The Project Gutenberg EBook of Noites de insomnia, offerecidas a quem não póde dormir. Nº6 (de 12), by Camilo Castelo Branco This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: Noites de insomnia, offerecidas a quem não póde dormir. Nº6 (de 12) Author: Camilo Castelo Branco Release Date: November 28, 2008 [EBook #27350] Language: Portuguese Character set encoding: ISO-8859-1 *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK NOITES DE INSOMNIA *** Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images of public domain material from Google Book Search) BIBLIOTHECA DE ALGIBEIRA NOITES DE INSOMNIA OFFERECIDAS A QUEM NÃO PÓDE DORMIR POR Camillo Castello Branco PUBLICAÇÃO MENSAL N.º 6--JUNHO LIVRARIA INTERNACIONAL DE ERNESTO CHARDRON _96, Largo dos Clerigos, 98_ PORTO EUGENIO CHARDRON _4, Largo de S. Francisco, 4_ BRAGA 1874 PORTO TYPOGRAPHIA DE ANTONIO JOSÉ DA SILVA TEIXEIRA 62--Rua da Cancella Velha--62 1874 BIBLIOTHECA DE ALGIBEIRA NOITES DE INSOMNIA SUMMARIO Subsidios para a historia da serenissima casa de Bragança--Os salões, pelo exc.mo snr. visconde d'Ouguella--Manoelinho d'Evora--A morte de D. João--Poetas e prosadores brasileiros--Ácerca de Joaquim 2.º--Estupido e infame (Á «Actualidade»)--Carta ao snr. conselheiro Viale--Quinta essencia de malandrim (Á «Actualidade») SUBSIDIOS PARA A HISTORIA DA SERENISSIMA CASA DE BRAGANÇA I PEDRO DE ALPOEM (Veja a pag. 93 do n.º 3 das _Noites_) CARTA DO DOUTOR PEDRO DE ALPOEM CONTADOR PARA O DUQUE DE BRAGANÇA «_Muito illustre snr. duque de Bragança._ «Obriga-me a escrever a v. exc.ª cá d'est'outro mundo de verdades e desenganos, sobre este negocio de tanta monta, e materia tão importante á honra, vida e estado vosso, e de todos estes reinos de Portugal, a memoria de um avô que tivestes muito conhecido no mundo[1], a quem em tempo tão necessitado de homens, qual elle foi na vida, por nossos e vossos peccados, succedestes no casco da illustrissima casa, sómente, que não na lealdade portugueza, no coração real, no zelo da conservação do reino que houvereis de herdar afamado no mundo todo. Os oleiros, sapateiros, alfaiates, e os mesteres do paço vos furtaram a benção, e o lugar, mostrando-se tão inteiros, generosos e leaes n'este derradeiro termo, que Portugal fez, e com que acabou por alguns annos, como se os privilegios honrosos, ou os titulos illustres, e os morgados e reguengos foram seus d'elles, e não vossos. E como se de rei natural (que podiam ter e dar-vos) não fôra sempre o melhor quinhão o vosso, e dos mais senhores fidalgos a quem favorecia, conversava, e sabia o nome, e com quem distribuia a maior parte dos bens da sua corôa, ficando elle sómente com o estado, e titulo real, com as obrigações, e trabalhos de nos defender a todos, e governar. Porque quem vir com curiosidade as rendas da corôa, e bens patrimoniaes dos reis nas alfandegas, nos contos, e nas sizas da cidade de Lisboa, do Porto, e das mais, achará esta verdade clara, a saber: que todo o bom, e grosso estava repartido, e derramado em juros, tenças, morgados, reguengos, jurisdicções de vassallas, e vassallos, tudo desmembrado da corôa real nos senhores, e fidalgos do reino, de maneira que mais parecia o rei seu pai, ou almoxarife d'elles, que rei, nem senhor. Oh! mal afortunados tempos! Hora infeliz, e desaventurada, e lastima para sentir! Quem de todo não perdeu o juizo com as razões castelhanas de portuguezes elches! É possivel que chegaram estes mesmos senhores de bom sangue, de bom entendimento, de sua livre vontade, e motu proprio, a escolher e a negociar por todos os meios humanos e diabolicos extinguir-se com o sceptro portuguez sua patria, nação, sua honra, fama, estados e suas mesmas casas, vencidos de respeitos, odios e interesses! Mal me parece que lhes lembrou aquella notavel resposta que o conde d'Ourem D. Nuno Alvares Pereira deu a seus irmãos em outro caso semelhante a este. O qual, tendo guerras com Castella o mestre de Aviz que depois foi rei D. João o primeiro de gloriosa memoria, e andando os irmãos d'este valoroso portuguez lançados da parte do rei de Castella, sendo commettido d'elles por parte do rei castelhano com grandes promessas, e partidos que se lançasse tambem com elles, respondeu: «Nunca Deus queira que por dividas, nem haveres eu seja traidor, nem ingrato á terra que me creou, e aonde eu nasci.» Os senhores fidalgos d'este nosso tempo por interesses, e promessas falsas, assignadas em branco, não sómente venderam sua patria, mas pregoavam, e persuadiam esta seita castelhana com tanta vehemencia, elles, suas mulheres, filhos e criados; e com tanto desejo de nos verem a todos convertidos a ella, que Martim Luthero, e os outros heresiarcas que o seguiram não zelaram mais seus erros, e falsa doutrina para a verem perpetuada na igreja de Deus. «Ora, excellente senhor, quero-vos capitular brevemente os erros gravissimos que n'este negocio commettestes, com os mais senhores fidalgos d'esta conjuração, para que vendo-vos a vós, e a elles n'este espelho claro não percaes alguma boa occasião, se a Deus der em algum tempo, de cobrardes o nome portuguez que perdestes, tanto para cobiçar, e perderes o que ganhastes, vós, e os mais por todas as nações, até com o mesmo rei, e nação a quem n'isso servistes; pois chegaram a chamar á rua onde moravam os governadores quando fugiram de Setubal _la calle de los traidores_. E não cuido que n'isto vos faço pequeno serviço, e ao bem commum. «Primeiramente o senhor cardeal dos quatro coroados, jurado rei em Lisboa, lembrando-lhe a obrigação que tinha, e perigo entre mãos de conservar este pedaço de terra que seus antepassados tomaram aos mouros, e defenderam aos castelhanos, ha perto de 500 annos, á custa de muito sangue derramado d'elles, e de seus vassallos em continuas guerras com uns, e com outros, em tomando o sceptro, e vendo os tempos que corriam, logo se acautelou para assegurar o reino em sua liberdade, e rei natural, com perseguir ao snr. D. Antonio seu sobrinho, e a se temer de Bragança, mandando-os afastar de si o mais que pôde, e mettendo nos braços os embaixadores de Castella, de quem se devia temer. «Dous erros infames commetteu esta leal cidade[2] em nossos tempos que eternamente nunca lhe sahirão do rosto, se houver chronistas desapaixonados: o primeiro foi consentir, e permittir a desaventurada jornada de el-rei D. Sebastião, que no seu porto se embarcou francamente sem haver um vereador, ou mester que acudisse a isto com uma honrada e portugueza doudice. O segundo erro foi aceitar esta cidade ao cardeal por seu rei, e dar-lhe posse do reino sem mais côrtes, nem consulta das outras cidades e povos tão nobres, e mais naturaes do reino do que é a mór parte da gente de Lisboa, recebendo esta cidade por herdeiro legitimo e forçado, sendo clerigo, e impotente, podendo (já que o queria) elegel-o em nome de todo o reino por seu rei arbitrario, eleito com protestação de por sua morte (que tão perto estava á vista) ser outra vez a eleição dos povos. Foi este tão mau conselho, e tamanho erro que bem parece faltar aqui um João das Regras que lembrasse e requeresse. «Era este principe, como v. exc.ª sabe, irmão ultimo, e inferior em tudo a cinco que teve, e muito aborrecido d'elles todos e de seus proprios paes, de que não faltam ainda testemunhas vivas; por ser homem de baixos espiritos e condições, tençoeiro, vingativo, para pouco, tão inimigo da nação portugueza, e de seu proprio sangue que por mostrar esta natureza sua, perseguiu aos seus sobrinhos, affeiçoando-se aos castelhanos. Foi este principe guardado com vida tantos annos, depois da morte de seus irmãos, sobrinhos e herdeiros do reino, que foram vinte e tantos, para nos herdar, e governar com tantas desventuras, e mofinas que até o caso da ilha da Madeira tão affrontoso o vimos no seu governo e tempo. E para ser deshonra de todos seus avós que com tanto animo, e esforço offereceram sempre a vida e estados por nos não deixarem captivos de castelhanos, lançando ainda muitos d'elles em seus testamentos e cartas grandes maldições, e particularmente el-rei D. Manoel seu pai, a todos seus successores, se em algum tempo pretendessem alliança d'este reino á corôa de Castella, como se póde vêr nos cartorios da torre do tombo da cidade de Lisboa, e de Evora. «Algum pouco tempo depois, este velho cobarde e cruel, depois de ser rei, dizem que esteve inclinado a declarar a snr.ª D. Catharina, mulher de v. exc.ª por herdeira e direita successora do reino,--parece que receoso d'estas maldições ou remordido na consciencia de algum bom espirito com que Deus nos falta. Depois de encarniçado com as lagrimas que via nos portuguezes por sua má e nativa inclinação, ajudado com as pregações de D. Jorge de Athaide, o algoz da côrte, e de outros discipulos occultos do duque de Ossuna, que pela unitiva desviava, ajudando-se do padre D. Leão, do sobrinho dissoluto e da sobrinha, por evitar guerras, se mudou este rei portuguez d'este santo proposito assestando-se de maneira na devoção de Philippe, e odio dos mais pretensores do reino que nem requerimentos dos mesteres, nem lagrimas dos povos, nem desenganos de procuradores das cidades o demoveram nunca d'este obstinado intento; antes vendo que o povo punha os olhos cheio de esperança no snr. D. Antonio por sua rara humanidade, e por falta de não verem outrem, todo o seu negocio n'este tempo foi proceder contra elle com sentenças crueis, cartas, e editos infames, sendo sobrinho seu, e filho do mais honrado irmão, e amigo que elle teve na vida, e a quem tomava por terceiro quando queria que o rei D. Manoel seu pai o visse, ou ouvisse. E para que v. exc.ª veja quão descoberto castelhano era com os da conjuração que depois se descobriu e fez, um dia, estando em pratica com alguns portuguezes elches, que trazia á ilharga, chegou a dizer que lhe pesava de uma boa somma de mil cruzados de um alvitre que applicava a obras pias, pelos não mandar gastar nos paços de Evora para que quando entrasse o castelhano (a quem n'este caso chamou sobrinho) tivesse logo na entrada bons aposentos onde se recrear. «D'el-rei D. João o segundo se conta que dizia muitas vezes á mesa entre pratica «quem me poderá fazer entre Portugal e Castella um muro de bronze que chegasse até o céo, que nem os passarinhos de lá voassem para cá, porque nenhum bem nos vem de lá, e males muitos.» Parece-vos, excellente senhor, que se este santo rei lá onde está descançando, e ainda inteiro está seu corpo, ouvira estas palavras de um seu sobrinho, e herdeiro, que ficára contente, e as approvára por acertadas? «Estes foram seus desenhos e intentos, nos quaes continuou sempre, entretendo pouco e pouco com promessas falsas, que lhe daria principe portuguez, e em paz até sua mortal doença, na qual fez um testamento tão catholico, tão portuguez, tão pio, tão cheio de esmolas para mosteiros, e viuvas pobres e com boa declaração do successor do reino que em quanto o mundo durar será escandalo para quem d'elle souber: porque tão escasso e cruel, tão descuidado nas cousas do reino se mostrou, deixando por sua alma como um pobre escudeiro para que tudo ficasse _in solidum_ a Philippe, que chegaram até cantar pelas ruas de Lisboa e Santarem publicamente aquellas orações por sua alma que elle bem merecia, mas porém nunca ouvidas da bocca dos christãos e innocentes meninos, os quaes diziam assim: _Viva el-rei D. Henrique nos infernos muitos annos, pois deixou em testamento Portugal aos castelhanos._ «Ainda que por obra isto não foi verdade, de tal maneira deixou elle estas cousas ordenadas, e sua tenção declarada aos que deixava commettido o negocio, que tinha razão o povo de lhe cantar estes louvores. «Mas deixemos já de fallar nos escandalos que este Anti-Christo deu ao reino: porque esperamos ainda em Deus, e na sua justiça divina, que se forem vivos alguns portuguezes dos que agora andam escondidos, e perseguidos, e presos, quando Portugal resuscitar, que a sua ossada que Philippe trasladou para Belem, acompanhada das que estão em Elvas, no espinheiro de Evora, e em outras partes, sejam publicamente queimadas. «Os cinco traidores do governo, com titulo de defensores nossos, e governadores do reino, herdando por morte d'este principe o odio que elle tinha ao snr. D. Antonio, e á nação portugueza, de maneira começaram logo, em tomando o governo, a guardar todos os respeitos a Philippe, e a seus mexedores ou embaixadores, e nenhum aos pretensores do reino, assim naturaes, como estrangeiros, que logo se viu, que dominava n'elles o humor castelhano. Por onde com infame nome que então cobraram para seus descendentes, terão sempre a culpa do nosso affrontoso captiveiro, e de todos os males que á sombra de boa guerra se fizeram, e ainda fazem n'este triste reino. «Nem foi pequeno descuido, e pusillanimidade dos procuradores das côrtes, temendo isto d'antes, darem-lhes pacifica obediencia, reconhecendo n'elles a magestade real, porque além de n'isso abrirem mão da occasião e posse que o tempo lhes offerecia de ser do povo a eleição do rei, ou de quem os governasse até isto se determinar, mostraram grande cobardia, vendo já n'elles o que d'antes temiam, e (tendo as costas quentes em Santarem) não os mandarem todos após o cardeal a juizo a darem conta de suas damnadas tenções: porque, á fé, se Santarem desembainhava como o tempo pedia, a carniça começára em Almeirim por estes traidores, e outros que á sua sombra estavam claramente já vistos por falsos e castelhanos, e o reino despertára, e tornára sobre si para que nunca viessemos a poder de castelhanos, nem ousariam entrar elles cá, se viram estes começos sangrentos, porque são tambem ás vezes sadios, e necessarios... «D. Manoel de Portugal, e um Phebus Moniz requereram nas côrtes que tirassem os governadores suspeitos no governo, ou lhes acrescentassem outros cinco; mas nada aproveitou para animarem os espiritos cobardes. Confiaram de suas palavras; e que, postos em tão alta dignidade com titulo de nossos defensores, fariam como leaes o que eram obrigados á patria e á justiça; mas foi claro e grosseiro engano: por onde os traidores cobraram tanto animo de o não verem em ninguem para lhes ir á mão, e de se verem reconhecidos por suprema e real dignidade, que sem mais temerem, nem fazerem caso de côrtes, continuaram desembaraçadamente com a venda e entrega do reino como lhes ficára encommendado do rei cardeal. «Mas para sua traição e maldade ser mais abonada e espantosa, n'este mesmo tempo começaram a metter o insolente povo em pensamentos de guerra, e defensão da patria para o desmaginarem dos temores, e desconfianças que n'elles viam. Maldade foi esta nunca vista, nem lida em historia antiga, nem moderna, porque, se nos metteram a todos nos contractos, e partidos em que andavam com Castella, fôramos rendidos, ou entregues com menos deshonras, e perdas. Porque não estava Philippe desarrazoado nos partidos, e condições que nos commettia, ainda que nunca as cumprira, como fez a elles; mas estes senhores, para melhor fazerem seu proveito com este rei estrangeiro a quem pretendiam ganhar a vontade, quizeram elles sómente com os seus parentes e amigos ser os que negociassem esta contractação para que o povo (que d'estas meadas não tinha mais suspeitas e receios) na resistencia, e defensão que fizessem lhes acrescentasse a elles merecimentos e serviços para com sua magestade. E, assim, que palliadamente se communicavam todos n'esta conjuração com cartas, e correios muito tempo antes da morte do rei cardeal. E depois d'ella (que é caso de grande espanto) correndo entre elles esta linguagem de chamarem aos da conjuração _sisudos_, tendo por nescios e doudos a todos os que, não sendo da sua liga, queriam antes morrer valorosamente em defensão da patria que vêl-a entregue por traições e manhas, sem ordem nem justiça, a seus inimigos com perpetua infamia do nome portuguez, chamando aos taes por escarneo _os leaes_; de maneira que n'este tempo em que o reino ardia em motins e confusões, em temores e esperanças, suspenso e confuso do successo d'este negocio, começaram suas senhorias a ratificar mais seus ardis, e traições com mandarem cartas e provisões por todo o reino ao estado ecclesiastico em que pediam e recommendavam aos prégadores e curas das igrejas que claramente dissessem ao povo nos pulpitos, e suas estações que se animassem á defensão do reino, apparelhassem armas e fortificações nos muros, porque elles tinham já mandado prover os arraiaes, e ordenado fronteiros-móres, para o que passaram provisões a fidalgos para isso como foi a D. Diogo de Menezes na comarca do Alemtejo, D. Luiz de Portugal na comarca de Thomar, etc. E assim, com estas falsas mostras de leaes, alvoroçaram o povo a falsas esperanças de liberdade e defensão para de todo ficar perdido, e abatido no futuro. Possivel é que algum dos cinco governadores tivesse santo e leal intento n'este desenho; porque se affirma que alguns lhe resistiram, e que o arcebispo de Lisboa não quiz que dentro da cidade se publicasse, nem prégasse este apercebimento; mas elles todos juntos não fizeram mais n'este negocio da liberdade portugueza que o acima dito, sem metterem mais cabedal ou fazerem mais despezas para este effeito que de papel e tinta. É certo que cuidaram que assim como Philippe com estas armas conquistára a elles, e aos mais fidalgos do reino, assim tambem com papel e tinta nos defenderiamos dos tudescos e italianos que elle trazia enganados, havia dous annos, para o metter em Portugal. «Tinha entendido este cobiçoso rei por espias allemãs que cá mandou reconhecer os fortes do reino em vida do cardeal-rei[3], que sómente para bater os castellos da raia, se n'elles houvesse de entrar, havia mister gastar toda a sua fazenda em polvora, porque se não tivesse por si todas estas achegas, a saber: armas, polvora, chumbo, tirando-nos tudo isto a nós n'este tempo, só Elvas com seu termo (aonde ha perto de quatorze mil homens de pé, e de cavallo) bastava para nos Olivaes, antes de chegarem os castelhanos a bater nos muros, lhes consumir todas as suas forças com a arcabuzaria portugueza. Os traidores dos governadores os seguraram d'este perigo. .......................................................................... «Chegaram estes traidores a tanta cegueira e desavergonhamento, que, tendo jurado todos não tomar voz por algum sem se dar primeiro sentença pelos letrados deputados na causa, avocaram a si, e intentaram de que vindo a Setubal ser juizes em caso tão grave, tão duvidoso, e dar sentença por Philippe, para este fim se partiram de Almeirim para Setubal, porto de mar, convocando a ella os mais fidalgos da conjuração assim leigos, como ecclesiasticos, a saber: o meirinho-mór, D. Antonio de Cascaes, D. Fernando de Linhares, D. Jorge de Athaide, o bispo Pinheiro, e outros muitos que seriam perto de quarenta fidalgos conhecidos[4]. Mandaram logo fechar todas as portas da villa de pedra e cal da grossura do muro, deixando sómente duas abertas com guarnições de soldados postas n'ellas para que não entrassem dentro senão os da conjuração. N'este tempo o conde portuguez do Vimioso (herdando o espirito do conde D. Nuno Alvares Pereira, seu bisavô) que em Almeirim tinha já visto suas traições, os veio seguindo muito á pressa para vêr se podia impedir tanto mal quanto se temia. O que entendido por elles, antes do conde chegar, mandaram dar rebate ao traidor Diogo da Fonseca, seu guarda-mór na mesma villa, que por nenhum modo o deixasse entrar dentro. E assim o esperou ás portas com murrões accesos para lhe defender a entrada; mas, antes d'elle chegar, vendo estes traidores que o povo da villa sabia isto, e se começava a amotinar por parte do conde portuguez, em que escorava grande parte de suas esperanças, tornaram a mandar recado que deixassem entrar, em tempo que elle já vinha pelos arrabaldes. Depois, entrado na villa, e vendo que este conde portuguez com alguns procuradores das côrtes, que á sua sombra se foram tambem lá, para lhes resistir a seus maliciosos intentos de quererem ser juizes, e dar sentença, e que não podia isto ser pelas razões, e embargos que lhes punham, usaram de outra invenção o ardil não menos desaforado que o primeiro, querendo avocar a causa e litigio da successão do reino a votos dos que então se achavam presentes; e porque os procuradores das côrtes que ahi se achavam, á sombra do conde, eram leaes e muitos, determinaram de reduzir n'este conselho e eleição os votos dos tres estados--a saber: ecclesiasticos, fidalgos, e procuradores dos povos a numero de tres votos sómente, dizendo que não era tempo para mais vagar (por ser já Elvas entregue a Philippe) senão de votarem todos Portugal, ou Castella, por favas brancas e negras, os tres estados cada um por si; e, para onde prevalecessem os dous estados nos votos, assim se fizesse. E porque tinham por si os votos dos fidalgos, ao conselho acrescentaram alguns homens novos a saber: Bernardim Ribeiro, e outros por se segurarem mais n'este voto. Tinham tambem pela segunda liga o segundo voto que era o do estado ecclesiastico presente que era o arcebispo de Lisboa e capellão-mór, D. Jorge de Athaide, o bispo Pinheiro; o terceiro voto a que tinham reduzido todos os procuradores dos povos não lhe fazia mau jogo, ainda que votasse, por Portugal. Esta panella assim mexida por D. Christovão de Moura, e proposta no conselho pleno, não pareceu bem aos leaes. E logo o conde portuguez acudiu, e resistiu a ella com os procuradores de sua tenção, protestando que a tal eleição não seria valiosa, e que em caso tão grave, e tão importante a todo o reino, já que o não queriam deixar nos pareceres dos letrados, senão dos votos, que mandassem primeiro chamar os mais procuradores, e senhores do reino para que o que alli se accordasse e resolvesse fosse com consentimento e contentamento das partes. Mas como estes traidores do governo, e fidalgos da conjuração estavam de muito tempo penhorados por Castella, e não sómente na villa, mas tambem nas mesmas casas do duque de Aveiro em que se mostravam com muitos mosquetes, polvora e pellouros para fazerem a sua mais a seu salvo, esperando d'hora em hora pelas galés de Philippe que tinham mandado vir para este intento, a nenhuma cousa se demoveram pelas protestações, e requerimentos que lhes foram feitos sobre este caso, estando tão enfadados da tardança que as galés faziam em chegar, que se ouviu um dia esta palavra ao turco D. João Mascarenhas indo pela varanda que mandou tapar por se temer de algum pellouro bem merecido: «Ah! Philippe, que assim és vagaroso!» E como Deus não queria que o innocente e leal povo ficasse embaraçado na consciencia com a sentença e abominavel eleição do rei, cursaram tantos nortes e tão rijos todo o tempo que elles esperavam pela armada, que, depois de muitas consultas e confusões de accordos, que houve um um dia o de apunhalarem quasi todos os do conselho o conde portuguez. «Deixada a traça da sentença seguiram a da eleição, determinando fazer este auto solemne dia de S. Pedro e S. Paulo, que era d'alli a dous dias, para que então se declarasse; e, sahindo os dous votos dos dous estados por Castella, como tinham por sem duvida, acolheram-se todos a uma galé e caravella da armada que tinham mandado vir de Lisboa a qual tinham já apparelhada na bahia de Setubal. N'este mesmo dia mandou o conde portuguez recado ao benigno rei D. Antonio que já era entrado e recebido em Lisboa, que acudisse logo antes de se concluir a traição; o qual sabido logo pelos mesmos da guarda dos paços, e pela gente leal que havia na villa, começaram de se amotinar com gritos e ameaços publicos no Sapal, defronte dos traidores, e tal que elles houveram por seu accordo vêr se podiam pôr-se em salvo, e assim determinaram n'aquella noite seguinte se embarcarem, deixando tudo em aberto para pôrem sello a suas traições. Não pôde isto ser tão secreto que tambem se não entendesse dos soldados que logo os começaram a vigiar; e recearam de maneira que, em anoitecendo, com muito risco de suas vidas, e tanto que um se deitou por uma corda, outro se vestiu em um chiote, e se acolheu sobre um asno, os mais buscaram mil invenções baixas, como elles eram dos espiritos, para se irem embarcar. Estes foram Francisco de Sá, alcaide-mór do Porto, D. João Mascarenhas, capitão que foi do segundo cerco de Diu, Diogo Lopes de Sousa, governador da casa do civel. Os da villa vendo já com os olhos a traição, e engano em que os traziam, bramiam como leões, desejando dar-lhes o pago de seu bom governo e lealdade. A este motim acudiu o conde portuguez com animo de christão, e leal como sempre o teve, o qual por muitos justos respeitos impediu não se fazer carniça, entretendo com razões o impeto dos soldados por largo espaço da noite até se porem em salvo, e se embarcarem; porque, se elle não fôra, todos os da conjuração houveram de pagar aquella noite o que deviam á patria, porque parece que de proposito os trazia alli seu peccado juntos ao talho. «Não faltou quem dissesse que o conde errava n'isto; mas a sua razão convenceu a todos n'aquelle tempo, dizendo que mais fazia a nosso caso fugirem elles que não matal-os em terra, o que soaria mal a quem desapaixonadamente visse este negocio. Basta que os salvou, e deu passaporte por terra a D. Christovão de Moura para se pôr em salvo. «Bem visto fica n'este breve summario quaes foram os traidores em seu officio e dignidades. Não fallo em D. João Tello porque, quando se foi juntar com elles em Setubal, em uma galé que tomou em Lisboa, entrando pela barra, sabendo os quatro do governo que elle era o quinto, o mandaram servir de bombardas arrazoadamente da torre d'Outão, por não ser da sua tenção a liga. Depois que o viram entrado pelas boccas dos tiros, e isto visto e sabido pela villa, soffreram-no por dissimularem até que seu peccado os levou de mar em fóra, onde andaram em calmaria dous dias á vista da villa, desmaiados, olhando se iam os da terra prendel-os. Este só governador se foi quietamente para sua casa por ser portuguez, onde morreu, dizem que de paixão de vêr as injustiças dos traidores. «No principio d'esta conjuração já espigada, se foi v. exc.ª a Almeirim, quando o rei-cardeal descobrira sua tenção por Castella. E logo depois a snr.ª D. Catharina com grande estado, e capella de musicos, acompanhada com alguns poucos de ceifões enfronhados em libré de soldados de guarda de vossa pessoa. Já então as cousas eram taes, que para responderdes a quem ereis, e ás obrigações do estado braganção, não sómente não vos houvereis de temer, e ir medroso, mas ser tão temido, e entrar na côrte com um brio portuguez, e com um coração tão grande, que assombrasse o cardeal, e matasse por dentro a todos os traidores que lá andavam; e entretivesseis vossos vassallos todos apparelhados a som de guerra, e postos a piques para toda a desordem, e traição que visseis, ou no rei-cardeal, ou nos pretensores de que vos receaveis. Porque, fallando desapaixonadamente, vós só com vossos parentes, criados, e vassallos tinheis bastantes forças para receber todo o poder, que Philippe tinha apparelhado contra nós, e para obrigardes ao duque d'Alva a uma retirada muito affrontosa. Mas faltou-vos o coração do conde D. Nuno Alvares Pereira, vosso quarto avô. Não sómente nada d'isto fizestes, senão, quando o snr. D. Antonio,--apesar de aborrecido, desnaturado e perseguido não sómente do cardeal-rei seu tio, mas tambem dos traidores do governo, depois de sua morte d'elle--com animo real que herdára do infante D. Luiz, seu pai, se determinava defender-nos da ambição dos estrangeiros, e traição dos naturaes, arriscar sua vida, e estado na defensão do reino, antes que soffrer desordens na justiça da successão, e que todos os partidos honrosos vos fazia á conta de lhe seres companheiro n'este santo proposito, nunca jámais o pôde acabar comvosco por mais que visseis os inimigos entrados pelo reino, e tomarem-vos os vossos aposentos de Villa Viçosa, e armazem d'armas; antes para a vossa culpa ser causa mais de proposito, depois de desenganado de vossas esperanças reaes mais parvoas, dadas pelos traidores do governo, os deixastes em Setubal, e vos fostes a Portel ter consulta com os doudos de vossos parentes do que fazieis, estando já as cousas sem remedio: bem se vos podéra dizer n'este tempo: «Asno morto, cevada ao...» Em vida do cardeal-rei deverieis de cuidar em vós, e em nós. O estupido do conde lavrador, e o arabe do arcebispo de Evora, e o raposa do commendador-mór com os mais que se acharam presentes n'este vosso conselho, como havia muito tempo que estavam feridos da peste castelhana, e peitados a seu sabor com Philippe, accordaram em relação que vos lançasseis de fóra do jogo, e visseis os touros de palanque. Pela primeira lei de Solon atheniense, perdida tendes a casa, e estado só por esta culpa. Mandava esta lei, que quem nas dissensões e nos motins da cidade se não lançasse de algum dos bandos e parcialidades, esperando ser de viva voz quem vença, pelo mesmo caso lhe fossem confiscados todos os seus bens. Nada d'isto tivestes; antes, conforme ao conselho, que vos deram, e tomaram para si estes senhores vossos parentes, vos deixastes ficar n'essa vossa villa desviada, que era o que Philippe desejava e vos pedia. Com esta invenção tomou o turco Asia, Africa, e muita parte da Europa, pondo-se os reis christãos á mira quando este tyranno fazia guerra a algum d'elles. Assim tomou Hungria, Bohemia, o imperio da Grecia, Rhodes, etc. «N'este tempo que v. exc.ª se apartou do bem commum, olhando sómente para si, o mesmo povo padecia a ultima desaventura de ferro e fogo, sem ter armas, nem resistencia por todo o termo de Elvas, Olivença, Estremoz e todos os outros lugares do Alemtejo. Não quero particularisar mais as culpas de v. exc.ª por não affrontar mais os ossos de quem come a terra. «Os fidalgos, morgados, e commendadores que em todas as idades foram os nervos da republica, e por esta causa tão privilegiados, e venerados do povo, d'elles (ainda que poucos) se foram para o snr. D. Antonio depois de levantado em rei, para segurar o jogo de ambas as partes, fazendo d'alli o seu negocio com elle, e com Philippe, cosendo a dous cabos (como já fez Veneza muitas vezes em liga da christandade, escrevendo, e dando avisos ao turco contra a liga, e a liga contra o turco). Assim o faziam estes senhores, pendendo ainda mais n'isto para Castella; e tanto, que era grande vergonha, e espanto vêr as cartas que se tomavam cada hora, as espias dos fidalgos portuguezes que andavam á ilharga d'este vencido rei, e entravam em seus conselhos de guerra; outros eram capitães d'armada, que tambem foi vendida tantas vezes, que se cada dia se tirava um capitão-mór, e se punha outro para não o arrematarem, o que não aproveitou nada; tanto assim que o derradeiro capitão (Gaspar de Brito d'Elvas) que era leal, o qual pela não querer vender, o venderam a elle os capitães, ainda que escapou da morte. «Os outros fidalgos em geral, tirando os criados, inda não todos, d'este senhor rei eleito, parecendo-lhes ainda mau conselho de se arriscarem a alguma desgraça da guerra, e terem comprimento com sua patria sequer nas mostras de fóra, como todos estavam mettidos na conjuração castelhana, e assegurada sua fazenda, e mercadoria, tomaram o conselho que v. exc.ª tomou para si, escondendo-se pelos mattos em recintos, em bandos, como zorzaes[5], esperando ouvir novas do mundo, como se conta de um esforçado em uma galé, que escondendo-se na escotilha, ou coberta ao tempo da briga, depois de acabada, perguntou de lá: «Levam-nos, ou levamol-os?» «Outros, depois de tomado Cascaes, batendo-se já a torre de S. Gião, ouvindo-se os tiros em Lisboa, se esconderam dentro na cidade com tanto segredo e resguardo para não serem chamados; e obrigados a acudir a tão extrema necessidade, como padecia o reino, chegaram a mandar fechar as portas de pedra e cal das casas onde se escondiam, mettidos com armas, e cavallos dentro em casa, dando-lhes os seus de comer por janellas de noite, parecendo-lhes que quando os reis, e republicas instituiram os grandes, os fidalgos, e morgados, que foi para comerem, e vestirem melhor, para jogarem mais grosso, e para terem muitos criados para lograrem as delicias do mundo; e que, quando viesse o tempo da guerra e do trabalho, não tivesse n'elles a republica braço e columna para se defender e onde se encostar. «As escusas que elles davam n'este caso são para aceitar. Diziam estes senhores que não podiam em boa consciencia seguir ao snr. D. Antonio, porque era um alevantado, e filho não legitimo. Não attentando, que andando em prova a sua legitimidade, o alevantou em rei a leal villa de Santarem em nome de todo o reino, tendo já Philippe tomado com a mão armada Elvas, Olivença, Campo Maior, e Estremoz, não como alevantado pelo povo, mas como tyranno, a quem elles seguiam sem nenhum escrupulo. Tambem diziam, que o poder de Castella era tão grande, que tocava em doudice querer-lhe resistir. A isto respondem os contemplativos que não nascia d'aqui a tosse. E porque fallemos portuguez claro: saberá v. exc.ª por que não queriam pelejar, nem defender o reino, e andaram com estes contractos e traições? Foi fina cobardia, e puro medo, que os mais d'elles trouxeram mettido nos tutanos, da destruição, e captiveiro d'Africa, medo que damnificou o mui esforçado e invencivel rei D. Sebastião de saudosa memoria; elles o desampararam, e entregaram aos alarves com suas judiarias, chamando-lhe doudo, e temerario, pondo-lhe todas as culpas que quizeram, por encobrirem as suas, que a verdade é esta; elle os conhecia muito bem, e tinha na conta que elles mereciam; mas não lhe lembrou, em tempo que lhe ia mais a vida e honra. Era este um rei a quem se não póde negar muito esforço, e muita liberalidade, muito boa conversação, ainda que os padres da companhia o crearam fóra d'isto, e mancebo de muito raro entendimento; e, se os fidalgos que com elle foram, o acompanharam ajudado com o animo e esforço que n'elle viram, pelejára dobrado, ou a victoria fôra nossa, ou a desventura não fôra tanta. Mas como estes senhores não sabiam mais que rasgar sêdas, lograr perfumes da India, aguas estilladas, passear as damas, inquietar donas virtuosas e honestas, andar com a barba no ar, soberbos mais do que Lucifer, cuidando que n'isso estava o ponto e ser da fidalguia, indo armados d'esta côr e tenção mais para bodas que para brigas: em vendo o campo do Maluco, arraiaes calmosos, e armas pesadas e desacostumadas, logo esmoreceram, cahindo-lhes o coração aos pés. Pelo que, ao primeiro _S. Thiago_ que se deu, elles foram os primeiros que mostraram as costas aos mouros, voltando á redea solta com tanta desordem e cobardia, que o esquadrão dos aventureiros, ou desaventurados, de pé, á custa da vida lhes deu lugar, e elles deram principio a todo o mal e destruição, que logo se seguiu. Esta é a verdade pura e clara; o contrario é quererem cobrir o céo com uma joeira, tapar a bocca aos soldados, e pôr a culpa ao rei. Digam isto aonde se não sabe como elles se cruzaram diante dos mouros, mettendo-se debaixo das carretas; sem algum esforço, e valentia de leaes portuguezes, deixaram seu rei em Africa, sem saberem dar novas d'elle, rendendo-se por captivos de negros desarmados. No captiveiro houveram-se tão vãos, tão deshonestos, tão insensiveis de sua honra, e fidalguia que muitos d'elles aceitaram resgate dos embaixadores de Philippe com vergonhosos partidos sobre a successão do reino, que já começavam a vender. «Este mesmo ser e fidalguia tiveram na derrota de Alcantara, a saber: escondendo-se, fugindo em tempo que seus avós se podiam desejar vivos para lancearem castelhanos, e os lançar fóra do reino. Por onde digo a v. exc.ª que podemos affirmar com muita verdade que se acabou já a fidalguia de Portugal; e, se Deus der n'elle rei natural, poderá com justiça, e com boa consciencia fazer o que fazia Lycurgo, e faz o grão-turco hoje em dia, que é tirar-lhe os contos de renda, os morgados, e privilegios, arrazourando-os com os mecanicos, e começar-se outra enxertia de fidalgos, fundada em merecimentos pessoaes, sem opinião de gerações, nem appellidos, porque os _Castros_, os _Menezes_, _Mellos_, _Mascarenhas_, _Tavoras_, _Barretos_, etc.[6], já não dão fructo senão de baixezas, cobardias, deshonestidades, e pouca christandade; e se alguns ficaram bons, o nome e appellido se lhes houvera de tirar. Não fallo nos portuguezes _Coutinhos_ e _Britos_, a quem pelos honrar dou logar entre os negros, em quem se achou tanta lealdade e esforço, que até a torre da polvora em que estava a nossa defensa se não fiou senão d'elles, e acompanharam o snr. D. Antonio até de todo se perderem em Vianna. O povo, cuja voz se chama _vox Dei_, ainda que nunca foi ouvido, conservou a fé portugueza nas côrtes, e fóra d'ellas com pacto, esforço, e desejo, pedindo, e buscando guerra: até as mulheres (que parece cousa de espanto)! porque a ellas só vinha o mór mal d'ella. .......................................................................... «Os inconvenientes que se seguiram dos nossos governadores e fidalguia portugueza ser isto que v. exc.ª vê, e de el-rei de Castella ser tão comedido, e sujeito á razão, são os seguintes. Primeiramente: se seguiu entrar o turco lutherano duque d'Alba em Lisboa com tanta crueldade e deshonra nossa, que, chegando a Alcantara, com menos de dezeseis mil homens, todos irmãos, visinhos e companheiros, nos rompeu, e deshonrou a todos para sempre, não por forças suas, mas por traições dos corruptos, por promessas, dando o saco tres leguas de termo, com duas que tomaram mais os soldados, estando por causa da peste a mais gente e fazenda derramada pelas quintas fóra de Lisboa. Entrando as suas galés pelo rio, e soldadesca pelas ruas com tanta crueldade, disparando no triste e rendido povo toda a mosquetaria, e artilheria do mar: indo n'este tempo muitos contentes, triumphando entre elles de sua patria, e nação nas galés--a saber: Diogo Lopes de Sequeira, D. Antonio de Cascaes, Luiz Cesar, e outros muitos arrenegados, de volta com os leaes, a quem o traidor castelhano tinha passado provisões de marquezados, condados, e contos de renda por este serviço, tão custoso não sómente ás pessoas, mas tambem á honra d'estes senhores que lhe entregaram o reino. Mas, assim como estas provisões foram assignadas em branco, tambem foram despachadas em branco; porque lhes sahiu em despacho na mesa da consciencia (qual Deus sabe) que não era Philippe obrigado a cumprir estes assignados; mas a v. exc.ª como principal parte n'este negocio, como verdadeiro, e legitimo herdeiro d'estes reinos, segundo dizem e assignaram alguns juristas doutos, despachou este seu rei muito bem com lhe fazer uma mesura muito bem feita em Elvas, quando lhe foi beijar a mão, e renunciar todo o direito que tinha no reino, e com o acompanhar até á porta da sala, e com lhe lançar depois o habito _del tuson_ em Thomar, que é de mui grossa renda, e estados, mas pago em _panem nostrum quotidianum_, e em uns poucos de maravidis para vinho, e faça-me mercê que não mande cada dia recadar esta ração do paço com muita humildade como cavalleiro _del tuson_, como lhe mandou dizer um dia em Abrantes o mantieiro, ou vedor por um descuido que n'isto teve. Outra mercê fez a v. exc.ª de condestavel do annel d'este reino que santa gloria haja; outra lhe fez muito maior em o ter na reputação que v. exc.ª merecia pelo seu fraco juizo. «Os mais senhores, e fidalgos, de presumir é que tambem Philippe usou com elles d'esta magnifica liberalidade castelhana. Porque a D. Antonio de Cascaes fez o mesmo que a Tristão Vaz em satisfação de lhe entregar a mór força do reino, e renunciar quatro mil reis de juro que el-rei D. Antonio lhe tinha dado por provisão. «Fim das razões: já v. exc.ª, e os mais da conjuração começam a vêr o erro, e desconcerto seu, e dizem entre si pela bocca pequenina: «Sofframol-o, pois o quizemos.» Quando isto virem, lembrem-se quanto differentes na verdade e liberalidade eram os despachos e mercês dos reis portuguezes, naturaes de Portugal; pois com terem tão poucos contos de ouro, as viuvas dos seus criados, os orphãos, os fidalgos pobres, em gemendo, eram ouvidos, e despachados como filhos; se agora, estando o rei á porta, os despachos de tão grandes serviços pessoaes, são os que vêmos, quaes serão depois que virar as costas? Que farão os tristes que vieram da India, ou de Africa com serviços de paes, dos irmãos mortos, e com vida gastada? irão caminho de Madrid, e Toledo rogar por terceiros castelhanos que não sabem o que isto custa. Este é o primeiro inconveniente que succedeu n'este caso. «O segundo erro foi ficarmos captivos e escravos da mais soberba, odiosa, e aborrecida nação que ha no mundo todo; não sómente aos portuguezes a quem foram em tudo inimigos; e, não sem muita causa, tem esta má nação tal fama, porque se tem isto claramente visto no caso de Lisboa, e das mais terras por onde o arraial passou; a saber: fizeram todos os roubos, estupros, e adulterios, homicidios, e tyrannias, desaforamentos, commettidos por castelhanos de nação, sendo n'esta parte mais comedidos, e humanos os tudescos, e allemães. Sómente os castelhanos fizeram tantas affrontas, crueldades, sacrilegios a homens nobres, a mulheres honestas, a religiosos desarmados, até nas igrejas, e mosteiros de freiras, como se viu na igreja de Bellas, no mosteiro de Monchique, e Vairão[7]. Muito melhor nos fôra morrer mil mortes, que vêr, nem chegar a taes tempos. Basta que cumpriram seus desejos nossos inimigos capitaes, e chegaram a nos dizer nas barbas com muito gosto, e soberba quando nos viam tristes: «Teneis de tragar este bocado.» E de tal maneira nos tem o pé no pescoço que nem para chorar nossas desaventuras nos dão licença; e, se não fôra estarem ainda as cousas no ar, sem assento, já os desterrados com titulo de despacho houveram de ser tantos os occupados nas guarnições de Flandes, Napoles, e Italia, que se não vira já mais portuguez de capa preta andar pelas ruas como se costuma em Galliza. «O terceiro inconveniente não menos para sentir que os outros, o qual vai ainda em crescimento, é que as donas illustres, e as fidalgas portuguezas tidas sempre em tanta veneração, e respeito dos estrangeiros, acreditadas por todo o mundo por muito castas e honestas, até nos vestidos, vencidas da cobiça dos _reales_, ou da desenvoltura dos castelhanos, esquecidas de sua fama e honra, e do sentimento que devem ter da desenvoltura de sua nação, maridos, e parentes, tão desenvoltamente os namoram, e se lhes entregam, que disparam em mulheres de mancebia, que em outros tempos se estranhava muito, e que n'estas senhoras se vê agora publicamente. Já não podem vêr portuguezes, nem os proprios maridos. São tantos os adulterios, e deshonestidades suas, que os mesmos castelhanos e italianos andam espantados d'ellas, que chegaram a dizer que se não podiam defender d'ellas, e que elles eram os acommettidos. As visitações do arcebispo de Lisboa mofinas são taes que já chegou um cura a nomear algumas fidalgas por publicamente amancebadas com castelhanos. Na noite de S. João d'este desaventurado anno de 81, se acharam algumas senhoras mão por mão com os castelhanos a vêr as fogueiras. Tambem vão já tomando posse das carroças de Roma, e das carretas de Sevilha como cortezãs de Castella. Os casamentos com soldados picaros foram infinitos nas estações das igrejas de Lisboa. Deus nos livre dos males, que estes nos vão ameaçando, para que antes d'estes lançarem raizes, tenhamos rei natural e portuguez, e que nos ponha com Castella no andar em que estão os chinas com os tartaros, dos quaes affirmam que fizeram um muro por arraia de trezentas leguas quasi, ou como estamos com os mouros nos lugares d'Africa fronteiros, e para isto se effectuar suavemente, inspire Deus no peito de v. exc.ª, e dos mais senhores fidalgos d'este reino animo, esforço e lealdade para que se ao diante houver alguma occasião de se restaurar a liberdade portugueza, ainda que seja com o soccorro de turcos e mouros, o aceitem, e lancem mão d'elle; pois que, se o não fizerem assim, estou já vendo que perderam todos seus estados, a patria, e muitos a vida. E sentirei muito como portuguez leal saber lá na outra vida, para a qual estou já de caminho, que defendem os meus naturaes com mór esforço seu captiveiro (mandando-lhe Deus remedio), do que mostraram em defender sua liberdade. «Muitas cousas das que n'esta carta vão, vi com meus olhos, antes de condemnado a tratos, pelos quaes o lutherano de Paulo Coelho, meu natural, e oppositor em Coimbra mandou pagar dinheiro aos que m'os davam, e depois me sentenciaram que fosse degolado por final sentença, que meus inimigos deram contra mim por amor de meu rei e patria; parte d'estas cousas vi cá em revelação, e outros muitos males que aos principaes d'este reino estão ameaçando, cujos nomes não digo, porque cedo sahirá um rol geral dos portuguezes herejes, e arrenegados, juntamente com os dos leaes na fé catholica de sua patria e nação: para que, quando Portugal resuscitar, e Deus der n'elle rei natural, se saiba na santa inquisição futura da lealdade portugueza a seita erronea que os maus seguiram, e se faça justiça d'elles, e de suas fazendas conforme as santas leis d'estes reinos, ao qual Deus tem promettido de conservar eternamente. Dada no Seio de Abrahão a 20 de junho de 1581. PEDRO D'ALPOEM.» [1] D. Constantino de Bragança. [2] Lisboa. [3] Em um dos seguintes numeros daremos traslado da conta que os espias deram a Philippe II do seu exame em Portugal. [4] Provavelmente os avós dos quarenta fidalgos da restauração. [5] Tordos ou estorninhos. [6] Todos os fidalgos d'estes appellidos arrebanharam as melhores commendas em tempo de D. João IV. [7] Em nenhum livro, ou ainda tradição oral se nos deparou esta novidade. OS SALÕES CAPITULO III VOX POPULI A definição mais exacta da democracia é chamar-lhe o reinado da justiça. . . . Il n'y a que deux choses qui puissent sauver la société: _la justice, et la lumière_. BASTIAT. O papel do veterano e operário dizia assim: «O que é a democracia? «É o governo do povo pelo povo--é a omnipotencia soberana de toda a nação--é o predominio do poder popular em qualquer governo. «Quanto mais um estado social se aproxima do ideal da justiça, tanto mais se confundem os interesses particulares com os interesses publicos. «A democracia é, entre todas as fórmas de governo, a que melhor corresponde ás exigencias da verdadeira justiça social. «Mas não nos illudamos. Estudemos-lhe os perigos, e evitemos-lhe os inconvenientes. Para que um paiz verdadeiramente democratico possa crescer, engrandecer-se e prosperar, carece de certas e determinadas condições. A democracia nunca surgiu, nem se manifestou na infancia das sociedades. «Pelo contrario--a democracia exige uma civilisação largamente desenvolvida, a completa ausencia das classes privilegiadas, a exclusão absoluta da nobreza hereditaria, uma certa homogeneidade nas populações, uma grande diffusão de luz--pela instrucção--, o desejo real da paz interna, e externa, e a intelligencia, e o trabalho, como unicas fontes da riqueza, da prosperidade, e da consideração publica. São os perigos, e a morte inevitavel da democracia os privilegios das castas, o espirito de conquista, a ignorancia, a ociosidade, e a falta de educação em todos os ramos, e nas diversas aptidões de todos os homens, que compõe uma nação. «Os erros, e os vicios que sepultaram as republicas da antiguidade servem-nos de luzeiro, e são o pharol, para nos indicarem as condições em que a humanidade deve viver, nos rasgados horisontes do futuro. «Não se illudam com a Roma pagã. Nunca conheceu a democracia--nem nas preconisadas fórmas tribunicias da republica, nem nas grandezas, e no fastigio do imperio. «As republicas podem ser, e algumas d'ellas teem sido, excessivamente aristocraticas. «A democracia não pôde nunca eslabelecer-se em Roma, por diversas e ponderosissimas causas. «De passagem mencionaremos algumas d'ellas. «Durante cinco seculos, foi o governo de Roma a guerra declarada ou latente, entre dous corpos sociaes inimigos. Era o antagonismo das classes, era o espirito de conquista, era a falta de homogeneidade nas populações, era a variedade de crenças, era a hedionda e asquerosa ociosidade das massas, era a escravidão, repugnante e execranda, decretada na lei, era a ignorancia do povo, que o trazia submerso nas trevas espessas da peor das servidões, e que lhe abria abysmos na consciencia. Ora, a desigualdade de cultura intellectual é a agonia lenta da democracia, e a arma mais poderosa da ignobil tyrannia do poder. «Alumiemos o tugurio do proletario, levemos a luz da instrucção até ao antro mais recondito da desgraça. «Que as ondas de luz se diffundam, emittidas pelas ultimas classes sociaes. Todos os despotismos fugirão espavoridos, porque são elles, na sua pueril tyrannia e oppressâo teimosa, os escravos das ridiculas e insustentaveis tradições de épocas que passaram. «Interroguemos o seculo. «Perguntemos aos democratas: quem sois? «Somos milhares de familias, menos algumas--a classe media, e a nobreza--que queremos um regimen de igualdade, em que honradamente possamos viver do fructo do nosso suor, sem olhar com inveja nem despeito para o patrimonio de ninguem. Vós, as classes privilegiadas, vós, que vos dizeis distinctos pela casta, pela raça, pelos nomes que sabeis de vossos avós, tendes arvores genealogicas, e apresentaes-nos pergaminhos carcomidos pelos seculos. «Nascemos nós hontem por acaso? «Vimos de tão longe como vós. Dizeis-vos catholicos por excellencia--pois estudai, no genesis biblico da vossa crença, a origem de todos nós. Os nossos brazões não datam de nenhum salteador afamado, que responderia hoje, se existisse, em audiencia criminal, e soffreria, pelos seus feitos e façanhas, a pena de prisão cellular ou de degredo para os climas africanos. Os nossos titulos de nobreza não os devemos a complacencias cortezãs, nem á officiosidade torpe e obscena de alguns avoengos, derreados junto dos thronos, a levar da ante-camara para a alcova as Messalinas, Pompadours e Dubarrys, que não sabiam, nem sabem resistir á lascivia e impudicicia dos reis. Não foi nos prostibulos, nem nas encruzilhadas, que calçaram os nossos avós as suas esporas de ouro. Cingiram elles, com mais lustre e gloria, a espada de cavalleiros. Vem de mais longe os nossos brazões, e estão gravados, por fórma indelevel, na superficie do globo. «Quereis vêl-os? Examinai-os. Os titulos nobiliarchicos, que possuimos, datam do primeiro homem, que cavou o solo, que accendeu o fogo, que descobriu e bateu o ferro, que sulcou a terra com a relha do arado, que desenterrou e fundiu metaes, e que devassou, no primeiro fragil lenho, as vastas solidões do oceano. «Fomos nós que metamorphoseamos este globo, triste, arido e deserto, n'um paraiso esplendido e animado. Creamol-o segunda vez, para cumprir a palavra de Deus, que nol-o deu para este fim: _ut operaretur eum_. «Se os céos celebram a gloria do Eterno, se, como clamava o psalmista, o firmamento annuncia e proclama as obras do Senhor, a terra--que é a nossa obra--narra a nossa propria gloria. «Fomos nós que lhe fendemos a crusta, que a semeamos, cultivamos, aformoseamos, cobrimos de monumentos, que, como perolas desenfiadas, rolaram pela vastidão das campinas, e que lhe demos, como cinto da sua propria formosura, essa rede infinda de estradas e canaes, que se cruzam, e estendem por toda a amplidão da esphera terrestre. Fomos nós que descemos ao centro das suas entranhas, para lhe extorquir os seus inapreciaveis, e inexhauriveis thesouros. Não ha flôr, que desabroche nos campos, não ha espiga, que se erga robusta, em toda a vastidão da cultivada leziria, não ha fio de linho, nem de algodão, nem de sêda, não ha lamina de ferro, de ouro, ou de platina, não ha pedaço de pedra, prancha de madeira, capitel de columna ou mastro de navio, que não conserve o cunho das nossas mãos, e o perfume do nosso amor. Sim, o perfume do nosso amor--porque o trabalho é a oração--e o perfume do nosso amor é o incenso e a myrrha, que acompanham as nossas offerendas ao Eterno. «Subi da galeria subterranea das minas até á cupula das sumptuosas basilicas, e das calhedraes mais augustas e imponentes, sahi das elegantes capitaes da civilisação moderna e devassai as praias selvagens mais longinquas, encontrareis, em toda a parte, os passos dos filhos do povo: _a democracia_. «Somos o lavrador, que prende os bois ao arado, e que sulca a terra laboriosamente--o nosso insaciavel e inesgotavel thesouro. Somos o segador, que ceifa o trigo, nas ardentes, e afflictivas calmas do estio; o robusto ceifeiro, que corta, nos prados, esmaltados de papoulas e boninas, o alimento constante dos rebanhos; o vinhateiro, que poda, empa, e cava a vinha; o navegante, que se afadiga em transportar os artefactos da creação humana; e o commerciante, que leva e faz circular em todas as zonas habitadas--como o sangue nas arterias--os succos da terra, e os productos das mais variadas industrias. «Nós somos o operario curvado sobre o tear, o mineiro, que vive soterrado, e arranca das entranhas da terra o carvão, que alimenta a machina, multiplicando os productos; o ferreiro, que forja e bate o ferro; o carpinteiro, que aperfeiçoa e adelgaça a viga; o pedreiro, que abre os caboucos, e levanta os muros do edificio; a fiandeira, que estende na roca a estriga de linho; o tecelão, que faz o panno, transformado em enxoval da familia; o soldado, que vela nos limites sagrados do solo da patria; e o marinheiro, que atravessa os mares, levando bem alto o pavilhão, que é o emblema d'um povo, e o estandarte sacrosanto do seu paiz. «Nós somos tudo. O nosso nome é _legião_. «Somos nós, que nutrimos, vestimos, e abrigamos a humanidade, e que lhe damos a paz, a abundancia, o repouso moral, e a tranquillidade publica. As artes, que alindam, e encantam a vida, as letras, que robustecem, desenvolvem, e fortificam a alma, as sciencias, que a illuminam, e esclarecem, somos nós, que as cultivamos, que as honramos, e desenvolvemos. Quaudo fallamos, quando reivindicamos os nossos direitos é sempre pela voz dos nossos apostolos. «Temos tido guerreiros para vencerem, poetas para cantarem as nossas fadigas, e as alegrias modestas do nosso lar, e artistas para commemorarem os nossos heroismos no trabalho, e esculpirem, no bronze, as imagens dos grandes inventores. «Temos tido operarios, para crearem machinas maravilhosas, e astronomos para nos narrarem as maravilhas dos céos, devassando os esplendores e magnificencias do universo. As lentes, preparadas por nós, teem-nos feito conhecer, pelo telescopio, os globos luminosos que giram no espaço, e teem descido comnosco, pelo microscopio, aos mundos infinitamente pequenos. «Os raros talentos d'essas ociosas, e rachiticas aristocracias, d'essas estereis, e inuteis classes privilegiadas, quando lhes estala a ultima corda da lyra, nas tristes estrophes das suas sinistras e tenebrosas lendas de familia, vem sentar-se na lareira do povo, e buscar ahi as harmonias mais sonoras, mais suaves, e mais duradouras--as unicas que hão de achar echo nos seculos do futuro--as lutas incessantes, pelo progresso, em que lida a geração actual. A sua derradeira canção é para o povo: o canto do cysne é o hymno da democracia. «Nós somos a arvore gigante e immensa da humanidade, com as raizes perdidas nos limbos do passado, com o tronco vigoroso, que resiste aos embates dos tempos, com os festões de flôres que desabrocham, e emmurchecem passando, e com os fructos sazonados do presente, na esperança das odoríferas flôres, que, com o seu calix radiante de vida, hão de perfumar o espaço no futuro. «Eis-aqui a democracia. «E quem são os seus adversários junto d'esta frondosa e copada arvore da humanidade? «São os cogumelos parasitas e venenosos, que vegetam á sombra d'este cedro magestoso e secular. «Os privilegios e as castas são o absurdo, são a torpeza dos costumes, são o desconhecimento completo do seculo que atrevessamos, são as tristes relíquias das épocas feudaes, são os distinctos das ridículas nobiliarchias byzantinas, são a ignorancia e o odio ao trabalho, são, finalmente, a protecção dada em premio, por feitos e acções, que, as mais das vezes, tem sido um poderoso obstaculo ao progresso, e á civilisação da humanidade. «As recompensas, as glorificações, e as apotheoses, quando justas, quando bem merecidas, quando conquistadas pela aptidão, pela sciencia, pela arte, pela industria, pela propria virtude ou pelas grandes dedicações, são vitalicias, e passam á posteridade com o nome que se engrandeceu, e vem a historia esculpil-o nos marmores dos seus fastos. «A democracia, como hereditario, só reconhece um direito, um dever, e uma nobilitação para o homem: é o trabalho. «É absolutamente necessario que se contem todos os partidarios sinceros e leaes da justiça, e que pela palavra, pelo livro, e pelo exemplo, arrastem os indecisos, e abandonem o restante--os poderosos do dia--aquelles, que não aprendem, nem esquecem nada. «Attendam a que chegou a hora, em que a menor hesitação, a menor duvida, o menor passo irreflectido, ou a mais timida concessão, podem fazer recuar, para muito longe, o reinado da justiça--o governo do povo pelo povo. «E povo somos nós todos, que vivemos debaixo do mesmo céo, sujeitos ás mesmas leis, e que exercemos, na sociedade, funcções e misteres diversos, mas igualmente uteis e necessarios. «Hoje, ha uma só nobilitação: é o trabalho. «Trabalhemos todos para a revolução nos espiritos--porque concorremos para o advento da verdadeira liberdade, para o governo da justiça social, e para a emancipação da humanidade. «E assim realisaremos a democracia.» * * * * * Terminava aqui o papel, escripto pelo ancião, condecorado em Souto-Redondo. O MANUSCRIPTO DO DESEMBARGADOR IV CARTHAGO Cæturum, censeo Carthaginem esse delendam. MARCUS PORTIUS CATO. L'histoire n'est pas seulement un drame, elle est une justice. LAMARTINE. A philanthropia ingleza é puramente mercantil, assim como o são todas as suas virtudes, que deixam de o ser logo que se não conformam com os seus interesses. FREIRE DE CARVALHO. Na deslumbrante e magnificente descripção da aurora biblica do nosso globo, diz o Genesis, que o Espirito de Deus era levado sobre as aguas: _Et Spiritus Dei ferebatur super aquas_. Parece que a magestade divina escolhera este elemento, na sua esplendida grandeza, para encetar a obra da creação. Seja assim n'este modesto trabalho. Busquemos os primeiros salões do nosso seculo nas solidões immensas do oceano. E a Carthago moderna, a nobre e fiel alliada de Portugal, á luz sinistra do execrando bombardeamento de Copenhague, em 1807, ao clarão avermelhado dos primeiros foguetes do coronel Congréve, ensaiados no acto da mais atroz e inaudita pirataria, mostrar-nos-ha o Bellérophon, o Windsor Castle, e o Belfast, tres salões em que a fé punica da Grã-Bretanha se expandiu, no seio das ondas, á sombra das suas flammulas, que são a divisa dos bastardos da raça latina. Ha duas infancias na vida: a juvenil, e a senil. Perdoem ao homem, que já vê a sombra projectada na beira do fosso da sua ultima jazida, estes echos longinquos, que vem ferir-lhe o tympano nas vesperas da sua dissolução physica. Convém que nos entendamos: A Carthago na designação latina, a Karkhédôn no vocabulo grego, a Kereth-hadeshot ou em pronunciação dialectica Karth-hadtha, segundo os termos punicos e phenicios, finalmente a cidade nova pela traducção e tradição da capital carthagineza significa, para mim, na actualidade, a futura ruina da rainha dos mares, da soberba, orgulhosa e egoista Albion. E nada mais. Deixemos passar as correntes historicas. A analyse verdadeira, justa e consciente d'uma sã e severa critica atira ás faces dos romanos com esse ignominioso epitheto de _fé punica_, que só a elles cabe na antiguidade das ambições latinas, e no ardiloso espirito dos Machiaveis da Italia, transmittido até ao ultimo papa. E a mais ninguem. Desde Romulo até Antonelli são vastas as concepções de perfidia, erguidas, a principio, no capitolio, para ficarem mais tarde, como tradição e doutrina, nos salões do vaticano. Havia um dia em Roma, em que, ao commemorar o supplicio e resurreição de Christo, subia ás sumptuosas varandas da basilica de S. Pedro o escolhido entre os bispos, arremessava o facho do incendio, o emblema do inferno á praça publica, anathematisava os herejes, e invocava sobre elles a colera do Eterno. Era a fé punica, na singela e curta interpretação de Scipião o Africano. A igreja catholica, na ingenuidade d'estas crenças ferozes, segue as tradições latinas, e a innocencia virginal de Scyla, de Mario, de Nero, de Constantino, de Alexandre VI, de S. Domingos, e de todos os Simões de Monforte, e de todos os Torquemadas da religião do operario nazareno. Olhemos para Carthago. Vejamos o que era a fé punica. A cidade phenicia assombrava Roma. Dobrava-se, porém, aquella diante do orgulho da cidade de Romulo. Curvava-se submissa a raça semitica na presença do povo indo-europeu. Carthago sujeitára-se á dura condição de não defender os seus direitos, nem a sua propria independencia sem authorisação de Roma. Aproveitou-se Massinissa, principe da Numidia, d'este abjecto e humilissimo pacto, para avassallar o emporio das riquezas d'Africa;--e quando a commissão, enviada pelo senado, voltava ao Lacio, depois de ter fomentado e atiçado a discordia, Catão--no seu odio implacavel, e cego pela torpe e abjecta cubiça, que o movia, terminava constantemente os seus discursos com a celebre phrase, que revelava toda a negrura d'aquella alma: «E de mais é preciso destruir Carthago»--_Delenda quoque Carthago_. E quando Carthago, confiando na lealdade romana, entregava e depunha todas as suas armas e machinas de guerra, ficando indefesa, e inerme--agradecia-lh'o com a mais hypocrita e pungente das ironias, o consul Marcio Censorino, dizendo aos carthaginezes: «Louvo-vos pela vossa prompta obediencia em cumprir as ordens do senado. Sabei agora a sua ultima vontade: manda-vos sahir de Carthago porque resolveu destruil-a.» E mais tarde--ardia dezesete dias a cidade nova dos phenicios, por ordem expressa do senado, e, na voragem e horror do incendio, saqueava a soldadesca infrene as immensas riquezas, que sete seculos alli tinham accumulado. A fé punica é uma calumnia historica, inventada pelos romanos, cujo odio e ciume, sem repouso nem tregoa, sobreviveram á carnificina mais cruel e hedionda de que rezam as chronicas e lendas da antiguidade. Aceitemos, pois, Carthago como a imagem do aniquilamento, e da destruição. Seja a fé punica, na inversão da phrase, o estigma e ferrete da lealdade latina. A Grã-Bretanha será a Carthago do futuro, como é, na sua machiavelica e perfida politica, a Roma do passado, do presente e do porvir. Alliança e alliados, na bocca de qualquer governo inglez, diz um escriptor liberal, quando não são palavras enganadoras, são, pelo menos, palavras sem sentido. Sem sahirmos do seculo XIX, desde o porto da capital da Dinamarca até ás muralhas de Metz e trincheiras de Sédan, são longas e monstruosas as provas da fé britannica, e da lealdade ingleza. Hudson Lowe, o carcereiro do Prometheo moderno--imagem do abutre roendo-lhe as entranhas nos rochedos de Santa Helena, será a ignominia e affronta eternas dos algozes da Irlanda. Estamos nas amuradas de Bellérophon. Entremos no convez. Antes do desenlace final d'esta tragedia antiga, que parece modelada por Sophocles ou Euripides--escrevia Napoleão ao principe regente de Inglaterra a seguinte carta: «Alteza Real. «Alvo das facções, que dividem o meu paiz, e da inimizade das grandes potencias da Europa, acabei a minha vida publica, e, á semelhança de Temistocles, venho sentar-me no lar do povo britannico. Abrigo-me á sombra das suas leis, e para isso invoco vossa alteza real, como o mais poderoso, o mais constante, e o mais generoso dos meus inimigos. «_Napoleão._» Responder com um asylo magnanimo, e grandioso a esta invocação escripta, teria sido para a Inglaterra a mais nobre das vinganças, e a pagina mais magestosa da sua historia. Irrisoria illusão! A orgulhosa Albion não vive de gloria: vive de dinheiro. Quem deixou mutilar a Polonia, quem escravisou a India, quem fomentou a guerra civil nos Estados-Unidos, quem viu impassivel as desgraças da França, e quem subjuga, pisa, e tortura a Irlanda, escolheu adrede os leopardos, para insignia e emblema heraldico dos seus armazens da _city_. A Inglaterra é a feira da Ladra da Europa. Seja assim para honra da raça latina, onde não ha filhos espurios dos chatins do Oriente. Napoleão vestiu aquella farda dos caçadores da velha guarda, como se estivera em Marengo, Austerlitz ou Iena. Entrou com o general Becker, e com os legionarios dedicados da sua heroica Iliada, n'um escaler--ultimo refugio das suas glorias--e subiu para o brigue francez, que ia leval-o á esquadra ingleza. Becker quiz acompanhal-o n'esta via dolorosa. «Não, não, general, bradou-lhe o vencedor de Arcoli, cuidemos da França. Se entrardes commigo no Bellérophon dirão que me entregastes aos inglezes. Não quero que a França soffra a responsabilidade, a suspeita, e nem sequer a apparencia d'uma traição tamanha. A bordo do Bellérophon estava o commandante Maitlaud, os seus officiaes, e toda a equipagem esperando o vencido de Waterloo. Dias depois entrava na bahia de Plymooth o Bellérophon ás ordens do almirante Keith, que o recebeu com o respeito obrigado com que o visitára a bordo d'um pontão inglez o almirante Hotham. A Inglaterra aceitou a affronta e o escarneo das potencias alliadas. Disseram-lhe estas no artigo 2.º da sua famosa declaração: «A prisão de Napoleão Bonaparte é confiada especialmente ao governo britannico.» Foi a Inglaterra o carcere, foi o traidor, e foi o algoz. Aceitou tres papeis infames. Entregou á Europa o banido, que lhe vinha pedir refugio e hospitalidade, investiu-se na missão execranda de carcereiro, e gizou, com a sua fertil imaginação, o carcere da aguia da Corsega, o antro onde ia sepultar o genio das batalhas. Cuspam na memoria, em parte talvez calumniosa, de Judas de Kerioth, no drama sanguento de Jerusalem, e respeitem e curvem-se reverentes diante dos suffetas da Carthago britannica. Arrancaram-lhe a espada epica das cem batalhas, quando elle, abandonado e indefeso, meditava encostado á proa do seu carcere fluctuante--e foi preciso, que o genro do imperador da Austria, o antigo tenente de Toulon, os encarasse face a face, para que os almirantes da velha Albion estremecessem de vergonha, e corassem de pejo, satisfazendo-se, no seu vil orgulho, com as adagas de Bertrand, Savary, Lallemand, Gourgand, e de todos os outros legionarios d'esta phalange homerica. Napoleão não sabia chorar. Passou impassivel por sobre quatrocentos mil homens, que juncavam os gelos da Russia. Viu immovel os desastres de Leipsick. Escutou silencioso, em Fontainebleau, o ruido surdo da catastrophe quando o imperio desabava. Afastou-se de Waterloo sereno, implacavel e severo como o destino--e nem uma lagrima deslisava por aquellas faces, assentes n'um busto grego, e que pareciam rasgadas pelo scopo de Phidias, como ornamento do mais vasto craneo, que a Providencia ousou modelar. Mas rebentou em pranto desfeito, e corriam-lhe as lagrimas como em torrente caudal, ao lêr os pormenores aviltantes da segunda occupação de Paris. Não era o imperador, não era o general, não era o tenente d'artilheria, não era o corso: era o ultimo dos francezes, se assim querem--que chorava de vergonha e de raiva ao vêr a nobre e formosa terra das Gallias pisada vilmente pelos cossacos do Don, e pelos ignobeis escravos do Czar de todas as Russias. Virtude, tu não és mais do que um nome!--Estas palavras, attribuidas a Bruto, e que são apenas a citação d'um verso da _Medéa_ de Euripides, vieram reboar em Sédan, e feriram, ainda n'esta geração, as traições, as insidias, e os ardis do segundo imperio, que cahiu a pedaços esphacelado e podre sob as garras da aguia da Prussia. O almirante Keith recebeu o ultimo protesto de Napoleão. Era o seu testamento de vingança arremessado á posteridade. Terminava assim: «Appello para a historia: dirá ella que um inimigo, que durante vinte annos combateu o povo inglez, veio, em liberdade, no seio do seu infortunio, buscar um abrigo á sombra das suas leis--que demonstração mais brilhante podia elle dar da sua estima, e da sua confiança? Mas como respondeu a tanta magnanimidade a Inglaterra? Simulou estender-lhe mão hospitaleira, e quando o segurou nas garras, quando elle se lhe entregou na grandeza da sua boa fé--trahiu-o, e immolou-o.» O nome do heroe firmava este protesto. Foi com a mão habituada a empunhar a espada da victoria, que o vencedor dos reis, escolhidos por direito divino, escreveu: Napoleão. Pouco depois, um vaso de guerra, o Northumberland arrostava as vagas do oceano, levando a seu bordo o homem, que fôra o terror do commercio da Inglaterra, e o missionario inconsciente da liberdade europêa. E no meio d'uns rochedos de granito, na solidão dos mares, na insulação completa de todas as aspirações d'aquella vasta e grandiosa intelligencia, amarravam ao poste da mais tremenda perfidia o homem, que o mundo inteiro acclamára imperador, e a quem a Inglaterra, mesquinha e ridiculamente, nos seus odios e pavores vilissimos, regateava o _ave! imperator!_ que duas gerações lhe votaram, mandando-o appellidar seccamente: o general Bonaparte. Detesto o heroe, mas choro ao lado do martyr. Curvo-me perante os altos designios da Providencia, que levantou sobre os broqueis da victoria o Attila moderno, o açoute de Deus--e vélo a fronte cheio de horror e de indignação, quando considero este homem feito á imagem do Creador, caminhando sobre cadaveres, na sua sêde insaciavel de conquistas; e por um rasto de sangue humano subia ao throno das monarchias do occidente, depois de perdidas as illusões com que sonhára o imperio da Asia. Morreu em Santa Helena, no seio dos mares, para além das lutas democraticas da Europa, o mais ambicioso dos conquistadores, e o maior genio d'este seculo. Alexandre lia Homero. Napoleão meditava os commentarios de Cesar. E Alexandre, Annibal, Scipião, Cesar, Attila, Frederico II, e Carlos XII, são pallidos meteoros, que fulgiram, e passaram diante d'este esplendido luzeiro, d'esta magestade immensa, que, como o astro do dia, tingindo de purpura o firmamento, vai immergir-se lentamente nas vastas solidões do oceano. Hudson Lowe foi a synthese dos odios selvagens, e das cubiças inexcediveis da nação ingleza. Por mais que a Inglaterra simule os enthusiasmos d'um povo livre, por mais que apparente respeitos, e affirme sentimentos generosos, e magnanimos--em quanto Santa Helena fôr uma ilha e Hudson Lowe uma verdade historica, temos nós todos, nós--raça latina--o direito, e o dever de lhe atirar ás faces, no soberano desprezo da nossa lealdade, com um nome só:--o nome do Bellérophon. Este vocabulo é o epitaphio sinistro, lugubre, e affrontoso da generosidade britannica. VISCONDE D'OUGUELLA. MANOELINHO DE EVORA É errada a presumpção historica de que o _Manoelinho_--pseudonymo grutesco de uma assembléa de revolucionarios--figurasse tão sómente nos decretos expedidos durante o levantamento do povo eborense, acaudilhado por Sezinando Rodrigues e João Barradas, em 1638. Consigne-se de passagem que eu ainda não vi algum d'esses decretos, nem D. Francisco Manoel de Mello, o mais detençoso historiador dos tumultos de Evora, nos transmittiu traslado de algum. Representações a Filippe IV, e satyras aos portuguezes infamados de hespanholismo, em fim a gazeta manuscripta, como ella podia clandestinamente correr n'aquelle tempo, começou a circular, em 1635, logo depois, que a duqueza de Mantua chegou a Lisboa. Entre os manuscriptos relativos á ultima decada do nosso captiveiro, possuo dous. É um assignado por _Manoelinho menino_, em Evora, aos 29 de agosto de 1637, poucos mezes antes do motim: _Uma carta que os meninos de Evora mandaram ao bispo do Porto_. Este bispo era D. Gaspar do Rego, nomeado n'aquella prelazia n'esse mesmo anno, anteriormente bispo de Targa, muito affecto a Filippe IV de Castella, e um dos tenacissimos alvitristas dos impostos sobre a sua patria. O seu biographo padre Agostinho Rebello da Costa (_Descripção da cidade do Porto_, pag. 83) exalta-lhe as virtudes prelaticias, a termos de o sentar no refeitorio comendo com a sua familia, virtude que todos nós possuimos pouco mais ou menos. Mas nem essa lhe concediam os detrahidores que se chamavam os _Meninos de Evora_; e eu não sei o que lhe fariam em 1640, se elle não tivesse morrido em 13 de julho de 1639, fóra da sua diocese em Lisboa, onde o tinham chamado Miguel de Vasconcellos e os outros que se temiam do rugir soturno do vulcão popular. Vai vêr o leitor pela primeira vez, se me não engano, qual era a prosa do _Manoelinho_. No proximo numero d'estas _Noites_, lhe darei amostra das musas acamaradadas com os heroicos revolucionarios de Evora. Eis a _carta_: «Á noticia d'esta cidade chegou, reverendissimo bispo tyranno, ser v. s.ª a origem de que este reino tão catholico padeça oppressões tão insoffriveis, como elle testefica no miseravel estado em que se vê, tomando-vos para executar a mais infame empresa que em nossos tempos vimos, nem de nossos antepassados sabemos;--que até considerada envergonha. Porque, quando a desventura chegasse a tanto, que, como por prophecia, houvesse alguem de tyrannisar a patria, fosse o fidalgo pobre, rico de filhos e falto de rendas; e ainda n'este, depois de satisfeito, cessaria a ambição. Mas um prelado, a quem havia de faltar o tempo para dar graças a Deus de o chegar a ser, e que aos pobres havia de dizer: _tribuo vobis pro omnibus quæ retribuis mihi_--grão maldade! e com razão podem dizer por vós o que Platão por Dionisio: _Vidimus monstrum in natura honimis_. «Que naus vistes entrar n'estes portos? Que frotas vistes vir lá das Indias? Que riquezas n'este pobre reino? E que farturas n'este nosso Alemtejo que, como filho tão mimoso de seus paes, sentiu como de padrasto o pão de vosso alvitre? Mas a verdade, Aquelle que é a mesma verdade, diz no _Deuteronomio_, cap. 4: _Colligite ex vobis viros sapientes, et nobiles_. A sciencia em vós é em tudo um retrato natural da de Nero, que aprendeu todas tendo por mestre ao grande Seneca, e foi um dos mais torpes tyrannos do mundo, até chegar a matar sua propria mãi, como vós agora quereis fazer á amada patria; porque em fim, sciencia sem virtude, não vem a ser uma nem outra cousa; mas elle já nenhuma professava, e vós professaes ambas, e não exercitaes alguma. A nobreza conservam os que carecem d'ella, e o dar-lhe nascimento, na benigna clemencia, é para que, convocando os animos, esqueçam a baixeza dos seus progenitores. E vós, pelo contrario, querereis dar vida ás de Antonio Fernandes, vosso pai, e de Anna Antonia, sua mulher... Os extremos todos são maus. Temos rei catholico, não o façaes tyranno; é principe benevolo, não o façaes cruel. Deixai Portugal ser pobre já que vos deixou ser bispo. Não vêdes que por Targa ser de herejes, vos fizeram do Porto? e que por o Porto não querer, vos faziam de Coimbra? As cidades são como os parentes; corre-lhes a dôr pelas veias como o sangue a ellas. Ao menos estai advertido no salto em claro que haveis de fazer por este arcebispado, tomando o pé atraz como Sebastião de Mattos[8], mas não seja d'estas partes. Não sei se vos poderão valer os fóros das casas de Luiz de Miranda. O cavalleiro, se lhe chamam tardo, madruga; se desbocado, cala-se; se demasiado, tempera-se; se adultero, abstem-se; se peccador, emenda-se; mas, se é traidor á patria, não ha emenda nem desculpa. Sabei que a propriedade d'este reino foi sempre não desobedecer nunca ao seu rei, nem deixar-se mandar de tyrannos, e que vale mais pobre, dando pouco, que desesperado. «De muito atraz trazemos por criação a distribuição de tres cousas: a alma para Deus, o melhor para nós, e a fazenda para el-rei; e quem se viu n'isto, não duvída dar quartos, mas quintos para quintas; e por vosso conselho não havendo n'este reino quintaes (digo de arvores, que de canella já nem sabemos de que côr é) soffre-se mal. E se vós quereis excessos para a patria, e permittir-se contra ella o favor que houve Nuno Alvres para Pedralves traidor, a quem o céo subverteu, haverá meninos em Evora para Gaspar do Rego se abrazar. «Por Ithaca, nobre ilha de asperos penedos, passou Ulysses immensos trabalhos. Disfarçado el-rei Codro para libertar a patria, se offerece á morte; pela patria renunciou o imperio; e Mucio Scævola renunciou a esperança da vida por a tirar á propria que como vós a perseguia[9]. E os naturaes que a isto não se oppõe vem a acabar n'ella, como Annibal em Carthago e Catilina em Roma. Attendei ao que diz o apostolo: _Anna militiæ nostræ non sunt carnalia, sed spiritualia._ Sois christão, sois sacerdote, sois prelado, sois natural do reino: dizei d'elle o que n'elle vêdes, informai das Necessidades; e, se não sabeis d'ellas, ahi amam a caridade, vereis de quantas sois secretario, quantos fidalgos padecem, quantos senhores acabam, quantas donzellas perecem. Falta o ouro, a prata; o contracto, por que vós não faltaes, que nem Deus o quer dar superfluo, nem o necessario se promette dar-se. Perguntando-se a Alexandre para que queria ser senhor de todo mundo, respondeu: Todas as guerras que se levantam são por uma de tres causas: ou por haver muitos deuses, ou por haver muitos reis, ou por haver muitos tributos: quero ser senhor de todo o mundo e rei para que não haja n'elle mais que um Deus, nem se conheça mais que um rei, nem se pague mais que um tributo. «Elle era pagão, e vós christão; elle rei, e vós bispo; elle creado na terra, e vós na igreja; nunca ouviu o nome de Christo, e vós jurastes defender o Evangelho. Parece que muito differe uma cousa das outras. Se o fazeis por fama, já é geral, pois nós vos sabemos o nome. O vosso nome é _flagellum patriæ_. Se o fazeis por interesse, já basta o que tendes; se mais quizerdes, já cá passamos signal; se nós podermos, com o mais constará a pontualidade... Tende lastima de um reino que, sendo antigamente um mar, se vai esgotando a Castella por um _Rêgo_. Nosso Senhor vos converta, e vos traga a nossas mãos, para augmento d'este reino, e vida e paz e quietação de seu rei. Evora 27 de agosto de 1637. Por mandado do povo todo junto _Manoelinho Menino_.» [8] Este Sebastião de Mattos é o arcebispo de Braga que depois conspirou contra D. João IV, e morreu no carcere. [9] Não nos parece clara a redacção, ou ha elisão de palavra no meu traslado. A MORTE DE D. JOÃO (POR GUERRA JUNQUEIRO) É um livro de 330 paginas que eu li sem intermittencias. A poesia é quasi sempre portugueza e dos mais altos quilates; mas a substancia do livro é estrangeira. Aquellas podridões, desenhadas do vivo com primorosa execução, não fermentam n'este paiz mais atrazado e menos devasso que o restante da Europa. É verdade que ha creaturas um tanto putridas nos hospitaes, e lá se dissolvem: peor seria, se não tivessem aquelle paradeiro onde a misericordia humana lucta com a fatalidade da morte á beira do catre da agonia. O D. João portuguez, por via de regra, aos quarenta annos, tem a espinha dorsal amollecida, cauterisa as frieiras e lima os callos. As Imperias, entre nós, não acabam por tanger cornelim em companhia de ursos; mas tem ursos e dromedarios, uns Tenorios farinaceos que lhes tornam a velhice divertida e, ás vezes, serodiamente honesta. Não obstante, eu, em Lisboa, conheci um D. João, que, tirante a chalaça e o urso, era o D. João de Guerra Junqueiro. Conheci-o gentil, capitão de lanceiros, com um appellido dos mais nobres do reino, bizarro, petulante, fatuo, bandarreando com os seus cavallos oriundos da Lybia alli pelo Chiado. Amavam-no as burguezas e as princezas. Amavam-no tão doudamente que se perderiam, se não estivessem perdidas quando elle as achava. Alli, em Lisboa, um D. João acha sempre uma D. Joanna tão boa como elle. Era isto em 1849. Onze annos depois, estando eu na _casa-da-saude_, vi entrar, no quarto de certo doente, um homem maltrapido, com o nariz rubido, a cara esvurmando brotoeja, os dentes ferruginosos, os beiços esfoliados como escama de sarda de barrica, os olhos broslados de malaguêta, e a pupilla oleosa. Era o capitão de lanceiros, que vinha alli visitar um homem que costumava dar-lhe um tostão para aguardente. E n'essa tarde levou o tostão e roubou-lhe um relogio de prata, um caldeirão que valia um quartinho! --O meu relógio!--exclamava o pobre Sousa Netto--é o que me restava da minha mocidade! Sousa Netto orçava pelos sessenta e seis; tinha gota, intervallos de demencia, havia sido tambem D. João, e usava constantemente habito de Christo no peito, mouras vermelhas nos pés, e um capacete de lontra na cabeça. O outro, aquelle que encontrava Imperias no paço, esphacellou-se na testada de uma taverna; os guzanos da cova de certo taparam os seus narizes microscopicos quando o esquife o vasou nas entranhas da natureza, mãi carinhosa do cão podre, do homem podre e de tudo que é perfeito n'este mundo. O homem espoliado do caldeirão ensandeceu a final, abrazado em concupiscencias que resfolegavam em colcheias, em decimas, em sonetos, que me recitava a mim e a Matheus de Magalhães com uns olhos tamanhos e tão accesos que parecia o diabo de Santa Thereza de Jesus. Estes dous typos teem moldura no poema de Guerra Junqueiro. * * * * * As mais nervosas e engraçadas paginas de versos que eu tenho lido de lavra portugueza são a parte d'este poema intitulado _Romanticismo_, e a outra chamada _Os saltimbancos_. São trovoadas de talento. Paradoxos assombrosos que vos tiram do diaphragma epilepsias de riso. Ás vezes, magôa uma especie de motejo que parece rebellar-se contra tudo que grande parte da sociedade respeita. Vem alli de camaradagem com a ironia implacavel do snr. Junqueiro o estylete sarcastico de lord Byron e de Alfred de Musset; mas o nosso poeta avantaja-se na crueza das invectivas contra o dogma, afistulando soberbos versos de um atheismo que de certo lhe não está no coração, nem na educação nem nos irreprehensiveis costumes. Tirante isto, ahi é tudo alegria; e até, quando a musa philosopheia por transcendentes contemplações, lá surde a palavra comica, o simile galhofeiro, esta cousa moderna que não tem nome,--uma bella extravagancia que nos regosija. E assim é como se querem os livros, porque lá diz Aristoteles no 2.º da _Ethica_, cap. 12, que _a melancolia corrompe a natureza e faz pasmar o coração_. * * * * * Este modo de poetar será o _Ideal_ moderno? É, com toda a certeza. Quando eu era rapaz, o poeta ideal era o ethereo, o metaphysico, o espiritualissimo. Por tanto, o ideal, segundo Taine, não tem que vêr com o ideal, segundo Lamartine. No livro do snr. Junqueiro, bem que os carnalissimos assumptos alli poetisados não pareçam ideaes, abona-os o indeclinavel legislador n'esta materia. A obra d'arte--diz Taine--põe o fito em manifestar algum caracter essencial ou relevante, mais perfeita e lucidamente do que os objectos reaes nol-o mostram. O artista, por tanto, concebeu a idéa d'esse caracter, e, a sabor da sua idéa, transformou o objecto real. Este objecto assim transformado, sahe conforme á idéa, ou, para melhor o dizer--é o ideal. Assim, pois, passam as cousas do real ao ideal, quando o artista, ao reproduzil-as, as altera a bel-prazer da sua idéa, etc. (_L'Ideal dans l'Art_). Quer dizer, ao que parece, que o ideal é uma modificação do real a talante do artista; por maneira que o sobrepor miserias imaginarias ás miserias positivas--exulcerar desgraças inevitaveis com a imprecação de desgraças ficticias--é o _Ideal_. Em fim, são seitas, e o impugnal-as quando ellas ainda verdejam é perigoso: o melhor é deixal-as apodrecer. O que ha de ficar e sobreviver ás escolas (porque o snr. Guerra Junqueiro de certo não crê em Taine, e é _realista_ na maxima latitude da palavra) são estas paginas da _Morte de D. João_, alumiadas pelos relampagos do genio. Este livro será lido por aquelles mesmos que o malsinarem de propagador de peçonha em calices de ouro. É a obra prodigiosa de uns annos muito em flôr. Quando a mão do tempo, a desgraça dos annos, e algumas noites de meditação dolorosa, levarem á consciencia do admiravel poeta a imagem da Justiça, enquadrada na moldura fatal em que ha seis mil annos a conhecemos na historia, então os poemas do snr. Guerra Junqueiro serão por igual bem versejados, mas muitissimo mais consolativos para os infelizes que elle deplora com generoso coração. POETAS E PROSADORES BRAZILEIROS Seis livros de variada leitura me vieram aligeirar as horas da aldeia, n'este inverno de junho; que no decantado Minho já não ha primavera nem estio, nem melros nem rouxinoes. D'esta familia de cantores tão gabados nas eglogas de Sá de Miranda e Diogo Bernardes abalou-se a especie, desde que o Minho, policiando-se do agro primitivo da sua natureza alpestre, estrondêa com o caboucar das vias-ferreas e o estridor das diligencias. De rouxinoes restam-nos apenas aquillo que os francezes chamam _Roussignol à gland_, e _Roussignol d'Arcadie_. Estou a vêr se me desmente o meu presado amigo D. Antonio da Costa no seu promettido livro das delicias do Minho. Eu por mim, se quero convencer-me que estou na sazão do calor e das flôres, mando abrazar o fogão, accendo a machina do café, espalho uma abada de rosas no estrado, cubro-me com um cobertor, imagino que estou no junho de Fernão d'Alvares do Oriente, e, com o nariz de fóra, e espirrando, exclamo, em nome do poeta: _...................... Pomona e Flora Seus dons vem pelos campos espalhando, Cantando espalha Fauno a voz sonóra. Fazem doce harmonia os arvoredos Que o vento bole, e as aguas derivadas Das asperas entranhas dos penedos. As aves umas d'outras namoradas Enchem de saudosa queixa o monte N'um desconcerto alegre concertadas. Boninas varias vai regando a fonte Que convida, correndo manso e manso, O rouxinol, que suas maguas conte. A qualquer parte, pois, que os olhos lanço Materia me offerece de alegria Tudo quanto co'a vista alegre alcanço._ _Etc., etc._ E, ao mesmo tempo, vou aconchegando os pés do varandim do fogão, e fazendo-me um estio interior de café de Moka. N'esta situação, deixa-se a natureza aos naturalistas; e a gente, que vem ao campo em cata de brisas olorosas, não sahe de casa, e lê sempre, a fim de desviar a tentação ao suicidio inglez, que é a congestão fulminante do _tædium vitæ_. Tenho, pois, seis livros de escriptores brazileiros, a quem devo a fineza de m'os enviarem a esta região de getas. Os IDYLLIOS do snr. doutor Caetano Felgueiras. As TETÈYAS, em prosa do mesmo poeta. Os APONTAMENTOS DE VIAGEM do snr. J. C. da Gama e Abreu (1.º tomo). O PANTHEON MARANHENSE (1.º tomo). SCIENCIAS E LETRAS. APONTAMENTOS PARA A HISTORIA DOS JESUITAS NO BRAZIL (1.º tomo). As tres ultimas obras são do mesmo author, o snr. dr. Antonio Henriques Leal. Ha annos que o snr. Felgueiras me enviou a sua EPISTOLA _a Machado de Assis_. Era a revelação de um espirito antigo no affecto ás maviosas cousas do campo. Versos que recendem o tomilho e a madre-silva. Desenhos correctos da corporatura gigante das arvores americanas. Rumorejos dos meandros que serpejam na tige das boninas. O estridor das cascatas que ruem estrepitosas. A suavidade dos jardins. O verde das arvores, e os pomos a lourejal-as. E, depois, o espirito da alegria no sorriso da paz a colher as bençãos que Deus cruza por sobre as almas modestas que se alam até Elle, desde o estrado de seus pés, desde as magnificencias da terra até aos estrellados silencios do céo. Esta formosa poesia vem entre os IDYLLIOS, que se lhes irmanam na alteza do pensamento e no primor da phrase. Não me agradam por igual as suas prosas (TETÈYAS). Sobram ahi arabescos de linguagem: muito rendilhado, muita filagrana, que enreda a idéa, e accusa o escopo muito moroso de Cellini. Sei que o snr. J. de Alencar tem dado o exemplo d'este esmerilhar da phrase, que, a meia volta, se desaira no amaneirado. Isto não é pobreza da lingua: é um luxo vicioso da abundancia. Augmentemos, porém, quanto ser possa o concurso dos que nos percebam, e imaginemos sempre que até os mais cultos nos agradecem a simplicidade de Luiz de Sousa, o nitido puritanismo dos Castilhos, e a correcção chã, sem plebeismo, de Teixeira de Vasconcellos. Os APONTAMENTOS DE VIAGEM do snr. Gama e Abreu é um livro muito bem escripto, com resaltos de humorismo discreto, graça anecdotica a interpôr-se nos usuaes fastios das descripções de viagens; apreciações de Portugal na maior parte benevolas, e, por excepção, reparaveis; a França e as suas recentes desventuras atiladamente compendiadas em poucas paginas, que se revalidam com bem cabidas noticias historicas. É um livro de cunho moderno, com o superior quilate da despretenção, sem desvanecimento, por onde se nos antolha optima lição, bom discernimento, critica despreoccupada, lhaneza de apreciação, e excellentes predicamentos de espirito. Os subsequentes volumes hão de corresponder ao titulo que amplia as viagens desde o _Amazonas ao Sena_, _Nilo_, _Bosphoro_ e _Danubio_. O PANTHEON MARANHENSE, do snr. dr. Henriques Leal, como do titulo se transluz, é um selecto feixe de biographias de homens, que se illustraram no Maranhão, por prendas da intelligencia. Este livro é tanto mais de estimar entre portuguezes quanto nós andamos arredados da convivencia de escriptores brasileiros. O snr. Leal, que reside em Lisboa, ha annos, é o escriptor a quem os seus conterraneos mais devem no pregão incessante das eminencias intellectuaes do Brazil. É vêr o esplendido, e, ainda mal, que incompleto, vestibulo que elle erigiu como entrada para as obras completas de Gonçalves Dias, o portentoso poeta, o prosador inviolavel na pureza da dicção. Larga resenha da litteratura brazileira nos dá o snr. Leal no seu livro intitulado LOCUBRAÇÕES. Ahi se queixa judiciosamente das graves iniquidades com que alguns syndicos, sem legitima alçada na critica, desdenham dos escriptores brazileiros, não lhes sabendo sequer o nome de baptismo. Que quer o illustre escriptor? A necedade impa de petulancia. A barateza dos prelos, a profusão dos periodicos e a mingua de escriptores escorreitos abriram praça a todo o adventicio, tanto monta que elle proceda das covas de Salamanca como do café da Aurea. Gonçalves Dias, apoucado pela ignara bitola de um zoilo vêsgo, tem dous monumentos: um de marmore na sua patria, outro nos livros que são d'ella, que são nossos, que os temos na memoria do coração desde a mocidade. Mas a nossa mocidade era tão amoravel com os seus contemporaneos, quanto respeitosa com os antepassados. Nós não ousariamos descrêr dos mestres, e desacatar-lhes as cãs aureoladas sem que o longo estudo, sem que a consciencia nos désse a intima certeza de que não eramos tão nescios e tão ignorantes quanto hoje se faz mister para abrir barraca de mordacidades, mascaradas em critica. Derivemos d'este mau trilho para as placidas e serenas regiões do livro chamado APONTAMENTOS para a historia dos jesuitas no Brazil. N'este complexo de rapidas biographias, narrativas, e, esclarecida analyse das chronicas da companhia de Jesus, e onde a fórma, a execução e o castiço da linguagem se aprimoram mais, de envolta com a riqueza das noticias históricas. É trabalho de mão experimentada, de consulta detençosa, e juizo muito attento. Quando o tomo 2.º me vier satisfazer o desejo de o lêr, formarei mais dilatado e completo conceito d'esta importante publicação do abalizado escriptor. ÁCERCA DE JOAQUIM 2.º (RESPOSTA A UMA CARTA) A carta, a que respondo, veio do Porto. E o periodo respondido reza assim: _.....Asseveram-me que o teu Plutarco, annunciado na ACTUALIDADE, é o Joaquim de Vasconcellos, que tem batido á porta dos teus antigos inimigos, pedindo factos e calumnias para urdir a tua biographia. Se isto é tão verdade como é verdadeira a pessoa que m'o afiançou, prepara-te para desprezar a affronta, e veste arnez de aço que rebata o ferro do couce. Alguem lhe perguntou que motivo teve para te provocar; respondeu que apenas te conhecia de vista; eu, porém, se a memoria me não falha já te ouvi dizer que este Joaquim de Vasconcellos foi teu hospede em S. Miguel de Seide, etc._ RESPOSTA Tens boa memoria. Joaquim de Vasconcellos foi meu hospede em S. Miguel de Seide; mas procedeu honradamente, e logo te direi a razão que tenho para te affirmar que se houve briosamente na hospedagem que lhe dei. Foi assim o grão caso. Um dia, no anno do 1870, me escreveu de Guimarães o maestro Francisco de Sá Noronha, prevenindo-me que viria a S. Miguel de Seide apresentar-me um seu amigo de grande talento, notavel theorista musical, educado em Allemanha, e litterato de muitas esperanças. Alvoroçou-me a noticia, tanto pela visita do celebre violinista, como pela apresentação de um moço prendado das bellas cousas do coração e do espirito, que todas brotam de seu onde o amor das amenidades litterarias e das deleitações da harmonia lhes aquece os germens. Em uma alegre manhã de julho chegaram os snrs. Noronha, e Vasconcellos a esta casinha, á volta da qual os sylphos da poesia borboleteam, desde que o visconde de Castilho e Thomaz Ribeiro por aqui estiveram. Recebi o snr. Joaquim de Vasconcellos com quanta cordealidade e lhaneza cabia nas minhas posses de aldeão. Dei-lhe o lugar de honra na minha mesa. Ouvi-lhe attenciosamente por espaço de dez horas as suas idéas republicanas, sem lh'as impugnar, e as suas theorias sobre musica sem lh'as perceber, e os seus dislates em litteratura sem lh'os contrariar. Ao cahir da tarde, o snr. Vasconcellos, que não podia demorar-se, fez-me o obsequio de aceitar o meu cavallo, que teve a honra de o levar á estrada do Porto. Ao despedir-se de mim, o meu affavel hospede abraçou-me com effusão de vehementissimo jubilo por me haver conhecido e devido alegres horas tão rapidamente passadas. Devolveu-se um anno, sem que eu tornasse a vêr o snr. Vasconcellos; não obstante, a imagem d'este cavalheiro, uma vez por outra, acudia ás minhas reminiscencias d'aquelle dia tão litterario, tão cheio de palavras, de systemas, em fim, de mutuas promessas, que me faziam esperar d'aquelle moço alguma cousa menos cruel que um inimigo. Eis que o snr. Vasconcellos dá á luz um livro de critica á versão do _Fausto_, pelo snr. visconde de Castilho; e, ainda antes de o lêr, já eu sabia que o meu hospede tão graciosamente recebido, me insultava como escriptor e como homem, enxovalhando-me com vilipendiosas aleivosias, como se não bastasse ao seu injusto rancor malsinar-me de ignorante. Aqui tens, meu caro amigo, repetido o assignalado successo do advento do snr. Vasconcellos a esta quinta de Seide. Como elle está escrevendo os escandalos da minha vida, que naturalmente veio espionar quando cá entrou, bom seria que elle dissesse que ca tenho grandes infamias na minha historia lendaria, e uma das mais graúdas foi recebel-o em minha casa. Falta-me explicar-te onde está o procedimento honroso do snr. Vasconcellos na hospedagem que lhe dei. Está no seguinte: quando elle sahiu da minha mesa, contaram-se as colheres de prata, e não faltava nenhuma! Honra lhe seja! Teu do coração, _Etc._ _P. S._ Se o snr. Joaquim de Vasconcellos, depois da publicação d'esta carta, entender que me deve pagar o aluguer da cavalgadura, o almoço e o jantar, authoriso a thesoureira das Velhas do Camarão a receber a importancia, e passar recibo. ESTUPIDO E INFAME (Á _ACTUALIDADE_) Alguns rapazes sem habilidade, nem estudo que lhes supprisse a incapacidade do engenho, appareceram ahi a pinchar na vaza das letras como sapos de lameiro em tarde trovejada de julho. O mais sapo nas _verdes podridões_, consoante o phrasear colorido do snr. Guerra Junqueiro, é este marau da _Actualidade_. Veio de Lisboa assoldadado para a imprensa do Porto, em serviço de um ignobil aventureiro. Pôz o seu pulso á disposição do estomago, e aviltou a probidade de homem no começo da vida publica, prestando-se a dar vaias,--_piadas_ no calão fadista do birbante que o estipendía--a pessoas que pareciam respeital-o com o seu desprezo silencioso. Fui eu, desde muito, insultado em livros e folhetos por este gandaieiro da vadiagem lisboeta. Perguntei um dia quem era o enxovêdo, e que razões lhe teria eu dado para não perder lanço de me offender. Responderam-me que era um dos Báthylos do Joaquim Theophilo; e que um dia, o sordido Anachreonte, que poetára amores de Gomorrha na _Visão dos tempos_, desembuçára-se da mascarrada chlamyde, e dera á luz este safado _pinto_ que sahiu grôlo do ovo. Já sabem d'onde elle vem. Disseram-me, outro sim, que um escriptor brioso, chamado Santos Nazareth, jogára com elle a bilharda nas pontas das botas em pleno café-Martinho; de modo que nenhuma pessoa medianamente briosa póde hoje roçar-lhe na cara a palma de uma luva. A parte, portanto, que porvindouramente me houvesse de caber em despiques de pundonor, essa--aviso á _Actualidade_--pertence á alçada do meu gallego. Não sei se o publico portuense tem reparado que os seus bons escriptores ou morrem ou fogem. O visconde de Benalcanfor, Ricardo Guimarães, aquelle florido talento que disputou a Lopes de Mendonça as galanterias do folhetim;--Ramalho Ortigão, o prosador elegantissimo, o fidalgo da graça senhoril, a revelação mais assignalada que ainda tivemos do espirito francez;--Alberto Pimentel, a quem se estão desentranhando em fino ouro os minerios mais copiosos da vernaculidade; Sousa Viterbo, dulcissimo poeta e prosador correcto, estes, que seriam para o Porto bastantes padrões de sua litteratura, passaram para Lisboa;--e Silva Pinto, a escoria da cainçada litterateira de Lisboa, baldeou-se no Porto. É sorte funesta! Entra o homem na fiscalisação de uma sentina jornalistica; e, apenas me vê a sombra na pagina de um livro, insulta-me. Lanço mão do ferro, carmeio-lhe parte da lã, almofaço-lhe a carepa, e deixo-o. O leitor das _Noites_ bem viu. Mostrei ao insolente que não sabia portuguez nem francez; que não estava na plana dos criticos; que a sua ignorancia, com alguma modestia, poderia grangear a caridade publica; emfim, este sentimento da compaixão ia manietar-me, quando elle, sacudindo o aziar, volveu a espojar-se-me na testada da casa. O desgraçado resvalou á ignominia. Como não teve que redarguir contra as lagantadas litterarias que lhe verberei á ignorancia, ameaça-me com devassar os actos da minha vida particular. São-lhe franqueados os umbraes da minha vida. Póde entrar o infame. Ahi está o homem que denigre e deshonra as pugnas litterarias. Estrangulado pela critica severa, resfolegará ainda pela vilta da calumnia. Veja-se o n.º 94 da _Actualidade_. Ao mesmo passo (leia _trote_) que me insulta, espolia-me o ratoneiro. Cotejemos, e veja-se que até lhe escasseia o brio para se desforçar com palavras de lavra sua. Em um folhetim meu, intitulado a _Corôa de ouro_, publicado em 1872, escrevêra eu as seguintes linhas:... _Uns taes cujo nome infame ha de sobreviver ás producções gafadas, e cuja probidade é tão sómente a necessaria para não serem enforcados, como dizia Molière... Os magarefes da carne putrida que lhes sobeja nas alcovas..._ E vai elle, o _escroc_ litterario, com pouca alteração, como o leitor ahi viu, faz suas, assignalando-as em grypho para lhes imprimir energia, essas mesmas phrases. Este bargante, se um dia vier a ganhar a vida esfaqueando a gente, rouba primeiro a navalha á victima. Lacénaire foi muito mais intelligente e honrado: era melhor escriptor, e comprava as facas com que escrevia as suas locaes no redenho do proximo. E Pasquino, quando injuriava, era com palavras proprias. Supponhamos, porém, que o traste é originalmente insultador. Que motivos lhe dei para o insulto? Dissera-lhe eu que elle estupidamente chamára _trilogia_ a tres comicos. E defendeu-se elle d'essa arguição, que era o ponto da contenda? Veja o leitor a defeza. Primeiramente attribue a erro do typographo a bestidade. Que villão! Se o artista, que lhe compôz o artigo, tivesse bastante dignidade ou independencia, devia desfazer-lhe o original na cara. Eu de mim creio que na officina da _Actualidade_ não ha typographo tão soez como o gamenho que a redige. Depois (veja o leitor a meio da columna) nega que houvesse escripto a noticia como eu a interpretára. E escreve que eu _alludira ao seguinte periodo de uma local_ do seu n.º 28: _Estão em scena Robespierre, Marat e Danton, a trilogia collossal_ (com tres _ll_.--Nem orthographia!) E acrescenta: _O chapado ignorante que só serve para fabricar descomposturas, não percebeu o porquê da trilogia applicada aos tres nomes que representam tres quadros distinctos da_ tragedia _da Revolução.»_ Nega, pois, que chamasse _trilogia_ aos tres artistas; e o leitor mais ou menos desmemoriado, ou indeciso a respeito da lealdade da minha critica, fica talvez imaginando que eu distendêra iniquamente as orelhas elasticas da besta, calumniando-a. Ah! não. Eu vou dar á respeitavel opinião publica o fiel traslado da asneira em litigio. «Actualidade» _n.º 51 de 7 de abril de 1874._ «BAQUET.--_Corre que estão escripturados, ou que vão sel-o, n'aquelle theatro os actores Polla e Pinto de Campos, e actriz Maria das Dôres, de Lisboa._ «_É uma esplendida acquisição para aquelle theatro a da TRILOGIA que acima fica. Agouramos bellas noites ao publico e á empresa._» Que faz o leitor depois que leu isto? Vai extrahir da propria noticia uma palavra composta de duas syllabas. É um passatempo que tem seu tanto ou quê de philologico. Procuremos as duas palavras com pachorra, visto que a temos para as charadas novissimas. Eu ponho em versaletes as syllabas quando fôr tempo. Vamos lá: «É uma esplendida acquisição (diz elle) para aquelle theatro a trilogia que acima fiCA. AGOUramos _etc._» O publico depois de compor a torpissima palavra, entendeu mentalmente, e de si comsigo, que o escriptor previa o que o leitor lhe faria na reputação. Agora, canalha! levanta-te d'ahi, e senta-te n'uma tripeça! Antes que faças da penna faca de sicario, converte-a em sovella. E tu, divino Apollo, que uma vez escorchaste Marcyas, permitte que eu te deponha nas aras este fétidissimo bode esfolado. CARTA AO SNR. CONSELHEIRO VIALE _Ill.mo e exc.mo snr._ Não sei se v. exc.ª é assignante d'estas NOITES DE INSOMNIA. A certeza affirmativa ser-me-hia por tanta maneira estimulo de desvanecimento que eu não ouso preluzir-me a hypothese de que v. exc.ª contribue com dous tostões para a minha gloria. Quero antes, absorvendo as fumaças da vaidade, prefigurar-me que v. exc.ª nunca se apoucou até ás futilidades dos meus livros. Na modesta conjectura, pois, de que estes folhetos lhe são menos conhecidos que as lyricas ineditas de Amphião, filho de Jupiter e Antiope, afouto-me até á temeridade de enviar-lhe este n.º 6 das _Noites_, solicitando da sua cortezia a graça de m'o lêr desde paginas 88 até paginas 94. O bode que eu ahi offereço a Apollo, á imitação do _cultrarius_ dos sacrificios antigos, chama-se fulano de Silva Pinto, e diz que foi discipulo de v. exc.ª em historia antiga, depois de ter escripto que uma actriz e dous actores eram uma _trilogia_. Tenho a honra, exc.mo snr., de trasladar, para escarmento de tão erudito professor, as textuaes palavras d'este seu discipulo, estampadas no n.º 94 da _Actualidade_: ..._Nós merecemos a honra de obter do professor Viale officiaes informações em aula de litteratura antiga._ Realmente, snr. conselheiro, este sujeito foi discipulo de v. exc.ª em historia antiga? No caso affirmativo, deu-lhe v. exc.ª a tal citada honra de o informar officialmente? É de esperar que v. exc.ª me não responda; todavia ouso pedir-lhe que ao menos se digne indicar-me como devo interpretar o seu silencio; a não querer v. exc.ª antes, em carta confidencial ao seu discipulo, dizer-lhe em grego: +chelenô pinein+ ao mesmo tempo que eu cá lh'o digo a elle em portuguez. Ponho á disposição de v. exc.ª a minha ignorancia com as informações officiaes de que sou digno, e a relevante bravura com que entro ao circo qual outro _bestiarius_ (+thêriomáchês+), a arcar com esta besta-fera que sahiu da escola que v. exc.ª tão vantajosamente rege. De v. exc.ª Ill.mo e exc.mo snr. conselheiro Antonio José Viale devoto humilimo e derreado admirador _Etc._ QUINTA-ESSENCIA DE MALANDRIM (Á _ACTUALIDADE_) Trata-se de Silva Pinto. Este pifio e latrinario jornaleiro da _Actualidade_, escreveu, no dia 11, que eu pedira que me apresentassem a Castellar, no theatro. No dia 16 e 17, publicaram o _Commercio do Porto_ e o _Primeiro de Janeiro_ a seguinte correspondencia: DECLARAÇÃO Constando ao snr. Camillo Castello Branco que uma local inserta na _Actualidade_, de 11 do corrente, com a epigraphe--Elle--se refere á entrevista que o referido senhor teve com o snr. Emilio Castellar no theatro do Principe Real, d'esta cidade, na qual se inverte a verdade dos factos, apressamo-nos, como testemunhas presenciaes, a declarar com toda a imparcialidade como as cousas se passaram. Achando-nos n'um dos intervallos do espectaculo em companhia do snr. Camillo Castello Branco, junto á varanda que separa a orchestra da plateia, appareceu alli o snr. D. Marcos Arguelles a convidar o snr. Camillo para uma entrevista com o notavel orador, o snr. Castellar. O snr. Camillo, depois de agradecer as attenções do snr. D. Marcos, pediu-lhe escusa, apresentando para isso algumas razões muito dignas e a circumstancia de não estar n'aquelle momento com um vestuario proprio para uma tal apresentação. O snr. D. Marcos continuou, porém, a insistir e, como o snr. Camillo persistisse na sua recusa, disse-lhe por ultimo que, se era preciso, ia chamar o consul hespanhol para o convidar, e que o snr. Castellar já estava no salão á sua espera para o comprimentar. Foi então que o snr. Camillo se resolveu a aceitar o convite do snr. D. Marcos. Eis aqui a narração fiel de tudo quanto alli se passou, com relação a este facto e que está em completa contradicção com a local da _Actualidade_, se com effeito o que n'ella se affirma, se refere ao snr. Camillo Castello Branco. Porto, 15 de junho de 1874. _João Pereira d'Albuquerque._ _Antonio Nicolau d'Almeida Junior._ Ahi fica o perfil do mariola, e a torpe vida que se vive n'aquella gazeta. No dia seguinte, a _Actualidade_ injuriava a probidade d'essas duas assignaturas que me honraram com o seu testemunho. Já ouvi dizer a certas pessoas incautas que este Silva era um bom rapazinho, forçado pela fome a rabiscar diffamações. Não póde ter bondade quem, de animo frio, divulga aleivosias: o mais que póde ter é fome. Desista o snr. Silva de trocar calumnias por meios-bifes, que eu lhe prometto obter-lhe entrada no asylo dos _Garotos desamparados_; e, desde já, escrevo ao snr. David, da rua de Santo Antonio, para que o vista de novo; e, pois que a sua hyndiocrasia é o couce, recommendarei que lhe deixe bem folgada a retranca. FIM DO 6.º NUMERO Nota de transcrição: As palavras rodeadas pelos sinais + + estão em grego no original. Nesta versão electrónica não é possível representar os caracteres gregos pelo que as palavras foram substituídas pela transliteração para caracteres latinos. End of the Project Gutenberg EBook of Noites de insomnia, offerecidas a quem não póde dormir. Nº6 (de 12), by Camilo Castelo Branco *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK NOITES DE INSOMNIA *** ***** This file should be named 27350-8.txt or 27350-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: http://www.gutenberg.org/2/7/3/5/27350/ Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images of public domain material from Google Book Search) Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you do not charge anything for copies of this eBook, complying with the rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose such as creation of derivative works, reports, performances and research. They may be modified and printed and given away--you may do practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is subject to the trademark license, especially commercial redistribution. *** START: FULL LICENSE *** THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free distribution of electronic works, by using or distributing this work (or any other work associated in any way with the phrase "Project Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project Gutenberg-tm License (available with this file or online at http://gutenberg.org/license). Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm electronic works 1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to and accept all the terms of this license and intellectual property (trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession. If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8. 1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be used on or associated in any way with an electronic work by people who agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works even without complying with the full terms of this agreement. See paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic works. See paragraph 1.E below. 1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation" or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the collection are in the public domain in the United States. If an individual work is in the public domain in the United States and you are located in the United States, we do not claim a right to prevent you from copying, distributing, performing, displaying or creating derivative works based on the work as long as all references to Project Gutenberg are removed. Of course, we hope that you will support the Project Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with the work. You can easily comply with the terms of this agreement by keeping this work in the same format with its attached full Project Gutenberg-tm License when you share it without charge with others. 1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in a constant state of change. If you are outside the United States, check the laws of your country in addition to the terms of this agreement before downloading, copying, displaying, performing, distributing or creating derivative works based on this work or any other Project Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning the copyright status of any work in any country outside the United States. 1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg: 1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed, copied or distributed: This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org 1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived from the public domain (does not contain a notice indicating that it is posted with permission of the copyright holder), the work can be copied and distributed to anyone in the United States without paying any fees or charges. If you are redistributing or providing access to a work with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or 1.E.9. 1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted with the permission of the copyright holder, your use and distribution must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the permission of the copyright holder found at the beginning of this work. 1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm License terms from this work, or any files containing a part of this work or any other work associated with Project Gutenberg-tm. 1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this electronic work, or any part of this electronic work, without prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with active links or immediate access to the full terms of the Project Gutenberg-tm License. 1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary, compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any word processing or hypertext form. However, if you provide access to or distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than "Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org), you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm License as specified in paragraph 1.E.1. 1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying, performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9. 1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided that - You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method you already use to calculate your applicable taxes. The fee is owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he has agreed to donate royalties under this paragraph to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments must be paid within 60 days following each date on which you prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax returns. Royalty payments should be clearly marked as such and sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the address specified in Section 4, "Information about donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation." - You provide a full refund of any money paid by a user who notifies you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm License. You must require such a user to return or destroy all copies of the works possessed in a physical medium and discontinue all use of and all access to other copies of Project Gutenberg-tm works. - You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the electronic work is discovered and reported to you within 90 days of receipt of the work. - You comply with all other terms of this agreement for free distribution of Project Gutenberg-tm works. 1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm electronic work or group of works on different terms than are set forth in this agreement, you must obtain permission in writing from both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the Foundation as set forth in Section 3 below. 1.F. 1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread public domain works in creating the Project Gutenberg-tm collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic works, and the medium on which they may be stored, may contain "Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by your equipment. 1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all liability to you for damages, costs and expenses, including legal fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH DAMAGE. 1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a written explanation to the person you received the work from. If you received the work on a physical medium, you must return the medium with your written explanation. The person or entity that provided you with the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a refund. If you received the work electronically, the person or entity providing it to you may choose to give you a second opportunity to receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy is also defective, you may demand a refund in writing without further opportunities to fix the problem. 1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE. 1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages. If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any provision of this agreement shall not void the remaining provisions. 1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance with this agreement, and any volunteers associated with the production, promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works, harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees, that arise directly or indirectly from any of the following which you do or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause. Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of electronic works in formats readable by the widest variety of computers including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from people in all walks of life. Volunteers and financial support to provide volunteers with the assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will remain freely available for generations to come. In 2001, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 and the Foundation web page at http://www.pglaf.org. Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit 501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by U.S. federal laws and your state's laws. The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered throughout numerous locations. Its business office is located at 809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact information can be found at the Foundation's web site and official page at http://pglaf.org For additional contact information: Dr. Gregory B. Newby Chief Executive and Director gbnewby@pglaf.org Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide spread public support and donations to carry out its mission of increasing the number of public domain and licensed works that can be freely distributed in machine readable form accessible by the widest array of equipment including outdated equipment. Many small donations ($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt status with the IRS. The Foundation is committed to complying with the laws regulating charities and charitable donations in all 50 states of the United States. Compliance requirements are not uniform and it takes a considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up with these requirements. We do not solicit donations in locations where we have not received written confirmation of compliance. To SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any particular state visit http://pglaf.org While we cannot and do not solicit contributions from states where we have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition against accepting unsolicited donations from donors in such states who approach us with offers to donate. International donations are gratefully accepted, but we cannot make any statements concerning tax treatment of donations received from outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation methods and addresses. Donations are accepted in a number of other ways including checks, online payments and credit card donations. To donate, please visit: http://pglaf.org/donate Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic works. Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm concept of a library of electronic works that could be freely shared with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper edition. Most people start at our Web site which has the main PG search facility: http://www.gutenberg.org This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, including how to make donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.