
não conseguira, por mais que se
empenhasse, fazer abandonar pelo Rei essa
pretenção estulta de denominar-se Imperador
de um Imperio sobre o qual não exercia
[200]
mais jurisdicção alguma, nem de facto, nem
de direito. Suspeitando Sir Charles com
acerto que uma tal solução levantaria
opposição
da parte do gabinete de São Christovão,
munira-se de uma segunda versão da
Carta Regia, que no seu entender desgostaria
menos o povo brazileiro e que extendia
o titulo imperial aos trez reinos de Portugal,
Brazil e Algarves. A Canning sorriu pouco
qualquer das duas combinações, tanto que
mandou ordem a Sir Charles para não
insistir demasiado no Rio de Janeiro n'esse
ponto, que nunca seria para a Inglaterra um
justo motivo para romper as negociações,
e que o Imperador do Brazil teria a faculdade
de referir ás auctoridades constitucionaes
da nação, isto é, ao poder
legislativo,
o qual decidiria em ultima instancia.
Ao receber estas novas instrucções, envidou
Sir Charles Stuart seus melhores
esforços para obter do Governo Portuguez
uma desistencia a um tempo mais chã e mais
lhana da sua perdida soberania, só logrando
no emtanto conseguir uma terceira versão
da Carta Regia (afim de tornar publica
aquella que menos repugnasse ao Governo
Imperial) accentuando a separação e reconhecendo
[201]
D. Pedro como
Rei do
Brazil. Verdade
é que o monarcha portuguez attenuou
a sua negativa concedendo ao plenipotenciario
britannico permissão verbal para ultimar
«aquillo que podesse ser essencial ao
bom exito da negociação». Sir Charles
embarcou para seu final destino a 24 de
Maio, com plenos poderes para concluir um
tratado entre Portugal e Brazil, contendo as
disposições cuja acceitação
ficava sendo
a condição estipulada para a entrega da
Carta Regia. Essas disposições eram em
numero de seis: cessação das hostilidades;
restituição das prezas; levantamento dos
sequestros; assumpção por parte do Brazil
da divida commum; pagamento das sommas
devidas pelo Thesouro ás primitivas
doações
do Brazil; fixação das bases do tratado de
commercio. A questão da successão decidia-se
conforme o desejava D. João VI com
ardor não menor do que o do Governo Britannico,
isto é, em favor de D. Pedro que
poderia, si quizesse, usar do titulo de Principe
Real de Portugal.
A Carta Regia
julgada em
Londres.
Ao ser plenamente informado d'estes pormenores
ou julgar chegado o momento de divulgal-os,
participou-os Canning aos enviados
brazileiros e, comquanto o resultado
das negociações de Lisboa não fosse
muito
do seu contento
[202],
procurou decidir Caldeira
Brant e Gameiro a que influenciassem o
Governo Imperial para adherir á versão
nº 2
da Carta Regia. Os nossos plenipotenciarios
não julgaram comtudo dever attendel-o,
adduzindo entre outras razões que a investidura
em si proprio pelo Rei de Portugal
da dignidade imperial, posto que a não tivesse
considerado o Congresso de Vienna
superior á real, exigiria por ser uma
innovação
o seu reconhecimento pelas côrtes
européas, e offereceria d'est' arte ás potencias
continentaes o ensejo, que até então lhes
havia faltado, para intervirem na questão
entre Portugal e Brazil. Caldeira Brant e
Gameiro preferiam ainda assim a versão
nº 1, comtanto que D. João VI, no seu caracter
de Rei de Portugal, Brazil e Algarves,
reconhecesse primeiro o Governo Independente
do Brazil na pessoa de seu filho, e
então reservasse para si, durante sua vida,
o titulo honorifico de Imperador do Brazil.
Outro periodo da Carta Regia ao qual os
nossos enviados faziam objecção, era o que
determinava que os Portuguezes ficariam
[203]
sendo considerados no Brazil como Brazileiros,
e vice-versa, disposição considerada
por Palmella da maxima importancia, com
certeza em vista do futuro restabelecimento
do
status quo antes da
separação.
Expediram-se instrucções a Sir Charles
Stuart para obter essas alterações, mas
já
tendo elle partido para o Rio de Janeiro, Sir
William A' Court tratou infructiferamente
de cumprir os desejos do seu Governo. Portugal,
cujos interesses já Sir Charles acceitára
promover, não tinha mais a temer uma
recusa e escolheu manter-se na defensiva,
pelo que Canning, para não perder á ultima
hora todo o insano trabalho que custára o
negocio, urgiu o Brazil para acceitar qualquer
das versões da Carta Regia, recordando
que este alvará continha em summa o essencial,
a saber, o reconhecimento da Independencia.
Ajuntava Canning que a rejeição
d'esta solução do conflicto por parte do
Governo Imperial seria, na opinião da Grã
Bretanha e de todo o mundo, um acto desarrazoado,
e que o Rei da Inglaterra confiava
que os esforços empregados pelo seu Governo
para tal solução satisfactoria constituiriam
uma recommendação para que
[204]
D. Pedro fosse ao encontro das concessões
de seu Augusto Pai n'um espirito correlativo
de benevolencia e de moderação.
A Inglaterra
no caso de mallogro
das negociações
do Rio.
Diplomata até a raiz dos cabellos, Canning
não quiz comprometter-se, nem por
escripto, nem verbalmente, quer com Palmella
quer com Gameiro, a declarar o que
praticaria Sir Charles Stuart, caso gorassem
as negociações conduzidas em nome
de Portugal, guardando semelhante reserva
ainda que fosse patente que a Inglaterra
trataria separadamente com o Brazil,
quando desapparecessem as ultimas esperanças
de reconciliação entre Reino e Imperio.
A Palmella respondeu vagamente
o Secretario d'Estado que «a conducta a
seguir por parte do Governo Britannico viria
a ser um objecto de seria
consideração.»
Para evitar comtudo a realisação d'esta
hypothese,
recommendou o Foreign Office a Sir
Charles Stuart que endereçasse um novo
appello ao Rei de Portugal, si porventura as
trez versões da Carta Regia se revelassem
igualmente antipathicas ao gabinete de São
Christovão, e fosse a redacção d'esse
documento
o unico obstaculo á conclusão das
negociações. Um ponto do ajuste havia porem
[205]
que era no mesmo gráo desagradavel
aos dous povos, mas que Canning, mau
grado toda a sua finura, nunca logrou capacitar-se
que repugnava tanto ao sentimento
publico portuguez e brazileiro, insistindo
n'elle desde principio e laborando no
seu equivoco até morrer. Trata-se da connexão
entre as duas corôas, avessa ao espirito
da metropole, que aspirava á
recolonização
do Brazil mas, sem muito errar,
considerava D. Pedro, desde a sua rebellião,
como um estrangeiro inhibido pelas leis
fundamentaes do Reino de herdar o throno,
e avessa ao espirito da ex-colonia fanaticamente
ciosa da sua autonomia, a qual ficaria
com semelhante reunião infallivelmente
sacrificada.
Opiniões de
Neumann.
A opinião do barão de Neumann sobre
este assumpto, a qual consta da correspondencia
official de Palmella
[32]
não pode
deixar de ser interessante e digna de registrar-se,
porque reflecte a da Chancellaria
austriaca. De accordo com os bons principios
da Legitimidade, titulo unico de que
[206]
podia derivar-se o direito de D. Pedro á
posse immediata da corôa do Brazil, achava
elle perfeitamente justa a retenção por
D. João VI do titulo imperial, sendo «conforme
á pratica seguida em todos os tempos
em caso de abdicação inteira ou parcial
da Auctoridade Soberana, cujo titulo
sempre se julga indelevel.» O encarregado
de negocios da Austria considerava preferivel
a primeira versão da Carta Regia,
receoso de que surgissem difficuldades, especialmente
por parte da Hespanha, ao
reconhecimento do novo titulo de Imperador
de Portugal. Além d'isso encontrava
dous defeitos na solução convinda com o
plenipotenciario britannico pelo gabinete
portuguez: 1.º a carencia de medidas para
a eventualidade de uma regencia, por motivo
de ausencia do soberano ou de demora
em chegarem as ordens do successor do
soberano fallecido; 2.º a falta de garantia
positiva do ajuste por parte do Governo
Inglez, necessaria para dar solidez ás concessões
commerciaes e pecuniarias feitas
pelos Brazileiros, e como sendo «a melhor
fiança da futura reunião das duas
Corôas
n'um só Soberano, e n'uma só linha de
[207]
successão, objecto principal dos desejos de
todos os portuguezes honrados e illustrados,
e unico preço do immenso, mas temporario
sacrificio que El-Rei meu Senhor resolve
fazer com tão magnanima generosidade
[33]».
A missão
Stuart e a nossa
Secretaria
de Estrangeiros.
Por tudo isto teriam no Brazil, si possivel
fosse, escolhido como o melhor meio
de accordo o feliz exito das negociações de
Londres, confiadas a Caldeira Brant e
Gameiro. Poucos dias antes da entrevista
de Combe Wood, a 5 de Maio, queixou-se
Canning n'uma carta confidencial aos nossos
enviados que Carvalho e Mello recebêra
pouco cordialmente (
ungraciously) a
participação
da missão Stuart feita por Chamberlain.
O Ministro dos Negocios Estrangeiros
do Imperio mostrava-se especialmente
resentido de ter sido violada a promessa
da precedencia do reconhecimento
do Brazil ao das republicas hispano-americanas.
Canning respondia a esta censura
recordando, com a sua habitual vivacidade,
que o reconhecimento sómente se não fizera
um anno antes, sem o luxo de tantas negociações,
por falta de plena confiança das
[208]
partes interessadas na mediação que a
Inglaterra estava disposta a exercer desde o
rompimento entre as duas partes da monarchia
portugueza, e ajuntando que o Foreign
Office não podia ser tornado responsavel
pelas intrigas e desproposito
(
unreasonableness)
que tinham causado a demora
e levado o Secretario d'Estado a tratar parallelamente
com as republicas hispano-americanas,
as quaes não podiam ficar eternamente
dependentes do capricho ou obstinação
de Portugal e Brazil.
Canning n'este ponto fingia esquecer que
a Grã Bretanha não usára das mesmas
contemplações para com a Hespanha do
que para com Portugal, assim difficultando
a posição do Imperio n'esse lance, e que
identica attitude de altivez ou de intransigencia,
quando assumida por Buenos Ayres
ou Colombia em face da mãi patria, não
seria estranhada como ao Brazil o estava
sendo a sua pelo facto do Governo Britannico,
convindo-lhe muito embora e até favorecendo
a separação, não querer lesar
Portugal ao ponto de ser com justiça accusado
de abandono e perfidia. Devido a este
escrupulo, esforçava-se Canning por equiparar
[209]
a situação do Imperio á das
Republicas
hispano-americanas, accrescentando na
mencionada confidencial que si o Brazil
houvesse entregue a negociação inteiramente
aos cuidados da Inglaterra e descançado
nos seus bons officios, o reconhecimento
já estaria ultimado e não ficaria historicamente
ulterior ao tratado com Buenos-Ayres,
celebrado a 2 de Fevereiro e que
acabava de chegar, já se achando, demais,
reconhecidos o Chile e a Colombia. Resta
saber que condições onerosas não
permittiria
a sympathia ou antes o interesse da
Grã Bretanha por Portugal inserir n'um
convenio assim elaborado por terceiro mais
affeiçoado a uma das partes litigantes, ou
mais tradicionalmente ligado a ella, si mesmo
a solução dada por meio da missão
Stuart
acarretou ao Imperio responsabilidades
financeiras, contra as quaes Brant e Gameiro
de antemão se insurgiram em Londres
e Brant partiu em pessoa a representar
no Rio de Janeiro. A viagem de Brant foi
tambem, ao que consta de um dos officios
de Palmella para o conde de Porto Santo,
instigada pelo proprio Canning, «por lhe
parecer necessaria a influencia que o dito
[210]
Felisberto (Caldeira Brant) julga ter sobre
o espirito de S. A. R. o Senhor Principe
D. Pedro, e para contrabalançar a má
disposição
de Luiz José de Carvalho, de cujos
talentos e capacidade como homem d'Estado
se não forma aqui o melhor conceito».
Carvalho e Mello protestou aliás n'um Despacho
declamatorio contra a imputação de
malevolente para com os ajustes de paz
esboçados na Europa, attribuindo a
increpação
a
excesso e
indiscrição do consul
Chamberlain.
Partida de
Brant para o
Brazil. Gameiro
e Palmella
em Londres.
Gameiro ficava só na Legação, ao passo
que os votos de Canning pelo prompto regresso
do futuro marquez de Barbacena
acompanhavam-no na sua travessia, expressos
n'uma carta das mais calorosas e
das mais honrosas. A amenidade de trato,
o bom senso e a exhuberancia commedida
e de bom gosto do marechal Caldeira Brant,
eram por certo qualidades mais sympathicas
ao genio communicativo e brilhante
do Secretario d'Estado do que o caracter
friamente methodico e, ao que parece, um
tanto desconfiado e arisco do cavalheiro
Gameiro. Por outro lado estas qualidades
faziam d'elle um superior antagonista para
[211]
a fleugma allemã e o traquejo diplomatico
do marquez de Palmella, que no caracter
de embaixador veio substituir em Londres
o conde de Villa Real no mez de Março de
1825, ao mesmo tempo que o seu collega
de ministerio, Subserra, ia para a França,
tendo porem estado para vir para Inglaterra
e havendo-se n'esta previsão carteado
com Westmoreland. D. João VI, ao sacrificar
o seu ultimo valido ao resentimento
britannico, quizera, diz o proprio Palmella
nos seus apontamentos auto-biographicos,
ineditos até serem recentemente aproveitados
[34],
dissolver todo o gabinete «para
consolar-se do sacrificio e parecendo-lhe que
assim conseguia algum desforço da violencia
que lhe impunham». Como o então
marquez de Palmella passava com justa
razão por ser
persona
grata em Downing
Street e St-James Palace, e tambem como
o monarcha só lhe devia bons serviços
ou pelo menos boas intenções, pois que
até se impopularizára como estadista para
manter-lhe o prestigio real, vilipendiado
pelo Infante e pelas Côrtes, a posição
[212]
de embaixador na côrte de Inglaterra foi
opportuna, ao mesmo tempo que merecida.
Perfil de Palmella.
Razões da sua
popularidade
em Londres.
Palmella era não só um diplomata ladino
e dos mais experimentados, si bem que as
suas victorias não estivessem em
proporção
com os seus talentos, mal servidos
pelos acontecimentos, como o homem em
Portugal mais de molde a fazer a vida dura
a um ministro brazileiro na Grã Bretanha.
Conservava em Londres do tempo da sua
primeira estada e mercê do seu nome, das
suas ligações de familia e do seu cosmopolitismo
de relações, uma posição
social
de primeira ordem, sendo tido como o peninsular
mais adiantado de idéas, mais cultivado
e de melhores maneiras. É verdade
que nas suas conversações com
Stanhope
[35],
Wellington considerou um dia Palmella
estadista de segunda plana, n'outro dia
antepondo-lhe muito Forjaz, um dos membros
da Regencia: o velho duque era porem,
como todo o oraculo, bastante contradictorio
e por vezes erroneo. Comtudo nas mesmas
conversações elle fez n'outra occasião
[213]
os mais rasgados elogios áquelle Forjaz,
o qual talvez não tivesse passado de uma
figura secundaria por faltar-lhe a opportunidade
de revelar-se, considerando-o como
o homem em toda a Peninsula mais habil
e de intelligencia mais pratica. Para mostrar
que as apreciações politicas e pessoaes
do vencedor de Waterloo devem ser tomadas
cum grano salis, basta dizer que,
segundo
refere Greville, Wellington dizia depois
da morte de Canning ser este um dos
homens mais indolentes do mundo, quando,
pelo contrario, ninguem ignora que era Canning
a actividade em pessoa, vendo, lendo e
fazendo tudo. Não chegava uma
communicação
que elle não percorresse, nem se
expedia um despacho que elle não redigisse
ou pelo menos não corrigisse.
O meio londrino não podia deixar de mostrar-se
amigo ao novo representante de S.
M. Fidelissima. Palmella fôra quem, para
simultaneamente oppôr-se ao exercito nacional
absolutista sob as ordens de D.
Miguel e do marquez de Chaves, e aos liberaes
esturrados hostis á realeza de direito
divino, planeára e pedira o auxilio das tropas
inglezas, que Canning recusou para
[214]
não suscitar ciumes e complicações por
parte da Santa Alliança; annuindo no emtanto
ao estacionamento nas aguas portuguezas
de uma força naval britannica, a
qual, além de affirmar a solidariedade entre
as duas corôas, pela sua natureza offerecia
facil guarida á pessoa do Rei e salvava-se
da accusação de ameaçar interferir nas
discussões
puramente domesticas. Palmella
fôra quem, no intuito de manter a disciplina
no exercito e incutir moderação no animo
irrequieto de D. Miguel, protegêra a candidatura
do marechal Beresford para chefe
do estado-maior do Infante, candidatura do
agrado de Canning, mas que se mallogrou
pela incompatibilidade que existia entre o
altaneiro inglez e o rude Subserra, dedicado
aos interesses francezes desde o tempo da
guerra peninsular, em que pelejára com
Massena contra Wellington e Portugal.
As Côrtes tinham despedido os militares
inglezes ao serviço do Reino e o Infante
achava-se agora commandando em chefe
o exercito por um acto de fraqueza ou
inconsideração de D. João VI, e uma
esperteza
de Subserra, que queria fazer-se perdoar
pelo partido da Rainha a sua deserção
[215]
no dia da Villa-francada. Palmella fôra
quem sinceramente desejára e promovêra
quanto lhe fôra possivel o cumprimento sob
qualquer forma―nova ou obsoleta―da
promessa de D. João VI relativa á outorga
de uma Carta Constitucional, appellando
para uma garantia da Constituição adoptada
a ser fornecida pela Inglaterra, que aliás se
esquivou a tão manifesta intervenção;
sustentando
a necessidade da concessão
perante as desconfianças e ameaças dos
gabinetes continentaes; e apenas desilludindo-se
e resignando-se em face da hostilidade
crescente de uma fracção do meio
nacional e do prolongado lethargo da outra.
Palmella finalmente fôra quem suggerira
para o arranjo da questão brazileira, que
elle no intimo comprehendia estar perdida
para Portugal, mas cujo desfecho julgára
impolitico e indecoroso abandonar ao destino
sem um protesto nem uma tentativa, a
dupla mediação da Inglaterra e da Austria,
a qual vimos exercer-se sem resultado nas
conferencias de Londres, em parte por culpa
do proprio estadista que lhes dera origem.
Palmella e a
Independencia do
Brazil.
Nos seus citados apontamentos auto-biographicos
o marquez de Palmella confessa
que o previo reconhecimento da Independencia,
conforme o reclamavam os plenipotenciarios
brazileiros nas reuniões do Foreign
Office,
[216]
teria alcançado para Portugal
condições
mais vantajosas, mas protesta que o
Governo Portuguez não se achava com
força moral para conceder
in
limine aquella
exigencia. O espirito publico estava em demasia
excitado contra o Brazil, e semelhante
questão era mui facilmente explorada em
seu proveito pelas facções politicas em
opposição. Além d'isso existia o
perigo da
successão, a qual D. João VI e seus ministros,
no seu odio commum a D. Miguel e á
Rainha Carlota Joaquina, pretendiam assegurar
a D. Pedro, mas que eventualmente
envolvia a dependencia do Reino da sua
ex-colonia, pensamento affrontoso para o
amor proprio portuguez. Como Canning,
Palmella reputava remedio bastante para a
possivel offensa dos interesses e da dignidade
das duas partes da successão, a residencia alternada
n'ellas do monarcha, com o contrapeso
do herdeiro, na qualidade de regente,
no paiz em que não estivesse n'aquelle momento
residindo o soberano.
Deprehende-se bem a difficuldade que
[217]
offerecia o ajuste da desavença entre Portugal
e Brazil, do facto de que, no tocante
á independencia do Imperio, Palmella,
espirito malleavel e sceptico, se não mostrasse
menos obcecado do que os demais
estadistas portuguezes e, o que é mais extraordinario
em quem possuia tanto tino e
vivêra algum tempo no Rio de Janeiro,
chegasse a acreditar na efficacia da resistencia
armada. A idéa da expedição militar
ao Brazil, posto que porventura mais simulada
e para produzir effeito do que real e
temerosa, pertencia-lhe senão como iniciativa,
pelo menos como pressurosa adopção,
concordando inteiramente n'este
ponto a
sua
disposição com o humor bellicoso de Subserra.
Tambem a nomeação de Sir Charles
Stuart para plenipotenciario portuguez no
Rio de Janeiro provocou n'elle, na occasião,
um vivo desgosto, e por todos os meios
procurou Palmella em Londres embaraçar
o jogo diplomatico de Sir Charles. É mesmo
provavel que em parte fossem os enredos
do embaixador portuguez o motivo porque
Canning e o seu enviado no Brazil não agiram
em grande harmonia (
did not pull well
together na expressão de Stapleton) na
ultima
[218]
phase das negociações para o
reconhecimento.
O certo é que a missão Stuart arrancaria
ainda a Palmella mais tarde, muito
mais tarde, no desabafo da sua auto-biographia,
palavras pungentes atiradas «aos documentos
mais vergonhosos da diplomacia
portugueza» que taes foram, segundo elle,
os firmados pelo plenipotenciario britannico
em nome de Portugal.
Palmella, a
demissão de
Subserra e a
agitação de
Hyde de Neuville.
Palmella possuia todos os requisitos para
ser, e era um homem bem visto por todos
em Londres, ao passo que Subserra só teria
sido bem visto pelos chamados
high
tories.
Canning achava-o muito agradavel (
very
agreable): a 8 de Fevereiro de 1825 escrevia
para Pariz a Lord Granville―
if he repairs
to Paris, you will be a gainer.
Consummára-se
justamente, na occasião de ser escripta
esta carta, a mudança ministerial provocada
pelo Governo Britannico, e Canning
affirma na mesma que empregou todos os
esforços para garantir a situação de
Palmella
(
we did all that we could to extricate
him from that community of fortunes), mas
que elle proprio preferiu associar-se ao destino
do seu collega, certamente por ter percebido
a intenção do animo real. Palmella
[219]
tinha por herança, indole e educação o
temperamento
do cortezão e a flexibilidade do
diplomata, sabendo duplamente como amoldar-se
ás circumstancias. Pois não viveu
elle, manifestamente propenso á amizade
britannica, em contacto diario, official e particular,
com um adversario das suas idéas
da força de Hyde de Neuville, um homem
que, si bem que com uma grande ponta de
exaggeração, Canning descreve em uma de
suas cartas como «orgulhoso, violento, julgando
mal as cousas, brusco, arrogante,
de capacidade limitadissima e com uma
enorme presumpção do senso que elle imagina
ter?» Comtudo as relações do embaixador
francez com o Ministro de Estrangeiros
de S. M. Fidelissima foram sempre
cordiaes. Palmella tratou-o como se tratam
os loucos―não o contrariando, e por traz da
cortina poz em movimento o gabinete de
Londres.
Já sabemos que as tropas inglezas estiveram
no ponto de embarcar para Portugal
(como haviam de ir pouco depois, durante
a regencia da Infanta D. Izabel Maria)
quando o irrequieto Hyde de Neuville se
lembrára de mandar por sua conta e risco
[220]
chamar a guarnição franceza de Badajoz,
cujo commandante evitou um conflicto internacional
deixando-se muito prudentemente
ficar, não obstante a inveja que os
Francezes sentiam do protectorado exercido
pelos Inglezes sobre Portugal. «Portugal,
escrevia Canning a Lord Granville a 21 de
Janeiro de 1825, tem sido e
deverá ser
sempre inglez, por tanto tempo quanto a
Europa e o mundo permanecerem n'uma
situação parecida com a actual. Uma vez
francez, Portugal cedo faria parte da monarchia
hespanhola». E ajuntava que não eram
considerações commerciaes as que regulavam
o interesse britannico n'essa questão.
De facto a Inglaterra, debaixo da influencia
de Canning e Robinson
[36],
entrava na
phase de predominio da liberdade mercantil
que devia acabar no livre cambio de
Cobden e Gladstone, e o espirito instinctivamente
liberal de Canning até achava odioso,
vexatorio e impolitico o tratado de 1810,
preferindo grangear mercados por meio da
excellencia dos productos e do desenvolvimento
natural das relações sobre a base da
[221]
igualdade do tratamento. Nem o Governo
Inglez fez caso algum da tentativa de Hyde
de Neuville para transformar Lisboa n'um
porto franco com o fito de arruinar a supremacia
commercial da Inglaterra.
Depois da sua perigosa fanfarronada militar
Hyde de Neuville permaneceu em Lisboa
por cinco mezes ainda, «uma verdadeira
peste para a sociedade, escrevia
Canning, agitando-se e incommodando-se,
a si e a todos em volta de si, nos estreitos
limites de uma pequenissima communidade».
Mesmo depois de ir uma fragata
buscar o embaixador, Villèle, arrependido
da complacencia exhibida para com o gabinete
de St-James, mandára-lhe por terra
ordem para demorar-se; quando o correio
ministerial chegou a Lisboa, já Hyde de
Neuville estava porem a caminho de Brest,
com grande despeito de Polignac, que em
Londres representava o partido dos
ultras,
do qual Palmella calculadamente recebia e
retribuia os galanteios, mas sem comprometter
a sua velha ligação com a alliada
tradicional de Portugal.
A differença na representação
portugueza
em Londres fez-se logo notar. Exaggerando
[222]
a extensão dos sacrificios a que o Rei fôra
levado no negocio da separação do Brazil,
Palmella não descançou emquanto não
obteve de Canning, em Junho de 1825, a
expedição de instrucções a
Sir Charles
Stuart para que «no caso de se não verificar
immediatamente o ajuste com Portugal,
esperasse novas ordens antes de dar começo
ás negociações por conta da
Inglaterra»―o
que importava n'uma quasi pressão em
favor da acquiescencia brazileira ás
condições
exigidas por D. João VI para o reconhecimento
da Independencia.
VII
Chegada
de Sir
Charles Stuart ao
Brazil. Acolhimento
imperial. Nomeação
dos plenipotenciarios
brazileiros.
Sir Charles Stuart chegou ao Rio de Janeiro
no dia 18 de Julho, sendo cordialmente
recebido pelo Imperador, que nomeou
para tratarem com elle das condições
da reconciliação trez plenipotenciarios:
Carvalho e Mello, Ministro dos Negocios
Estrangeiros, Villela Barbosa, depois marquez
de Paranaguá e então Ministro da Marinha,
e o visconde de Santo Amaro, successor
de Carvalho e Mello na pasta de
Estrangeiros. A opinião publica mostrava-se
muito adversa á assumpção por parte
do Rei de Portugal do titulo imperial, e
mais ainda, si possivel, á mudança do titulo
de Imperador para o de Rei do Brazil,
solução comtudo que logo foi arredada, tomando
Sir Charles, como base do tratado
a negociar, a primeira versão da Carta
Regia, fundamentalmente modificada n'um
[224]
certo sentido pela suggestão de Caldeira
Brant e Gameiro, isto é, o reconhecimento
da Independencia, e de D. Pedro
como Imperador, precedendo a declaração
de que D. João VI igualmente assumia a
dignidade imperial. Era um primeiro passo
para afastar o reconhecimento da soberania
do Rei de Portugal e converter a Independencia
no que devia realmente ser, a consagração
da vontade nacional.
A situação do
Imperio com relação
a Buenos
Ayres.
O caminho não poude ser trilhado até
ao fim, mas semelhante admissão previa,
opposta ao espirito de qualquer das versões
da Carta Regia, não deve ser considerada
na occasião (porque mais tarde seria renegada),
diminuta satisfacção dada a um Governo
nas condições do Brazileiro. Com
effeito, este si por um lado julgava bem
parada a libertação effectiva das colonias
americanas, desde que a França estava
disposta a reconhecer em Julho de 1825 a
independencia de São Domingos, por outro
lado sentia pressa em ver garantido o principio
monarchico nacional, sempre ameaçado
pela fermentação republicana no Norte
do Imperio e pela insurreição aberta de
Montevidéo, combinada com a attitude
[225]
aggressiva de Buenos Ayres. O rompimento
entre esta Republica e o Imperio tornava-se
fatal, ainda que Sir Charles Stuart, a pedido
do Governo Imperial, desejoso de manter a
paz, houvesse interposto os seus bons officios
e que o Brazil solicitasse a intervenção
officiosa da Grã Bretanha. Dizia-se até que
Bolivar, ou algum dos seus immediatos,
convidado pelo Governo de Buenos Ayres,
viria, coroado dos louros do Perú, prestar
o seu valioso concurso á causa da liberdade
contra a tyrannia monarchica personificada
em D. Pedro. Era certo pelo menos que o
Governo de Buenos Ayres affixava em
mensagens publicas sua inimizade ao Brazil;
que apoiava os actos hostis commettidos
pelos seus cidadãos contra o Imperio, exportando
armamento para Montevidéo, apoderando-se
de embarcações brazileiras e
abrindo subscripções para as
expedições;
que convidava as outras Provincias do Rio
da Prata a soccorrerem os insurgentes; que
fazia levas de tropas; que insultava nas
suas gazetas o soberano brazileiro, e que
por todas as provocações negava
satisfacção
«qual a que se lhe exigiu pelo almirante
Lobo de desapprovar formalmente o procedimento
[226]
dos seus Subditos, ou de mandallos
retirar da Banda Oriental
[37]».
A Inglaterra
e a politica platina
do Brazil.
O Imperio era sincero na sua aspiração
de paz. A sua situação na Europa não
estava
ainda legitimada e a sua posição no Novo
Mundo republicano era tão singular, que
carecia de dar penhor da sua moderação e
tolerancia. Carvalho e Mello reclamava, instigado
mesmo pelo agente austriaco, a intervenção
de Canning para garantia da preservação
das relações pacificas na região
meridional do continente, como o meio
mais efficaz de conseguir o seu objectivo;
mas tampouco era facil n'este ponto a tarefa
de Gameiro, porquanto a Grã Bretanha não
adheria absolutamente á politica platina
do Imperio, fundada no engrandecimento
territorial. A Inglaterra revelára-se sempre
infensa á incorporação da Provincia
Cisplatina,
e tão conhecida era semelhante
disposição,
que nas instrucções a Caldeira Brant
e Gameiro se lhes recommendára muito que
obtivessem, a par do reconhecimento, a
garantia da integridade do Imperio, a qual
deveriam particularmente especificar,
muito
ás claras, si se tornasse preciso conceder
a
[227]
abolição do trafico. Estabelecia-se d'este
modo uma compensação d'esse prejuizo
economico por aquella vantagem politica.
Os termos do Despacho de 18 de Agosto,
pelo qual Carvalho e Mello mandava Gameiro
solicitar os bons officios da Inglaterra,
e Telles da Silva solicitar os da Austria,
a qual se suppunha predisposta pelo
barão de Mareschal, indicam claramente as
apprehensões e vistas que com relação
a
este assumpto povoavam o espirito do Governo
Imperial. Eis o extracto mais symptomatico
do referido Despacho: «He porem
preciso advertir a V. S
a que, desde o principio
da proposta do Barão de Mareschal,
houve a cautela por elle recommendada de
não se fallar sobre o nosso direito e posse da
Provincia Cisplatina, sobre a qual o mesmo
Barão observou que se devia guardar silencio,
pois cria que Mr. Canning não era nesta
questão muito a nosso favor; e assim prevenindo
a V. S
a devo dizer-lhe que procure
usar da mesma cautela para ir de conformidade
com o que de cá propozer Sir Charles
Stuart pelo referido motivo das suspeitas
de não estar Mr. Canning convencido da
nossa justiça, bem que nós a temos, alem
[228]
de ser de grande interesse conservar aquella
possessão, por ganharmos huma raia tão
natural, como a do Rio da Prata, grande
Porto, e desvio de vizinhos perigosos. Offerecendo-se
porem occasião opportuna, este
ponto he assaz importante para ficar em
silencio, e V. S
a. proporá que a
intervenção
se extenda igualmente até este fim, da
conservação
de Montevidéo, usando de todas
as razões e argumentos a nosso favor, que
tão conhecidos serão de V. S
a,
sendo entre
todos os principaes―a unanime vontade e
deliberação dos Povos, quando em 1821
formaram o primeiro Acto de União, e a
adhesão tambem legalmente declarada á
União do Imperio, acclamando a S. M. O
Imperador, e jurando a Constituição, passando
até a nomear Deputados á Assembléa
Legislativa».
Idéas de Gameiro
sobre a questão
de Montevidéo.
Em suas respostas Gameiro não escondia
que assistia perfeita razão ao Governo
Imperial nas suspeitas que externava,
sendo evidente a má vontade do Foreign
Office. Entendia Gameiro
[38]
que em lugar
de procurar a intervenção britannica, devia
o Brazil antes evital-a, abrindo uma negociação
[229]
clandestina com a Hespanha para a
cessão formal d'aquelle territorio mediante
uma indemnização pecuniaria, ou então
para a cessão definitiva de Olivença á
Hespanha
pelo Governo Portuguez, recebendo
este a indemnização. O alvitre
parecerá extraordinario
que fosse formulado pelo representante
de uma colonia emancipada, que
assim propunha comprar os direitos da metropole
sobre outra colonia ou parte de
colonia, tão completamente emancipada e
com tão justos motivos quanto os invocados
pelo seu paiz, de cujo reconhecimento elle
estivera tratando, com os argumentos que
lhe não acodiam por certo ao admittir os
direitos hespanhoes sobre Montevidéo, em
nada inferiores aos portuguezes sobre o
Brazil. Essa lembrança indica porem que o
perigo era tão grave que desnorteára o animo
pausado e reflectido de Gameiro. Canning,
entrevistado pelo representante brazileiro,
prometteu prestar os bons officios
solicitados, mas denotando tamanha parcialidade
para com o Governo de Buenos
Ayres, que fazia duvidar da sua sinceridade
ao formular a promessa. Na mesma entrevista
propoz o Secretario d'Estado a Gameiro
[230]
que o Brazil cedesse a Buenos Ayres a
Banda Oriental, mediante uma indemnização
pecuniaria, proposta que Gameiro combateu
fortemente.
Gameiro não attribuia a parcialidade do
Governo Britannico a uma questão de mais
ou menos sympathia: filiava-a de preferencia
em puras considerações mercantis, ligando
a Inglaterra grande importancia ao seu trafico
com o referido porto de Buenos Ayres,
o qual pensava dever continuar a ser o entreposto
das ricas provincias do Alto Perú.
Gameiro opinava diversamente, julgando
que, quer o Alto Perú se constituisse em
Estado independente, quer se incorporasse
no Baixo Perú, o commercio tomaria a
direcção dos portos do Perú e do
Panamá.
Não deixa de ser curioso que o nosso enviado
não tivesse entrevisto que o trafico da
Bolivia se faria muito pelo Amazonas, por
aquelle porto do Pará que elle proprio indicava,
como o mais central da America e o
mais proximo da Europa, para séde de
futuros Congressos americanos, subsequentes
ao de Panamá, cuja presidencia devia no
seu entender ser assumida pelo representante
do Imperador do Brazil, «pela mesma
[231]
razão que na Dieta Germanica cabe a presidencia
ao plenipotenciario do Imperador
d'Austria». Verdade é que para Gameiro
antever o futuro do Pará em relação ao
commercio do Alto Perú, precisaria contar
com a liberdade de navegação do Amazonas,
o que ainda seria tomado como um
absurdo.
Buenos Ayres
igualmente
solicita a
intervenção
ingleza.
O Governo de Buenos Ayres igualmente
«solicitára em certo modo a
intervenção do
Governo Britannico para induzir o do Brazil
a evacuar a margem oriental do Rio da
Prata», escrevia Palmella a Porto Santo a
26 de Julho de 1825. Canning, que alimentava
suspeitas que D. Pedro andava fomentando
em algumas provincias do Imperio
movimentos em favor do restabelecimento
do governo absoluto, e que não queria por
forma alguma fornecer um pretexto de intervenção,
a favor do partido democratico brazileiro,
ás tropas desempregadas das republicas
hespanholas―pretexto que lhes offereceria
sem duvida a agudeza da crise cisplatina―tampouco
quiz acceder ao pedido
do Governo de Buenos Ayres. Respondeu
«que se a Republica viesse a ser reconhecida
pela Hespanha, poderia talvez n'esse
[232]
caso herdar os direitos da Mãi Patria sobre
o indicado territorio; porém que nesse
mesmo caso o Brazil tambem tinha reclamações
e direitos a fazer valer, como se
reconhecêra na negociação que tivera
lugar
em Pariz a este respeito.»
As negociações
no Rio de
Janeiro.
A mala de 18 de Agosto foi importante
para a correspondencia entre a nossa Secretaria
de Estrangeiros e a Legação de
Londres. Identica data traz o Despacho que
dava conta a Gameiro do estado das negociações
em andamento no Rio de Janeiro entre
Sir Charles Stuart e os trez plenipotenciarios
imperiaes, os quaes, no dizer do biographo
de Canning, eram menos moderados e conciliadores
do que D. Pedro. Assevera Stapleton
que o Imperador se mostrava n'esse
momento prompto a renunciar seus direitos
á corôa portugueza afim de angariar o apoio,
que sentia ir-lhe faltando cada dia mais,
da opinião brazileira. No tocante propriamente
ás negociações para o reconhecimento,
D. Pedro esquivava-se a firmar um
armisticio immediato, como Portugal pretendia,
ainda que de facto Gameiro désse
instrucções á fragata brazileira
Piranga,
chegada a Portsmouth com o almirante
[233]
Cochrane a bordo, para no seu regresso não
atacar as embarcações portuguezas que podesse
encontrar. D. Pedro tambem dava
mostras de querer tirar da Grã Bretanha
todo o partido possivel, originado na mencionada
abertura franceza para um ajuste
immediato.
Na primeira conferencia que celebraram
com Sir Charles Stuart, revoltaram-se deliberadamente
os plenipotenciarios brazileiros
contra a idéa da Carta Patente de 13 de
Maio, cuja publicação devia ser simultanea
com a do Tratado que regularia os varios
pontos controversos, oriundos da separação.
Declararam elles, com vehemencia que impressionou
o plenipotenciario britannico, que
qualquer tentativa de cessão de soberania
por parte do Rei de Portugal equivaleria a
ir de encontro á forma e propria essencia da
Independencia brazileira, a qual recebêra do
Povo a sua sancção. Não querendo
insistir
demasiado no primeiro momento, nem perder
tempo com uma irritante discussão,
propoz então Sir Charles Stuart que se tomassem
em consideração os outros artigos
até poderem todos concordar n'aquelle primeiro,
que ficava adiado. Referiam-se esses
[234]
outros artigos á cessação de
hostilidades,
declaração de paz e alliança,
segurança de
bens de raiz, restituição de prezas e sequestros,
esquecimento do passado, indemnizações
a particulares e por virtude de perda de
officios, ajuste de contas publicas, liberdade
de commercio com direitos provisorios de
15 0/0
ad valorem, emfim as
condições praticas
da reconciliação, sobre as quaes era
menos difficil o accordo do que sobre a base
theorica.
O direito de cessão de soberania era comtudo
a pedra angular do arranjo proposto e
encaminhado pelo mediador britannico, que
o achava tão razoavel quanto desarrazoada
lhe parecia a associação de D. Pedro na dignidade
imperial primeiramente assumida
pelo Rei de Portugal. Apontando para a má
fé que um procedimento contrario traduziria,
logrou Sir Charles Stuart com grande
difficuldade fazer admittir aquelle direito
n'uma segunda conferencia. Pelos plenipotenciarios
brazileiros foram offerecidos trez
artigos, contendo a cessão por S. M. Fidelissima
dos seus direitos ao Brazil na pessoa
de D. Pedro I; o reconhecimento do Imperio,
sua plena soberania e sua dynastia; e o
[235]
assentimento do Imperador a que o Rei de
Portugal tomasse durante a sua vida o titulo
de Imperador do Brazil. Esta foi pelo menos
a forma dos artigos propostos, depois das
alterações por Sir Charles, o qual todavia
não conseguio na segunda, como não conseguira
na primeira conferencia, inserir no
projecto a desejada menção da Carta Patente
em qualquer das suas primitivas versões.
Exgottou-se a terceira conferencia n'uma
discussão sobre um armisticio, a qual não
deu resultado porquanto os negociadores
brazileiros insistiram em que «no preambulo
do acto da suspensão de hostilidades
se declarasse que se estava tratando na
negociação
da base da Independencia do Imperio
do Brazil, assim como que se não devia
entender por ella abertura de Portos e franqueza
de Commercio
[39].»
Sómente na
quarta conferencia é que o plenipotenciario
britannico attingiu pela sua tenacidade o seu
principal fim, acquiescendo os brazileiros
em que a cessão fosse expressa n'um decreto
firmado por mão de S. M. Fidelissima, mas
não sendo este documento a Carta Patente
[236]
em questão, visto que na sua terceira versão
omittia o titulo imperial, e nas outras duas
começava o Rei de Portugal por assumil-o
para então transferil-o, ou antes n'elle associar
seu Filho. Isto quando de facto o Imperador
do Brazil fôra exclusivamente revestido
de semelhante dignidade por acclamação
popular, e o espirito publico melindrar-se-hia
amargamente com qualquer interpretação
diversa do seu acto, ou qualquer sobreposição
de auctoridade á da soberania do
Povo. A denominação de Rei do Brazil, si
não fôra uma suggestão da Santa
Alliança,
era aventada como uma cortezia á mesma
Alliança, para a qual o titulo de Imperador
não possuia cunho igual de legitimidade,
tanto que vimos que pelas decisões do Congresso
de Vienna, esse titulo não estabelecia
precedencia sobre o de Rei. A denominação
de Rei do Brazil denotava mais, muito claramente,
a natureza do pensamento occulto
de, por morte de D. João VI e consequente
reunião das duas corôas sobre a cabeça
de
D. Pedro, voltar sorrateiramente ás
condições
politicas de 1815, quando o Brazil havia
sido elevado á cathegoria de Reino.
Esta solução tinha pois todas as probabilidades
[237]
de provocar uma revolta, e tambem
a acceitação e publicação
da Carta Patente
seria, no dizer dos plenipotenciarios brazileiros,
tão impopular que faria perigar a
existencia mesmo do throno. Em vão appellou
com vigor, verbalmente e em Nota, Sir
Charles Stuart para o texto das suas instrucções,
que o confinavam ás trez versões
da Carta Regia, á qual o seu Governo e os
plenipotenciarios brazileiros em Londres
tinham adherido, e que elle não podia absolutamente
pôr de lado, sob pena de falsear a
sua missão. Era-lhe sómente facultado alterar
a disposição e redacção
d'aquelle documento
em trez versões, não se afastando
todavia, ou antes, acompanhando restrictamente
o espirito commum do seu conteúdo.
Respondeu o Brazil por Nota que, para mostrar
seu espirito de conciliação e sua
contemplação
para com a pessoa e leaes esforços
de S. M. Britannica, convinha nos principios
expostos. Discutiu-se então n'uma
quinta conferencia quanto da Carta Regia
poderia ser acceito pelo Imperio, observando
os plenipotenciarios brazileiros a conveniencia
de serem alteradas as expressões
em que estava concebido esse documento,
[238]
«as quaes não affectando materialmente a
substancia da negociação com Portugal, trariam
todavia ao Brazil novos objectos de
discordia, no momento mesmo em que
S. M. Fidelissima procurava fazel-a cessar
[40].»
Á vista d'isso propoz Sir Charles que das
duas primeiras versões da Carta Regia se
fizesse uma, com que se conciliassem ambas
as partes. Representaram porem os plenipotenciarios
brazileiros que as Cartas haviam
todas sido concebidas sem se attender
ás circumstancias que forçaram os Brazileiros
a chegarem á posição em que se
achavam.
Sir Charles conformou-se com a lembrança
pari passu suggerida, «que
se poderiam
admittir mutuas declaraçoens sobre o
modo de invalidar aquellas partes da Carta
Patente que seria perigoso publicarem-se.»
Depois, cançado de tanto batalhar contra a
pertinaz opposição offerecida pelos
plenipotenciarios
brazileiros, e não lhe sendo dado
acceitar um projecto de tratado por estes
apresentado, annuio o plenipotenciario britannico
na sexta conferencia a, em desaccordo
[239]
com suas instrucções portuguezas
[41],
pôr de lado a Carta Regia e redigir no seu
lugar um preambulo ao tratado. N'este
preambulo, que veio a ser o do documento
definitivo, procedia-se de harmonia com a
ultima recommendação de Canning ao Governo
Portuguez, muito embora a tivesse
rejeitado a côrte de Lisboa. Assim, o reconhecimento
da Independencia e de D. Pedro
como Imperador precedia a determinação do
Rei de Portugal de assumir igual titulo, mas
a par d'isso estipulava-se a transferencia,
por livre vontade, da soberania
brazileira,
que tão vivamente e tão justamente indispunha
o sentimento publico. Ao mesmo
tempo a questão da successão era cuidadosamente
evitada, para que o Imperador não
tivesse que renunciar positivamente o seu
direito á corôa portugueza. Ao Rei de Portugal
ficava livre, no intuito de dar satisfacção
ao sentimento portuguez, e no caso
de não ser acceita (ainda que não fosse
publicada)
a primeira versão da Carta Regia,
[240]
o tornar publico e anti-datar um Diploma Regio,
pelo qual concedesse a Independencia,
a qual lhe era afinal arrancada, «nos termos
precisos do preambulo.» No seu Despacho
de 3 de Setembro assim se explica
Carvalho e Mello sobre este ponto: «No
mesmo dia da assignatura da Convenção e
Tratado se trocaram entre os Plenipotenciarios
as Notas reversaes em que se havia
convindo, para declarar-se que S. M. F. se
Dignaria alterar ou não fazer apparecer a
Carta Patente de 13 de Maio, fazendo-a substituir
por outra mais conforme ao Preambulo
e artigos do Tratado.»
O tratado e
convenção de
29 de Agosto de
1825.
Esta promessa não seria porem cumprida
pelo Governo Portuguez, que ao Alvará
de 15 de Novembro, mandando publicar
e cumprir a ratificação do Tratado,
aggregaria a propria Carta Regia de 13 de
Maio, motivando pelo seu acto um protesto
dirigido pelo Ministro de Estrangeiros, visconde
de Inhambupe, a Sir Charles Stuart,
n'uma Nota de Fevereiro de 1826, em que
affirma que o mencionado documento vinha
a lume em violação dos ajustes feitos.
Uma vez combinado o preambulo, duas
conferencias mais foram consumidas em
[241]
dar a ultima demão aos artigos que compunham
propriamente o tratado, e dos quaes
os dous primeiros condensavam as asseverações
do preambulo
[42].
O terceiro artigo continha a promessa do
Imperador do Brazil de não acceitar
proposições
de quaesquer colonias portuguezas
para se reunirem ao Brazil―promessa a
que a Inglaterra ligava especial importancia,
mais ainda do que Portugal, porquanto
eram as colonias africanas do Reino que
suppriam o mercado de escravos do Brazil,
e uma reunião de Angola ou Benguella ao
Imperio significava uma ameaça de indefinida
manutenção do trafico. Permanecendo
pelo contrario portuguezas as possessões
africanas, Portugal ficava com os meios de
dar um golpe decisivo no odioso commercio
humano, o qual não era mais destinado a
activar a florescencia de uma colonia sua,
mas a fomentar a prosperidade de uma terra
estrangeira, filha ingrata, cuja decadencia,
por falta de braços robustos para o trabalho,
[242]
serviria até de consolo para o despeito da
separação.
O quarto artigo referia-se á paz e alliança
entre as duas Partes Contractantes, e o
quinto não só collocava os subditos das duas
nações reciprocamente no pé dos da
nação
mais favorecida, como garantia os possuidores
de bens de raiz.
Diziam respeito o sexto e o setimo á mutua
entrega, ou correspondente indemnização,
de propriedades confiscadas e sequestradas,
e embarcações e cargas aprezadas, na forma
constante do artigo oitavo, que estabelecia
uma commissão mixta, cujas
deliberações
teriam como desempatador o representante
do Soberano Mediador.
O artigo nono dispunha que as reclamações
publicas, de Governo a Governo, as
quaes formariam o objecto de uma convenção
directa e especial, seriam decididas ou
com a restituição dos objectos reclamados,
ou com uma indemnização do seu justo
valor.
Pelo artigo decimo ficavam restabelecidas
as relações de commercio, pagando reciprocamente
todas as mercadorias 15 0/0 de
direitos de consumo, a titulo provisorio.
[243]
O artigo undecimo e ultimo fixava o
prazo maximo de cinco mezes para a troca
das ratificações.
Duas outras conferencias foram dedicadas
por Sir Charles Stuart e pelos plenipotenciarios
brazileiros ao ajuste da convenção
addicional prevista no artigo nono, a qual
foi assignada, assim como o tratado, no dia
29 de Agosto, data da ultima conferencia.
Por essa convenção addicional fixou-se,
para extinguir «todo o direito para as reciprocas,
e ulteriores reclamações de ambos
os Governos», a somma de dous milhões
esterlinos para o Brazil pagar a Portugal;
tomando o Imperador sobre o Thesouro do
Brazil o emprestimo contrahido pelo Reino
em Londres em Outubro de 1823, por intermedio
da casa de B. A. Goldschmidt e C
a,
para o fim precisamente de debellar a revolução
brazileira, e pagando o restante para
perfazer os sobreditos dous milhões esterlinos,
a quarteis, no prazo de um anno depois
da ratificação e publicação
da convenção.
Não ficára expressamente determinada
na chamada Convenção Pecuniaria, que foi
conservada secreta até á reunião da
Assembléa
Geral Legislativa, a quantia que o Imperador
[244]
daria a seu Pai pelas suas propriedades
(dos donatarios das Capitanias do
Brazil, de facto pertencentes á Nação)
e das
pessoas a quem D. João VI fizera mercê de
officios vitalicios no Brazil, e que o acompanharam
para Lisboa por obrigação dos seus
empregos. Nas Notas reversaes declarou-se
porem que 250,000 libras seriam postas em
Londres á disposição de S. M.
Fidelissima
para aquelle fim, e o mais que fosse justo
no caso de não ficar satisfeito o Rei; deduzidas
essas sommas do total dos dous milhões
esterlinos. N'este total entrava o emprestimo
de 1823, assumido pelo Brazil,
por 1,400,000 libras, pois havia sido de
1,500,000 libras, e 100,000 estavam amortizadas,
fazendo-se a amortização á
razão de
25,000 libras por trimestre. Gameiro informava
mais
[43]:
«que a importancia dos seus
juros (que se pagão no 1º de Junho, e no
1.º de
Dezembro de cada anno) será de £ 70.000 no
anno de 1825, e de menos de £ 2,500, em
cada hum dos 27 annos seguintes: porque
n'este Emprestimo não se accumulão os
juros das Apolices amortizadas. São conseguintemente
£ 600,000 que o Brazil tem que
[245]
pagar a Portugal no decurso do anno vindouro,
e em cumprimento do art
o. 2º da
mencionada
Convenção. E possivel será
effeituar-se
este pagamento; porque o nosso
Governo tem aqui fundos sufficientes para
este effeito»
[44].
Ratificação
do Tratado e
Convenção.
D. Pedro ratificou Tratado e Convenção no
dia immediato ao da assignatura (30 de
Agosto), remettendo Sir Charles Stuart immediatamente
os documentos para Londres
a bordo do navio inglez
The
Spartiate. Á
ultima hora surgira uma pequena difficuldade
originada na maneira adoptada por
D. Pedro de intitular-se: Imperador pela
Graça de Deus e Unanime Acclamação dos
Povos. Sir Charles não quiz adherir ao formulario,
e chegou a mandar sahir o
Spartiate
sem as ratificações. O Imperador entretanto,
ouvido o Conselho d'Estado, preferiu
ceder, mudando a segunda parte―que era
a discutida, mas cuja retirada se dissera ser
contraria á lettra da
Constituição―pela
formula seguinte: segundo a Constituição
do Estado.
Palmella e os
tratados entre
Portugal e Inglaterra.
Emquanto Sir Charles Stuart negociava
a reconciliação no Rio de Janeiro, Palmella,
para salvar os bons principios e
com vistas na emergencia de um mallogro
das negociações, ainda agitava em Londres
a velha questão dos tratados
[246]
em vigor entre
as corôas de Portugal e da Grã Bretanha,
e que inhibiam qualquer das duas Partes
Contractantes de celebrar tratados em prejuizo
da outra Parte. A 4 de Outubro de 1825
entregava o embaixador portuguez a Canning
uma Nota Verbal, acompanhada de
uma interessante e bem lançada synopse ou
deducção chronologica, pedindo uma
explicação
cathegorica da parte do Governo Inglez
«afim de collocar as duas Côrtes em
situação
de saberem precisamente quaes são as
obrigações mutuas que as ligam, estando
S. M. F. convencido de que taes obrigações
são de uma natureza permanente e clara...»
Os dous Governos podiam de commum
accordo não se prevalecerem
temporariamente
de algumas das estipulações dos
mesmos tratados, mas nem por isso cessava
o direito de reclamal-as em occasião opportuna.
O tratado de Vienna, de 22 de Janeiro
de 1815 (art.
o 3.º),
reaffirmára a validade
e renovára todos os tratados em questão,
[247]
mesmo para o caso em que fosse abolido o
tratado de 1810. Os tratados que Palmella
enumerava, extractava e commentava com
sua usual habilidade eram, além dos de
29 de Janeiro de 1642, celebrado entre
D. João IV e Carlos I, 10 de Setembro
de 1654, celebrado com Cromwell, e 1661,
celebrado com Carlos II―todos garantindo
n'uma forma geral a integridade dos dominios
portuguezes―os de 1703, da Successão
d'Hespanha, e os de Utrecht (1713 e 1715),
especificando os territorios brazileiros do
Rio da Prata, e entre o Amazonas e o Rio
de Vicente Pinzon ou Oyapoc.
Sir Charles
Stuart e o tratado
de commercio com a
Grã Bretanha.
Na verdade Palmella não empregava o
seu tempo unicamente na discussão d'estas
convenções, valiosissimas sem duvida para
Portugal, mas irremissivelmente inapplicaveis
ao caso do Brazil: elle tambem
preparava a negociação do tratado de
commercio entre Portugal e Inglaterra,
que tornava necessario a cessação de
direito do de 1810. Tambem no Rio de Janeiro,
sem perder um minuto depois de
ajustada a paz com Portugal, passou a discutir
Sir Charles Stuart o immediato tratado
de commercio com a Grã Bretanha e
abolição
[248]
do trafico, celebrando-se a primeira
conferencia a respeito no dia 20 de Setembro.
O projecto do plenipotenciario britannico
era quasi identico ao tratado de 1810.
O Brazil apresentou um contra-projecto que
não foi acceito, porque augmentava de 15
para 18 0/0 os direitos de entrada sobre as
importações inglezas. Trocaram-se varias
Notas e effectuaram-se outras conferencias,
até que a 18 de Outubro poude Sir Charles
firmar os convenios para que recebêra plenos
poderes de S. M. Britannica, e que a
20 do mesmo mez foram ratificados pelo
Imperador do Brazil. O official da Secretaria
d'Estado dos Negocios Estrangeiros,
Bento da Silva Lisboa (mais tarde barão de
Cayrú e, em 1832 e 1846, Ministro de Estrangeiros),
embarcou sem demora, encarregado
pelo Governo Imperial de trazer a
Londres aquellas ratificações
[45], as quaes
estavam todavia destinadas a nunca serem
trocadas, aconselhando Canning o Rei da
Grã Bretanha a não ratificar os convenios
celebrados, sem instrucções positivas, pelo
seu plenipotenciario.
VIII
O
tratado
luso-brazileiro
julgado em
Londres.
Canning recebeu as primeiras noticias da
conclusão do tratado luso-brazileiro por
um navio mercante que precedeu o
Spartiate
na sua chegada e foi portador de uma
copia impressa do documento, mandado
publicar pelo ministerio brazileiro com o
intuito de acalmar a agitação popular,
apprehensiva a opinião sobre a natureza e
extensão das concessões a que D. Pedro
podia ter sido levado. Stapleton diz na sua
Vida de Canning que a
publicação do tratado
foi feita sem conhecimento ou pelo
menos sem annuencia de Sir Charles Stuart.
Carvalho e Mello assegura porem na sua
correspondencia official para Gameiro
[46]
que o plenipotenciario de S. M. Fidelissima
annuira a que o tratado viesse a lume, mesmo
[250]
antes de ratificado em Lisboa. O certo
é que o Secretario d'Estado britannico escreveu
logo para Portugal, felicitando o Rei
pela assignatura da paz, urgindo a ratificação
do tratado e, de accordo com sua primitiva
opinião, aconselhando D. João VI a
renunciar o titulo imperial, desde que estava
ganho o ponto de honra. Para este fim invocou
as provaveis difficuldades do reconhecimento,
nomeadamente por parte do autocrata
da Russia, que desapprovára toda a
negociação com o Brazil, e do Rei d'Hespanha,
pela mortificação que necessariamente
lhe impunha uma solução entre metropole
e colonia, tão differente da que
occorrêra entre elle e suas possessões americanas.
O interesse propriamente da Grã Bretanha
era nullo n'este assumpto, e apenas
movia o seu Governo―que por seu lado
estava prompto a reconhecer o titulo imperial,
sem com isso querer compellir os outros
Governos mais do que com a persuasão
do exemplo―«uma anciosa solicitude pela
felicidade, tranquillidade e bem entendida
honra de S. M. Fidelissima». Canning recommendava
que, pelo menos, o titulo de
[251]
Imperador do Brazil não precedesse qualquer
outro na longa enumeração dos titulos
pertencentes aos Reis de Portugal, sob
pena do monarcha expôr-se a «incidentes
e observações pouco compativeis com a real
dignidade da sua Corôa.»
O tratado em
Portugal.
Estes razoaveis conselhos de Canning
chegaram, ao que parece, um pouco tarde,
e não é provavel que mais cedo tivessem
sido melhor seguidos, pois que encontraram
uma côrte e um publico, apezar de preparada
a primeira para o resultado final pelos
successivos informes de Sir Charles Stuart,
muito dessatisfeitos com a redacção definitiva
do tratado. A copia d'este chegára a
Lisboa no dia 9 de Novembro, poucos dias
depois da chegada da copia destinada a
Londres. O preambulo ainda mereceu approvação,
mas a falta de qualquer referencia
á questão da successão portugueza e
sobretudo a ausencia de vantagens commerciaes
especiaes, concedidas a Portugal,
foram severamente criticadas no Paço.
Comtudo ninguem pensou em rejeitar dous
convenios tão vantajosos no seu conjuncto;
antes decidiu-se em conselho, presidido por
D. João VI, tornal-os publicos com
demonstrações
[252]
de alegria, no dia do Santo do nome
da Imperatriz Leopoldina. Contra a opinião
de Sir William A' Court ficou, porem, assente
que o titulo imperial tomaria precedencia
sobre o real, como logo appareceu
na Circular do conde de Porto Santo ao
Corpo Diplomatico acreditado em Lisboa,
annunciando a conclusão e resultado das
negociações.
O titulo imperial.
Este ponto representava apenas a satisfacção
de uma vaidade senil, e, em summa,
tão respeitavel quanto a do Imperador
d'Austria que, conforme Canning escrevia
a Lord Granville a 1º de Abril de 1825,
deixára de ser verdadeiramente Imperador
quando Napoleão dissolveu o Imperio Germanico,
conservando o titulo com relação
ao seu dominio patrimonial por mera condescendencia
do Conquistador, sanccionada
pela cortezia ou compaixão da Europa.
N'outro ponto, todavia, o Governo Portuguez
tornou-se culpado do que Stapleton, o
confidente de Canning, não trepida em denominar
uma quebra de palavra (
a breach
of faith). E o caso já mencionado da Carta
Regia, cujo texto foi annexo á Carta de Lei
que acompanhou a ratificação, não como
[253]
Diploma Regio, mas como Carta
Patente,
quebrando-se-lhe o sigillo em contrario da
combinação feita com o Governo Imperial,
e com a asseveração inexacta e injuriosa
de que esse a havia acceito. Stapleton
observa muito bem que a occasião mesmo
era pessimamente escolhida si, por meio de
tal publicação, pensava a côrte
portugueza
forçar D. Pedro a resolver a questão em
aberto da successão, a bem dos seus interesses
pessoaes e de harmonia com os desejos
predominantes no palacio da Bemposta.
É sabido que em periodo algum da sua vida
anterior ao fallecimento de D. João
VI―excepção
porventura feita dos mezes que
precederam e dos que se seguiram immediatamente
á proclamação da Independencia―esteve
o Imperador tão perto de renunciar
seus direitos á corôa portugueza.
Critica do
tratado.
A publicação do tratado com o Brazil deu
lugar a luminarias, foguetes, Te-Deums, e
todas as demais manifestações do regosijo
official, mas não provocou a sympathia do
publico pela obra de Sir Charles Stuart.
Pelo contrario, a grita foi geral. Os absolutistas
queriam ver para todo sempre cancellados
os titulos de successão de D. Pedro
[254]
ao reino de Portugal. O commercio e a viticultura
queixavam-se da ruina que se derivaria
infallivelmente de uma pauta que
taxava igualmente os vinhos portuguezes e
os vinhos francezes. Os adversarios da Inglaterra
verberavam-lhe a perfidia e a traição,
aconselhando o Rei a demittir o ministerio
e suspender as ratificações. Os que
sonhavam com a recolonização (e n'este
numero incluem o Governo) viam o perigo
no facto de não estar definida a qualidade
que a D. Pedro cabia como herdeiro da
corôa portugueza. Os cortezãos finalmente
julgavam superfluo, contradictorio com o
preambulo e attentatorio da dignidade real
o artigo segundo do tratado, pelo qual D.
Pedro
annuia a que D.
João VI tomasse
para a sua pessoa o titulo de Imperador. O
clamor foi tão forte, que Sir William A'
Court, de posse das
instrucções de Canning
concernentes ao abandono pelo Rei da tão
discutida dignidade imperial, não ousou
cumpril-as senão depois da ratificação
concedida.
O tratado no
Brazil.
No Brazil tampouco agradára o tratado
quando o tornára publico o Governo. A
compra da Independencia por dous milhões
esterlinos, depois d'ella
[255]
ser um facto consummado
e irrevogavel, foi um estigma de
que a monarchia justa ou injustamente
nunca poude livrar-se no Brazil e cuja recordação
pairou sobre o throno até os seus
ultimos dias. Esta indignação apparece diminuta
comparada com a que irrompeu
quando se divulgou a noticia ácerca da
Carta Regia, na qual o Rei de Portugal fazia
preceder o seu titulo historico e tradicional
do titulo popular e exclusivamente
nacional de Imperador. Essa publicação
não só violava um pacto, como collocava
monarcha e gabinete n'uma posição precaria
em face das justas exigencias do sentimento
publico, cada dia mais desconfiado das tendencias
anti-liberaes do Governo. Tão bem
comprehendia Canning a situação que se
estava creando, que n'uma carta a Granville,
de 31 de Outubro de 1825, deixa correr
da penna a seguinte phrase symptomatica:
«Lisonjeio-me de que o Brazil acha-se quasi
arranjado, com relação a Portugal quero
dizer. O futuro que o Imperador se está
preparando (
is cutting out for
himself) é
outra historia».
Tal phrase referia-se muito mais á politica
[256]
domestica do que á politica externa do Imperio.
Na verdade D. Pedro, uma vez outorgada
a Carta Constitucional,
producto da
sua generosidade e mercê e não
expressão
da soberania nacional, parecia ir gradualmente
esquecendo todas as circumstancias
da sua acclamação popular para sómente
recordar-se da sua legitimidade, a qual,
baseada quanto ao Brazil na conhecida
recommendação
da despedida de D. João VI,
se fundava com relação a Portugal em
razões
mais ponderosas e sagradas. Scientes
de semelhante estado da opinião, desgostosa
da falta de garantias democraticas, e receosos
da extensão do vigoroso espirito republicano
do paiz, que tanto lhes custava
conter, o Imperador e o Ministerio não vacillaram
em fazer sua a indignação popular
e ameaçaram Portugal «com publicar algum
decreto que teria o effeito de annullar
todo o tratado
[47]».
Defeza do tratado
por Sir Charles Stuart.
Sir Charles Stuart defendeu com boas razões
o seu trabalho perante as criticas portuguezas.
Lembrou que, em vista das disposições
de animo do Imperador, dictadas
[257]
pela situação politica do Brazil n'aquelle
periodo, muito melhor havia sido não tocar
no ponto perigosissimo da successão, deixando-a
tacitamente regulada pela lei natural,
e pelas leis fundamentaes do Reino.
Fez ver que as estipulações commerciaes
eram expressamente provisorias e sujeitas a
revisão e aperfeiçoamento, tendo entretanto
a adopção temporaria aberto logo a porta ao
intercurso mercantil entre os dous paizes,
em vez de retardal-o com uma negociação
espinhosa, durante uma phase em que as
paixões politicas estavam ainda exhuberantes
e vivissima a suspeição mutua, e em
que o Brazil timbrava em não fazer concessões
á sua ex-metropole. Finalmente recordou,
quanto á accusação de que D. Pedro,
em vez de respeitar, annuia á
assumpção
por seu Pai do titulo imperial, que o artigo
tinha sido redigido nos termos mais cautelosos,
além de seguir, e não preceder, o
Decreto ou Carta Regia que estabelecia
aquella assumpção. O tratado apenas a approvava,
e a approvação exarada n'este documento
tornava-se outrosim indispensavel,
porquanto a Carta Regia não era conhecida
(veio a sel-o por uma insidiosa indiscreção),
[258]
e qualquer disposição só entra
realmente
em vigor quando fôr adoptada, de commum
accordo, pelas duas partes ás quaes ella interessa
ou diz respeito. O Imperador tinha
pois perfeito direito a annuir e, para ser
inteiramente valida a assumpção effectuada
pelo Rei, tornava-se necessario que elle
annuisse a reconhecer seu Augusto Pai
como depositario de dignidade igual á sua,
o que só podia derivar-se do convenio assignado
por ambas as partes, e não de uma
proclamação uni-lateral, cuja
imposição teria
feito mallograr-se todo o ajuste diplomatico.
Satisfacção
de Canning
com o tratado.
A conclusão da paz entre Portugal e
Brazil foi, não obstante o descontentamento
provocado nos dous paizes pelas suas condições,
uma fonte para Canning de intensa
satisfacção. Chamou a
negociação um successo,
e ancioso recommendava a Granville
que lhe desse pormenores mais explicitos
de como a noticia havia sido recebida em
França, pois o Rei estimaria muito saber
que o sentimento geral era favoravel ao tratado,
sem que, no caso contrario, se importasse
com o desespero dos ultras, porque
andava irritado com a duplicidade exhibida
[259]
pela França no Rio de Janeiro, e estimaria
até por este motivo vel-a desapontada e vexada
com o exito da Grã Bretanha na sua
mediação luso-brazileira. N'um memorandum
entregue ao Rei
[48],
concede Canning
a Sir Charles Stuart todo o merito que lhe
pertence na obtenção d'esse exito, mas ao
mesmo tempo queixava-se da tendencia manifestada
pelo plenipotenciario britannico
para desrespeitar as instrucções recebidas;
do tom de lastima da sua correspondencia
official, como que antevendo o fracasso da
missão―pessima disposição
diplomatica,
observava Canning―, e da pretenção de
querer recommendar ao Rei para o lugar
de ministro no Rio de Janeiro o consul
Chamberlain, assim pondo á margem o
Secretario d'Estado e privando-o
do
beneficio
das suas nomeações.
O candidato de Canning para o cargo de
ministro no Brazil, para onde, no dizer
d'elle, as potencias continentaes iam mandar
esplendidas missões, preenchidas por
pessoas de alta posição, era Mr Robert Gordon,
irmão de Lord Aberdeen, por muitos
annos secretario da embaixada em Vienna,
[260]
e diplomata conceituado no Foreign Office.
Mr Gordon foi effectivamente nomeado e foi
quem veio a negociar os primeiros convenios
definitivos da Grã Bretanha com o
Brazil. No mesmo memorandum ao monarcha
pedia Canning para Chamberlain a
dignidade de
baronet, que lhe seria
concedida
por Lord Dudley em 1828, depois do
fallecimento de Canning.
Os tratados com a
Grã-Bretanha.
Sua não ratificação.
Satisfacção igual á produzida pelo
tratado
luso-brazileiro esteve longe, muito longe,
de causar ao Secretario d'Estado a ulterior
noticia do tratado entre o Brazil e a Grã
Bretanha―
a most foolish and mischievous
treaty, escrevia Canning ao
Premier Liverpool
a 27 de Novembro de 1825. Stapleton
[49]
explica os motivos que levaram Canning
a não mandar instrucções positivas
a Sir Charles Stuart para a negociação dos
convenios com a Grã Bretanha, e a dissuadir
em seguida o monarcha de ratificar esses
documentos
[50].
Taes motivos constam dos
[261]
proprios despachos de Canning. O tratado
de 1810 fôra um tratado semi-politico, semi-commercial.
As vantagens commerciaes
offerecidas por Portugal no Brazil eram
compensadas pelos beneficios politicos dispensados
pela Grã Bretanha ao Reino. Uma
vez, comtudo, separado o Brazil de Portugal,
não era justo que continuasse aquelle
a pagar por uma protecção que no seu caso
queria apenas dizer amizade, e Canning foi
o primeiro a reconhecer a justiça da
observação
e a formulal-a elle proprio.
Palmella chegára a Londres munido de
poderes para renovar ou antes reformar,
por conta de Portugal, o tratado de 1810;
Canning entendia mais conveniente liquidar
primeiro essa parte para não lhe poderem
ser lançadas em rosto, e citadas como precedentes,
as concessões que estava disposto
a fazer ao Imperio, nação completamente
nova, nada tendo a ver com as obrigações
internacionaes e as dividas de gratidão da
sua ex-metropole, e não devendo submetter-se
a um exclusivismo de favores mercantis
que lhe embaraçariam toda a expansão economica.
Portugal, esse sim, teria que pagar
pelo protectorado de que gosava e pela protecção
[262]
aduaneira facultada aos seus vinhos.
A prolongação por dous annos, no Brazil,
do tratado de 1810, eis o que serviria todos
os interesses, permittindo a Canning concluir
sem precipitação o accordo que Palmella
mostrava tamanha pressa de ultimar,
que até marcára um prazo de trez mezes
para o encerramento das negociações em
Londres; e permittindo aos negociantes
inglezes em relações commerciaes com o
Brazil prepararem-se para uma reducção
das vantagens especiaes que então usufruiam,
e que eram aliás iguaes ás que, pelo
recente tratado, iam caber aos negociantes
portuguezes.
Motivos da
não ratificação.
Os favores
commerciaes.
Sir Charles Stuart não viu porem as
cousas do mesmo modo, e pressurosamente
fechou um negocio que lhe pareceu muito
feliz, mas que Canning achou em alguns
pontos summamente desfavoravel. Começou
o Secretario d'Estado por não encontrar
verdadeira reciprocidade no tratamento da
nação mais favorecida, mutuamente concedido
pelo Brazil á Grã Bretanha e pela Grã
Bretanha ao Brazil, porquanto semelhante
tratamento sabia-se perfeitamente ao que
equivalia na Inglaterra, onde era applicado
[263]
a varios paizes, mas não se sabia o que viria
a constituir no Imperio, o qual celebrára
com Portugal uma convenção commercial
provisoria e celebrava com a Grã Bretanha
o seu primeiro tratado com uma potencia
estrangeira. O Brazil entraria d'est'arte no
goso de certos e positivos favores, ao passo
que a Grã Bretanha teria que esperar que
favores equivalentes fossem concedidos a
varias nações, podendo não vir a ser
tão
completos e vantajosos como os que ella
propria dispensaria no seu tratamento ao
Imperio. Com effeito a estipulação de que as
mercadorias britannicas pagariam 15 0/0
ad valorem nas alfandegas
brazileiras (art.
XXII) era temporaria, da mesma forma
que com relação ás mercadorias
portuguezas,
e podia ser applicada a outras nações
ou subsequentemente alterada.
O direito de
busca.
Outro ponto ainda do tratado assignado
por Sir Charles cahiu debaixo da implacavel
analyse de Canning. Pelo artigo XVII compromettia-se
o Rei da Grã Bretanha com o
Governo Imperial a proceder a uma revisão
do modo de exercer em tempo de guerra o
direito de busca, para manter o qual a
Inglaterra havia «arrostado coalisões e
[264]
sustentado luctas armadas.» Tocar no direito
de busca, restringir-lhe a plenitude,
correspondia, na concepção da epocha, a
tocar nos proprios alicerces da politica maritima
britannica. Era, na phrase do Secretario
d'Estado, «conceder gratuitamente
ao recemnascido Imperio do Brazil, aquillo
que a Inglaterra pertinazmente recusára
tanto ás suggestões da amizade como ás
ameaças da hostilidade por parte de metade
das Potencias do Velho Mundo e do
mais
antigo dos Estados fundados no Novo.» A
adhesão do Brazil ao principio da regra defendida
pela Grã Bretanha n'este assumpto,
não valia absolutamente o preço por que
vinha a ser adquirida. «A Inglaterra recusava-se
a considerar tal adhesão como uma
concessão pela qual devesse pagar, sobretudo
um preço que envolvia a reapparição
de questões felizmente adormecidas.»
Aconteceu que, no Mexico tambem,
os plenipotenciarios britannicos, Morier e
Ward, fizeram sem instrucções
concessão
analoga, admittindo, debaixo de certas condições,
o principio de
navios neutros, mercadorias
livres (
free ships, free
goods), que
apenas em 1855 seria proclamado no Congresso
[265]
de Pariz. A este respeito escrevia
Canning do campo ao seu amigo Granville
[51]
que a Inglaterra, por causa do referido
artigo, ia negar a ratificação ao tratado
celebrado com o Mexico, não querendo elle
a ratificação com a
excepção do alludido
artigo para não estabelecer um mau exemplo,
e imitar um proceder frequentemente
censurado pela Grã Bretanha aos Estados
Unidos. Com o seu costumado
humour
accrescentava Canning que a recusa de
ratificação faria bem aos novos Estados,
«que parecem inclinados a considerar-se
personagens mais importantes (
finer
fellows)
do que eu estou absolutamente disposto
a consentir que elles sejam, necessitando
serem abaixados de um furo para trazel-os
ao nivel do Velho Mundo.»
A concessão ao Mexico equivalia pois á
promessa de revisão incluida por Sir Charles
Stuart no tratado com o Brazil, e que tinha
igualmente por objecto esse principio da
liberdade das mercadorias inimigas transportadas
em navios neutros, cuja revogação
d'entre os preceitos do direito maritimo a
Inglaterra por muito tempo combateu,
[266]
defendendo estrenuamente a faculdade de
busca. As circumstancias e o espirito do
mundo civilizado mudaram desde então,
mas é preciso não esquecer como, aos
decretos napoleonicos de Milão e Berlim
estabelecendo o bloqueio continental, a
Inglaterra tivera de responder com as famosas
Orders in Council que, com a
sancção
fornecida pela superioridade da marinha
britannica, prohibiam o trafico das outras
nações com o Continente. Tão absurdo
vemos hoje um como outro systema, e a
guerra de 1812, entre a Inglaterra e os Estados
Unidos, não foi mais do que um deploravel
resultado d'essa politica feroz, contra
a qual os Estados Unidos se rebellaram,
assumindo o nobre papel de defensores dos
direitos dos neutros.
A conservatoria
Ingleza.
Canning achou mais que a abolição do
artigo 10.º do tratado de 1810, estabelecendo
no Brazil um juiz conservador britannico,
com o fim de subtrahir á alçada dos tribunaes
nacionaes os pleitos dos negociantes
inglezes, representava uma offensa aos interesses
mercantis da Grã Bretanha. Essa
jurisdicção privilegiada, dizia elle, existia
em Portugal e exercia-se da maneira mais
[267]
vantajosa para as regalias, bens e pessoas
dos subditos de S. M. Britannica, que assim
se viam livres de perseguições e arbitrariedades
odiosas: porque razão extinguil-a no
Brazil, cujos tribunaes não inspiravam mais
confiança do que os da mãi patria? O exemplo
do Brazil seria de resto um estimulo
para Portugal, que promptamente reclamaria
com justiça a abolição de uma
instituição
repellida pela ex-colonia como attentatoria
da sua dignidade soberana e da
imparcial administração da sua
justiça.
Os reus de
alta traição.
Por ultimo, o artigo X do tratado negociado
por Sir Charles Stuart recusava protecção
aos individuos accusados de alta traição,
que procurassem asylo nos dominios
da Grã Bretanha e do Brazil, respectivamente,
e tornava obrigatoria sua expulsão,
mediante pedido de uma das Partes Contractantes.
Uma semelhante disposição feria de
frente a tradicional liberdade civil da Inglaterra,
que ainda hoje é accusada de albergar
os anarchistas e outros rebellados politicos
e sociaes, e abriria com certeza a porta a
solicitações identicas de paizes europeus.
Não se enganára Canning nas suas
apprehensões.
Conhecido o tratado, Portugal
[268]
pediu logo a abolição do juiz conservador
e o embaixador russo Lieven reclamou a
entrega de um conspirador seu compatriota,
a quem tinha recebido á sua meza uma
semana antes; sem fallar em que a França
obtinha no Rio os mesmos 15 0/0 da nação
mais favorecida, e em que os Estados Unidos
se dispunham com mais desembaraço
a reabrir a questão do direito de busca, a
qual a Republica não cessava de querer
impôr á
reconsideração da Inglaterra
[52]
Além d'isso encontravam-se no Mexico os
plenipotenciarios britannicos em plena negociação
de um novo ajuste, ou melhor, da
clausula questionada, de cuja alteração
ficára afinal dependente a
ratificação, e o
effeito das concessões consentidas por Sir
Charles Stuart seria deploravel, porque
justificariam quaesquer exigencias parecidas,
formuladas por aquella republica.
A publicação
dos
tratados.
Outras objecções existiam, com
relação
ao convenio anglo-brazileiro sobre o trafico
de escravos, e desde o momento em que os
dous tratados tinham sido ratificados pelo
Imperador do Brazil, fizera-se quasi mister
[269]
adoptal-os ou rejeital-os
in totum,
não sendo
correcto para os principios diplomaticos inglezes
procurar alterar certos artigos por
meio de novas instancias confiadas ao plenipotenciario
que os negociára, desviando-se
das suas instrucções. Canning preferiu
portanto negar a ratificação britannica e
expedir outras instrucções para o arranjo
pelo mesmo plenipotenciario ou, no caso
da sua partida, pelo consul geral Chamberlain,
de outros convenios, sem as clausulas
a que o Foreign Office fazia opposição. Na
vespera porem da expedição da mala contendo
aquellas instrucções, appareceu nos
jornaes de Londres, transcripto de uma
folha brazileira
[53],
o texto dos dous tratados
firmados por Sir Charles Stuart. Caso
identico sabemos que se tinha dado com os
tratados negociados em nome de S. M.
Fidelissima, que tambem foram publicados,
no dizer de Sir Charles sem a sua annuencia,
e até a despeito das suas reclamações.
Caso identico igualmente dera-se com os tratados
firmados com Colombia, Buenos-Ayres
e Mexico, mas, pelo menos, havia a desculpa,
com relação aos dous primeiros, de que
não
[270]
passavam da reproducção litteral do projecto
de tratado esboçado pelo Governo Britannico,
não podendo portanto moralmente
deixarem de ser ratificados; e com relação
ao ultimo, de que a divulgação tinha tido
lugar nas violentas discussões parlamentares
originadas pelo tratado.
Canning ficou irritadissimo com uma tentativa
que elle julgava feita para forçar-lhe
a mão e obrigal-o a adherir aos termos
exactos dos documentos. Por isso resolveu―conforme
suas proprias expressões,
«para castigar um uso previamente desconhecido
em diplomacia, e que era tão
improprio quanto singular; para poupar á
corôa britannica a repetição de uma
analoga
affronta, e para obviar ás inducções
que as
potencias estrangeiras poderiam tirar de
dadas estipulações do tratado
commercial»―renegar
por meio de uma circular os alludidos
convenios e transferir para Londres
a séde das negociações dos que os
deveriam
substituir. O Secretario d'Estado estava
comtudo em duvida si Sir Charles tinha
sido ou não connivente na publicação
no
Rio de Janeiro dos tratados, quer os concluidos
em nome do Rei de Portugal, quer
[271]
os concluidos em nome do Rei da Grã
Bretanha. Do que elle o accusava era
de haver agido no segundo caso contra o
espirito da administração, e explicava o
estranho procedimento do seu subordinado
pela presumpção que o distinguia,
e pela convicção em que ainda jazia de
que Jorge IV detestava Canning e de que
o conflicto entre monarcha e ministro não
poderia findar senão pela queda do ministro.
Canning e
Sir Charles
Stuart.
Na sua costumada maneira epistolar,
animada e directa, Canning assim desfazia
as illusões de Sir Charles: «Toda a sua
correspondencia de Lisboa trai tal persuasão.
É escripta com as tintas mais pronunciadas
do
ultraismo, e a
alteração que elle
admittiu nas suas instrucções e que poz em
risco o successo das negociações do Rio de
Janeiro (a assumpção do titulo imperial pelo
pateta do velho Rei de Portugal) acha-se
alli justificada com os principios mais altos
da legitimidade; principios que casam tão
bem com a sua bocca ou despachos, como
a piedade com Wilkes ou a castidade com
W.. Sua inimizade para commigo não carece
de ser relatada a quem, como V., é
[272]
uma das causas d'ella
[54].
Á offensa mortal
de haver collocado V. em Pariz, junta-se
porem outra razão de queixa talvez maior,
pelo menos mais fresca, que foi a minha
firme repetida recusa de dar-lhe uma commissão
errante para todos os novos Estados
da America do Sul.»
[55]
Não obstante a sua falta de sympathia
com as idéas ostentadas por Sir Charles
Stuart e a falta de cordialidade, de individuo
a individuo, que existia entre os dous, Canning
seria perfeitamente incapaz de, por um
capricho ou prevenção pessoal, sacrificar
um resultado diplomatico que lhe parecesse
um ganho. Era em demasia homem d'Estado
para assim proceder. A não ratificação
do tratado de 1825 pode ser discutida, sobretudo
á luz dos principios que vieram
mais tarde a prevalecer no direito internacional
e na orientação da politica britannica.
Segundo as idéas correntes na
Inglaterra de Jorge IV, tal acto foi no emtanto
apropriado e acha-se amplamente justificado
nos despachos de Canning, si bem
[273]
que Pereira Pinto não saiba ao que attribuil-o,
si á abolição da conservatoria, que
foi de facto um dos motivos, mas o menos
importante; si á reserva nacional da cabotagem,
a qual todavia reapparece no tratado
de 1827; si ao regimen de excepção
para o commercio portuguez, concessão
aliás que estava no espirito de Canning
desde o começo das negociações, e
á repetida
apresentação da qual o Secretario d'Estado
nunca oppoz uma negativa ou mesmo uma
duvida nas suas entrevistas com Palmella.
O texto dos
tratados.
A ultima parte da decisão de Canning,
concernente ao local das futuras negociações,
teve comtudo que ser abandonada na
execução, e foi no Rio de Janeiro que se
negociaram e assignaram os novos tratados,
sendo em ambos plenipotenciario britannico
Mr Robert Gordon. A convenção
relativa ao trafico, para a qual serviram
de plenipotenciarios brazileiros o Ministro
de Estrangeiros marquez de Inhambupe
[56]
e o Senador marquez de Santo
Amaro
[57],
traz a data de 23 de Novembro
[274]
de 1826
[58]:
por ella ficava o trafico de
escravos sendo considerado e tratado de
pirataria, trez annos depois da troca das
ratificações, a qual se effectuou em Londres
a 13 de Março de 1827. Ficariam entretanto
em vigor os tratados de 1815 e 1817, com
os artigos explicativos e addicionaes.
O tratado de amizade e commercio traz
a data de 17 de Agosto de 1827, e foi
ratificado a 10 de Novembro do mesmo
anno
[59].
Serviram de plenipotenciarios
brazileiros o Ministro de Estrangeiros
marquez de Queluz
[60],
o Ministro do
Imperio visconde de São Leopoldo
[61]
e
o Ministro da Marinha marquez de Maceyó
[62].
Continha vinte e nove artigos.
Referiam-se os artigos I a III á
jurisdicção
consular; o IV á liberdade religiosa; o V á
liberdade civil, isenção do serviço
militar,
etc., para os subditos de uma nação nos
territorios da outra; o VI á
manutenção
temporaria do Juiz Conservador da
Nação
[275]
Ingleza, «até que se estabeleça algum
substituto
satisfactorio em lugar d'aquella
jurisdicção»,
e á igualdade juridica de Inglezes
e Brazileiros. O artigo VII previa os casos
de rompimento de relações; o VIII o
serviço
militar em uma dos desertores da outra
nação, e os casos de
deserção; o IX os cumprimentos
de salvas. O artigo X dizia respeito
ás relações commerciaes, estabelecendo
a sua liberdade e a da navegação
mercante, perfeitamente franca, com excepção
da de cabotagem. Os direitos de pharol,
tonelagem, etc., seriam os mesmos para
os navios nacionaes e para os da outra
nação, segundo o artigo XI. Definia o artigo
XII a nacionalidade das embarcações;
estipulava o artigo XIII a maxima extensão
do commercio, excepção feita dos generos
de monopolio da Corôa (artigo XIV); discriminava
o artigo XV o que se reputava
contrabando de guerra, e mencionava o
artigo XVI o serviço de paquetes. O artigo
XVII occupava-se dos piratas e roubadores
do mar e sua punição; o artigo XVIII das
occorrencias de naufragios; o artigo XIX
dos direitos aduaneiros a pagar, que seriam
no maximo de 15 0/0
ad valorem,
baseados
[276]
no preço corrente dos generos no mercado,
para as mercadorias britannicas. Qualquer
diminuição maior, facultada a mercadorias
estrangeiras, outras que não portuguezas e
transportadas em navios portuguezes ou
brazileiros, sel-o-hia igualmente ás mercadorias
britannicas (artigo XX). O tratamento
da nação mais favorecida era concedido
ás importações do Brazil na
Grã Bretanha
e Colonias (artigo XXI), isto é, os
direitos seriam os mesmos para as importações
do Imperio que para as de qualquer
outro
paiz estrangeiro. O artigo
XXII referia-se
á armazenagem e reexportação dos
chamados generos coloniaes, iguaes na Inglaterra
no caso do Brazil e no caso das
Colonias Britannicas, e á reciprocidade
d'este tratamento no Imperio. Versava o
artigo XXIII sobre os sellos da alfandega
(
cockets) originaes das
exportações britannicas,
os quaes deviam ser annexos ao manifesto
apresentado á alfandega do porto
de entrada. Estatuia o artigo XXIV ácerca
da liberdade de commercio, concedida pela
Grã Bretanha nos seus portos e mares da
Asia aos subditos brazileiros, sobre a base
da nação mais favorecida. Occupava-se o
[277]
artigo XXV das concessões de
gratificações
(
bounties) e
restituição de direitos
(
draw-backs),
para os casos das exportações serem
feitas em embarcações brazileiras ou inglezas.
Pelo artigo XXVI obrigava-se o
Imperio a não restringir o commercio britannico
por qualquer monopolio ou privilegio
de compra e venda, antes a manter a
maior franquia do intercurso domestico,
com exclusão dos artigos reservados á
Corôa. No artigo XXVII incluia-se a igualdade
do tratamento propriamente aduaneiro.
Finalmente os dous ultimos artigos marcavam
o prazo minimo de quinze annos para
a vigencia do tratado, e o maximo de quatro
mezes para a troca das ratificações.
Desvantagens
dos tratados.
Os effeitos do tratado de 1827, bem como
as controversias originadas em varias das
suas clausulas, serão opportunamente estudados.
Por emquanto bastará lembrar que
algumas disposições encerravam germens
de futuras divergencias. Pereira Pinto condemna
particularmente a manutenção da
conservatoria ingleza, apenas abolida em
1844, quando o tratado deixou de estar em
vigor; a amplissima liberdade de negociar,
prejudicial, diz elle, á
nacionalização do
[278]
commercio, mas que entretanto foi, sob
outros aspectos, um enorme beneficio; a
desigualdade, com o fito de proteger os estaleiros
domesticos e animar a marinha mercante
nacional, no modo de regular a nacionalidade
dos navios, pois ao passo que se
consideravam inglezes os que fossem possuidos,
registrados, e navegados segundo
as leis da Grã Bretanha, eram reputados
brazileiros sómente os construidos no territorio
do Brazil, possuidos por Brazileiros,
e cujo mestre, e trez quartas partes da
tripolação
fossem tambem subditos do Imperio;
finalmente o estabelecimento de direitos
fixos de 15 0/0 para as importações
da Inglaterra, quando os direitos aduaneiros
cobrados n'essa nação, ainda então
proteccionista,
não se achavam claramente definidos,
entrando apenas o Brazil na cathegoria
da nação mais favorecida.
Quaesquer favores especiaes concedidos
pelo Brazil―os proprios favores geraes
eram nocivos por comprometterem a nossa
liberdade de trafico e a nossa legislação
aduaneira―no momento em que precisava
concentrar toda a sua reserva de actividade
no desenvolvimento das suas relações mercantis
[279]
com todo o mundo civilizado, representavam
de facto empecilhos áquelle desenvolvimento,
restringindo a area das relações.
As disposições commerciaes do tratado
luso-brazileiro de 1825 foram bastantes,
por exemplo, para logo estimular no Reino
a construcção de
embarcações mercantes e
insufflar a navegação para o Brazil, sem o
correspondente incremento ultramarino.
Verdade é que o annuncio de prosperidade
fez desapparecer o desgosto previamente
causado pela obra diplomatica em que Sir
Charles Stuart serviu de instrumento pouco
docil da direcção de Canning. Para juntar
á satisfacção mercantil em Portugal a
politica
no Brazil, mandou o Secretario d'Estado,
uma vez ratificado o tratado com o Reino
[63],
dirigir-se Sir William A' Court ao conde de
Porto Santo afim de dissuadir D. João VI
de assumir o titulo de Imperador, que lhe
fôra officialmente reconhecido pelo Filho.
D. João VI
Imperador do
Brazil.
O conde de Porto Santo, comquanto inclinado a admittir em these o
acerto do
conselho de Canning, não achou porem que
fosse mais tempo de pôl-o em pratica, porque
o abandono do titulo imperial seria infallivelmente
attribuido
[280]
pelo sentimento
portuguez a pressão estrangeira. O ministro
todavia prometteu que semelhante titulo
seria d'ora em diante discretamente usado.
A condescendencia de Porto Santo chegou
a suscitar duvidas no espirito de Canning
sobre a veracidade da opposição levantada
a Sir Charles Stuart, quando este plenipotenciario
tratára em Lisboa de cumprir a
lettra das suas instrucções, que excluiam
por completo a hypothese d'essa honraria
inane, a que se apegára o debil espirito de
auctoridade do Rei de Portugal. A adopção
do titulo de Imperador do Brazil não veio
no emtanto, como Canning mostrava recear,
a soffrer difficuldades por parte das
Côrtes européas, tendo aliás fallecido
em
1825 aquelle de quem mais se poderia temer
a reluctancia, o Imperador Alexandre. O
proprio D. João VI falleceu a 10 de Março
de 1826, apenas um mez depois que, no
Parlamento Britannico, fizera o discurso do
throno menção da
reconciliação entre
Portugal
[281]
e Brazil e do reconhec
e Brazil e do reconhecimento do Imperio.
Recebimento
de Itabayana.
A não ratificação do tratado assignado
por Sir Charles Stuart em nome da Inglaterra
não retardou entretanto o recebimento
official de um representante brazileiro na
côrte de Londres. No dia 30 de Janeiro de
1826, na mesma occasião em que o embaixador
russo Lieven entregou a sua nova
credencial, firmada por Nicolau I, e que o
marquez de Palmella depoz nas mãos do
Rei da Grã Bretanha uma Carta de Gabinete
do seu soberano, o Imperador senior
do Brazil, era Gameiro Pessoa, barão de
Itabayana e ministro plenipotenciario do
Imperador junior D. Pedro I, desde 21 de
Outubro
[64],
recebido por Jorge IV no castello
de Windsor. Itabayana não chegava á
meta com grande atrazo. Tinham decorrido
apenas pouco mais de dous mezes do recebimento
do seu collega da Colombia. Com
effeito o recebimento dos ministros latino-americanos,
ajustado em Dezembro de
[282]
1824, começou a ter lugar, a 21 de Novembro
do anno immediato, com a audiencia
dada ao representante da Colombia.
O ministro Hurtado, conta Canning n'uma
das suas epistolas, portou-se com gravidade
proporcionada ao momento, apenas
desgraçando a lingua franceza em que discursou.
Canning chama a linguagem do
diplomata
the most unlicensed and arbitrary
French, which it is possible to imagine. No
mesmo francez, pois que o inglez, sómente
o comprehendia, assegurou Hurtado ao monarcha
britannico que o seu Governo estava
firmemente disposto a cultivar relações pacificas
com todo o mundo, especialmente
com os novos Estados da America, e nomeadamente
com o Brazil, como aquelle
que estava mais immediatamente debaixo
da protecção de Sua Magestade
[65].
IX
O
reconhecimento
nas outras côrtes
da Europa.
A não ser na Russia―para onde foi nomeado
encarregado de negocios, em começos
de 1825, Luiz de Souza Dias, não seguindo
entretanto de Londres para o seu
posto por entenderem Brant e Gameiro que
era preferivel aguardar o reconhecimento
imminente por Portugal e pela Inglaterra,
a expôr-se a uma recusa humilhante e quasi
justificada na luz do proceder de Alexandre I―o
Imperio entreteve agentes diplomaticos
nas principaes côrtes européas―Austria,
França, Grã Bretanha e Roma―desde
pouco tempo depois da Independencia.
A Austria.
Na côrte de Vienna verificámos serem
continuas as relações de Telles da Silva
com o Chanceller Metternich, e a Embaixada
austriaca em Londres dispensou sempre
aos nossos enviados a maxima gentileza.
O intercurso entre Esterhazy e Neumann
[284]
e Brant e Gameiro foi invariavelmente,
não só amavel conforme cumpria
entre gente de boa sociedade, como até
affectuoso
[66].
Depois do tratado de 29 de
Agosto, então, a effusão do barão de
Neumann
não conheceu limites e tornou-se
quasi dithyrambica. A 28 de Novembro
recebia o barão de Itabayana a seguinte
carta: «Chandos House, ce 28 Nov.―Mon
cher Chevalier, J'ai la satisfaction de
pouvoir vous annoncer que S. M. T. F. a
ratifié le traité et la convention conclus au
Rio de Janeiro―et veuillez croire que personne
ne se réjouit plus que moi de pouvoir
vous en féliciter et appeler enfin Don Pedro―Empereur
légitime du Brésil.―Tout à
vous,
Neumann.»
Os serviços prestados em Vienna por
Telles da Silva foram devotados e proveitosos.
Bastava-lhe ser representante do
genro do Imperador d'Austria para se lhe
deparar facil entrada na mais alta sociedade
e facil accesso junto ao omnipotente
[285]
Chanceller: elle contava porem, além do
seu caracter diplomatico, com parentes em
elevadas posições na côrte austriaca, e
com
o seu proprio tacto, que não lhe faltava,
mau grado um temperamento que elle
mesmo accusava de colerico. Não era comtudo
homem que se esquecesse de cortejar
Metternich ou de presentear Gentz. As suas
cartas a Gameiro―pois que Londres era
o centro dirigente de todas as nossas operações
diplomaticas e financeiras―reflectem
naturalmente os differentes estadios
por que passou a opinião do Governo Austriaco
com relação ao reconhecimento do
Imperio. Metternich, não ha duvida, teria
chamado a si a mediação e tentado fazer a
paz, si a Inglaterra por acaso falhasse ou
fraquejasse na sua tarefa. Chegou a desejar
a presença de Caldeira Brant em Vienna,
mas dizendo pouco depois, quando, por hostilidade
a Canning mais que tudo, andou
favorecendo Portugal contra o Brazil, que
era para persuadir Brant a ir ao Rio de
Janeiro convencer o Governo Imperial de
acceitar o contra-projecto portuguez. A isto
respondeu-lhe Telles da Silva com desembaraço,
que o Marechal antes quereria levar
[286]
um projecto dos Turcos aos Gregos do que
o projecto de Portugal ao Brazil. Na correspondencia
para Londres lamentava entretanto
a suspensão dos convites para jantares
que estava acostumado a receber do Chanceller,
registrava as incivilidades a que andava
exposto por parte de membros da Legação
Portugueza, e no seu desconsolo chegava
a fallar em regressar ao Brazil, por
lhe parecer inutil sua permanencia.
Tudo isto vimos que veio a modificar-se,
volvendo Metternich aos seus sorrisos e
Telles da Silva aos seus jantares
[67].
O papel
ulterior da Austria nas negociações do
Rio de Janeiro foi destituido, não de actividade,
mas de combatividade. Ha um destino
para as nações, como para os individuos,
e o destino da Austria na historia da
[287]
civilização européa entrára
a ser tão destituido
da pristina importancia, que a consciencia
d'esta decadencia irremediavel lhe
tolhia os movimentos energicos e reduzia
a sua acção á esterilidade sob o ponto
de
vista do desenvolvimento humano. Os seus
movimentos nervosos, quasi puramente
instinctivos, nada creavam mais, nem
mesmo no sentido da reacção.
A Independencia foi reconhecida pelo
Chanceller a 27 de Dezembro de 1825, sendo
o ministro do Brazil logo recebido officialmente
pelo Imperador. O proprio Telles da
Silva assignaria com o principe de Metternich
o tratado de commercio de 16 de Junho
de 1827, vigente por seis annos, nas bases
da convenção previa firmada no Rio de Janeiro
aos 30 de Junho de 1826. A Austria
obteve por aquelle tratado o mesmo tratamento
que a Grã Bretanha, a saber, liberdade
de commercio e navegação, direitos
de importação de 15 0/0, favores
relativamente
aos direitos de ancoragem e tonelagem,
tolerancia religiosa, isenção do
serviço
militar, etc. Apenas no tocante á
determinação
da nacionalidade das embarcações,
era o tratado mais vantajoso para
[288]
o Brazil, suspendendo além d'isso provisoriamente
a execução da obrigação de
serem trez quartas partes dos tripolantes
subditos do Brazil. As bases concedidas á
Austria formaram tambem os fundamentos
dos tratados concluidos com a Prussia a
9 de Julho de 1827, com as Cidades Hanseaticas
a 17 de Novembro de 1827, com a
Dinamarca a 26 de Abril de 1828, com os
Estados Unidos da America a 12 de Dezembro
de 1828, com os Paizes Baixos a
20 de Dezembro de 1828, com a Sardenha
a 7 de Fevereiro de 1829. A Austria igualmente
dava ao Brazil o tratamento da nação
mais favorecida, com a differença porem
que o maximo das taxas cobradas pelo Imperio
sul-americano ficaria estipulado e
irreduzivel no tratado com a Inglaterra,
modelo dos demais.
A França.
A França não lográra, como vimos,
servir
de medianeira, e da mesma forma que
as outras nações da Santa Alliança
teria
tido que passar depois da Inglaterra, si não
houvesse sobrevindo o incidente da não
ratificação dos tratados assignados por Sir
Charles Stuart. A sua benevolencia esteve
comtudo sempre segura, para o caso que
[289]
quizessemos appellar directamente para
ella, com a equivalente compensação.
Não
foi insignificante em Pariz o papel diplomatico
de Borges de Barros, já tratando de
manter e radicar a França em favor do Imperio,
para que não embaraçasse muito os
bons officios que na questão do reconhecimento
a Inglaterra lhe estava prestando, já
mesmo solicitando a cooperação do ministerio
francez para ser o Imperio garantido
pelas grandes Potencias da Europa, e não
ficar unicamente preso á amarra ingleza.
Nem podiam, dadas as circumstancias, ir
além d'esse objectivo os intentos de Borges
de Barros, mas era o bastante para enfadar
a Grã Bretanha, ciosa de que a França podesse
anticipar-se-lhe no reconhecimento, e
por conseguinte nas boas graças do Brazil.
O ciume de Canning, a que elle deu largas
na conferencia de Combe Wood aos
10 de Maio de 1825, foi todavia um estimulo
mais para a solicitude do Foreign Office, a
qual se viu recompensada com o frio acolhimento
imperial á precipitação do agente
diplomatico francez, quando ficou decidida
a missão Stuart. N'outra emergencia anterior
já quizera a França tomar o passo á
[290]
Grã Bretanha, offerecendo a D. Pedro I,
por occasião da rebellião pernambucana de
Manoel de Carvalho, os serviços da sua
esquadra estacionada no Rio de Janeiro,
com o fim de defender o Governo Imperial
contra qualquer ataque popular, motivado
pela excitação republicana. Sob a capa de
salvaguardar os interesses monarchicos no
Novo Mundo, pretendia a França assim promover
seus interesses politicos e mercantis;
mas no Brazil existia, na administração,
plena consciencia de que ao Imperio não
convinha praticar acto algum que desagradasse
a Inglaterra―«potencia, escrevia
Carvalho e Mello
[68],
que mais propendia
na Europa a seu favor, a mais interessada
na independencia do Continente Americano
e a que podia prestar ao Imperio mais
promptos e efficazes auxilios.»
Pouco depois de assignados por Sir
Charles Stuart os tratados com Portugal e
com a Inglaterra, annunciou o conde de
Gestas ao nosso Ministerio de Estrangeiros
achar-se auctorisado «para entrar em negociaçoens
relativamente ao reconhecimento
do Imperio e para tratar com o Governo
[291]
Brazileiro da parte do seu Monarcha.»
Indicaram-lhe os plenipotenciarios
imperiaes o dia 24 de Outubro como data
da primeira conferencia, sustando entretanto
as negociações ao verificarem que os
plenos poderes do encarregado de negocios
francez não designavam a cathegoria do
Imperador, conforme acontecia á credencial
de Sir Charles Stuart, e só o habilitavam
para tratar de objectos meramente commerciaes.
Propoz comtudo o conde de Gestas
que continuassem as conferencias para
conclusão de um tratado de commercio,
que seria assignado por elle e pelos plenipotenciarios
brazileiros e depois remettido
para Pariz «afim de alli ser ratificado por
S. M. Christianissima, devendo depois voltar
revestido d'aquella formalidade, e com
os Plenos Poderes exarados em regra, para
ser igualmente ratificado por S. M. Imperial.»
O Governo Brazileiro annuio á proposta
e as negociações proseguiram n'esta
intelligencia, «devendo passar-se as competentes
Notas Reversaes, para completa
legalidade do que vai exposto»
[69].
[292]
A 8 de Janeiro de 1826 assignava-se no
Rio de Janeiro o Tratado de Amizade, Navegação
e Commercio entre França e Brazil,
a que se seguiram alguns artigos addicionaes
e explicativos, assignados a 7 de Junho
de 1826
[70].
Por esse tratado, firmado pelo
conde de Gestas em nome de Carlos X e
pelos viscondes de Santo Amaro e Paranaguá
em nome do Imperador, a nossa Independencia
era reconhecida e regulavam-se
a reciprocidade da representação diplomatica
e consular, os mutuos direitos dos
subditos dos dous Soberanos, a entrega dos
desertores, a liberdade do commercio e da
navegação (menos a de cabotagem, os monopolios
da Corôa e os artigos de contrabando
de guerra), as taxas de pharoes e tonelagem,
etc.―tudo sobre a base da nação
mais favorecida, equivalentes portanto os
direitos de importação a 15 0/0
ad valorem.
D'este tratamento exceptuava-se sempre o
que fosse de futuro accordado com Portugal,
que podia vir a ser a nação de todas
a mais
favorecida. Pedra Branca apresentou em
Pariz ao barão de Damas, ministro de Estrangeiros,
[293]
sua credencial de Encarregado
de Negocios a 11 de Fevereiro de 1826, e a
20 era Itabayana recebido em Londres pelo
embaixador francez principe de Polignac.
A Santa-Sé.
Em Roma foi Monsenhor Francisco
Corrêa Vidigal o encarregado de alcançar
a consagração papal para a nova
nação
catholica. O enviado imperial chegou á
Cidade Eterna quasi sem aviso previo, e
valeu-lhe de certo isto o não ser detido em
caminho, como aconteceu com o enviado
da Colombia, que o embaixador d'Hespanha
conseguio fosse parado em Florença e obrigado
a sahir de Roma, quando teimou em
apresentar-se. O conde de Funchal, embaixador
portuguez, tratou tambem de embaraçar
por todas as formas a missão de Monsenhor
Vidigal, o qual foi recebido pelo Cardeal
Secretario d'Estado, mas não officialmente,
mau grado o seu caracter ecclesiastico
e a sujeição espiritual, de que era portador,
da parte do Chefe do enorme Estado
sul-americano. Nem mesmo lhe permittiram
entabolar negociações. A 19 de Março
de 1825 escrevia elle a Gameiro: «Continua
o meu interdicto: ainda não disse ao que
vim. Espero pela chegada de Lord Stuart,
[294]
como os Judeus esperão pelo Missia porque
creio se decifrará o enigma, e terei o uzo da
falla... A minha situação he por extremo
dezagradavel.»
A Santa Sé, acostumada á liberalidade
portugueza em materia de favores religiosos,
via com
angustia, dizia o nosso
enviado,
separar-se o Brazil, que era a parte rica da
monarchia. Como as circumstancias porem
se fossem mostrando favoraveis ao reconhecimento
do Imperio, a côrte papal entrou,
em Agosto de 1825, quando já eram conhecidos
o objecto e quasi o successo da missão
Stuart e considerado certo o reconhecimento
em qualquer caso pela Inglaterra, a
mostrar certo interesse pelas cousas espirituaes
do Brazil, chegando Monsenhor Vidigal
a ser consultado. Politicamente porem
as cousas permaneciam no mesmo pé. A 29
de Setembro ainda elle escrevia a Gameiro:
«As nossas missões a Europa foram intempestivas,
porque só viemos ser testemunhas
occulares da nossa humiliação. Digo de
mim principalmente porque na Côrte da
Christandade, tenho sido tratado pelo Santissimo
Padre Leão 12 com a ultima indifferença:
ainda o não vi: e ao seu Ministro
[295]
huma unica vez, para n'ella m'intimar que
não mais lhe aparecesse! Se aqui viêra
hum Turco mandado pelo Gram Senhor,
de certo seria melhor accolhido, apezar de
dettestar o nome Christão por dogma do
seu Alcorão. No entanto eu mandado pelo
Imperador do Brazil, Principe Catholico, e
Soberano de Um povo Christão, sou
excluido de aparecer deante do Supremo
Jerarcha da Christandade: procedimento
appoiado pela França, que acaba de reconhecer
a Republica de Hayti. Isto são anomalias
politicas: preciso toleral-as com
muita resignação.»
Roma só queria tratar com o Imperio depois
d'este ter recebido todos os sacramentos.
Mesmo quando Monsenhor Vidigal
annunciou ao Cardeal Secretario d'Estado
o reconhecimento por D. João VI, a Santa
Sé não se moveu. Esperou que o acontecimento
fosse devidamente communicado
pelo conde de Funchal ou pelo nuncio em
Lisboa, e levou o seu formalismo ao ponto
de questionar a validade da credencial do
nosso enviado, pelo facto de ter sido assignada
por D. Pedro antes da celebração e
ratificação do tratado negociado por Sir
[296]
Charles Stuart. Foi preciso que Vidigal se
rebellasse contra esta demasiada exigencia
e manifestasse sua profunda contrariedade
para ser admittido, no dia 23 de Janeiro de
1826, a entregar suas credenciaes de ministro,
ficando d'est'arte reconhecido o Imperio.
Uma vez transposto este Rubicon,
as relações diplomaticas tornaram-se faceis
e correntes. Por Nota de 23 de Outubro de
1826 annunciou o Cardeal Della Somaglia
a Monsenhor Vidigal (o qual exerceu suas
funcções de plenipotenciario até a
abdicação,
em 1831) que o Papa enviaria ao Brazil
um nuncio de 1.ª classe, recahindo depois
a nomeação pontifical em Monsenhor,
mais tarde Cardeal Pietro Ostini
[71].
Antes d'isso, a 30 de Setembro de 1826,
havia Della Somaglia encaminhado o Breve
que concedia ao Imperio do Brazil os privilegios
da Bulla da Santa Cruzada, nas
mesmas condições concedidas em 1816 a
todos os Estados dependentes da Corôa
Portugueza. Ao reconhecer o Imperio, tinha
igualmente a Santa Sé extendido ao Brazil
as garantias de que gosava Portugal por
[297]
virtude da Constituição de Clemente XII
(1737) e do Breve «
Inter
pr[ae]cipus ministerii
nostri partes.» A 15 de Maio de 1827
seguia-se a Bulla creando no Brazil a Ordem
de Christo, desligando-a da de Portugal
e concedendo-lhe o Padroado das Egrejas e
Beneficios do Imperio, sendo os Imperadores
do Brazil perpetuos Grão-Mestres.
A esta Bulla porem negou a Camara dos
Deputados Brazileira o beneplacito por
parecer de 17 de Outubro do mesmo anno―assignado,
entre outros, por Vergueiro,
Feijó, José Clemente, Limpo de Abreu e
Bernardo de Vasconcellos―, declarando o
Decreto subsequente de 4 de Dezembro de
1827 que o Imperador proveria os beneficios
ecclesiasticos em virtude do artigo 102
§ 2 da Constituição
do Imperio, e não como
Padroeiro e Grão Mestre da Ordem de
Christo
[72].
As instrucções de Carvalho e Mello a
Monsenhor Corrêa Vidigal, as quaes acompanharam
o Despacho de 28 de Agosto de
1824 e se encontram publicadas na citada
obra de Candido Mendes, recommendavam-lhe
[298]
que celebrasse uma Concordata com a
Santa Sé para o estabelecimento dos privilegios
do soberano do Brazil como tal, como
Protector da Egreja e como Padroeiro das
de todos os seus Estados. O Imperador
nomearia todos os arcebispos, bispos e outros
titulares de beneficios ecclesiasticos,
sendo confirmados
pro forma pelo
Santo
Padre os titulares das Sés vagas apresentados
pelo monarcha, e erigiria novos bispados,
que o Santo Padre confirmaria. Como
Grão Mestre da Ordem de Christo gosaria o
Imperador dos direitos exercidos na mesma
qualidade pelo Rei de Portugal. A Concordata
nunca chegou a realizar-se, porque o
espirito de regalismo era demasiado vivo e
susceptivel entre o mundo politico brazileiro,
para permittir a conclusão de um
ajuste d'essa ordem. Obtiveram porem solução
favoravel muitas das materias incluidas
nas instrucções de Vidigal, por exemplo
a creação de bispados, o desligamento das
ordens de Christo, Aviz e Santiago, sendo
o Imperador confirmado no Grão Mestrado
por Bulla de 9 de Junho de 1827, etc. Si não
se obtiveram para a Egreja Brazileira todos
os privilegios inherentes e conferidos á
[299]
Egreja Lusitana (entre elles um Patriarcha
e dous Cardeaes, sendo o primeiro
de
jure
e o outro de graça especial) é porque o
Governo Imperial descurou-se de impetrar o
necessario Breve.
O reconhecimento
nas outras
côrtes européas.
Nas principaes côrtes européas os nossos
interesses andaram pois entregues desde
principio a pessoas competentes para zelal-os.
Em Lisboa mesmo foram os assumptos
brazileiros confiados a Clemente Alvares de
Oliveira Mendes, o qual todavia mais parece
haver sido um agente de negocios do que
propriamente um agente politico―alguma
cousa no genero do major Jorge Antonio
Schaeffer, que de Hamburgo remettêra,
além de soldados e officiaes, colonos allemães,
alliciados por meio de contractos ou
engajamentos que o Governo Brazileiro
prohibiu em Janeiro de 1824, recommendando-lhe
que fosse promovendo a emigração
espontanea ou voluntaria, e mandando
para instigal-a do Mecklemburgo o
capitão Eustaquio Adolpho de Mello Mattos,
n'esse tempo em commissão na Europa
e que depois do 7 de Abril foi ministro do
Brazil em Londres.
Reconhecido o Imperio por D. João VI,
[300]
pela Inglaterra, pela França e pela Austria,
é claro que potencia alguma levantaria mais
obstaculos á admissão da nova
nação soberana
no seu gremio; nem mesmo a Russia,
onde Nicolau I subira ao throno imperial,
e onde o reconhecimento o mais que podia
era ser demorado, mas não recusado. A circular
expedida por Itabayana ás Legações
estrangeiras em Londres―então mais
numerosas, porque os Estados menores da
Allemanha mantinham seus representantes
separados e a Italia estava ainda fragmentada―notificando
nos começos de 1826 a
assignatura do tratado de 29 de Agosto de
1825 e o reconhecimento por S. M. Fidelissima
da Independencia brazileira, foi acolhida
sem surpreza e respondida com a
maxima cordialidade. A Suecia nem esperou
por tanto. A 5 de Janeiro participava o
seu ministro em Londres Stivuseld que o
Rei da Suecia e Noruega nomeára um Consul
Geral Encarregado de Negocios interino
no Rio de Janeiro, e accrescentava: «En
m'acquittant de cette commission agréable
et qui prouve l'empressement du Roi mon
Maître de nouer, même avant les notifications
d'usage, des relations intimes avec le
[301]
nouvel Empire, je ne saurais, Monsieur le
Baron, que me féliciter d'être le premier
organe de ce v[oe]u. Je vous prie, Monsieur
le Baron, de vouloir bien porter cette communication,
le plustôt que faire se pourra,
à la connaissance de Votre Cour.» A 7 de
Fevereiro fazia o mesmo ministro suas primeiras
aberturas para a celebração de um
tratado de commercio.
O Conselho Federal Suisso respondia de
Lucerna, directamente ao Imperador, a
30 de Janeiro, nos termos de que dá idéa o
seguinte paragrapho: «Le Directoire
Fédéral
reçoit avec une vive gratitude ces
ouvertures affectueuses, et pour prouver à
Votre Majesté Impériale le haut prix que la
Suisse y attache, ainsi que son empressement
à y répondre, nous ne voulons point
tarder un seul jour de vous offrir, Sire, avec
l'hommage de ses loyales félicitations au
sujet des grands événemens qui ont
amené
la reconnaissance de l'Empire Indépendant
du Brésil,―l'expression des v[oe]ux les plus
sincères pour la gloire et la
prospérité du
règne de Votre Majesté, pour celles de l'Auguste
Dynastie Impériale qu'elle a fondée et
pour le bonheur des Peuples soumis à son
[302]
autorité paternelle. En demandant avec
confiance au Gouvernement Impérial de
vouloir bien envisager et traiter les Suisses
dans ses provinces comme citoyens d'un
Etat véritablement ami de la Couronne du
Brésil, nous le prions en particulier d'accorder
protection et faveur à leur commerce,
enfin, comme il existe depuis quelques
années non loin de la résidence
Impériale
une colonie
[73]
tirée de nos cantons, qui a
souffert diverses vicissitudes affligeantes,
nous prenons la liberté de recommander
instamment ces Suisses, nos malheureux
compatriotes, à la sollicitude et aux bontés
de Votre Majesté.»
Colquhoun, o representante das Republicas
Hanseaticas, respondia a 14 de Fevereiro
com o officio em que se destaca este
trecho: «The undersigned is instructed
further to express the eager desire of the
Senates to reciprocate with the utmost sincerity
these friendly sentiments, and to
state, that the Senate of Hamburgh on the
14th December last, and the Senate of Lubeck
[303]
on the 21st of that month, appointed
M
r Fen Brink their Consul General at Rio
de Janeiro, enclosing to him letters of Congratulation
on their behalf to His Imperial
Majesty, and requiring him to solicit an
Exequatur in the usual form, thus proving
their early and anxious desire to invite the
benevolent dispositions of the Emperor of
Brazil, and to facilitate and encourage the
commercial Intercourse between the Subjects
of His Imperial Majesty, and the Citizens
of the Hanseatic Republics.»
A 15 de Fevereiro communicava o ministro
dos Paizes Baixos, Falck, que o seu
Soberano nomeava o Consul Geral Brender
a Brandis Encarregado de Negocios interino,
e ajuntava: «Je suis convaincu que
votre auguste cour verra dans cette mesure
une preuve non équivoque de notre empressement
à établir entre les deux pays des relations,
qui ne peuvent manquer de devenir
réciproquement avantageuses, et comme
une marque ultérieure de ses sentiments personnels
de haute estime et d'amitié pour Sa
Majesté Impériale, le Roi mon maître,
Lui
fera présenter par M. Brender les insignes de
Grand-Croix de l'ordre du Lion Belgique.»
[304]
A resposta do conde de Munster, representante
do Rei do Hanover, a 18 de Fevereiro
de 1826, insere o seguinte periodo:
«Les sentiments d'amitié que Sa Majesté
a voués à Sa Majesté
Brésilienne ne sauraient
laisser de doute sur le plaisir avec
lequel Elle s'empresse à reconnaître, en sa
qualité de Roi de Hanovre, l'indépendance
du Brésil et le Titre Impérial pris par Son
Auguste Souverain et à manifester en même
temps la satisfaction avec laquelle Sa Majesté
cultivera les rapports d'amitié réciproque
entre ses états héréditaires en
Allemagne
[74]
et l'empire du Brésil.»
Maltzahn, ministro da Prussia, respondia
a 6 de Março de 1826: «Le Roi, mon
auguste Maître, a vu avec plaisir par la note
que Votre Excellence m'a fait l'honneur de
m'adresser le 16 janvier dernier et que je
me suis empressé de transmettre à Berlin,
que Sa Majesté l'Empereur du Brésil est
animé du désir de cultiver son amitié.
Sa
Majesté n'attendait que ce témoignage des
dispositions amicales de Sa Majesté l'Empereur
pour y répondre de son côté avec
empressement et il Lui será très
agréable
[305]
d'entretenir avec Votre Auguste Maître les
relations d'amitié qui ont si heureusement
subsisté entre Elle et l'ancien Souverain du
Brésil.»
As respostas dos outros Governos eram
concebidas em termos analogos, repassados
de benevolencia.
X
Fallecimento
de Canning. Sua
indivídualidade.
O prematuro desapparecimento de Canning,
em Agosto de 1827, poupou-lhe amargas
decepções, porque, das
nações latino-americanas
por elle introduzidas na vida
politica, nenhuma, com excepção do Brazil,
se mostrou immediatamente digna da honra
que lhes fôra dispensada. Nem commercialmente
a America Latina, e ahi não se
exceptua o Brazil, tornou-se o fertilissimo
campo de actividade, exploração e lucro
que Canning devaneava, de harmonia com
a maioria dos seus compatriotas. Tambem
ás novas nações foi muito sensivel a
falta
de Canning, porque n'elle perderam um
conselheiro interessado, zeloso e seguro,
que lhes não furtaria animação, assim
como
lhes não regatearia admoestações,
segundo
pode deprehender-se do seguinte periodo de
[307]
uma carta sua a Granville
[75]:
«Rejubilou-me
erguer esses povos á condição de
Estados,
mas não os deixarei imaginarem-se
muita cousa (
fancy themselves too fine
fellows),
como certamente aconteceria si não
fossem tratados d'alto quando o merecem
(
as they would be apt to do if not snubbed
when they deserve it).
Não foi menos sensivel a sua falta á
Grã
Bretanha, cuja evolução no sentido democratico,
poderosa ainda que indirectamente
orientada n'esse sentido pelo espirito aberto
e progressivo de Canning, não poude ficar
suspensa pelos esforços do duque de Wellington
e dos
high tories, durante o curto
ministerio que serviu de transição para o
gabinete reformista de Lord Grey. Canning,
si tivesse vivido, teria precedido Gladstone
na sua famosa passagem do campo conservador
para o campo liberal: teria certamente
sido o organizador da nova Inglaterra,
creada pela Reforma de 1832. Um
escriptor do valor de Sir George Lewis, o
auctor do classico livro sobre as administrações
inglezas de 1783 a 1830, e intelligencia
cuja sagaz observação é
realçada por
[308]
um profundo conhecimento dos factos de
que se occupa, não vacilla em affirmar que
nenhum estadista britannico dos tempos
modernos deixou no continente da Europa
um nome tão identificado com uma politica
larga e generosa.
Canning foi nada menos do que o agente
dissolvente da Santa Alliança dos Reis contra
os Povos, ou melhor, o energico reagente
que produziu o precipitado de corôas absolutas,
depositadas para sempre como sedimento
no liquido purificado da corrente
popular. A Independencia do Novo Mundo
latino-americano, elle a consummou contra
a opposição da Europa Continental, ainda
mais adversa, si possivel, ao engrandecimento
commercial e moral da Grã Bretanha
do que ao alastramento das idéas republicanas.
E para pôr um remate adequado a
tão nobre vida, contribuio mais do que ninguem,
mais mesmo do que os Czares russos,
empenhados de corpo e alma na absorpção
da Turquia, para a final libertação da Grecia,
a parte das artes e da philosophia, a sua
patria intellectual, porque elle foi um apaixonado
da Forma, ou da expressão real, e
um cultor das Idéas, ou do fundamento
[309]
abstracto. O seu estylo plastico―vibrante
de ironia e de affeição nas cartas intimas,
tumido de originalidade e de força pratica
nos papeis officiaes, directo, incisivo e ao
mesmo tempo cheio de dignidade nas orações
parlamentares―era a expressão de
uma intellectualidade facetada e luminosa
como um diamante. De qualquer lado que
a encaremos, para qualquer lado que a
voltemos, ella sempre esparge luz e chama
a nossa vista.
Canning, fallecido aos 57 annos e tendo
tido que dominar condições e circumstancias
contrarias, não poude chegar ao zenith
da sua influencia politica, mas a sua attracção
tanto sobre as massas como sobre a
classe directora, e n'aquelle momento ainda
quasi exclusivamente directora, foi, não
obstante os dissidentes amigos da reacção,
verdadeiramente magnetica. O
Times,
o
jornal que n'este seculo melhor ha traduzido
a media do pensamento inglez, e cuja
independencia de linguagem foi sempre tão
completa que, no dia immediato ao da
morte de Jorge IV, pronunciou com absoluta
franqueza no seu editorial que «nunca
existira um individuo menos lamentado
[310]
pelos homens do que o defuncto Rei,»
escrevia a 7 de Agosto de 1827, quando
Canning agonisava em Chiswick, que nunca
a solicitude na Inglaterra fôra mais intensa
ou universal pela vida de um homem publico.
Esta homenagem da opinião é tão
espontanea e foi tão singelamente manifestada,
que nenhum outro elogio a poderia
encarecer.
APPENDICE
APPENDICE
DOCUMENTO N.º 1
INSTRUCÇÕES PARA
SERVIREM DE REGULAMENTO AO SR.
MANOEL RODRIGUES GAMEIRO PESSOA NA MISSÃO COM
QUE PARTE PARA A CÔRTE DE LONDRES DE ENCARREGADO
DE NEGOCIOS DO IMPERIO DO BRAZIL.
Tendo S. M. O Imperador Resolvido que Vmce.
passasse a residir junto de S. M. Britannica no mesmo
caracter de Encarregado de Negocios deste Imperio
em que se achava na Côrte de França, por se fazer
indispensavel em Londres uma pessoa de provada capacidade
acreditada por este Governo, para que não houvesse
interrupção no desempenho das
funcçoens politicas
e commerciaes a cargo do Marechal Felisberto
Caldeira Brant que antecedentemente as exercia; e servisse
de orgam immediato dos sentimentos constantes
de S. M. O Imperador para firmar em bases solidas e
decorosas os verdadeiros interesses de ambas as
Naçoens, das quaes he sem duvida o principal o
Reconhecimento
[314]
da Independencia deste Imperio, como
tudo já foi a Vmce. participado nos meus antecedentes
officios, cumpre agora remetter a sua Credencial, e
aquellas Instrucçoens mais essenciaes que o Governo
de S. M. I. confia da sua dexteridade e intelligencia.
2º
Não cessando o Consul Geral de S. M. Britannica
nesta Côrte de representar sobre a
detenção do Brigue
Beaver em 12 de Janeiro p. p. bem como a admissão
no serviço deste Imperio do Tenente Britannico Taylor,
qualificado como Desertor da Marinha da sua
Nação, e
não parecendo sufficientes as
explicações que este
Ministerio tem dado de ambos aquelles procedimentos,
visto ter insistido o sobredito Consul como a Vmce. tem
sido constante pelo meu despacho numero 17 de 26 de
Novembro ultimo; Deseja S. M. O Imperador que para
não soffrer a menor duvida a realidade de Seus Sentimentos
em querer condescender com S. M. B. e inteiral-o
de sua Franqueza e Amizade, Vmce. se apresente
immediatamente a esse Governo como auctorisado para
ir tratar expressamente deste assumpto, e depois de
fazer uso de todas as razoens produzidas na minha
Correspondencia Official com o Consul Britannico,
tendentes a demonstrar que o Governo Brazileiro não
teve premeditação a desagradar essa
Côrte, que mui
pelo contrario tem o maior sentimento pelas consequencias
que parecem nascer daquelles dois factos,
Vmce. fará ver que tem ordem de os desapprovar
solemnemente em Nome e da parte de S. M. I., que
os considera como um acto de inconsideração do
passado
Ministerio; dando Vmce. esta satisfação
annunciará
[315]
que S. M. I. em ultima prova da veracidade das protestaçoens
feitas e do seu ardor em manter a melhor
harmonia com o Governo Britannico, estará promto a
dimittir o Tenente Taylor; mas Vmce. empregará todo
o seu zelo em ponderar a extensão do sacrificio que
S. M. I. fará em dimittir e entregar um Official que
tão
bom serviço ha prestado ao Imperio, e que procura
expiar a sua primeira falta redobrando de actividade e
zelo no serviço de uma Nação
tão estreitamente ligada
em interesses e affeiçoens á sua propria
Nação. Exporá
pois que nestas circumstancias e na convicção de
que
S. M. B. não tem em vista levar este caso a um ponto
só proprio de dois Governos que acintemente desejassem
romper publicamente os meios conciliatorios,
Espera o
Imperador que S. M. B. generosamente o desembarace
da penosa alternativa em que se acha.
O meu citado Despacho n. 17 e as inclusas copias da
Correspondencia que tem tido logar sobre o Tenente
Taylor, e Brigue Beaver, servirão ao seu zelo de subsidio
para se regular em tão melindrosa como importante
materia.
3º
Dado este passo que muito se lhe recommenda será
logo o seu primeiro cuidado procurar ser admittido
publicamente como Encarregado de Negocios quando
não assente que deva primeiramente instar pelo seu
recebimento publico nessa qualidade, antes de desempenhar
a commissão acima, com o fundamento de que
será mais solemne, e por isso mais ampla e formal a
satisfação por Vmce. dada como Agente Publico e
Diplomatico. Tambem se valerá para o fim de ser
[316]
reconhecido diplomaticamente do exemplo da França
que acaba de nomear um Encarregado de Negocios
para residir junto de S. M. I., não se esquecendo outro
sim de observar que consentindo o mesmo Augusto
Senhor que o Consul Chamberlain tenha funcçoens
diplomaticas nesta Côrte, só para que
não soffram as
relações de ambos os Paizes, parecia de justa e
decorosa
reciprocidade que na Côrte de Londres não
continuasse
a repugnancia de receber e reconhecer os
Enviados do Brazil, até mesmo porque este recebimento
era o preparatorio de negociaçoens da maior importancia
para a propria Inglaterra.
4º
Trabalhará immediatamente em promover o Reconhecimento
authentico e formal da Independencia,
Integridade, e Dymnastia do Imperio do Brazil, para o
qual esse Governo já se acha disposto, dando Vmce. a
entender quando julgar preciso que S. M. I. tem na
Europa pessoas da sua Confiança com todos os poderes
necessarios para tratar deste assumpto com a Potencia
ou Potencias que melhor apreço derem aos desejos do
Brazil, com tudo Vmce. não nomeará essas pessoas,
mas participará opportunamente a estas as
intençoens
do Governo Britannico, a quem por esta occasião
insinuará
o quanto seria prejudicial á Inglaterra que outra
qualquer Potencia fosse a primeira a tratar com o Imperio
do Brazil, e tivesse a prioridade do Reconhecimento.
[317]
5º
Os Plenipotenciarios referidos no Artigo antecedente
são Vmce e o Marechal Felisberto Caldeira, que
partirá
brevemente desta Côrte levando os precisos Poderes
para ambos; e tanto com elle como com o Encarregado
de Negocios em Pariz terá uma correspondencia
effectiva, communicando e recebendo todas as noticias
que concorrerem ao bom desempenho de suas commissoens.
6º
Para conseguir o desejado Reconhecimento exporá
com energia e firmeza os motivos que teve o Brazil.―1º
Para resentir-se da retirada d'El Rei Fidelissimo o
Sñr. D. João VI.―2º Conservar em seu
seio o seu
Augusto Primogenito.―3º Recusar o jugo tyrannico
que as Côrtes demagogicas de Lisboa preparavam á
sua
boa fé.―4º Acclamar por seu Defensor Perpetuo ao
Mesmo Augusto Principe.―5º Separar-se emfim de
uma Metropole a que não podia mais permanecer unido
senão nominalmente, quando a Politica, os interesses
Nacionaes, o resentimento progressivo do Povo, e até a
propria Natureza tornavam de facto o Brazil Independente.―6º
O acclamar conseguintemente ao Herdeiro
da Monarchia de quem fazia parte, conciliando os principios
da Legitimidade com os da Salvação do Estado,
e interesses publicos.―7º Conferindo o Titulo de Imperador,
por certa delicadeza com Portugal; por ser
conforme ás idéas dos Brazileiros; pela
extensão territorial;
e finalmente para annexar ao Brazil a cathegoria
[318]
que lhe deverá competir no futuro na lista das outras
Potencias do Continente Americano.
Mostrará seguidamente em resposta aos receios que
se suscitarem sobre a consolidação do Imperio que
esta
mesma marcha gradativa, e apparentemente contradictoria
com que o Brazil tem chegado ao seu actual estado,
he uma prova da prudencia que o tem guiado a tão
importante resultado, e demonstra evidentemente quanto
deve ser applaudida sua resolução, pois que
esgotou
todos os recursos para conservar a união com Portugal,
e conheceo por experiencia todos os inconvenientes das
diversas situações por que passára.
Fará ver que nada poderá jamais mudar o
sentimento
destes Povos em sustentar a sua Independencia
e o seu Imperador e Defensor Perpetuo, que por
sua parte tem igualmente refletido com madureza sobre
os interesses da Nação que Rege e Defende; e
jamais
retrogradará um só passo da Cathegoria a que
está
elevado; sendo por isso só calculada a espalhar o azedume
e desconfiança toda e qualquer repugnancia da
parte das outras Naçoens em reconhecer como legitimo
um Governo fundado na Justiça, e na vontade de quatro
milhões de habitantes. Insistirá nos
esforços que
S. M. I. tem feito para suffocar algumas facçoens dispersas
que a effervescencia do Seculo tem animado
contra os Principios Monarchicos; facçoens estas que
poderão porém ganhar forças, ou ao
menos mais diuturnidade,
se as Potencias da Europa continuando a
não coadjuvarem materialmente a S. M. I., levarem a
sua indifferença ao ponto de nem se quer prestarem
a mera formalidade do Reconhecimento do Imperio;
abandonando assim o Imperador a seus proprios recursos,
quando tanto interesse têm as ditas Potencias em
que se mantenha a Realeza na America.
[319]
7º
Além das razoens acima expostas, dos exemplos de
Columbia e outros pequenos Estados que já têm sido
reconhecidos Independentes, e dos principios de Direito
Publico a que póde tambem recorrer, pois o Brazil tem
sempre sido coherente com elles, insinuará dextramente
que os proprios interesses da Inglaterra pedem este
Reconhecimento pois não seria extranho que o Governo
Brazileiro tratasse exclusivamente com outra Potencia
a este respeito, estipulando-se condiçoens que pudessem
affectar os interesses commerciaes da Grã Bretanha
neste vasto Imperio, e poderá por esta occasião
fazer
ver que a Prussia mesmo já fez a iniciativa de um
Tratado a que por ora S. M. I. não Julgou necessario
responder.
8º
Sendo talvez a amizade existente entre a Inglaterra
e o Governo de Portugal um apparente obstaculo ao
Reconhecimento por aquella Potencia do Imperio do
Brazil; cumpre que Vmce. mostre.―1º Que a Independencia
deste Imperio não foi effeito do Systema
Constitucional que regeo Portugal, para que cessado
esse Systema tornasse por sua parte o Brazil ao primitivo
estado; pois as Côrtes Lisbonenses não fizeram
mais que accelerar, por suas injustiças, uma Independencia
que já de muito estes povos desejavam, e era
consequente do estado de virilidade a que haviam chegado.―2º
Que S. M. Fidelissima he assás illustrado
para reconhecer que foi chegada a epocha em que o
[320]
Brazil, unica colonia do Novo Mundo que estava por
constituir-se, havia de entrar na lista das outras Naçoens,
muitas das quaes não têm a mesma grandeza
territorial, a mesma população e os mesmos
recursos.―3º
Que S. M. Fidelissima abandonando o Brazil, ou
preferindo-lhe a outra parte da Monarchia, a que então
estava unido, em uma epocha tal, como que o tinha
deixado Arbitro da sua sorte, e dos melhores meios de
firmar a sua grandeza e segurança.―4º Que tendo
estes Povos Acclamado o Seu Filho Primogenito,
quando era inevitavel o rompimento com Portugal,
mostraram-lhe nesta crise o quanto respeitavam a Casa
de Bragança.―5º Que sabendo S. M. F.
não ser
nova
na historia das Naçoens a divisão destas em ramos
de
uma mesma Dynastia; e estando finalmente o Imperador
prompto a tratar com seu Augusto Pai, debaixo da
base do Reconhecimento da Independencia, de tudo
quanto ainda puder ser vantajoso a ambas as Naçoens,
só resta a S. M. F. tirar partido de tão boas
disposiçoens,
e por si ou por intervenção de alguma outra
Potencia,
aproveitar do Brazil o que ainda fôr possivel.
9º
Fará sentir a esse Governo que de algum modo conciliaria
a sua delicadeza com os seus verdadeiros interesses
servindo de mediador para que Portugal reconheça
a Independencia, Integridade, e Dynastia deste
Imperio; Mediação que S. M. I. acceitaria de boa
vontade,
ficando todavia reservadas para deliberação
futura
as condiçoens que Portugal quizesse propôr.
[321]
10º
Fará toda a vigilancia em seguir o fio das intrigas e
negociaçoens da Côrte de Lisboa, e seus Agentes,
não
poupando meio algum de as penetrar, e communicar
opportunamente a esta Secretaria de Estado, com os
documentos que lhe forem relativos, sendo possivel.
11º
Tudo o mais Confia S. M. Imperial do seu reconhecido
zelo, intelligencia e patriotismo, Esperando que
continuará a proceder com o maior ardor pelos interesses
Nacionaes.
Palacio do Rio de Janeiro, 24 de
Novembro de 1823.
Luiz
Je.
de
Carvalho e Mello.
DOCUMENTO Nº 2
Illmo. e Exmo. Sñr.
Nós, abaixo assignados, temos a honra de nos dirigir
a V. Ex. para lhe notificarmos, que estamos munidos
de Plenos Poderes de S. M. o Imperador do Brazil
para conferir, e tratar nesta Corte com o Plenipotenciario
ou Plenipotenciarios que S. M. Fidelissima se
Dignar nomear afim de pôr termo á discordia
existente
[322]
entre os respectivos Governos, e pela maneira que fôr
mais decorosa a ambos os Estados.
He tão honrosa e tão benefica a nossa
missão que
ficamos persuadidos de que V. Ex. terá o maior prazer
em leval-a ao conhecimento de S. M. Fidelissima, e de
nos participar a resolução do mesmo Augusto
Senhor
sobre hum objecto que interessa tanto seu Paternal
coração. Resta-nos pedir a V. Ex. que haja de
aceitar
os mui sinceros protestos da nossa alta
consideração.
Deus guarde a V. Ex.
Londres, em 20 de Abril de 1824.
Illmo e Exmo Sñr.
Marquez de
Palmella.
Felisberto
Caldeira Brant,
Manoel Rodrigues Gameiro Pessoa.
DOCUMENTO Nº 3
copia da
resposta do marquez de
Palmella
O abaixo assignado recebeo o Officio que os Illmos
Snres Felisberto Caldeira Brant e Manoel Rodrigues
Gameiro Pessoa lhe dirigirão em data de 20 de Abril
proximo passado, e tendo-o levado, como lhe cumpria,
a Real Presença de Sua Magestade, immediatamente
recebeo ordem do mesmo Augusto Senhor para transmittir
ao Conde de Villa Real, Seo Enviado Extraordinario
e Ministro Plenipotenciario na Corte de Londres,
os Poderes necessarios, afim de ouvir, e discutir as
proposições que lhe forem dirigidas tendentes a
pôr
[323]
termo a discordia que desgraçadamente existe entre os
Reinos de Portugal, e do Brazil; achando-se o mesmo
Conde eventualmente authorisado a concluir qualquer
ajuste que possa conciliar os verdadeiros interesses, e
o decoro de ambas as Partes.
Sua Magestade Fidelissima não tem cessado de dar
provas dos sinceros dezejos, que o animão de apagar
tão fataes dissenções, e de
restabelecer a boa harmonia
entre dois Paizes, cujos Habitantes são Irmãos e
se
achão mutuamente ligados por tantos, e tão
estreitos
vinculos; he de suppôr que estes beneficos dezejos
sejão plenamente correspondidos, e que sejão
comprovados
com factos, como o tem sido os de S. M. Fidelissima:
o abaixo assignado concebe essa esperança lisongeira,
e não pode deixar de tirar hûa
indução favoravel
da acertada escolha que S. A. Real o Principe D. Pedro
fez das Pessoas aquem confiou o manejo de tão importantes
interesses. O abaixo assignado pede a Suas Senhorias
queirão aceitar os protestos de sua alta
consideração.
Lisboa 21 de Maio de 1824.
Marquez
de Palmella.
DOCUMENTOS Nos 4 a 7
NÉGOCIATION
ENTRE LE
PORTUGAL ET LE
BRÉSIL[76].
Nº 4
Première
Conférence.
Présens: M. le Comte de
Villa
Real, M. le Général
[324]
Brandt, M. le
Chevalier
Gameiro, M. le
Chevalier de
Newmann, M.
Canning.
M. le Plénipotentiaire de Portugal, et MM. les
Plénipotentiaires
du Brézil, ayant demandé les bons offices
des Gouvernements Britannique et Autrichien, à l'effet
d'opérer une Réconciliation entre le Portugal et
le
Brézil, et s'étant réunis à
cet effet, en présence de
M. Canning, Secrétaire d'État de S. M.
Britannique
pour les Affaires Étrangères, et de M. le
Chevalier de
Newmann, Chargé d'affaires de S. M. I. R. et Apostolique
auprès de la Cour de Londres, M. de Villa Réal,
et MM. les P. P. du Brézil, ont exhibé
à la Conférence
leurs Pleins Pouvoirs respectifs, et, après les avoir lu,
M. de Villa Réal a observé que puisqu'il
n'était
pas
nécessaire, pour le moment, d'échanger ces
instruments,
il se contentait de protester verbalement contre
les Titres du Prince, au nom duquel les Pleins Pouvoirs
de MM. les Plénipotentiaires Bréziliens avaient
été délivrés.
M. de Villa Réal a ensuite demandé aux P. P.
Bréziliens,
de vouloir bien lui expliquer quelles étaient les
propositions qu'ils avaient à faire au Portugal.
MM. les Plénipotentiaires Bréziliens ont
répondu,
qu'ils demandaient du Portugal, la Reconnaissance de
l'Indépendance du Brézil, et de la
Catégorie Politique.
A quoi M. de Villa Réal a observé qu'avant toute
autre discussion il y avait trois points sur lesquels il
désirait avoir des explications et des assurances: savoir,
si MM. les P. P. Bréziliens pouvaient promettre:
1º La cessation des hostilités de la part du
Brézil
contre le Portugal;
2º Le rétablissement des relations de commerce
entre les deux pays;
3º La restitution des propriétés et
vaisseaux
portugais
[325]
saisis par les Bréziliens, ou une indemnité
équivalente.
MM. les P.P. Brésiliens ont répondu, qu'ils
n'étaient
pas autorisés à donner ces promesses; mais qu'ils
pouvaient
assurer, que de fait les hostilités avaient
été
suspendues de la part du Brézil, depuis le mois de
Novembre dernier; qu'ils avaient déjà
écrit pour presser
la continuation de cette suspension; et que la négociation
étant à présent ouverte, ils
écriraient sans perte
de temps à leur Gouvernement sur les deux autres
points.
MM. les P. P. du Brézil ont de leur
côté demandé
des explications sur l'expédition qu'on préparait
dans
les ports du Portugal contre le Brésil: sur quoi M. de
Villa Real a répondu, que cette expédition ne
mettrait
à la voile que dans le cas du renouvellement des
hostilités
de la part du Brézil, ou de la rupture de la
présente
négociation; et que de sa part il était
disposé à
continuer la négociation, dans l'espérance que
les trois
points susmentionnés seraient admis de la part du
Brézil, aussitôt que les communications des P. P.
Bréziliens
y seront parvenues.
Sur quoi la séance a été
levée.
Nº 5
Seconde
Conférence Brézilienne,
le 19 juillet.
Présens: MM. le Comte de Villa Real,
Général
Brandt, M. le Chevalier Gameiro, le Prince Esterhazy,
M. Canning, M. le Chevalier de Newmann.
[326]
Le Protocole de la dernière séance a
été lu et
approuvé.
MM. les P. P. B. B. déclarent qu'ils ont écrit
à leur
Cour par la Malle du 14 sur les trois points que M. le
comte de Villa Real a suggérés dans la
dernière conférence,
demandant une prompte réponse et surtout
qu'elle soit précédée d'un acte
publique concernant la
suspension des hostilités; et comme ils pouvaient assurer
que tout cela serait accordé immédiatement si
l'Indépendance
du Brézil était reconnue, ils prient M. le
comte de Villa Real de leur déclarer s'il est
autorisé de
reconnaître l'Indépendance et les nouveaux titres
du
Brézil.
M. de Villa Real a répondu qu'il envisageait les trois
points susdits comme préliminaires à toute
négociation,
que cependant il n'avait pas voulu arrêter la
marche de celle-ci, dans l'espoir que ces trois points
seraient accordés; et qu'il était par
conséquent prêt à
continuer cette négociation pourvu qu'on n'exige pas
comme condition préalable la reconnaissance de
l'Indépendance:
S. M. T. F. dans la supposition que cette
demande préalable ne serait pas faite ayant consenti
à
ne pas mettre en avant son droit incontestable de
souveraineté
sur le Brézil.
Sur cela M. Canning a proposé, pour faciliter la
marche de la
négociation,
de rédiger son projet
de réconciliation,
pour être ensuite pris en considération par les
deux parties. Cette idée a été
agréé par les P. P. B. B.
et M. le comte de Villa Real a déclaré que faute
d'autorisation
pour la discuter, il s'empresserait de transmettre
un tel projet à son Gouvernement.
MM. les P. P. B. B. ont demandé la restitution des
prisonniers Bréziliens qui se trouvent actuellement en
Portugal; et ont déclaré que si M. le comte de
Villa
[327]
Real pouvait consentir à leurs demandes, qu'ils enverraient
de suite des bâtimens en Portugal pour amener
ces prisonniers au Brézil.
M. le Comte de Villa Real a répondu qu'il n'avait
pas de pouvoirs suffisants pour accorder cette demande,
mais qu'il la transmettrait sans délai à sa Cour.
Sur quoi, etc., etc.
Nº 6
PROTOCOLE
Conférence
Brézilienne, le 9
Août 1824.
Présens: M. le Comte de Villa Real, M. le
Général
Brandt, M. le Chevalier de Gameiro, M. Canning, le
prince Esterhazy, M. le Chevalier de Newmann.
Le Protocole de la dernière Conférence a
été lu et
approuvé.
M. de Villa Real a annoncé qu'il avait écrit
à Sa
Cour á l'égard des sujets Bréziliens
détenus en Portugal,
et a déclaré que son Gouvernement avait
relâché
et ordonné la restitution du Vaisseau Brézilien
nommé
Jervis; il a demandé
ensuite à Messieurs les Plénipotentiaires
Bréziliens s'ils avaient déjà
reçu l'autorisation
de faire une déclaration sur les trois points
mentionnés
dans le Protocole de la première séance.
MM. les Plénipotentiaires Bréziliens ont
répondu,
qu'à l'égard de la première question,
c'est-à-dire
celle relative aux hostilités, ils avaient
déjà reçu des
assurances positives de leur Gouvernement qu'aucune
[328]
tentative ne serait faite de la part du Brézil contre
les Colonies Portugaises―que sur les deux autres
questions ils n'avaient encore aucune explication à
donner;―mais
qu'ils référaient M. le
Plénipotentiaire
Portugais à M. Canning pour les réponses que le
Gouvernement Britannique pourrait avoir reçu sur ces
objets du Gouvernement Brézilien.
MM. les Plénipotentiaires du Brézil ont
démandé
l'insertion au Protocole de la Déclaration suivante:
qu'ils continueraient la négociation dans l'espoir qu'Elle
terminerait par la reconnaissance de l'Indépendance du
Brézil.
M. le Plénipotentiaire de Portugal a
déclaré qu'il
ne pouvait rien promettre qui invaliderait les droits
de Souveraineté de Sa Majesté Très
Fidèle, mais que
l'objet de cette négociation étant une
Réconciliation
entre le Portugal et le Brézil, il la continuerait
d'après
les Principes énoncés par Lui dans les Protocoles
précédents.
M. Canning a présenté à la
conférence un Projet
de Réconciliation qu'il avait préparé
d'après l'offre
qu'il en avait fait, à la conférence
précédente.
M. Canning en a donné copies à MM. les
Plénipotentiaires
de Portugal, du Brézil et de l'Autriche; mais ce
Projet ayant été rédigé
seulement comme moyen de
faciliter une Réconciliation, il a été
convenu de ne pas
le mettre au Protocole.
M. Canning a ajouté qu'il ne se tenait pas du
tout ni à la forme ni à la substance de ce
projet, que
peut-être en le prenant en plus mûre
considération, il
y ferait des changements lui-même, et qu'il invitait
MM. les Plénipotentiaires de lui faire le plus franchement
possible, leurs observations là-dessus.
[329]
Nº 7
Conférence
Brézilienne les 11 et
12 Août 1824.
Présens: M. Canning, M. le P. Esterhazy, M. de
Newmann, M. le Comte de Villa Real, M. le Général
Brandt, M. le Chevalier Gameiro.
Le Protocole de la dernière séance a
été lu et approuvé.
M. le Plénipotentiaire du Portugal a annoncé que
s'étant adressé à S. E. M. Canning en
suite de ce qui
a été déclaré par MM. les
P. P. B. B. dans la dernière
Conférence, a appris avec peine que le Gouvernement
Brézilien n'a point accédé aux
représentations
qui lui ont été adressées par M.
Chamberlain d'après
l'ordre du Gouvernement Britannique, au sujet des
trois points que le Gouvernement Portugais a toujours
annoncés comme devant être applanis, et devoir
servir
de préliminaires à toute négotiation.
Le Gouvernement
du Brézil n'a pas même indiqué la plus
légère intention
de vouloir accéder à ces trois points, pas
même
celle de faire cesser les hostilités, mais il a simplement
référé le Gouvernement Britannique aux
instructions
qu'il enverrait à MM. les P. P. B. B.
Le P. Portugais ayant pris sur lui l'immense responsabilité
de ne pas insister sur l'admission de ces trois
points par MM. les P. P. B. B. dans l'espoir qu'ils
seraient accordés, ne peut plus aujourd'hui entretenir
cet espoir contre les faits qui ressortent des dernières
informations qui sont arrivées de Rio de Janeiro, et des
déclarations peu satisfaisantes qui ont
été faites par
MM. les P. P. B. B. dans la dernière Conférence.
Il
se voit donc forcé á regret d'attendre de
nouvelles instructions
[330]
de Sa Cour, devant porter à sa connaissance
que les représentations qui ont été
adressées au Gouvernement
de Rio de Janeiro n'ont point été
agréées
par Lui; quoiqu'elles soient de toute justice, et qu'elles
aient été considérées
ainsi, non seulement par le Cabinet
de Londres, mais aussi par celui de Vienne qui les
a fait appuyer auprès du Gouvernement de Rio de
Janeiro.
MM. les P. P. B. B. ont dit qu'ils n'ont pas répondu
à la première demande de M. le P. Port., parce
qu'ils
étaient chargés de le faire à S. E. M.
Canning; la
demande primitive ayant été faite au Gouvernement
Brézilien par le Consul Général de S.
M. Britannique.
Qu'aujourd'hui ils pouvaient assurer M. le P. Port.,
que le Gouvernement Brézilien avait prévenu les
désirs
des Cours de Londres et d'Autriche, et avait pris la
résolution de cesser les hostilités, de
discontinuer les
séquestres, et de faciliter les relations de commerce
entre le Portugal et le Brésil, avec le
ménagement
qu'il doit avoir pour l'opinion publique, si fortement
prononcée contre toute correspondance avec le Portugal,
avant la Reconnaissance formelle de l'Indépendance
du Brézil. Que ces ménagements sont si
nécessaires au
maintien de la Royauté dans le nouveau monde, que le
Gouvernement Brézilien croit qu'ils seront
approuvés
par les Cours d'Autriche, et de Londres, ainsi que par
le Portugal lui-même.
M. le P. Port. a répondu que les assurances de
MM. les P. P. B. B. ne reposant pas sur des faits,
mais sur des considérations morales, il ne pouvait que
les porter à la connaissance de sa Cour, et attendre les
instructions.
Il répétait en même temps qu'il ne
pouvait espérer
que les représentations de MM. les P. P. B. B.
[331]
auraient plus d'effet que celles qui ont déjà
été faites
par les puissantes interventions de l'Autriche et de
l'Angleterre.
MM. les P. P. B. B. ont répondu que la demande
des deux Cours était faite dans une époque
où les négociations
n'étaient pas encore ouvertes entre le Brézil et
le Portugal. La demande de M. le P. du Portugal ayant
été présentée par suite de
l'ouverture des négociations,
MM. les P. P. B. B. espéraient que cette démarche
serait agréée, et que le résultat en
serait tout à fait
satisfaisant.
MM. les P. P. B. B. en se référant à
l'invitation
contenue dans le Protocole précédent―de faire
leurs
observations sur le Projet présenté par M.
Canning
comme moyen de Réconciliation, ont dit, qu'ils adoptent
comme le leur ce Projet de Réconciliation, en se
réservant
le droit de le discuter avec M. le P. Portugais, et
de le signer sous
spe rati; et
qu'ils invitent M. le P. Portugais
de le transmettre à sa Cour.
Le P. Portugais a observé que d'après la
déclaration
qui est consignée dans ce Protocole, et dans les
précédents,
il n'est pas autorisé à accepter, ni à
transmettre
un Projet de Réconciliation entre le Portugal et le
Brésil, qui porte atteinte aux droits légitimes
de
S. M. T. F. sur le Brésil; mais que MM. les P. P. B. B.
ayant accepté ce projet comme le leur, il ne peut s'opposer,
vu le délai qui en résulterait pour la
négociation,
à ce qu'il soit transmis par un intermédiaire au
Gouvernement de S. M. T. F., auquel il rendra compte
de ce qui s'est passé à cet égard,
afin de recevoir de sa
Cour des ordres ultérieurs.
MM. les P. P. B. B. ont ensuite prié MM. les
P. P. d'Autriche, et M. Canning de vouloir bien transmettre
le projet au Gouvernement Portugais, avec l'invitation
[332]
à ce Gouvernement d'autoriser le plus
tôt possible
son Plénipotentiaire à Londres à
discuter le susdit
Projet.
M. Canning a répondu qu'il se prêterait volontiers
au désir exprimé par MM. les P. P. B. B., et
qu'il
transmettrait le Projet á la Cour de Lisbonne ou
conjointement
avec les P. P. d'Autriche, ou seul, si ces
Messieurs ne se trouvaient pas autorisés à
prendre part
à cette transmission.
MM. les P. P. d'Autriche ont déclaré que
jusqu'à
présent ils s'étaient abstenus de
délivrer officiellement
aucune opinion depuis l'ouverture de cette négociation,
le désir principal de leur Gouvernement ayant
été que
l'objet important qui avait réuni MM. les P. P. Portugais
et Brésiliens, fût principalement
considéré par
eux comme une affaire de famille, à régler de
gré à gré,
chacune des parties étant le meilleur juge de son
intérêt,
et des sacrifices que l'une ou l'autre croira devoir
faire à la force des circonstances. Le Gouvernement
Autrichien a toujours agi avec le sentiment de la plus
parfaite impartialité, en donnant sous une forme amicale
et confidentielle, tant au Rio de Janeiro qu'à Lisbonne,
les conseils qu'il croyait pouvoir être dans
l'intérêt
d'un chacun, á l'effet d'opérer une
Réconciliation
si désirable pour les deux pays. Le Gouvernement
Autrichien eût préféré que
MM. les P. P. B. B. et P.
eussent pu s'entendre à l'amiable, et procéder
dans cette
négociation sans avoir besoin de recourir constamment
aux puissances dont ils ont demandé les bons offices.
Mais depuis que cette négociation a acquis un
caractère
plus officiel qu'elle ne semblait devoir obtenir au
premier abord, les P. P. A. A. par le même sentiment
d'impartialité qui a guidé leur Gouvernement dans
toute
cette affaire, croiraient en dévier, s'ils ne
déclaraient
[333]
pas ici que, tout en sentant la nécessité d'un
arrangement
qui mette fin aux malheureux différents qui
existent entre le Portugal et le Brésil, ils n'entendent
pas par là rien énoncer qui puisse
préjuger ou porter
atteinte aux droits du Roi de Portugal―et c'est donc
à S. M. T. F. de juger elle-même des meilleurs
moyens
qui pourraient terminer ces différents.
En conséquence de la présente
déclaration, et pour
répondre à la demande qui vient de leur
être adressée
par MM. les P. P. B. B., ils ne se croient pas autorisés
à prendre part à la transmission au Gouvernement
Portugais du Projet de Réconciliation mentionné
dans
le présent Protocole;―projet qui, d'ailleurs sera,
sans leur entremise, porté à la connaissance de
ce
Gouvernement par le P. Britannique.
M. Canning a ajouté, qu'il se chargeait, en
conséquence,
à lui seul, de transmettre ce Projet,―et qu'il
attendrait les réponses qu'il pourrait recevoir du Portugal,
pour inviter ces Messieurs à une nouvelle
conférence;―mais
MM. les P. P. sont tous généralement
convenus que dans l'intervalle le manque d'une réunion
formelle n'empêcherait pas MM. les P. P. Portugais
et B. B. de s'entendre et de se fournir réciproquement
des explications propres à faciliter un arrangement
final et satisfaisant.
Sur quoi, etc., etc.
[334]
DOCUMENTO Nº 8
PROJECTO
DE HUM TRATADO PRELIMINAR
ENTRE PORTUGAL
E O BRAZIL
projecto
de tratado
Portugal.
|
|
Brazil. |
Artigo
1º. |
|
O Reino de Portugal
e
o Imperio do Brazil com os limites, que tinhão em Abril de
1821 são, e ficão sendo para sempre duas
Monarquias independentes, soberanas, e separadas, nas Pessoas dos
Monarcas actuaes, e seos Successores. |
Observaçoens
(de Brant e Gameiro).
A separação, e independencia da Coroa do Brazil
está tão formal, e expressamente ennunciada neste
artigo, quanto se póde dezejar. |
|
|
Artigo 2º. |
|
S. M. Fidelissima
em
consequencia desta separação das duas Coroas
renuncia por si, seos herdeiros, e successores á todos os
direitos e pretençoens de governo, e propriedade territorial
sobre o Brazil. E querendo que esta renuncia seja a mais plena, formal
e completa, que ser possa, deixará de ora em diante de
mencionar o Brazil entre os titulos da Corôa de Portugal. |
A
renuncia que se contem na 1.ª parte d'este artigo
está redigida nos proprios termos das nossas
instrucções, e a eliminação
do Brazil d'entre os titulos da Coroa de Portugal foi-nos suggerida
pelo nosso zêlo, e he consequente, e regular. |
|
[335] |
Artigo 3º. |
|
S. M. Fidelissima
em virtude d'esta renuncia, reconhece a Seu Augusto Filho o
Sñr. Dom Pedro, seus herdeiros e successores por Imperador
do Brazil, e trata com Elle n'esta qualidade. |
Eis
expresso o reconhecimento da nova cathegoria politica do Brazil e do
titulo de Imperador. |
|
A
Inglaterra e Austria consideram esta restituição
como um acto de rigorosa justiça pela razão de
não ter existido entre o Brazil e Portugal hum verdadeiro
estado de guerra; mórmente desde a epocha em que S. M.
Fidelissima reassumiu a sua antiga authoridade, e mandou suspender as
hostilidades em todos os pontos do Brazil occupados por tropas
portuguezas. Tanto para condescendermos com as ditas potencias como
para impormos á Portugal a obrigação
de reparar os damnos feitos pelas suas tropas no Brazil, e que importam
em muito mais do que o valor de taes presas, propuzemos esta
restituição, sem a
restituição promettida no artigo precedente
não teriamos direito a este acto de reciprocidade. |
Artigo 4º. |
S.
M. O Imperador do Brazil se obriga a restituir no estado em que se
achar, toda a propriedade pertencente aos subditos da Coroa de
Portugal, que tenha sido sequestrada no Brazil, bem como os navios
portuguezes com as suas respectivas cargas, que tenham sido apresadas
pelas forças navaes do Imperio, e no caso de se ter vendido
alguma d'estas presas, restituir-se-ha o preço de taes
vendas aos seus respectivos donos. |
|
[336] |
Artigo
5º. |
|
S. M. Fidelissima
promette igualmente restituir toda a propriedade pertencente aos
subditos, e a quaesquer corporações do Brazil,
que tenha sido apprehendida pelas authoridades portuguezas, e
nomeadamente as alfaias e valores que se achão em Portugal,
e forão trazidas pelo Commandante das tropas portuguezas, e
mais pessoas que evacuarão a cidade de Bahia em 2 de Julho
de 1823. |
|
|
|
Artigo 6º. |
|
S. M. Fidelissima
promette outro sim indemnisar a todos os subditos da Coroa do Brazil a
quem as tropas portuguezas tenhão causado perdas, e damnos,
sem que as operações militares o exigissem. O
reconhecimento, e liquidação de taes perdas
serão commettidos a uma Commissão mixta, que se
instituirá na cidade do Rio de Janeiro, logo depois da troca
das rectificações do presente Tratado. |
Sem
a promessa da mencionada restituição
não podiamos pretender esta
indemnização, e muito soffreria o nosso
patriotismo se o não pretendessemos. |
|
[337] |
Artigo 7º. |
|
Haverá
desde já a mais sincera amizade, e a mais generosa
correspondencia entre os habitantes de ambos os paizes. E emquanto por
um tratado especial não se regulão as suas
relaçoens commerciaes pagarão os generos do
Brazil
nas alfandegas de Portugal, e os productos de cultura e industria de
Portugal nas alfandegas do Brazil, dez por cento de direitos de
entrada, e dois por cento de direitos de
reexportação, devendo os direitos chamados de
Porto serem os mesmos no Brazil para os navios brazilianos e
portuguezes
e vice versa em Portugal. |
Estando
as Potencias da Europa accordes no principio de que as metropoles
peninsulares devem gozar de favores especiaes nos novos Estados
Americanos, era mister previlegiar o commercio portuguez relativamente
ao das outras naçoens. Todavia o Brazil ganha mais do que
Portugal n'esta fixação promissoria de direitos:
porque os seus generos, que pagavão outr'ora huns por outros
30 p.r 0/0 de direitos de entrada em Portugal,
pagarão
sómente 10 p.r 0/0 no intervalo que
decorrer até
o ajuste de hum tratado definitivo de commercio. |
|
|
Artigo 8º. |
|
Não
querendo as altas partes contratantes retardar de modo algum as
vantagens, que hão de resultar do prompto restabelecimento
da boa correspondencia entre os dois Estados, convem em que fiquem
reservados para hum subsequente tratado definitivo todos os mais
objectos que devão ser ajustados entre ambas as Coroas. |
Este
artigo é em tudo conforme as nossas Instrucçoens,
que nos mandão mui positivamente dividir a
negociação em duas partes: notando-se na primeira
a questão do reconhecimento e na segunda o mais que occorrer
entreos dois paizes.[338] |
|
|
Artigo 9º. |
|
As duas altas
partes contractantes convidarão todas as potencias amigas
á accederem ao presente tratado. |
|
DOCUMENTO Nº 9
PROJECTO
DE TRATADO
The two parts, European and American of the Portuguese
Monarchy, shall be considered as distinct and
separate.
Brazil shall be governed by his own Institutions.
The
King of Portugal devolves upon His Son Dom Pedro all His Rights in
Brazil. |
|
The
Emperor of Brazil renounces for Himself His Right of Succession to the
Crown of Portugal. |
Arrangements shall be made for settling the succession
to the Crown of Portugal, after the demise of the
present King, according to the fundamental Principles
of the Portuguese Monarchy; with such modifications
the Cortes, now about to be assembled at Lisbon, may
approve.
It
is understood that all hostilities on the part of Brazil against the
Territories, Ships, and Subjects of Portugal, have already ceased: and
that all seizures of Portuguese Ships and Property, heretofore made,
shall be restored or where restitution is impossible, that
Indemnification shall be made.
Also that Portuguese Subjects in Brazil shall be at liberty either to
return to Portugal with all their Property or to reside in Brazil
without molestation. |
|
It
is understood that all Brazilian Persons or Property seized or detained
in Portugal, shall be forthwith[339]
liberated and restored; or where restitution of Property is impossible,
that Indemnification shall be made. Brazilian Subjects in Portugal, if
there be any other than those already mentioned, shall be at liberty to
return to Brazil with all their Property or to remain in Portugal
without molestation.
|
Commissioners shall be forthwith named to watch
over the execution of the foregoing stipulations relating
to Person and Property.
Plenipotentiaries shall also be forthwith named to
negotiate a commercial Treaty between the two Countries,
in which each Country shall be placed by the
other at least on the footing of the most favoured
nation.
The
Brazilian Government shall engage not only not to undertake any
expedition against other Colonies, or Settlements, of Portugal, but not
to entertain any Proposition which may be made to them for the
alienation
from Portugal, or union with Brazil of any of the said Colonies or
Settlements. |
|
The
Portuguese Government shall engage to evacuate any Port or Place, which
it may continue to occupy on that part of the Continent of America,
which constitutes the Brazilian Territory.
|
[340]
ADDITIONAL ARTICLES
Mode of execution of the second Article of the
Treaty.
Art. 1.―The second
article of the
present treaty
shall be thus executed.
Art. 2.―The King of
Portugal
voluntarily makes
over to His Son Dom Pedro all His Rights in Brazil.
Art. 3.―The Emperor
of Brazil
declares his willingness
to renounce his personal right of succession to
the Crown of Portugal.
Art. 4 and
secret.―As upon
acceptance of the
personal renunciation of the Emperor of Brazil Dom
Pedro to the Crown of Portugal, the Cortes of Portugal
will have to fix upon that one of the children of
the Emperor, who shall be called to the succession of
that crown at the demise of the present King: it is
understood, that the said Cortes may call to that succession
the eldest son of the said Emperor of Brazil or
the eldest Daughter in failure of male issue.
DOCUMENTO Nº 10
Esboço
de Hum Acto de
Reconciliação entre
Portugal e o Brazil
Art. 1.º―As
duas
Partes
Européa, e Americana
da Monarchia Portugueza terão para o futuro debaixo
da Soberania do Senhor Dom João Sexto, e de seos
[341]
Legitimos Descendentes, huma Administração
respectivamente
independente, subsistindo todavia entre
ellas perpetua união. Cada huma dellas poderá ter
as
suas Instituições, e Leys apropriadas
ás suas circumstancias
particulares.
Art. 2.º―A
Successão
das duas Corôas de Portugal
e do Brazil continuará a ser regulada pelas Leis
Fundamentaes da Monarchia.
Art. 3.º―S.
M.
Fidelissima
assumirá o Titulo de
Rei de Portugal e dos Algarves, e Imperador do
Brazil. S. A. Real o Principe Dom Pedro terá durante
a vida de Seo Augusto Pai o Titulo de Imperador
Regente do Brazil, como associado ao Governo d'aquelle
Imperio.
Art. 4.º―O
Soberano
residirá para o futuro em
Portugal ou no Brazil, segundo as circumstancias o
requererem. Aquelle dos dois Paizes em que Elle se
não achar residindo, será regido pelo Principe ou
Princeza Hereditaria da Corôa, aos quaes para o futuro
pertencerá só o Titulo de Regente.
ART. 5.º―Os Tratados Politicos serão os mesmos
para ambos os Paizes; mas para cada hum delles
poderá o Soberano concluir differentes Tratados de
Commercio, adaptados aos seos respectivos interesses.
Art. 6.º―O
Soberano
delegará ao Imperador
Regente ou Principe Regente d'aquelle dos dois Paizes
em que não estiver residindo, a faculdade de prover
aquelles Empregos que a bôa, e prompta
Administração
do Estado exigir, e S. M. Fidelissima confirmará
por esta vez os Titulos e Cargos honorificos
assim como os Empregos concedidos até ao presente
no Brazil.
Art. 7.º―A
Marinha
de Guerra
será commum a
ambos os Paizes.
[342]
Art.
8.º―Estabelecer-se-hão logo por Lei as bases
das relaçõens commerciaes, que hão de
subsistir para
o futuro entre Portugal e o Brazil, devendo os generos,
e manufacturas de Lavra, produção ou Industria de
hum e outro Paiz transportados directamente em vazos
Nacionaes, serem mutuamente recebidos com menores
direitos do que houverem de pagar pelos mesmos
generos as Naçõens mais favorecidas: de modo a
promover-se
efficazmente a Industria respectiva de ambos,
e devendo particularmente attender-se a favorecer os
Vinhos de Portugal por serem o objecto mais consideravel
de Exportação deste Reino.
Art. 9.º―A
Divida
Publica de
Portugal havendo
sido contrahida para bem commum, e para defeza, e
manutenção de ambos os Paizes, será
garantida e
supportada por ambos, contribuindo cada hum delles
para a sua extincção com a parte que se ajustar.
Art.
10.º―Aquelle
dos dois
Paizes em que se não
achar residindo o Soberano, concorrerá annualmente
com a somma de........ para o lustre, e
sustentação da
Caza Real. S. M. Fidelissima deixará agora para o uso
do Imperador Regente o gozo das suas propriedades e
Dominios particulares no Brazil.
Art.
11.º―Deverão
haver sempre Commissarios
Portuguezes, e Brazileiros reciprocamente residindo
em ambos os Paizes para serem mantidas por meio
delles as suas mutuas, e reciprocas obrigaçõens.
Art.
12.º―Os
Agentes
Diplomaticos nas Côrtes
Estrangeiras serão nomeados pelo Soberano, o qual
escolherá indistinctamente para esses Empregos Portuguezes,
e Brazileiros, os quaes deverão manter correspondencia
com ambos os Governos na forma das
Instrucções de que forem munidos; e a sua
manutenção
pezará igualmente sobre os dois Paizes.
[343]
Art.
13.º―As
Possessõens da Corôa na Azia, na
Africa e nas Ilhas adjacentes aos antigos Continentes
continuarão a ser consideradas perpetuamente como
dependencias da Corôa de Portugal.
Art.
14.º―Cessarão
immediatamente todas as
hostilidades. As prezas de navios, ou propriedades
confiscadas serão restituidas ou indemnisadas pelo
Brazil (não podendo neste artigo estipular-se reciprocidade,
por quanto S. M. Fidelissima não tem mandado
praticar, nem permittido acto algum desta natureza).
Art.
15.º―Nomear-se-hão Commissarios de
ambas
as Partes para ajustarem n'hum prazo determinado a
execução do artigo precedente, assim como dos
artigos
8.º, 9.º e 10.º do presente acto de
reconciliação.
Art.
16.º―Tanto os
Individuos
Portuguezes, que
se achão no Brazil, como os Brazileiros residentes em
Portugal, estarão sempre em perfeita liberdade de
continuarem a residir onde se achão ou de regressarem
para as suas respectivas Patrias, podendo transportar
ou vender, se quizerem, os bens moveis ou immoveis
que possuirem.
Art.
17.º―Os Actos
legislativos
tanto n'hum como
no outro Paiz emanarão sempre da Authoridade do
Soberano: porém n'aquelle dos dois Paizes, em que o
Soberano não residir, poderá o Regente, quando a
urgencia das circumstancias o exigir, promulgar Leis,
as quaes serão tidas como validas por espaço de
hum
anno, dentro do qual se deverá procurar a
Sancção do
Soberano.
Art.
18.º―Huma vez
que depois da
acceitação final
deste Acto, qualquer das duas partes da Monarchia ou
das suas Provincias tente desmembrar-se do Estado,
S. M. Fidelissima se reserva a faculdade, e o direito
de empregar a força para a reduzir á sua devida
obediencia.
[344]
Este Acto de reconciliação
será acompanhado
da Garantia de todos os Governos que quizerem tomar
parte n'elle, para receber desse modo a maior solemnidade
de que for susceptivel.
Assignado: Marquez
de Palmella.
Está
conforme:
Conde
de Villa Real.
DOCUMENTO Nº 11
Conférence
brésilienne
Protocole de la
sixième Séance,
le 11 Novembre 1824
Présens: M. le Comte de Villa Real, le Prince Esterhazy,
M. Canning, M. de Neumann, M. le Général
Brandt, M. le Chevalier de Gameiro.
Monsieur le Plénipotentiaire Portugais a annoncé
être chargé par ordre de son Gouvernement, de
présenter
à MM. les Plénipotentiaires Brésiliens
une Esquisse
d'un acte de Réconciliation entre le Portugal et le
Brésil,
et a fait en même temps la déclaration suivante.
«Le Plénipotentiaire Portugais, avant de faire la
communication dont il est chargé, croit de son devoir
de faire quelques observations qui mettront en évidence
la conduite modérée et conciliante du
Gouvernement
Portugais dans toute cette négociation. Il doit rappeler
d'abord que les seules bases sur lesquelles Sa Majesté
Très Fidèle a consenti à entrer en
négociation avec le
Gouvernement du Rio de Janeiro étaient la cessation
[345]
totale de toute sorte d'hostilités de la part de ce
Gouvernement,
la restitution et l'indemnisation des prises
faites sur les Portugais, et enfin le rétablissement du
commerce entre les deux pays. Sa Majesté Très
Fidèle
a déclaré aussi que si l'on accédait
à ces trois
points de la part du Brésil, il consentirait à
entrer en
négociations sans exiger la reconnaissance
préalable de
Sa Souveraineté sur le Brésil, pourvu que de
l'autre
côté on n'exigerait point la reconnaissance
préalable
de l'Indépendance du Brésil.
«Ces principes reconnus justes par le Cabinet Britannique
et par le Cabinet Autrichien, ont été
présentés
et appuyés par le premier auprès du Gouvernement
du
Rio de Janeiro; le Cabinet Autrichien les ayant également
appuiés aussitôt qu'il en a eu connaissance. Il
semblait donc indubitable qu'après de telles
démarches
le Gouvernement du Rio de Janeiro ne se refuserait
pas à les admettre explicitement. Si Sa Majesté
Très Fidèle avait décidé
retarder la négociation, s'il
n'était animé du désir bien
sincère d'accélérer au contraire
la négociation entre les Deux Pays, il n'aurait
eu qu'un motif trop juste d'attendre des assurances positives
du Gouvernement du Rio de Janeiro, sur l'admission
des bases qui lui avaient été
présentées. Cependant,
aussitôt qu'il apprit que les Plénipotentiaires
Brésiliens étaient arrivés en
Angleterre, il nomma
un Plénipotentiaire pour entrer en négociations
avec eux. On se rappellera sans doute que le
Plénipotentiaire
Portugais étant encore dans l'incertitude sur
la résolution du Gouvernement du Rio de Janeiro,
à
l'égard des bases qui lui avaient été
présentées, et
ayant seulement l'espoir qu'elles seraient adoptées par
lui, a declaré positivement que l'expédition qui
se préparait
en Portugal ne mettrait à la voile que dans le
[346]
cas de la rupture de la négociation, ou du renouvellement,
ou continuation des hostilités.
«On a vu cependant, dans les premières
conférences
que MM. les Plénipotentiaires du Brésil ne se
conformaient
point au principe de mettre de côté la
reconnaissance de l'indépendance du Brésil, et
d'après
cela il aurait peut-être été du devoir
du Plénipotentiaire
Portugais d'arrêter aussitôt la
négociation. Mais tout
en maintenant les droits légitimes et incontestables de
Son Souverain, le Plénipotentiaire Portugais a encore
facilité la marche de la négociation en se
persuadant
d'après quelques explications d'une nature plus conciliante
de MM. les Plénipotentiaires du Brésil, qu'il
serait possible de s'entendre avec eux sur les bases
d'un arrangement avantageux aux deux Pays, puisque
Sa Majesté Très Fidèle, qui avait
déjà antérieurement
et par un acte spontanée élevé le
Brésil à la
Catégorie de Royaume, était toujours
disposé à lui en
confirmer les avantages en lui accordant une administration
tout à fait indépendante. C'est lorsque la
négociation
marchait vers ce but que l'on reçut la nouvelle
de la condamnation du Brick Portugais Voador. Elle
n'a pu que produire une impression très
défavorable
dans l'esprit de MM. les Plénipotentiaires d'Angleterre
et d'Autriche, et aurait justifié pleinement
le Plénipotentiaire Portugais de rompre la
négociation.
Cependant, voulant toujours montrer à quel point Sa
Majesté Très Fidèle portait sa
modération, le Plénipotentiaire
Portugais a consenti encore à suivre la
négociation,
lorsque l'on eut connaissance des Réponses
peu favorables que le Gouvernement du Rio de Janeiro
a faites aux Représentations qui lui furent
adressées
par ordre du Cabinet Britanique. On observera d'abord
que le Ministre du Rio de Janeiro avait répondu aux
[347]
premières Représentations que M. Chamberlain lui
a
faites pour l'engager à faire cesser les
hostilités contre
les Portugais, que le Gouvernement du Rio de Janeiro
avait donné toutes les Instructions nécessaires
à ses
Plénipotentiaires en Angleterre. Mais lorsqu'ils furent
interpellés par le Plénipotentiaire Portugais,
ils répondirent simplement à la
première conférence
que les hostilités avaient cessé de fait, et se
refusèrent
à faire une déclaration positive à cet
égard, en
ajoutant qu'ils en écriraient de nouveau à leur
Gouvernement.
Une seconde démarche, plus positive encore
que la première ayant été faite par M.
Chamberlain
auprès du Gouvernement du Rio de Janeiro, auquel il a
représenté que ce Gouvernement ne pourrait avec
justice
ni avec prudence se refuser á l'ouverture qui lui
était faite par la mère patrie, on aurait
dû croire qu'à
la suite d'une intervention aussi puissante il aurait
muni les Plénipotentiaires d'instructions satisfaisantes,
d'autant plus que le Gouvernement du Rio de Janeiro
s'était rapporté de nouveau aux explications que
donneraient MM. les Plénipotentiaires Brésiliens.
Lorsque
ceux-ci furent interpellés ils ont dit seulement:
«1º Quant à la cessation des
hostilités, que le Gouvernement
du Rio de Janeiro n'attaquerait point les Colonies
Portugaises, ce qui ne revient pas à une
déclaration
positive qu'il ferait cesser toutes sortes d'hostilités
contre les Portugais.
«2º Quant au rétablissement des relations
de
Commerce,
MM. les Plénipotentiaires Brésiliens ont
déclaré
seulement que le Gouvernement du Rio de Janeiro le
faciliterait avec les précautions qu'exigeait l'opinion
publique au Brésil, ce qui revient à dire que le
Commerce
direct ne serait point rétabli.
«3º Pour ce qui regarde le séquestre des
Propriétés
[348]
Portugaises, MM. les Plénipotentiaires Brésiliens
ont
dit qu'il ne serait point continué, quoiqu'il soit connu
de tout le monde qu'il n'existait plus alors des
Propriétés
Portugaises au Brésil. Mais ils n'ont rien
déclaré
sur l'indemnisation des propriétés qui avaient
été séquestrées
et n'ont donné aucune explication sur la condamnation
du Brick Voador. Condamnation contraire
aux principes du Droit des Gens reconnus même parmi
les nations les moins civilisées, et d'autant plus
extraordinaire
qu'elle a été faite au moment où l'on
savait
que la négociation était ouverte à
Londres.
«Le Plénipotentiaire Portugais croit inutile
d'entrer
dans un plus grand développement de ces faits pour
mettre en évidence toutes les facilités que le
Roi Son
Auguste Maître a données pour parvenir
à conclure un
arrangement qui put réconcilier les deux pays tandis
que de la part du Gouvernement du Rio de Janeiro, on
n'a insisté que sur un seul point sans même
annoncer
quelles seraient les concessions qu'il serait disposé
à
faire pour l'obtenir.
«Sa Majesté Très Fidèle
aurait pu s'en tenir à ce
qu'il a fait jusqu'ici et attendre, avant de faire de nouvelles
propositions, que le Prince Royal proposât lui-même
les bases d'un accommodement compatible avec la
dignité du Roi Son Auguste Père. Mais mettant
encore
de côté toutes ces considérations et
voulant donner une
preuve encore plus évidente de sa modération, Sa
Majesté
a ordonné à son Plénipotentiaire de
présenter à
MM. les Plénipotentiaires Brésiliens l'esquisse
d'un
acte de Réconciliation aussi honorable qu'avantageux
pour les deux Pays. MM. les Plénipotentiaires de l'Autriche
et de l'Angleterre ne pourront que rendre justice
à la modération qui règne dans tous
les articles du
Projet que l'on propose, et à l'esprit de conciliation que
[349]
Sa Majesté Très Fidèle a fait voir
dans tous le cours
de cette négociation. C'est dans cette conviction que le
Plénipotentiaire Portugais réclame de MM. les
Plénipotentiaires
d'Autriche et d'Angleterre leur appui efficace
en faveur de l'acte de Réconciliation qu'il
présente
à MM. les Plénipotentiaires
Brésiliens.»
Sur quoi l'Esquisse de cet acte a été
délivrée, et des
Copies en ont été données à
MM. les Plénipotentiaires
de l'Autriche et de la Grande-Bretagne et la séance a
été levée.
DOCUMENTO Nº 12
Officio de Caldeira Brant e Gameiro Pessoa a Mr George
Canning e ao Principe Esterhazy e barão de
Neumann.
Monsieur,
Le retard que nous avons éprouvé depuis le 11
Novembre
dernier à être invités à une
conférence, et la
nouvelle du prochain départ d'un des plus
distingués
Diplomates Anglais (Sir Charles Stuart) qui doit se
rendre à Rio-Janeiro, chargé d'une mission
spéciale,
nous ont fait sentir la nécessité de ne pas
tarder plus
longtemps à nous expliquer sur le Contre-Projet de
Traité présenté par M. le
Plénipotentiaire Portugais
dans la dernière Conférence, et nous avons pris
le parti
de le faire au moyen du présent office.―Votre Excellence
sait très bien que nous ne nous sommes
décidés
à entrer en négociation avec le
Plénipotentiaire Portugais,
et à profiter des bons offices des Deux Hautes
Puissances qui ont bien voulu nous les accorder, que
sur la seule base de la reconnaissance de l'indépendance
absolue et de la souveraineté du Brésil; et comme
[350]
le Projet de Traité en question est tout à fait
contraire
à cette base, notre devoir nous prescrit de ne pas
l'accepter;
ce que nous faisons avec d'autant plus d'assurance,
que nous savons que notre Gouvernement a déjà
prononcé sur lui un rejet péremptoire et formel,
quand
le Ministère Portugais, oubliant les égards qui
étaient
dus aux Cours Médiatrices, l'a porté à
sa connaissance
par l'entremise d'un agent secret qu'il a envoyé
à Rio-Janeiro
au mois de Juin dernier.―Nous prions donc
Votre Excellence de vouloir bien, de concert avec MM.
les Plénipotentiaires Autrichiens, communiquer à
M.
le Plénipotentiaire Portugais la résolution
définitive
que nous avons prise de rejeter le Contre-Projet de
Traité qu'il nous a présenté. Et comme
nous sentons
que la dignité du Brésil ne permet pas la
continuation
d'une négociation déjà trop
prolongée, et qui sous les
puissants auspices des Cours de Londres et de Vienne
n'a pas pu être amenée à une fin
honorable pour les
deux Pays, nous nous sommes décidés, en outre,
à discontinuer
la négociation dès à
présent.―Mais si les
efforts réunis des Deux Hautes Puissances n'ont pas
été couronnés d'un complet
succès, le Gouvernement
Brésilien n'en est pas moins reconnaissant. Et nous nous
estimons heureux d'être l'organe des sentiments de vive
gratitude dont il est pénétré envers
les Deux Cours
Médiatrices.
En même temps nous vous prions d'agréer nos
remerciements
personnels et les assurances de la très haute
considération avec laquelle nous avons l'honneur
d'être,
Londres, ce 10 Février 1825.
Le Général
Brant. Le Chevalier
Gameiro.
Son Excellence le Très Honorable
George
Canning,
Principal Secrétaire d'Etat au Département des
Affaires
Étrangères.
[351]
Nesta mesma conformidade e data se officiou aos
Plenipotenciarios Austriacos (o Principe d'Esterhazy, e
o Barão de Neumann).
DOCUMENTO Nº 12 A
Resposta do Principe Esterhazy e barão de
Neumann ao
precedente Officio.
Messieurs,
Nous avons reçu la Communication en date du 10
décembre que Vous nous avez fait l'honneur de nous
adresser, à l'effet de Vous expliquer sur le Contre-projet
présenté à la Conférence du
11 Novembre dernier,
par M. le Plénipotentiaire Portugais, en suite d'ordre
de sa Cour. Si la détermination que Vous avez prise
n'a pu manquer de nous causer des vifs régrêts,
nous
devons croire qu'il Vous aura été impossible de
l'éviter.
Nous n'avons sous ce point aucune observation à
faire; il n'en est pas de mème d'un passage de la dite
Communication par lequel vous déclarez que les bons
offices des Puissances médiatrices n'ont
été acceptés
par Vous que sur la base de la reconnaissance et
de l'indépendance absolue du Brésil, tandis qu'il
a
été convenu d'un commun accord que la
négociation
s'entamerait sans toucher l'objet du droit de souveraineté
d'un côté et de l'indépendance de
l'autre: s'il avait
pu exister le moindre doute sur la position de l'Autriche
à cet égard, la déclaration
réservée au Protocole
du 11 et 12 Août 1824 aurait dû les dissiper.
Nous saisissons cette occasion, Messieurs, pour rendre
une justice entière à l'esprit de Conciliation
que Vous
[352]
avez déployé dans plus d'une occasion, et nous ne
manquerons point de l'exposer sous son véritable jour
à notre Auguste Cour.
Veuillez agréer l'assurance de notre
Considération
très distinguée.
Chandos House, le 14
Février 1825.
Esterhazy,
Neumann.
A M. le Général
Brant
et M. le Chevalier
de Gameiro.
DOCUMENTOS Nos 13, 14, 15 e 16
Nº 13
Tratado de Paz, e Alliança entre o Senhor
D. Pedro I,
Imperador do Brazil, e D. João, Rei de Portugal,
assignado no Rio de Janeiro em 29 de Agosto de 1825,
e ratificado por parte do Brazil em 30 do dito mez, e
pela de Portugal em 15 de Novembro do mesmo anno.
Em Nome da Santissima e Indivisivel Trindade,
Sua Magestade Fidelissima Tendo constantemente
no Seu Real Animo os mais vivos desejos de restabelecer
a Paz, Amisade, e boa harmonia entre Povos Irmãos,
que os vinculos mais sagrados devem conciliar,
e unir em perpetua alliança, para Conseguir tão
importantes
fins, Promover a prosperidade geral, e Segurar
a existencia politica, e os destinos futuros de Portugal,
assim como os do Brazil, e Querendo de uma vez remover
todos os obstaculos, que possão impedir a dita
Alliança, Concordia, et Felicidade de um, e outro Estado,
por seu Diploma de treze de Maio do corrente
anno, Reconheceu o Brazil na Cathegoria de Imperio
Independente, e separado dos Reinos de Portugal, e
[353]
Algarves, e a Seu sobre todos muito Amado, e Prezado
Filho Dom Pedro por Imperador, Cedendo, e Transferindo
de Sua livre Vontade a Soberania do dito Imperio
ao Mesmo Seu Filho, e Seus Legitimos Successores,
e Tomando sómente, e Reservando para a Sua Pessoa
o mesmo Titulo.
E estes Augustos Senhores, Acceitando a Mediação
de Sua Magestade Britannica para o ajuste de toda a
questão incidente á
separação dos dous Estados, Tem
Nomeado Plenipotenciarios, a saber:
Sua Magestade Imperial ao Illustrissimo e Excellentissimo
Luiz José de Carvalho e Mello, do Conselho de
Estado, Dignitario da Imperial Ordem do Cruzeiro,
Commendador das Ordens de Christo, e da
Conceição,
e Ministro e Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros;
ao Illustrissimo e Excellentissimo Barão de
Santo Amaro, Grande do Imperio, do Conselho de Estado,
Gentil-Homem da Imperial Camara, Dignitario
da Ordem do Cruzeiro, e Commendador das Ordens de
Christo, e da Torre e Espada; e ao Illustrissimo e Excellentissimo
Francisco Villela Barbosa, do Conselho
de Estado, Grão Cruz da Imperial Ordem do Cruzeiro,
Cavalleiro da Ordem de Christo, Coronel do Imperial
Corpo de Engenheiros, Ministro e Secretario de Estado
dos Negocios da Marinha, e Inspector Geral da Marinha.
Sua Magestade Fidelissima ao Illustrissimo e Excellentissimo
Cavalheiro Sir Carlos Stuart, Conselheiro
Privado de Sua Magestade Britannica, Grão Cruz da
Ordem da Torre e Espada, e da Ordem do Banho.
E vistos e trocados os Seos Plenos Poderes, convierão
em que, na conformidade dos principios expressados
n'este Preambulo, se formasse o presente Tratado.
[354]
Artigo I
Sua Magestade Fidelissima Reconhece o Brazil na
Cathegoria de Imperio Independente, e Separado dos
Reinos de Portugal e Algarves; e a Seo sobre todos
muito Amado, e Prezado Filho Dom Pedro por Imperador,
Cedendo, e Transferindo de Sua Livre Vontade
a Soberania do dito Imperio ao Mesmo Seo Filho, e a
Seos Legitimos Successores. Sua Magestade Fidelissima
Toma sómente, e Reserva para a sua Pessoa o
mesmo Titulo.
Artigo II
Sua Magestade Imperial, em reconhecimento de
Respeito, e Amor a Seo Augusto Pai o Senhor Dom
João VI, Annue a que Sua Magestade Fidelissima
Tome para a Sua Pessoa o Titulo de Imperador.
Artigo III
Sua Magestade Imperial Promette não Acceitar
proposições
de quaesquer Colonias Portuguezas para se
reunirem ao Imperio do Brazil.
Artigo IV
Haverá d'ora em diante Paz e Alliança, e a mais
perfeita amizade entre o Imperio do Brazil, e os Reinos
de Portugal, e Algarves, com total esquecimento das
desavenças passadas entre os Povos respectivos.
Artigo V
Os Subditos de ambas as Nações, Brazileira, e
Portugueza,
serão considerados, e tratados nos respectivos
Estados como os da Nação mais favorecida e Amiga,
e
Seos direitos, e propriedades religiosamente guardados
e protegidos; ficando entendido que os actuaes possuidores
[355]
de bens de raiz serão mantidos na posse pacifica
dos seus bens.
Artigo VI
Toda a propriedade de bens de raiz ou moveis, e
acções,
sequestradas ou confiscadas, pertencentes aos
Subditos de Ambos os Soberanos, do Brazil, e Portugal,
serão restituidas, assim como os seus rendimentos
passados, deduzidas as despezas da Administração,
ou
seos proprietarios indemnisados reciprocamente pela
maneira declarada no Artigo oitavo.
Artigo VII
Todos as Embarcações, e cargas apresadas,
pertencentes
aos Subditos de Ambos os Soberanos, serão semelhantemente
restituidas, ou seos proprietarios indemnisados.
Artigo VIII
Huma Commissão nomeada por Ambos os Governos,
composta de Brazileiros, e Portuguezes em numero
igual, e estabelecida onde os respectivos Governos julgarem
por mais conveniente, será encarregada de examinar
a materia dos Artigos Sexto e Setimo; entendendo-se
que as reclamações deverão ser feitas
dentro
do prazo de um anno, depois de formada a Commissão,
e que no caso de empate nos votos será decidida a
questão pelo Representante do Soberano Mediador.
Ambos os Governos indicarão os fundos, por onde se
hão de pagar as primeiras reclamações
liquidas.
Artigo IX
Todas as reclamações publicas de Governo a
Governo
serão reciprocamente recebidas, e decididas, ou com a
restituição dos objectos reclamados, ou com uma
indemnisação
[356]
do seo justo valor. Para o ajuste
destas reclamações,
Ambas as Altas Partes Contratantes Convierão
em fazer huma Convenção directa, e especial.
Artigo X
Serão restabelecidas desde logo as
relações de Commercio
entre Ambas as Nações, Brazileira, e Portugueza,
pagando reciprocamente todas as mercadorias
quinze por cento de direitos de consumo provisoriamente,
ficando os direitos de baldeação e
reexportação
da mesma fórma, que se praticava antes da
separação.
Artigo XI
A reciproca Troca das Ratificações do presente
Tratado
se fará na Cidade de Lisboa, dentro do espaço de
cinco mezes, ou mais breve, se fôr possivel, contados
do dia da assignatura do presente Tratado.
Em testemunho do que Nós abaixo assignados,
Plenipotenciarios
de Sua Magestade Imperial, e de Sua
Magestade Fidelissima, em virtude dos nossos respectivos
Plenos Poderes, assignamos o presente Tratado
com os nossos punhos, e lhe fizemos pôr os Sellos das
nossas Armas.
Feito na Cidade do Rio de Janeiro, aos vinte e nove
dias do mez de Agosto do anno do Nascimento de
Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e vinte
cinco.
(Assignados).―L. S. Luiz José de Carvalho e Mello.―L.
S. Barão de Santo Amaro.―L. S. Francisco
Villela Barbosa.―L. S. Charles Stuart.
E sendo-Nos presente o mesmo Tratado, cujo theor
fica acima inserido, e sendo bem visto, considerado, e
examinado por Nós tudo o
que nelle se contem, Tendo,
ouvido o Nosso
Conselho de Estado, o Approvamos
[357]
Ratificamos, e Confirmamos assim no todo, como em
cada hum dos seos artigos, e estipulações, e pela
presente
o Damos por firme e valioso para sempre. Promettendo
em Fé e Palavra Imperial observal-o, e
cumpril-o inviolavelmente, e Fazel-o cumprir e observar
por qualquer modo que possa ser. Em testemunho
e firmeza do sobredito Fizemos passar a presente Carta
por Nós assignada, passada com o Sello Grande das
Armas do Imperio, e referendada pelo Nosso Ministro
e Secretario de Estado abaixo assignado. Dada no Palacio
do Rio de Janeiro, aos trinta dias do mez de
Agosto do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus
Christo de mil oitocentos e vinte cinco.―Pedro, Imperador,
Com Guarda.―Luiz José de
Carvalho e
Mello.
Nº 14
Carta de Lei pela qual El-Rei o Senhor dom
João VI
manda publicar, e cumprir a Ratificação de
Tratado
de Amisade, e Alliança de 29 de Agosto de 1825,
entre Portugal e o Brazil, dada em Lisboa a 15 de
Novembro do dito anno.
Dom João, por graça de Deus, Rei do Reino Unido
de Portugal, e do Brazil, e Algarves, etc., etc. Aos
Vassallos de todos os Estados dos Meus Reinos e Senhorios,
Saude. Faço saber aos que esta Carta de Lei
virem: Que pela minha Carta Patente, dada em o dia
13 de Maio do corrente anno, Fui servido tomar em
minha alta consideração quanto convinha, e se
tornava
necessario ao serviço de Deus, e ao bem de todos os
povos que a Divina Providencia confiou a Minha Soberana
direcção, pôr termo aos males e
dissensões que
teem occorrido no Brazil, em gravissimo damno e
[358]
perda, tanto dos seus naturaes, como dos de Portugal e
seus dominios, o Meu Paternal desvelo se occupou
constantemente de considerar quanto convinha restabelecer
a paz, amisade, e boa harmonia entre os povos
irmãos, que os vinculos mais sagrados devem conciliar,
e unir em perpetua alliança. Para conseguir tão
importantes
fins, promover a prosperidade geral, e segurar a
existencia politica, e os destinos futuros dos Reinos de
Portugal, e Algarves, assim como os do Reino do
Brazil, que com prazer elevei a essa dignidade, preeminencia,
e denominação, por Carta de Lei de 16 de
Dezembro de 1815, em consequencia do que me prestarão
depois os seus habitantes novo juramento de fidelidade
no acto solemne da minha acclamação em a
Côrte do Rio de Janeiro: Querendo de uma vez remover
todos os obstaculos que pudessem impedir, e oppôr-se
a dita alliança, concordia, e felicidade de um e outro
Reino, qual pai desvelado que só cura do melhor
estabelecimento
de seus filhos: Houve por bem ceder, e
transmittir em meu sobre todos muito amado, e prezado
filho Dom Pedro de Alcantara, Herdeiro, e Successor
destes Reinos, Meus direitos sobre aquelle paiz,
creando, e reconhecendo sua independencia com o
titulo de Imperio, reservando-me todavia o titulo de
Imperador do Brazil. Meus designios sobre este tão
importante objecto se achão ajustados da maneira que
consta do Tratado de amisade, e alliança, assignado
em o Rio de Janeiro em o dia 29 de Agosto do presente
anno, ratificado por mim no dia de hoje, e que vai ser
patente a todos os Meus fieis vassallos, promovendo-se
por elle os bens, vantagens e interesses de Meus povos,
que é o cuidado mais urgente do Meu paternal
coração.
Em taes circumstancias, Sou servido assumir o titulo de
Imperador do Brazil, reconhecendo o dito Meu sobre
[359]
todos muito amado, e prezado filho Dom Pedro d'Alcantara,
Principe Real de Portugal, e Algarves, com
o mesmo titulo tambem de Imperador, e o exercicio de
Soberania em todo o Imperio; e Mando que de ora em
diante eu assim fique reconhecido com o tratamento
correspondente a esta dignidade. Outrosim Ordeno que
todas as Leis, Cartas Patentes, e quaesquer diplomas
ou titulos, que se costumão expedir em o Meu Real
Nome, sejão passados com a formula seguinte:―Dom
João, por graça de Deus, Imperador do Brazil e
Rei de
Portugal e dos Algarves, d'áquem e d'alem mar, em
Africa, Senhor de Guiné, e da Conquista,
Navegação,
e Commercio da Ethiopia, Arabia, Persia, e da
India, etc.―E esta que desde já vai assignada com o
titulo de Imperador, e Rei com guarda, se cumprirá
tão inteiramente como n'ella se contém, sem
duvida ou
embargo algum, qualquer que elle seja. Para que
mando á Mesa do Desembargo do Paço, etc., etc.,
Juizes, Magistrados, etc., a quem, e aos quaes o conhecimento
d'esta em quaesquer casos pertencer, que a
cumprão, guardem, e fação inteira e
litteralmente
cumprir, e guardar como n'ella se contem, sem
hesitações
ou interpretações que alterem as
disposições d'ella,
não obstante quaesquer Leis, Regimentos, Alvarás,
Cartas Régias, Assentos intitulados de Côrtes,
disposições
ou estylos que em contrario se tenhão passado
ou introduzido; porque todos, e todas de Meu motu
proprio, certa sciencia, Poder Real, pleno e Supremo,
Derogo e Hei por derogados, como se d'elles fizesse
especial menção em todas as suas partes,
não obstante
a Ordenação que o contrario determina, a qual
tambem
Derogo para este effeito sómente, ficando aliás
sempre
em seu vigor. E ao Doutor João de Mattos e Vasconcellos
Barbosa de Magalhães, Desembargador do Paço,
[360]
do Meu Conselho, que serve de Chanceller Mór d'estes
Reinos, Mando que a faça publicar na Chancellaria, e
que d'ella se remettão cópias a todos os
Tribunaes,
Cabeças de Comarca, e Villas d'estes Reinos e seus
Dominios; registrando-se em todos os lugares onde se
costumão registrar similhantes Leis, e mandando-se
o original d'ella para a Torre do Tombo. Dada no
Palacio de Mafra, aos 15 dias do mez de Novembro,
anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo
de 1825.―Imperador e Rei. (Com guarda).―José
Joaquim de Almeida e Araujo Corrêa de Lacerda.
Nº 15
Carta Patente (a que se refere a Carta de Lei de 15 de
Novembro de 1825) pela qual El-Rei o Senhor
D. João VI legitimou a
Independencia Politica do
Imperio do Brazil, resalvando formalmente a successão
de S. Magestade o Imperador o Senhor D. Pedro I
a Corôa de Portugal; dada em Lisboa a 13 de Maio
de 1825.
D. João, por Graça de Deus, Rei do Reino Unido de
Portugal, e do Brazil e Algarves, d'áquem, e d'alem
mar, em Africa Senhor de Guiné, e da Conquista,
Navegação,
e Commercio da Ethiopia, Arabia, Persia, e
da India, etc., etc. Faço saber aos que a presente Carta
Patente virem que, considerando Eu quanto convém, e
se torna necessario ao serviço de Deus, e ao bem de
todos os povos que a Divina Providencia confiou á
Minha Soberana direcção, pôr termo aos
males e dissenções
que teem occorrido no Brazil, em gravissimo
damno, e perda, tanto dos seus naturaes, como dos de
Portugal, e seus dominios: e Tendo constantemente no
[361]
Meu Real animo os mais vivos desejos de restabelecer
a paz, amizade, e boa harmonia entre povos irmãos,
que os vinculos mais sagrados devem conciliar, e unir
em perpetua alliança: para conseguir tão
importantes
fins, promover a prosperidade geral, e segurar a existencia
politica, e os destinos dos Reinos de Portugal, e
Algarves, assim como os do Brazil, que com prazer
Elevei a essa dignidade, preeminencia, e
denominação,
por Carta de Lei de 16 de Dezembro de 1815, em consequencia
do que me prestarão depois os seus habitantes
novo juramento de fidelidade no acto solemne da Minha
acclamação em a Côrte do Rio de
Janeiro; Querendo
de uma vez remover todos os obstaculos que possão
impedir, e oppor-se á dita alliança, concordia, e
felicidade
de um, e outro Reino, qual Rei desvelado, que só
cura do melhor estabelecimento de seus filhos: Sou
servido, a exemplo do que praticárão os Senhores
Reis
D. Affonso V, e D. Manoel, Meus Gloriosos predecessores,
e outros Soberanos da Europa, ordenar o seguinte:
O Reino do Brazil será d'aqui em diante tido, havido,
e reconhecido com a denominação de Imperio, em
lugar da de Reino, que antes tinha;
Consequentemente Tomo, e Estabeleço para Mim, e
para os Meus Successores, o titulo, e dignidade de Imperador
do Brazil, e Rei de Portugal e Algarves, aos
quaes se seguirão os mais titulos inherentes á
Corôa
destes Reinos.
O titulo de Principe ou Princeza Imperial do Brazil,
e Real de Portugal e Algarves, será conferido ao Principe
ou Princeza, herdeiro ou herdeira das duas Corôas
Imperial e Real.
A administração, tanto interna como externa, do
Imperio do Brazil, será distincta, e separada da
administração
[362]
dos Reinos de Portugal, e Algarves,
bem
como a destes da daquelle.
E por a successão das duas Corôas, Imperial, e
Real,
directamente pertencer a Meu sobre todos muito amado,
e prezado Filho o Principe D. Pedro, nelle, por este
Meu Acto, e Carta Patente, Cedo, e Transfiro já de
Minha livre vontade o pleno exercicio da Soberania do
Imperio do Brazil, para o governar, denominando-se
Imperador do Brazil, e o de Rei de Portugal, e Algarves,
com a plena Soberania destes dous Reinos, e seus dominios.
Sou tambem servido, como Gram-Mestre, Governador,
e perpetuo Administrador dos Mestrados, Cavallaria,
e Ordens de Nosso Senhor Jesus Christo, de
S. Bento de Aviz, e de S. Thiago da Espada, Delegar,
como Delego, no dito Meu Filho, Imperador do
Brazil, e Principe Real de Portugal, e Algarves, toda
a jurisdicção, e poder para conferir os
Beneficios da
primeira Ordem, e os habitos de todas ellas no dito
Imperio.
Os naturaes do Reino de Portugal, e seus dominios
serão considerados no Imperio do Brazil como Brazileiros,
e os naturaes do Imperio do Brazil no Reino
de Portugal, e seus dominios, como Portuguezes; conservando
sempre Portugal os seus antigos fóros, liberdades,
e louvaveis costumes.
Para memoria, firmeza, e guarda de todo o referido,
Mandei fazer duas Cartas Patentes deste mesmo teor,
assignadas por Mim, e selladas com o Meu Sello
grande; das quaes uma Mando entregar ao sobredito
Meu Filho, Imperador do Brazil, e Principe Real de
Portugal, e Algarves, e outra se conservará, e
guardará
na Torre de Tombo; e valerão ambas como se
fossem Cartas passadas pela Chancellaria, posto que
[363]
por ella não hajão de passar, sem embargo de
toda, e
qualquer legislação em contrario, que para esse
fim
Revogo como se della fizesse expressa mensão.
Dada no Palacio da Bemposta, aos 13 do mez de
Maio de 1825.―El-Rei,
Com Guarda.
Nº 16
Convenção addicional ao Tratado
de Amizade, e Alliança
de 29 de Agosto de 1825 entre o Senhor Dom Pedro I
Imperador do Brazil, e Dom João VI, Rei de Portugal,
assignada no Rio de Janeiro naquella mesma
data, e ratificada por parte do Brazil em 30 de Agosto,
e pela de Portugal em 15 de Novembro do dito anno.
Em Nome da Santissima e Indivisivel Trindade.
Havendo-se estabelecido no Artigo IX do Tratado de
paz, e alliança, firmado na data desta, entre Portugal,
e o Brazil, que as reclamações publicas de um a
outro
Governo serião reciprocamente recebidas e decididas,
ou com a restituição dos objectos reclamados, ou
com
uma indemnisação equivalente, convindo-se em que,
para o ajuste d'ellas, ambas as Altas Partes Contratantes
farião uma Convenção directa, e
especial; e, considerando-se
depois ser o melhor meio de terminar esta
questão o fixar-se, e ajustar-se desde logo em uma
quantia certa, ficando extincto todo o direito para as
reciprocas, e ulteriores reclamações de ambos os
Governos:
os abaixo assignados, o Illustrissimo e Excellentissimo
Luiz José de Carvalho de Mello, do Conselho de
Estado, Dignitario da Imperial Ordem do Cruzeiro,
Commendador das Ordens de Christo, e da
Conceição,
e Ministro, e Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros;
o Illustrissimo e Excellentissimo Barão de Santo
[364]
Amaro, Grande do Imperio, do Conselho de Estado,
Gentil Homem da Imperial Camara, Dignitario da Imperial
Ordem do Cruzeiro, e Commendador das Ordens
de Christo, e da Torre, e Espada; o Illustrissimo e
Excellentissimo Francisco Villela Barbosa, do Conselho
de Estado, Grã Cruz da Imperial Ordem do Cruzeiro,
Cavalleiro da Ordem de Christo, Coronel do Imperial
Corpo de Engenheiros, Ministro e Secretario de
Estado dos Negocios da Marinha, e Inspector Geral da
Marinha, Plenipotenciarios de Sua Magestade o Imperador
do Brazil, debaixo da mediação de Sua Magestade
Britannica, e Sir Charles Stuart, Conselheiro Privado
de Sua Magestade Britannica, Grã Cruz da Ordem
da Torre, e Espada, Plenipotenciario de Sua Magestade
Fidelissima El-Rei de Portugal, e Algarves; convierão,
em virtude dos seus plenos poderes respectivos, em os
Artigos seguintes:
Artigo I
Sua Magestade Imperial convem, á vista das
reclamações
apresentadas de Governo a Governo, em dar ao
de Portugal a somma de dous milhões de libras esterlinas;
ficando com esta somma extinctas de ambas as
partes todas e quaesquer outras reclamações,
assim
como todo o direito a indemnisações desta
natureza.
Artigo II
Para o pagamento desta quantia toma Sua Magestade
Imperial sobre o Thesouro do Brazil o emprestimo que
Portugal tem contrahido em Londres no mez de Outubro
de mil oitocentos e vinte e tres, pagando o restante,
para prefazer os sobreditos dous milhões esterlinos, no
prazo de um anno, a quarteis, depois da
ratificação, e
publicação da presente
Convenção.
[365]
Artigo III
Ficão exceptuadas da regra estabelecida no Artigo I
desta Convenção as
reclamações reciprocas sobre transporte
de tropas, e despezas com as mesmas tropas.
Para liquidação d'estas
reclamações haverá uma
Commissão
mixta, formada, e regulada pela mesma maneira
que se acha estabelecido no Artigo VIII do Tratado
de que acima se faz menção.
Artigo IV
A presente Convenção será ratificada,
e a mutua
troca das ratificações se fará na
Cidade de Lisboa dentro
do espaço de cinco mezes, ou mais breve se fôr
possivel.
Em testemunho do que, nós abaixo assignados,
Plenipotenciarios
de Sua Magestade El-Rei de Portugal, e
de Sua Magestade O Imperador do Brazil, em virtude
dos nossos respectivos plenos
poderes, assignámos a
presente Convenção, e lhe fizemos pôr
os Sellos das
nossas Armas.
Feita na Cidade do Rio de Janeiro, aos 29 dias do
mez de Agosto de 1825.―(L. S.) Luiz José de Carvalho
e Mello.―(L. S.) Barão de Santo Amaro.―(L.
S.) Francisco Villela Barbosa.―(L. S.) Charles
Stuart.
[366]
Carta Regia pela qual El-Rei o Senhor Dom Pedro
IV.
Abdicou a Corôa Portugueza a favor da Sua Filha a
Senhora Princeza Dona Maria da Gloria, dada no
Rio de Janeiro a 2 de Maio de 1826[77].
Dom Pedro, por Graça de Deus, Rei de Portugal e
dos Algarves, d'aquem e d'além mar, em Africa Senhor
de Guiné, da Conquista, Navegação e
Commercio da
Ethiopia, Arabia, Persia e da India, etc. Faço saber a
todos os Meus Subditos Portuguezes, que, sendo incompativel
com os interesses do Imperio do Brazil, e os do
Reino de Portugal, que Eu continue a ser Rei de Portugal,
Algarves, e Seus Dominios, e Querendo facilitar
aos ditos Reinos quanto em Mim couber: Hei por bem,
de Meu motu proprio, e livre vontade, abdicar, e ceder
de todos os indisputaveis, e inauferiveis Direitos que
tenho á Corôa da Monarchia Portugueza, e
á Soberania
dos mesmos Reinos, na pessoa da Minha sobre todas
muito amada, prezada, e querida Filha, a Princeza do
Gram Pará Dona Maria da Gloria, para que Ella, como
Sua Rainha Reinante, os governe independentes d'este
Imperio, e pela Constituição que Eu Houve por bem
decretar, dar e mandar jurar por Minha Carta de Lei
de 29 de Abril do corrente anno; e outrosim Sou Servido
declarar que a dita Minha Filha, Rainha Reinante
de Portugal, não sahirá do Imperio do Brazil sem
que
Me conste officialmente que a Constituição foi
jurada
[367]
conforme Eu ordenei, e sem que os Esponsaes do Casamento,
que Pretendo fazer-lhe com o Meu muito amado
e prezado Irmão, o Infante Dom Miguel, estejão
feitos,
e o casamento concluido; e esta Minha Abdicação e
Cessão não se verificará, se faltar
qualquer d'estas duas
condições. Pelo que Mando a todas as
auctoridades, a
que o conhecimento d'esta Minha Carta de Lei pertencer,
a fação publicar para que conste a todos os Meus
Subditos Portuguezes esta Minha deliberação. A
Regencia
desses Meus Reinos e Dominios, assim o tenha
entendido e a faça imprimir, e publicar do modo mais
authentico, para que se cumpra inteiramente o que
n'ella se contém, e valerá por Carta passada pela
Chancellaria,
posto que por ella não ha de passar, sem embargo
da Ordenação em contrario, que sómente
para
este effeito Hei por bem derogar, ficando aliás em seu
vigor, não obstante a falta de referenda, e mais
formalidades
do estylo que igualmente Sou Servido dispensar.
Dada no Palacio do Rio de Janeiro, aos 2 dias do
mez de Maio do anno do Nascimento de Nosso Senhor
Jesus Christo de 1826.―El-Rei, Com Guarda.
INDICE
I
A
Europa e o
reconhecimento |
1 |
Papel
da esquadra na
Independencia |
2 |
Aberturas
de
reconciliação |
3 |
Nomeação
de Brant e
Gameiro |
4 |
Expedições
armadas na
Inglaterra |
5 |
Encarregatura
de negocios
de
Hyppolito |
6 |
Instrucções
a
Gameiro |
7 |
Posição
diplomatica do
Brazil |
9 |
Justificação
da
Independencia |
10 |
A
mediação ingleza
suggerida |
11 |
A
Austria igualmente
medianeira |
12 |
Canning
resolve a
questão da
mediação
ou bons
officios |
13 |
Canning
como interventor a
pedido |
14 |
Benevolencia
da
Austria |
16 |
Hostilidade
da Santa
Alliança. A Inglaterra
e a
Austria em pontos de vista
diversos |
17 |
Metternich
e a
Constituição
Brazileir |
18 |
A
orientação franceza sob os
Bourbons |
18 |
Largos
planos de
Chateaubriand |
19 |
A
França no
Novo
Mundo |
20 |
Inconvenientes
para o
partido da
reacção de uma
solução amigavel do conflicto
luso-brazileiro |
22 |
Embaraços
creados pelo partido da
reacção |
23 |
Evolução
liberal na Inglaterra e
papel de Canning
na politica
européa |
24[370] |
O
conservantismo de Lord
Castlereagh |
25 |
Castlereagh
e a
emancipação do
Novo
Mundo |
26 |
Metternich
e o Foreign
Office |
27 |
Era
Canning um
democrata? |
28 |
Canning
e Jorge IV |
30 |
Influencia
de Canning no
partido e sua independencia
de
opiniões |
32 |
Perfil
intellectual e
politico de
Canning |
33 |
Pitt
e Canning |
35 |
A
libertação da America
Latina |
35 |
II
O
commercio britannico
favoravel ao
reconhecimento |
37 |
Differente
proceder de
Canning para com Portugal
e a Hespanha |
38 |
Emancipação
das colonias
hespanholas da
America |
39 |
Emissarios
inglezes na
America
Hespanhola |
43 |
Offerecimento
pela
Grã Bretanha á
Hespanha da sua
mediação |
44 |
A
doutrina de Monroe e a
parte que n'ella cabe a
Canning |
45 |
Opportunidade
do
reconhecimento da America
Hespanhola |
46 |
Influxo
dos Estados
Unidos |
47 |
Canning
e as monarchias
absolutas |
48 |
Condições
de neutralidade no
reconhecimento da
America Hespanhola |
49 |
Canning
entre Portugal e
Brazil |
50 |
Interesse
de Canning no
reconhecimento do
Imperio |
51 |
Delongas
de Portugal |
52 |
Instabilidade
politica no
Brazil. Os Andradas e o
sentimento liberal |
53 |
Portugal
invoca em Londres
os antigos tratados de
alliança |
54 |
A
Chancellaria Brazileira
discute o appello
portuguez |
|
Concessões
do
Imperio |
59 |
A
opinião publica e a suspensão das
hostilidades |
61 |
Solidez
da
Independencia |
62 |
Conveniencia
de transferir para Londres a séde das
negociações |
63 |
A
personalidade do
Imperador |
65 |
A
fibra militar |
67 |
Os
plenipotenciarios
brazileiros |
67 |
A
questão do
reconhecimento |
69 |
A
successão da
corôa
portugueza |
70 |
III
Primeiros
passos de Brant
e
Gameiro |
73 |
Carta
ao marquez de
Palmella |
74 |
Resposta
do Governo
Portuguez |
75 |
Palmella
no
ministerio |
75 |
Inclinações
francezas de
Subserra |
76 |
Desafio
de honrarias: o
Santo Espirito e a
Jarreteira |
77 |
Tergiversação
da Côrte
de
Lisboa |
78 |
Attitude
do ministro Villa
Real na troca dos plenos
poderes |
79 |
A
Abrilada |
80 |
Pressa
da Inglaterra com
relação
ao
reconhecimento |
80 |
A
questão do
trafico de escravos desde
1810 |
81 |
O
Brazil e a
escravidão |
84 |
A
missão
Amherst ao Rio de Janeiro. O
trafico e
José
Bonifacio |
85 |
Instrucções
secretas de Brant e
Gameiro sobre o
trafico |
87 |
A
França e a
Grã Bretanha na
Peninsula
Iberica |
90 |
Partido
tirado pelos
politicos brazileiros das
rivalidades
internacionaes |
91 |
Acção
dos enviados brazileiros
junto a
Canning |
93 |
Esboço
de
tratado formulado por Brant e
Gameiro |
94 |
Canning
e a
successão |
94[372]
|
Exigencias
previas de Villa Real na primeira conferencia
do Foreign Office |
94 |
A
suspensão das
hostilidades |
95 |
Expedição
portugueza ao Rio de
Janeiro |
95 |
Segunda
conferencia no
Foreign Office. Canning
assume a tarefa de redigir um projecto de
tratado |
96 |
IV
Fraqueza
dos recursos militares do Reino. Papel
glorioso da marinha
nacional |
98 |
As
prezas de Lord
Cochrane |
100 |
Entrevista
confidencial de Villa Real com os enviados
brazileiros |
100 |
Novas
conferencias no
Foreign Office. Má vontade
da Austria. Juizo de Metternich sobre
Canning |
102 |
Projecto
de tratado apresentado por George
Canning |
103 |
Insistencias
de Villa Real e evasivas de Brant e
Gameiro |
104 |
Espirito
de rebellião no
Brazil |
105 |
Aspecto
moral da capital
brazileira |
107 |
Recusa
para a
transmissão do projecto
Canning |
109 |
Canning
transmitte seu proprio projecto de tratado
para Lisboa |
110 |
Solicitude
de Canning
pelas
negociações |
111 |
Affazeres
da
Legação |
112 |
Emprestimo
brazileiro prejudicado pela revolução
pernambucana de 1824. Esperanças portuguezas.
Fuga de Manoel de
Carvalho |
113 |
Brant
e Gameiro recebem novas instrucções. O
armisticio
e a successão ao throno
portuguez |
116 |
Pretenções
portuguezas a suzerania. Vantagens
commerciaes offerecidas pelo
Brazil |
120 |
Opposição
portugueza. Idéas de
Palmella. Sympathia
de Canning |
122 |
Contra-projecto
portuguez |
123[373]
|
Esforços
dos enviados brazileiros em favor da paz.
Correspondencia entre Brant e
Palmella |
125 |
Observações
da Chancellaria Brazileira ao
projecto
de Canning |
127 |
V
Communicação
official do contra-projecto.
Preparativos
de guerra |
130 |
Relações
commerciaes do Brazil com a Inglaterra.
Opposição de Wellington e Eldon ao
reconhecimento |
131 |
A
questão do pau
brazil |
133 |
Opposição
da maioria do gabinete e do Rei
ás idéas
de Canning |
134 |
Reconciliação
do Rei com o seu Secretario de
Estado |
136 |
Influencía
da Santa Alliança em Lisboa.
Mudança
benevola para com o Brazil na attitude da Austria.
Intriga de Metternich |
138 |
Cordialidade
de relações entre Esterhazy e
Canning.
A Santa Alliança e o reconhecimento das republicas
hespanholas |
139 |
A
Austria abandona Portugal. Palmella e Subserra
mandam ao Rio um emissario secreto. O Imperador
e as negociações
clandestinas |
141 |
Brant
e Gameiro exploram o despacho do emissario.
Brant preconiza uma guerra
economica |
143 |
O
Brazil recusa declarar a cessação das
hostilidades |
144 |
Desavença
entre Villa Real e os enviados brazileiros.
Subsequente
reconciliação |
145 |
Desunião
moral entre Portugal e Brazil. Razões
d'este estado de
espirito |
147 |
O
papel de D. Miguel. Palmella e
Subserra |
150 |
Resolução
de
Canning |
152 |
Bons
conselhos de
Canning |
154 |
O
reconhecimento em
França |
156[374] |
Interesses
britannicos na America
Latina |
159 |
Palmella
e a Santa Alliança. Replica de Canning
ao contra-projecto |
160 |
Intrigas
francezas em Lisboa. Hyde de
Neuville |
162 |
Linguagem de
Canning para o
Brazil |
163 |
Circular do Governo
Portuguez |
164 |
Deliberação
de Canning com
relação ao reconhecimento
das republicas hespanholas. Despeito de
Brant e Gameiro |
166 |
Jubilo dos nossos
enviados. Missão de Sir Charles
Stuart |
169 |
Canning
concilia a Austria. Brant e Gameiro rejeitam
o contra-projecto |
173 |
Natureza da
missão de Sir Charles
Stuart |
174 |
Portugal perde a
opportunidade de fazer o reconhecimento.
Carta de Brant a D. Miguel de
Mello |
176 |
Politica pratica da
Inglaterra. Dissimulações de
Metternich |
177 |
Urgencia do
reconhecimento |
178 |
Resposta de D.
Miguel de
Mello |
179 |
Mudança
radical em
Metternich |
180 |
Os
adversarios de Canning na sua politica latino-americana.
A Austria, a França e a
Russia |
182 |
VI
Sir
William A' Court, embaixador em
Lisboa |
187 |
Chegada
de Sir Charles Stuart a Lisboa. Inicio das
negociações |
189 |
Instrucções
de
Canning |
191 |
As
negociações e as potencias
continentaes |
194 |
O
reconhecimento na Europa e na America
Latina |
197 |
A
entrevista de Combe
Wood |
198 |
A
Carta Regia. Partida de Sir Charles para o Rio
de Janeiro |
199 |
A
Carta Regia julgada em
Londres |
201 |
A
Inglaterra no caso de mallogro das negociações
do Rio |
204[375]
|
Opiniões
de
Neumann |
205 |
A
missão Stuart e a nossa Secretaria de
Estrangeiros |
207 |
Partida
de Brant para o Brazil. Gameiro e Palmella
em Londres |
210 |
Perfil
de Palmella. Razões da sua popularidade em
Londres |
212 |
Palmella
e a Independencia do
Brazil |
215 |
Palmella,
a demissão de Subserra e a
agitação de
Hyde de Neuville |
218 |
VII
Chegada
de Sir Charles Stuart ao Brazil. Acolhimento
imperial. Nomeação dos plenipotenciarios
brazileiros |
223 |
A
situação do Imperio com
relação a Buenos
Ayres |
224 |
A
Inglaterra e a politica platina do
Brazil |
226 |
Idéas
de Gameiro sobre a questão de
Montevidéo |
228 |
Buenos
Ayres igualmente solicita a intervenção
ingleza |
231 |
As
negociações no Rio de
Janeiro |
232 |
O
tratado e convenção de 29 de Agosto de
1825 |
240 |
Ratificação
do Tratado e
Convenção |
245 |
Palmella
e os tratados entre Portugal e
Inglaterra |
245 |
Sir
Charles Stuart e o tratado de commercio com a
Grã
Bretanha |
247 |
VIII
O
tratado luso-brazileiro julgado em
Londres |
249 |
O
tratado em Portugal |
251 |
O
titulo imperial |
252 |
Critica
do tratado |
253 |
O
tratado no Brazil |
254 |
Defeza
do tratado por Sir Charles
Stuart |
256 |
Satisfacção
de Canning com o
tratado |
258[376] |
Os
tratados com a Grã-Bretanha. Sua não
ratificação |
260 |
Motivos
da não ratificação. Os favores
commerciaes |
262 |
O direito de busco |
263 |
A conservatoria
Ingleza |
266 |
Os reus de alta
traição |
267 |
A
publicação dos
tratados |
268 |
Canning e Sir
Charles
Stuart |
271 |
O texto dos tratados |
273 |
Desvantagens
dos
tratados |
277 |
D. João
VI, Imperador do
Brazil |
279 |
Recebimento
de
Itabayana |
281 |
IX
O
reconhecimento nas outras côrtes da
Europa |
283 |
A
Austria |
283 |
A
França |
288 |
A
Santa Sé |
293 |
O
reconhecimento nas outras
côrtes
européas |
299 |
X
Fallecimento
de Canning. Sua
individualidade |
306 |
Appendice |
311 |
Paris.―Typ. H. Garnier,
6, rue
des Saints-Pères. 302.2.1901.
Notas:
[1] Vide no
Appendice o texto
completo das
instrucções
mandadas a Gameiro (Doc. nº 1).
[2] Augustus
Granville Stapleton,
George
Canning and
his times, London 1859, pg. 501.
[3]
The Greville Memoirs,
vol. 1, pgs 54, 55 e 107.
[4] Carta
a Sir Charles Bagot, embaixador em S. Petersburgo.
No já citado discurso de Plymouth encontra-se
o commentario d'aquella phrase nas seguintes palavras:
«Senhores, eu penso que o meu coração
bate tão pressuroso
pelos interesses geraes da humanidade, que eu
possuo uma disposição tão benevola
para com as outras
nações da terra, quanto aquelle que mais alto
presa a sua
philantropia. Rejubila-me porem confessar que no manejo
dos negocios politicos o grande objecto da minha
contemplação
é o interesse da Inglaterra.
[5] Rodrigo
Octavio, da Acad.
Braz.―
Felisberto Caldeira,
Chronica dos tempos coloniaes, Rio
de Janeiro,
1900.
[6] A.
A. de Aguiar,
Vida do Marquez de
Barbacena,
Rio de Janeiro, 1896.
[7] Vide
no Appendice a redacção
adoptada, por julgada
a mais anodina, da carta a Palmella (Doc. nº 2).
[8] Vide
no Appendice, Doc. nº 3.
[9] Annexo XV do Acto final do Congresso
de
Vienna (1814-15).
[10] Pereira
Pinto,
Collecção dos
Tratados, Rio, 1864,
vol. I, pg. 153.
[11] Vide
no Appendice o respectivo Protocollo (Doc.
nº 4).
[12] O
successor de José Bonifacio e de Carneiro de
Campos (marquez de Caravellas) na pasta de Estrangeiros
foi depois visconde da Cachoeira.
[13] Vide
Protocollo no Appendice (Doc. nº 5).
[14]
Narrativa
de serviços no libertar-se o Brazil
da
dominação portugueza, Londres, 1859.
[15] Vide
no Appendice os respectivos Protocollos (Doc.
n
os 6 e 7).
[16]
Mémoires,
Documents et Écrits divers
laissés par
le Prince de Metternich, Paris, 1881, vol. IV, page 225.
[17] Vide
no Appendice o texto dos dous projectos―o
dos plenipotenciarios brazileiros e o de Canning―que
se acham publicados, com bastantes incorrecções,
na
citada biographia do marquez de Barbacena (Doc. n
os
8
e 9).
[18]
Narrative
of a visit to Brazil, Chile, Peru, and the
Sandwich Islands during the years 1821, and 1822, London,
1825.
[19] Some
official Correspondence of George Canning,
edited by Ed. J. Stapleton, London, 1887.
[20]
Despacho
de 18 de Setembro de 1824.
[21] Vide
no Appendice o Doc. nº 10.
[22] Carta
particular de 4 de Novembro ao Ministro de
Estrangeiros do Brazil, na
Vida do Marquez de
Barbacena.
[23] Carta
de 7 de Agosto, pgs. 55 a 57 da ob. cit.
[24]
Despacho
de 30 de Outubro de 1824.
[25] Vide
no Appendice o respectivo Protocollo (Doc.
nº 11).
[26] The
political life of the Right Honourable George
Canning from his acceptance of the seals of the Foreign
Department, in September 1822, to the period of his
death, in August 1827. London, 1831, vol. II, cap. XI.
[27] Carta
de Canning a Lord Liverpool de 10 de Outubro
de 1824.
[28] Sir
Charles Stuart foi em 1828 Lord Stuart de Rothesay.
[29] Vide
no Appendice o Doc. nº 12, e sob o
nº 12 A a
resposta de Esterhazy e Neumann.
[30] Este
archivo acha-se hoje depositado no Archivo
Publico.
[31] Some
official Correspondence of George Canning.
Edited, with notes, by Edward J. Stapleton, London,
1887, vol. 1, pg. 154.
[32]
Despachos
e Correspondencia do Duque de Palmella,
colligidos e publicados por J. J. dos Reis e Vasconcellos,
Lisboa, 1851, tomo II.
[33] Officio
do Marquez de Palmella ao Conde de Porto
Santo, aos 18 de Maio de 1825.
[34] Maria
Amalia Vaz de Carvalho,
Vida do
Duque de
Palmella, Lisboa, 1898.
[35] Notes
of conversations with the Duke of Wellington,
1831-51, London, 1888.
[36] Depois
Lord Goderich e por pouco tempo Primeiro
Ministro.
[37]
Despacho
de 18 de Agosto de 1825.
[38] Officio
secreto de 14 de Setembro de 1825.
[39]
Despacho
de 18 de Agosto de 1825.
[40]
Despacho
cit. de 18 de Agosto.
[41]
É
mister não esquecer que, comquanto
seja sempre
denominado no livro plenipotenciario britannico para
maior clareza da exposição, Sir Charles Stuart
agia comtudo
n'este assumpto no caracter de plenipotenciario portuguez.
[42] Vide
no Appendice o Tratado e
Convenção de 29 de
Agosto, Alvará de 15 de Novembro e Carta Regia de
13 de Maio, reproduzidos da
Collecção de
Pereira Pinto
(Doc. n
os 13, 14, 15 e 16).
[43] Officio
secreto de 30 de Novembro de 1825.
[44] As
£ 250,000 foram pagas em Londres a 15 de
Fevereiro
de 1826, tendo D. João VI mandado para este fim
ao seu Embaixador um Alvará de
Procuração.
[45]
Despachos
do Visconde de Paranaguá de 23 e 25
de
Outubro de 1825.
[46]
Despacho
de 3 de Setembro de 1825.
[47]
Armitage,
History of
Brazil, London, 1836, vol. I
pg. 198.
[48] 9
de Dezembro de 1825.
[49] The
Political Life of Canning, vol. III, cap.
XV.
[50] Os
dous convenios não ratificados
não figuram naturalmente
na collecção dos British and Foreign State
Papers, nem apparecem na Collecção dos Tratados
de
Pereira Pinto, que aliás os menciona na sua noticia
historica
relativa ao tratado de 1827.
[51] 13
de Agosto de 1825.
[52] Carta
de Canning a Lord Granville, de 6 de
Março
de 1826.
[53] O
Diario Fluminense.
[54] Canning
refere-se á
substituição de Sir Charles
Stuart por Lord Granville na embaixada de Pariz, a qual
o primeiro continuava a ambicionar.
[55] Carta
cit. de 6 de Março de 1826.
[56] A.
L. Pereira da Cunha.
[57]
José
Egydio Alvares de Almeida, antigo
secretario
de D. João VI.
[58]
Encontra-se
o texto nas duas linguas nos
British
and Foreign State Papers,
1826-27,
pgs. 609 a 612.
[59]
Encontra-se
o texto nas duas linguas nos
British
and Foreign State Papers, 1826-27, pgs. 1008 a 1025.
[60]
João
Severiano Maciel da Costa.
[61]
Fernandes
Pinheiro.
[62] Souza
Coutinho.
[63] No
dia 7 de Setembro de 1825 foi Caldeira Brant
(Barbacena) nomeado pelo Imperador seu embaixador em
Lisboa, para cumprimentar D. João VI depois da troca
das ratificações. Declinou comtudo a honra,
temendo que
o acolhimento, que viesse a ser-lhe dispensado, não fosse
muito cordial em vista do papel que desempenhára nas
negociações de Londres.
[64]
Despacho
do visconde de Paranaguá, encarregado
interinamente da pasta de Estrangeiros, desde 4 de Outubro,
data da sahida de Carvalho e Mello, até 22 de Novembro,
data em que entrou para ella o visconde de Santo
Amaro.
[65]
Allusão
era aqui feita a um pequeno e serenado
conflicto
entre o Imperio e a Republica, no qual diz Canning
que Bolivar tinha perfeita razão. Versára o
conflicto sobre
uma expedição de Matto Grosso ao territorio de
Chiquitos,
no Alto Perú.
[66] O
seguinte P. S. de uma cartinha de 25 de Junho de
1825, de Neumann a Gameiro, dará uma idéa d'essas
relações:
«Je vous offre une messe demain à
défaut de mieux,
car le Prince a pris avec lui l'homme le plus essentiel de
l'Ambassade, je veux dire le cuisinier.»
[67] A
22 de Janeiro de 1826, depois de effectuado o
reconhecimento
pela Austria, deu Telles da Silva, já então
visconde de Rezende, um esplendido banquete em Vienna,
ao qual assistiram o Infante D. Miguel, Metternich, os
embaixadores das grandes potencias, quasi todos os ministros
estrangeiros e os mais altos dignitarios da Côrte.
D. Miguel que, escrevia Rezende a Itabayana, conversou
com elle perto de duas horas («enchendome de
satisfacção
o ver as maneiras urbanas e até a
instrucção que S. A. R.
tem adquirido») bebeu a saude do Imperador do Brazil
«e de todos os bons, fieis e zelosos servidores de Seu
Augusto Irmão e verdadeiro amigo.»
[68]
Despacho
de 12 de Março de 1824.
[69]
Despacho
do V. de Paranaguá ao B. de Itabayana,
em 14 de Novembro de 1825.
[70]
Encontra-se
o texto nas duas linguas nos
British and
Foreign State Papers, 1825-26, London, 1827.
[71]
Confirmada
esta deliberação por Nota
de 11 de Maio
de 1827.
[72] Candido
Mendes,
Direito Civil
Ecclesiastico Brazileiro.
[73] A
colonia de Nova Friburgo, sobre cujo mallogro
encontra-se um interessante capitulo na Viagem de Mathison,
atraz citada.
[74] O
Rei do Hanover era o proprio Jorge IV d'Inglaterra.
[75] 11
de Outubro de 1825.
[76] A
orthographia franceza é textualmente a dos
protocollos elaborados
e copiados no Foreign Office.
[77] Este
documento acompanha os anteriores na
Collecção dos
Tratados de Pereira Pinto, e forma como que o seo
ultimo commentario.
Servirá aqui de transição para a
continuação deste trabalho,
sob o titulo:
Do Reconhecimento á
Abdicação (1825-1831).
Lista de erros corrigidos
Aqui
encontram-se
listados todos os erros encontrados e corrigidos:
*
alterações realizadas com base no
Índice da obra.
Os símbolos de percentagem foram mantidos como surgem na
obra original, ou seja, 0/0 e não % como habitual.