Dois
Volumes.
Contendo 15 mappas e facsimiles, e 133 gravuras feitas dos desenhos do
autor.
VOLUME SEGUNDO.
Segunda Parte--A FAMILIA COILLARD.
LONDRES:
SAMPSON LOW, MARSTON, SEARLE, e RIVINGTON,
EDITORES,
CROWN BUILDINGS, 188 FLEET STREET.
1881.
[Tôdos os direitos
sam reservados.]
No
alto Zambeze--O rei
Lobossi--O reino do Barôze, Lui ou Ungenge--Os
conselheiros do
rei--Grande audiencia--Audiencias particulares--Parece que
tudo
me corre bem--Eu explicando geographia a Gambela--Volta-se
a face aos negocios--Intrigas--Os Bihenos querem voltar--Uma
embaixada a Benguella--Quimbundos e Quimbares--A
prêta
Mariana--Tentativa de assassinato--6 de Setembro--Incendio e
combate--Retiro para as montanhas
Prêso
em
Embarira--O
Doutor Benjamin Frederick Bradshaw--O campo do Doutor--O
Pão--Graves questões--Os chronòmetros
não param--Francisco
Coillard--Lexuma--As damas Coillard--Doença grave--Receios e
irresoluções--Chegada do missionario--Tomo
uma decisão--Partida de
Lexuma (em Inglez, Leshuma)
Viagem
ás
cataractas--Tempestades--A grande cataracta do Zambeze--Abusos dos
Macalacas--Regresso--Patamatenga--M^{r.} Gabriel
Mayer--Tùmulos de Europêos--Chêgo a
Deica--A familia Coillard
O
Deserto--Florestas--Planicies--Os Macaricaris--Os Massaruas--O grande
Macaricari--Os rios no deserto--Morte da Córa--Falta de
àgua--O
ùltimo chá de Madame Coillard--Xoxom (Shoshong)
Doença
grave--Um Stanley que não é o Stanley--O Rei
Cama—Os Inglezes em Àfrica--A libra
esterlina--M^{r.} Taylor—Os Bamanguatos a cavallo--Cavallos e
cavalleiros—Despedidas--Parto para Pretoria--Acontecimentos
nocturnos--Volto a Xoxom--¿Pararám os
chronòmetros?
Catraio--Apparece
o
vagom--Despedida de M^{r.} Coillard--Tempestades--O
vagom tombado--Trabalhos de nôvo
gènero--Chuvas--O
Limpôpo--Fly--Caçadas--No Ntuani--Um Stanley que
não presta--Augusto furioso--Adicul--Os
leões--Stanley desanima—Os Böers
nomadas--Nôvo
vagom--Peripècias--Doenças graves—Um
Christophe de mil diabos--Madame Gonin--O ùltimo
tùmulo--Magalies-berg--Pretoria
NO
TRANSVAAL.
Ràpido esbôço da historia dos
Böers--O que sam os Böers—Suas
emigrações e trabalhos--Adriano
Pretorius--Pretorius--As minas de diamantes--Brand--Burgers--Juizo
errado á cerca dos Böers--O que eu vi e
que eu penso
NO TRANSVAAL (continuação).
M^{r.} Swart--Difficuldades--D^{or.} Risseck--Eu
gastrònomo!—Sir Bartle Frere e o Consul Portuguez
M^{r.} Carvalho--O Secretario Colonial M^{r.} Osborn--Jantares e
saraus--O missionario Rev. Gruneberger--M^{r.} Fred. Jeppe--O jantar do
80 de infanteria--Major Tyler e Capitão
Saunders—Insubordinação--M^{r.}
Selous--Monseigneur Jolivet--O que era Pretoria--Uma photographia de
pretas--Episodio burlêsco da guerra tràgica dos
Zulos
A chegada do Coronel Lanyon--Parto de Pretoria--Heidelberg--Um
dog-cart--O
Tenente
Barker--Dupuis--Peripecias de uma viagem
no Transvaal--Newcastle--A diligencia--Episodios
burlescos--Pietermaritzburg--Durban--Volto a
Maritzburg--Didi Saunders--Episodios em Durban--O Consul
Portuguez M^{r.} Snell--O Danubio--O Commandante
Draper--Regresso á Europa
LISTA DAS
ILLUSTRAÇÕES.
FIG.
94.--O
Rei Lobossi
95.--Gambela
96.--Matagja
97.--Cachimbos
de fumar o
Bangue
98.--Vasilha
para leite feita
de madeira
99.--Objecto
de Ferro forjado
que serve de Lenço de assoar
aos Luinas. Especie de Espàtula
100.--Pratos
e Escudellas
para a comida
101.--Colhér
102.--Machado
de cortar
madeira
103.--Artigos
de Barro
104.--Homem
Luina
105.--Mulhér
Luina
106.--Azagaias
Luinas
107.--Machadinhas
de guerra
108.--Porrinho
109.--Ataque
contra o
acampamento no Lui
110.--Casa na Itufa
111.--O meu Barco
112.--Acampamento na Sioma
113.--Cataracta de Gonha
114.--Passagem
dos Barcos em
Gonha
115.--Cataracta
de Cale
116.--Ràpidos de
Bombue
117.--Nos ràpidos
118.--Três
Europêos atravessáram o rio
119.--O Campo do Doutor Bradshaw
120.--Monsieur e Madame Coillard
121.--Acampamento da Familia
Coillard em Lexuma
122.--Interior do Campo de
Monsieur Coillard em Lexuma
123.--Mozioatunia. A Queda de
Oeste.
124.--Mozioatunia. Maneira pouco
còmmoda de medir
àngulos.
125.--O Rio depois da Cataracta
126.--Os Tumulos em Patamatenga
127.--Os Desfiladeiros de
Letlotze
128.--Ruinas da Casa do Rev.
Price (Xoxom)
129.--No Deserto
130.--Fly, o meu Cavallo do
Deserto
131.--Fly perseguindo os Ongiris
132.--Uma Vista do Alto
Limpôpo
133.--Montes
termìticos junto ao Limpôpo
134.--Os meus Bôis
foram salvos
135.--O ùltimo enterro
136.--Magalies-berg
137.--O que restava da
Expedição
138.--Eu em Pretoria (
De
uma photo. de Mr. Gross)
139.--Betjuanas (
De
uma
photo. de Mr. Gross)
Mappa de Mozioatunia
Três Facsìmiles, de pàginas do Diario,
dos Livros de Càlculos, e do Albo de Cartas
COMO EU ATRAVESSEI
ÀFRICA
Primeira Parte.--A CARABINA D'EL-REI.
CAPÌTULO
IX.
NO
BARÔZE.
No
alto Zambeze--O rei
Lobossi--O reino do Barôze, Lui ou
Ungenge--Os conselheiros do
rei--Grande audiencia--Audiencias
particulares--Parece que tudo
me corre bem--Eu explicando geographia a Gambela--Volta-se
a face aos negocios--Intrigas--Os Bihenos querem voltar--Uma
embaixada a Benguella--Quimbundos e Quimbares--A
prêta
Mariana--Tentativa de assassinato--6 de Setembro--Incendio e
combate--Retiro para as montanhas.
A 25 de Agôsto levantei-me muito incommodado e ardendo em
febre. Estava no alto Zambeze, junto do 15^{to} parallelo austral, na
cidade de Lialui, nova capital estabelecida pelo rei Lobossi, do reino
do
Barôze, Lui ou Ungenge, que tôdos estes nomes pode
ter o vasto
imperio da Àfrica tropical do sul. Como se sabe
pêlas
descripções de David Livingstone, um homem vindo
do Sul á frente de um exèrcito
poderôso, o guerreiro Chibitano, Basuto de origem, atravessou
o Zambeze junto da sua confluencia com o Cuando, e invadio os
territorios do alto Zambeze, sujeitando ao seu dominio tôdas
as tribus que habitavam o
vasto paiz conquistado.
Chibitano, o mais notavel capitão que tem existido na
Àfrica Austral, partira das margens do Gariep com um pequeno
exèrcito
formado de Basutos e Betjuanas, ao qual foi aggregando os
mancêbos dos povos que
vencia, e ao passo que caminhava ao norte, ia organizando essas
phalanges, que depois se tornáram tão terriveis,
ja na conquista
do alto Zambeze, ja na defensa do paiz conquistado.
A êsse exèrcito, formado de elementos differentes,
de povos de muitas raças e origens, deu o seu chefe o nome
de Cololos, e d'ahi
lhe veio o nome de Macololos que tão conhecido se tornou em
Àfrica.
No alto Zambeze encontrou Chibitano muitos povos distinctos, governados
por chefes independentes, que não podéram,
separados como estavam, oppor séria resistencia ao terrivel
guerreiro Basuto.
Tão sabio legislador, como prudente administrador, e audaz
guerreiro, Chibitano soube dar união aos povos conquistados,
e fazer
com que elles se considerassem irmãos no interesse commum.
Estes podiam agrupar-se em três divisões, marcando
três raças distinctas.
Ao sul, abaixo da região das cataractas, os Macalacas; no
centro, os Cangenjes ou Barôzes; e ao norte, os Luinas,
raça
mais vigorosa e intelligente, que devia substituir um dia os Macololos
na
governação do paiz.
É propriamente no paiz do Barôze ou Ungenge, que
se tem conservado as sedes do govêrno desde o tempo de
Chicreto, o filho e
successor de Chibitano; e tôdos os povos de Oeste chamam ao
vasto imperio
Lui ou Ungenge, ao passo que os povos do sul lhe dam o nome de
Barôze. Mais tarde, n'este capìtulo, terei
occasião de falar
na historia d'este pôvo desde a ùltima visita de
Livingstone até
á minha passagem ali; proseguindo agora a narrativa das
minhas aventuras sôb o
reinado de Lobossi, e do seu conselheiro ìntimo Gambela.
A organização polìtica do reino do Lui
é muito differente da dos outros povos que eu tinha visitado
em Àfrica. Ali ha dois
ministerios perfeitamente definidos, o da guerra, e dos negocios
estrangeiros; sendo este ùltimo dividido em duas
secções,
cada uma com o seu ministro. Uma d'ellas trata dos negocios de Oeste,
outra dos do Sul. Isto
é, uma trata com Portuguezes de Benguella, outra com os
Inglezes do Cabo.
Na occasião da minha chegada, os conselheiros do rei eram
quatro, dois dos quaes não tinham pasta; sendo ministro dos
negocios
estrangeiros de Oeste um tal Matagja, e accumulando duas pastas, a da
guerra e a dos negocios estrangeiros do sul, Gambela, o presidente do
consêlho do rei. Aprendi bem estes detalhes, para regular a
minha conducta nas graves questões que tinha a tratar.
Logo de manhã, fui avisado, de que o rei Lobossi me esperava.
Larguei os meus andrajos, e vesti o ùnico vestuario que ja
possuia, dirigindo-me em seguida á grande praça
onde devia
ter logar a audiencia.
Elle estava sentado em uma cadeira de espaldar, no meio da grande
praça, e por de tras d'elle um nêgro fazia-lhe
sombra com um
guarda-sol.
Era um rapaz de 20 annos, de estatura elevada, e proporcionalmente
grôsso.
Vestia um casaco de cazimira prêta sobre uma camisa de
côr, e em logar de gravata, trazia ao
pescôço um
sem-nùmero de amulêtos.
As calças eram de cazimira de côr, e deixavam ver
as meias de fio de escocia, muito alvas, e o sapato baixo bem lustrado.
Um grande cobertôr de listas multicolôres em guisa
de capote, e na cabêça um chapéo
cinzento, ornado de
duas grandes e bellas pennas de avestrús, completavam o
traje do grande potentado.
Na mão um pedaço de madeira lavrada, ao qual
estavam prêsas muitas clinas de cavallo, servia-lhe para
enxotar as môscas,
acção que elle fazia com tôda a
gravidade.
Á sua direita, em cadeira mais baixa, estava sentado o
Gambela, e na frente os três conselheiros. Umas mil
pessôas,
sentadas no chão em semi-cìrculo, deixavam
perceber a sua jerarchia pelas
distancias a que
estavam do soberano.
Figura
94.--O Rei Lobossi.
Á minha chegada o rei Lobossi levantou-se, e logo em seguida
os conselheiros e tôdo o pôvo. Troquei um
apertar-de-mão com elle e com Gambela, abaixei a
cabêça a Matagja e aos outros
dous conselheiros, e sentei-me junto a Lobossi e a Gambela.
Depois de uma troca de comprimentos e de finezas, que mais pareciam de
uma côrte Europea do que de um pôvo
bàrbaro, eu disse ao rei, que não era negociante,
que vinha visital-o por ordem do Rei de Portugal, e que tinha a
falar-lhe em assumptos que não podiam ser tratados
ali diante de tão numerosa assemblea.
Figura
95.--Gambela.
Elle respondeu-me, que sabia e comprehendia isso, e que a
recepção que me mandara fazer na
vèspera e a que elle mesmo me fazia ali,
me mostravam que eu não era confundido com um negociante
qualquér; que eu era seu hòspede, e teriamos
tempo de falar em negocios,
porque elle esperava ter a felicidade de me possuir algum tempo na sua
côrte. Depois de me dizer esta amabilidade, despedio-se de
mim, que voltei a casa abrasado em febre.
No meu pàteo encontrei trinta bôis, que o rei me
mandava de presente.
Disse-me o escravo favorito de Lobossi, que seria delicado da minha
parte, mandar matar os bôis, e offerecer a melhor perna de
bôi ao rei, e dar carne á gente da côrte.
Dei ordem a Augusto para fazer isso, e houve logo uma carnificina
enorme, sendo tôdos os bôis mortos, e a sua carne
distribuida entre os meus carregadores e a gente da côrte;
tendo o cuidado de
mandar ao rei e aos quatro conselheiros a melhor parte, cabendo ainda
assim o melhor quinhão a Gambela, a quem fiz notar a
distinc&ccedyl;ão que fazia.
Figura
96.--Matagja.
As pelles, que ali sam muito estimadas, offereci eu a Matagja e Gambela.
Pêla 1 hora, fui recebido pêlo rei em audiencia
particular, em uma casa tambem semi-cilìndrica, mas de
grandes dimensões,
que não contava menos de 20 metros de comprido por 8 de
largo.
Lobossi estava sentado em uma esteira, e em frente d'elle os quatro
conselheiros occupavam outra, de companhia com alguns fidalgos, entre
os quaes estava um velho vigoroso, cuja physionomia
sympàthica
e expressiva me impressionou. Era Machauana, o antigo companheiro de
Livingstone, na viagem que o cèlebre explorador fez do
Zambeze a Loanda, e
de quem elle fala, no seu roteiro com tanto elogio.
Uma enorme panella de quimbombo foi collocada no meio da casa, e depois
de o rei ter bebido, bebêram tôdos com
profusão, e nem me offerecêram, sabendo que eu
só àgua bebia.
Conversámos sôbre cousas indifferentes, e eu
entendi não dever falar-lhe ainda dos meus negocios. Entre
outras cousas, falámos a
respeito de lìnguas differentes, e Lobossi pedio-me que
falasse um
bocado em Portuguez, para elle ouvir. Recitei-lhe as Flôres
d'Alma do
poema "D. Jayme," e os prêtos ficáram encantados
ao escutar
a harmonia da nossa lìngua, que o mimôso e grande
poeta, Thomas
Ribeiro, soube imprimir e fazer resaltar n'aquellas estrophes singelas.
Quando eu ia retirar-me, o rei disse-me baixo, de modo que ninguem
percebeu, que lhe fôsse falar depois de ser noute fechada.
Pouco depois de eu chegar a casa, apparecêu-me ali Machauana,
com quem conversei sôbre Livingstone, e que me fez os maiores
protestos de amizade.
Á noute, pelas 9 horas, fui á morada do rei. Elle
estava n'um dos pàteos interiores, sentado em uma esteira,
junto a um grande fôgo,
que ardia n'uma bacia de barro de dois metros de diàmetro.
Na sua
frente, em semi-cìrculo, uns 20 homens, armados de azagaias
e escudos,
conservavam a maior immobilidade e silencio.
Pouco depois de eu chegar, chegou o Gambela, e começou a
nossa conferencia.
Eu principiei por lhe dizer, que tinha sido obrigado a deixar no
caminho os ricos presentes que lhe trazia, mas que, ainda assim, tinha
podido salvar algumas pequenas cousas que lhe daria, e entre ellas uma
farda e um chapéo, que lhe apresentei logo.
Era uma d'essas fardas ricamente agaloadas, que tôda Lisboa
vio aos lacaios postados nas antecàmaras do Marquez de
Penafiel, e
que fôram vendidas quando o opulento fidalgo trocou a sua
residencia luxuosa de Lisboa, pelo viver mais
buliçôso da capital da
França.
Lobossi ficou encantado com a farda e com o chapéo armado, e
fêz-me mil agradecimentos. Depois de uma pequena conversa sem
importancia,
entrámos em assumpto.
No Barôze falam-se três lìnguas. O
Ganguela, a lìngua Luina, e o Sezuto, idioma deixado ali
pêlos Macololos, que
modificáram os costumes d'aquelles povos a ponto tal, que
até lhes
implantáram a sua lìngua, que é a
lìngua official e elegante da côrte.
Era n'este idioma que falavam Lobossi e Gambela, servindo-me de
intèrpretes Verissimo e Caiumbuca. Eu disse ao
règulo, que vinha da parte do rei de Portugal (o Mueneputo),
nome pêlo qual sua
Magestade
Fidelissima é conhecido entre tôdos os povos da
Àfrica Austral, e que é formado por duas
palavras--
Muene,
que quer dizer Rei, e
Puto,
nome dado em
Àfrica a Portugal. Disse-lhe, que o meu fim
principal era abrir caminhos ao commercio, e que estando o Lui no
centro de
Àfrica, e ja em communicação com
Benguella, desejava abrir o
caminho do Zumbo, e assim um mercado muito mais perto, onde elles
poderiam ir abastecer-se dos gèneros Europêos de
que precisassem.
Elle queixou-se muito da falta que nos ùltimos tempos lhe
havia feito o não virem ali negociantes de Benguella,
não me
occultando que, entre outras cousas, estava sem pòlvora. Eu
respondi-lhe, que
elles viriam, se com elles fizessem bons negocios, e que eu lhe podia
affirmar, que o Mueneputo estava dispôsto a proteger o
commercio com elle, se
elle se compromettesse a não consentir nos seus estados a
compra e a
venda de escravos.
Não lhe occultei a falta de meios com que eu lutava, e
mostrando-lhe o desejo e empenho que tinha em abrir o caminho do Zumbo,
prometti-lhe, se elle me coadjuvasse na emprêsa, fazer-lhe
chegar de Tete, no
menor tempo possivel, a pòlvora e mais artigos de que elle
carecia.
O Gambela, homem intelligente e fino diplomata (tambem os ha
prêtos), quiz por vêzes enredar-me, mas eu
não sahia da
verdade e da lògica, e elle foi vencido.
No fim de muito discutir, ficou decidido, que o rei Lobossi mandaria
uma comitiva a Benguella, para guiar a qual eu lhe daria um homem de
confiança, com cartas para o governador e para Silva Porto,
e que elle me daria a gente de que eu precisasse para ir comigo ao
Zumbo.
Era uma hora da noute quando eu me retirei, e ainda que sempre
desconfiado de prêtos, não posso deixar de
confessar que me retirei satisfeito.
O dia foi tôdo muito occupado, e depois de á uma
hora me recolher, sobreveio-me um enorme accesso de febre.
Levantei-me muito doente no dia seguinte, e mandei logo Quimbundos e
Quimbares construirem um acampamento meio kilòmetro ao sul
de Lialui, para o quê obtive
autorização do rei.
Pêlas 10 horas, fui visitar Lobossi, que encontrei n'uma
grande casa circular, cercado de gente, e tendo diante de si seis
enormes panellas de capata. O meu Augusto, Verissimo, Caiumbuca e a
gente do
règulo, dentro em pouco estavam bêbados a cahir, e
ninguem se
entendia ali. Eu voltei a casa, e tive de deitar-me, de tal modo me
recresceu a febre.
Foi immensa gente visitar-me, e como eu não tinha remedio
senão ouvir uns e outros, porque aquelles nêgros
não t[~e]m a
menor consideração por um doente, peiorei muito.
Lobossi mandou-me seis bôis, cuja carne foi tôda
furtada pêla gente d'elle, porque a minha estava longe
construindo o acampamento, e Augusto, Verissimo e Camutombo
completamente bêbados,
não quizéram saber d'isso.
No dia immediato, Lobossi veio visitar-me logo de manhã; eu
estava um pouco melhor, mas a febre era constante e não
queria ceder
aos medicamentos.
Ás 10 horas, Lobossi mandou-me pedir para comparecer diante
do seu grande consêlho, que fizera convocar expressamente
para eu
expor os meus projectos.
Outra vez Gambela, que presidia á assemblea, me quiz
embaraçar, e outra vez se saío mal. Tive de
explicar Geographia a Gambela e aos conselheiros da corôa.
Tracei-lhes no chão o curso do Zambeze, e a leste parallelo
a elle o curso do Loengue, que, com o nome de
Cafúcué, vai
entrar no Zambeze a jusante dos ràpidos de Cariba.
Mostrei-lhes que em 15 dias alcançaria a
povoação de Cainco, situada em uma ilha do
Loengue, e que descerìamos o rio embarcados
até ao Zambeze, e por este ao Zumbo.
Afirmei-lhes, que o Loengue não tinha cataractas, e que o
Zambeze de Cariba ao Zumbo era perfeitamente navegavel.
Insisti pois n'este ponto, demonstrando-lhes, que apenas com uma
travessia por terra de 15 dias, que se podia reduzir mesmo a 10
(citando-lhes para isso um facto de uma expedição
Luina que, partindo de Narieze, tinha alcançado Cainco em 8
dias), com uma pequena
travessia por terra, elles estariam em ràpida,
communicação com os estabelecimentos Portuguezes
de Leste, por vias fluviaes completamente navegaveis.
O pùblico estava admirado da minha
erudição, e Gambela, que sabia mais geographia
Africana do que muitos ministros d'estado
Europêos, e que conhecia ser verdade o que eu expunha, cedeu
ás
razões.
Depois de longa e acalorada discussão, foi resolvido, que se
enviasse a comitiva a Benguella, e que me fôsse dada a gente
sufficiente
para atravessar o Chuculumbe até Cainco, deixando
três
ou quatro fortes postos no caminho, para segurar a passagem
áquelles que,
indo comigo até ao Zumbo, tivessem de regressar. No fim da
sessão, houve
grande enthusiasmo, e fôram logo nomeados os chefes que
deviam ir a
Benguella, e os que me deviam acompanhar.
Voltei a casa com um tal accesso de febre que perdi a razão,
melhorando ás 6 horas da tarde.
Á noute, annunciáram-me a visita de Munutumueno,
filho do rei Chipopa, o primeiro rei da dinastia Luina.
Mandei-o entrar, e vi um rapaz de 16 a 17 annos, muito elegante e
sympàthico.
Trazia uma calça prêta e uma farda de alferes de
cavallaria ligeira, em muito bom estado. Fez-me profunda
impressão ver aquella
farda! ¿A quem teria pertencido? ¿Como teria ido
parar ao centro
d'Àfrica?
Talvez alguma viuva necessitada encontrasse na venda d'aquelle objecto,
que pertencêra a um espôso estremecido, algumas
migalhas de pão para matar a fome.
Perguntei a Munutumueno ¿como tinha obtido aquella farda? e
elle respondeu-me, que tinha sido presente de um sertanejo Biheno,
havia ja muito tempo.
Indaguei, se não lhe havia encontrado nada nos bolsos, e
elle respondeu-me, que não tinha bolsos. Uma farda de
official
sem bolsos, era impossivel.
Pedi-lhe para m'-a deixar examinar, e tendo elle desabotoado o peito,
effectivamente vi que não tinha bôlso ali.
Roguei-lhe, que se voltasse, e comecei a explorar-lhe os bolsos das
abas. Elle estava admirado, porque não sabia que tinha
bolsos ali. Em um d'elles os meus dêdos
encontráram um pequenino
bilhête.
¿Iria saber a quem tinha pertencido aquella farda?
¿O que conteria aquelle papelinho dobrado que eu tinha
diante dos olhos e não me atrevia a abrir?
Cheio de commoção, desdobrei o papél,
e vi n'elle algumas linhas escritas a lapis, que li
àvidamente.
Não pude conter uma gargalhada.
O papél dizia assim:--
"Se lhe não sou indifferente, rogo-lhe o obsequio de me
indicar o modo de nos correspondermos."
Por baixo um nome e uma morada.
Sabia de quem fôra a farda.
O nome era o de um dos meus amigos e antigo condiscìpulo,
que hôje occupa uma distintissima
posição n'uma das armas
scientìficas do exêrcito Portuguez.
Um dia em pùblico commetti a
indiscrição de pronunciar o nome do signatario do
bilhête, que eu possuo, e ainda que indiscreto
fui, não creio ter de modo algum offendido aquelle nobre
official e distincto cavalheiro.
Uma farda que o talento e a applicação ao estudo
fizéram trocar por outra, mais distincta; que, abandonada ou
dada a algum criado,
pêla instabilidade das cousas, foi parar ao centro de
Àfrica,
creio é cousa que não desdoura ninguem. Em quanto
ao bilhête de
amôres, creio bem que ainda menos o deve vexar.
Infelizes d'aquelles que, aos desoito annos, não
escrevêram bilhêtes assim, e mais infelizes os que
depois dos trinta ja os não
podem escrever.
"Aquillo, meu amigo, foi cousa que um
papá,
ou uma
_máma, sempre impertinentes em taes casos, te não
deixou entregar, ao
sahir do theatro ou de um baile, á tua Dulcinea d'aquella
noute, ou que a tua
timidez dos desoito annos fêz recolher ao bôlso.
Imagino, meu
amigo, que te deves ter rido, sabendo que aquelle bilhête
esquècido,
depois de atravessar os mares, atravessou aquelles
inhòspitos paizes, e andou em
companhia de um prêto no alto Zambeze. É verdade,
que, para te
consolares, sabes que esse prêto era filho de rei."
N'esta aventura, eu fui o ùnico tôlo, em ter tido
pensamentos tristes, á vista do bilhête encontrado
no bôlso da farda de um
alferes de cavallaria, porque logo devia suppor, que tal
bilhête
só podia ser um bilhête d'amôres.
Um alferes de cavallaria, em Portugal, como em tôdos os
paizes, é sempre um fogacho onde as maripôsas
v[~e]m queimar as azas douradas.
Pensando na proposição que acabo de formular,
deitei-me cheio de tristeza, lembrando-me que ja era major.
No dia immediato, recresceu a febre a ponto de eu não poder
andar. Lobossi foi visitar-me, e levou com-sigo o seu mèdico
de
confiança.
Era um velho, pequeno e magro, de barba e cabello branco.
Principiou elle por tirar do pescôço um
cordão onde tinha enfiado oito metades de caroços
de uma fruta qualquér que eu
não conhecia. Começou, com grande recolhimento, a
pronunciar umas palavras màgicas,
e atirou com os caroços ao chão. D'estes, uns
ficáram com a parte interna voltada para a terra, outros com
a externa. Elle leu n'aquella
disposição, concluindo da leitura, que os meus
parentes mortos se tinham apossado de mim, e que era preciso dar-lhes
alguma cousa para elles me deixarem. Eu aturei tudo com a maior
paciencia, fingindo acreditar o que elle me dizia, e dei-lhe um pequeno
presente de pòlvora.
N'aquelle dia o Gambela deu-me um presente de dez cargas de milho e
massambala.
Estando concluido o meu acampamento, mudei para elle.
No dia 29 de Agosto, a febre cedeu um pouco ás fortes doses
de quinino que tomei, e senti bastantes melhoras. O meu estado moral
é
que peiorava de instante a instante.
Tinha alguns momentos de desalento inexplicaveis. A minha energia cedia
ante a fraqueza moral que se apossava de mim.
Estava sôb o pêso esmagador de um terrivel ataque
de nostalgia.
O rei mostrava muitos cuidados pêlo meu estado, mas cada
portador que vinha encarregado de saber da minha saude, era emissario
de um pedido cada vez mais impertinente.
N'aquelle dia mandou elle os seus mùsicos tocarem e cantarem
para me enterter, mas mandou em seguida pedir-me dois cartuxos de
pòlvora por cada mùsico.
N'essa tarde ouvi grandes toques de tambores na cidade, e o rei
mandou-me pedir, que mandasse dar alguns tiros na grande
praça, desejo que eu satisfiz mandando doze homens dar
fôgo.
Sube depois que aquillo era uma convocação
á guerra, e antes de falar nos motivos d'ella, direi em
poucas palavras a historia do Lui, desde o ponto em que ficou narrada
pêlo D^{or.} Livingstone, isto
é, desde a morte de Chicrêto.
O imperio, poderosamente sustentado pêla mão de
ferro, sabia prudencia e fina polìtica de Chibitano,
marcou-se com uma profunda
pègada de decadencia no reinado de seu filho
Chicrêto. David
Livingstone, muito grato aos favôres de Chicrêto,
que lhe deu os meios
de ir a Loanda e a Moçambique, é talves bastante
suspeito nos
elogios que dispensa a este rei; e mesmo na narrativa da viagem que ali
fez depois com seu
irmão Carlos e o Doutor Kirk, não pôde
deixar de narrar
a desordem e profunda decadencia em que encontrou o imperio Macololo.
Das gentes vindas do sul com Chibitano, isto é Macololos,
poucos existiam ja, tendo sido decimados pêlas febres do
paiz, que
nem os naturaes poupam. A embriaguez e o uso do bangue, de mistura com
os
desregramentos dos chefes, tinham feito perder tôda a
autoridade aos invasores. Môrto Chicrêto,
succedeu-lhe seu
sobrinho Omborolo, que devia reinar durante a minoridade de Pepe,
irmão muito mais
nôvo de Chicrêto, e filho ainda do Grande Chibitano.
Os Luinas conspiravam, e um dia Pepe foi assassinado. Omborolo
não tardou a ter a mesma sorte, e tendo sido ordenada uma
Saint
Barthélemi por os
Luinas, os restos d'esse forte
exèrcito invasor foi
assassinado, escapando apenas poucos, sôb o commando de
Siroque,
irmão da mãe de Chicrêto, que fugio
para Oeste, passando o Zambeze em Nariere.
Os Luinas, depois d'essa carnificina traiçoeira,
acclamáram seu chefe Chipópa, homem de tino, que
não deixou desmembrar
o paiz, e procurou conservar o imperio, poderoso como em tempo de
Chibitano.
Chipópa reinou muitos annos, mas as
ambições apparecêram e, em 1876, um tal
Gambela fel-o assassinar, e acclamar seu sobrinho Manuanino,
criança de 17 annos.
O primeiro acto do poder de Manuanino foi mandar cortar a
cabêça a Gambela, que o tinha feito rei, e
desprezando tôdos os
parentes e amigos do pai que o eleváram ao poder, chamou
para junto de si
só os parentes maternos. Aquelles conspiráram,
fizéram uma
revolução, e tentáram assassinal-o, em
Março de 1878; mas Manuanino, tendo alguns
fiéis, pôde escapar-se, e fugio para o Cuando,
onde assaltou e devastou a
povoação de Mutambanja.
Lobossi, acclamado rei, enviou contra elle um exèrcito, e
Manuanino têve de retirar d'ali, e repassando o Zambeze em
Quisséque,
internou-se no paiz do Choculumbe, atravessou este paiz, e foi
juntar-se a uns brancos, caçadores de elephantes, que
estavam na margem do
Cafuqúe. Lobossi entendeu, que a sua segurança
dependia da morte de
Manuanino, e mandou contra elle um nôvo exèrcito.
Foi do resultado
d'aquella expedição que n'esse dia
chegáram noticias.
Chegados perto do logar onde estava o ex-soberano com os brancos, que
elles chamam
Mozungos,
intimáram estes
a que lhes
entregassem Manuanino para o matarem, e como houvesse recusa, elles os
atacáram, mas, com tanta infelicidade, que fôram
completamente batidos
pêlos brancos; escapando muito poucos, que n'essa tarde
chegáram a
Lialui a narrar o seu desastre.
Eis aqui o motivo porque os tambores tocavam convocando á
guerra; e porque o rei Lobossi me pedio que mandasse dar tiros na
grande
praça da cidade.
Ja que falei na historia do Lui, não dêvo
proseguir sem narrar um dos seus episodios mais interessantes, porque
se refere a um typo verdadeiramente sympàthico.
É Siroque, aquelle Macololo, que, na occasião da
Saint Barthélemi dos Macololos, conseguio escapar com um
grupo de gente, passando o Zambeze.
Siroque, intrèpido e audaz, caminhou a oeste até
encontrar o Cubango, onde se estabeleceu, vivendo da caça
dos elephantes.
Depois subio o rio até ao Bihé, e fixou-se ali
por muito tempo, chegando por vêzes a ir a Benguella em
comitivas sertanejas. Um dia
porem, tendo umas questões em que bateu os que o
atacáram,
retirou por prudencia para o interior; indo acampar no rio Cuando
abaixo do Cuchibi, onde continuou a vida de caçador.
Siroque era intelligente e bravo, e de uma familia que tinha reinado,
não podia deixar de ser ambiciôso.
Sonhou com o restabelecimento da monarchia Macolola no Lui, e foi-se
approximando d'ali pêlo Cuando.
Um pombeiro do Bihé, seu amigo e que lhe tinha fornecido
pòlvora, denunciou-o, e Manuanino, então
acclamado de pouco, fel-o
assassinar junto da povoação de Mutambanja,
pêla
mais cobarde traição.
Tôdos os seus fôram vìctimas, e a
azagaia do assassino de Siroque abrio o tùmulo ao
ùltimo dos Macololos.
Aquelle dia amanhecido tão bonançoso para o
adolescente monarcha, que só via sorrir-lhe a vida,
tornara-se de repente sombrio e carregado, envolvido em nuvens de
tempestade.
As noticias más succedem-se, e corria o boato, de que Lo
Bengula, o poderoso rei do Matebeli, projectava um ataque contra o Lui.
Andavam tôdos desorientados, tôdos emittiam
alvitres, todos pensavam loucuras; só dois homens se
conservavam serenos no meio
d'aquelle pôvo semi-louco. Eram Machauana e Gambela--Gambela
o ministro da Guerra, Machauana o General em chefe.[
1]
Ordens acertadas e ràpidas eram dadas por elles a emissarios
fiéis, que partiam para povoações
distantes.
¿O que seria de mim no meio dos novos acontecimentos que
agitavam o paiz?
Diziam e repetiam, que fôram os
Muzungos
que
matáram os sicarios de Lobossi, enviados contra Manuanino, e
se ali se soubesse que eu era
Muzungo,
estava
irremediavelmente perdido. Estes povos
felizmente ignoram isso, e pensam que os Portuguezes de leste sam de
outra
raça differente dos Portuguezes de oeste.
No Lui, os Portuguezes das colonias de oeste sam chamados
Chiudéres,
nome que lhes dam os Bihenos; os das colonias de leste,
Muzungos;
e os Inglezes do sul,
Macúas.
A
tôdo e
qualquér prêto que vem das colonias Portuguezas
chamam
Mambares,
de certo
corrupção
da palavra
Quimbares,
com que sam designados os prêtos
semi-civilizados de Benguella. D'ahi proveio o erro do Doutor
Livingstone, arranjando a oeste das serras de Tala Mugongo uma
raça de
Mambares.
Os
Quimbares
sam prêtos de
qualquér procedencia,
geralmente escravos ou libertos, que ja sam meio-civilizados. Sam,
finalmente, a gente das senzalas de Benguella e as escravaturas dos
brancos da costa.
Em Benguella chamam
Quimbundos
ao gentio selvagem
do interior, designando com esse nome mais particularmente os Bihenos.
No dia 30, logo de manhã, Lobossi mandou dar-me parte de que
se ia fazer a guerra, e dos motivos que a isso o obrigavam.
O emissario foi o proprio Gambela, que me disse logo, que, sendo o
Chuculumbe o theatro da guerra, era impossivel a minha viagem por ali;
e por isso, que tudo o que havìamos combinado estava
prejudicado.
Aquelles acontecimentos tornavam muito crìtica a minha
posição.
N'essa tarde, estando eu com um nôvo e violento accesso de
febre, viéram prevenir-me, de que os pombeiros Bihenos me
queriam falar.
Levantei-me a custo e fui ouvil-os.
Depois de variados preàmbulos, disséram-me, que
me iam deixar, porque viam o mao caminho que as cousas tomavam no Lui,
e só
desejavam voltar ao Bihé.
Cobardes! Abandonavam-me no momento em que eu mais precisava d'elles!
Miguel, o caçador de elephantes, o pombeiro
Chaquiçongo, e dois carregadores, Catiba e um carregador, e
o Doutor Chacaiombe,
viéram protestar-me a sua amizade, e declarar-me que ficavam
comigo.
Tôdos os
Quimbares
me viéram fazer igual
declaração.
Aquella resolução inesperada dos Bihenos
fêz-me recobrar o sangue frio que ja não tinha ha
dias. Augmentavam as difficuldades, era
preciso lutar, e eu sacudi o entorpecimento moral que se ia apossando
de mim.
Immediatamente despedi os Bihenos, que puz fora do acampamento,
entregando-os ao prêto Antonio, o velho Antonio que eu tinha
designado a Lobossi para ser chefe e guia da comitiva que elle ia
mandar a Benguella.
Fiz em seguida a conta á minha gente, e achei-me com 58
homens.
No dia immediato, Lobossi veio a minha casa, e fêz-me
repetidas exigencias de cousas que eu não possuia, e elle
queria por
fôrça que eu tivesse e lhe desse. Estava cada vez
mais importuno. Era uma
criança, mas criança impertinentissima. Precisava
de uma paciencia
sem limites para o aturar.
Lobossi mandou-me chamar n'essa noute. Fui la, e elle disse-me, que a
minha viagem pêlo Chuculumbe era impossivel, mas que me daria
guias e alguma gente para eu tornear pêlo sul e ir ao Zumbo.
Disse-me, que o boato a respeito dos Matebeles não tinha
fundamento, que d'aquelle lado havia paz e elle terminaria facilmente
com Manuanino. Queixou-se muito amargamente de eu lhe dar poucas
cousas, dizendo, que se eu nada mais tinha, lhe desse tôdas
as armas e a
pòlvora que possuia, porque, seguindo para o Zumbo com gente
d'elle, seria defendido por ella, e não precisava levar
tanta gente armada.
Offereci-lhe as armas dos Bihenos que me tinham deixado n'esse dia, e
que tive o cuidado de lhes tirar, e sete barris de pòlvora,
mas neguei-me formalmente a dar-lhe uma só que
fôsse
das outras, dos homens que me ficáram, ou das minhas
particulares.
Retirei-me pouco satisfeito d'aquella entrevista.
No primeiro de Setembro, levantei-me muito doente, e depois de ter
feito as observações da manhã, tornei
a
deitar-me; quando o Verissimo entrou espavorido na barraca, e me diz,
que Lobossi mandara chamar
tôda a minha gente, e lhe exposera, que eu tinha vindo ali de
propòsito
para me ir juntar aos
Muzungos
que estavam no
Cafuque com o
Manuanino, e fazer-lhe guerra a elle. Isso estava demonstrado
pêla minha
insistencia em querer ir ao Chuculumbe. N'essa noute fôra
elle prevenido
dos projectos que eu meditava, e por tanto, me ia obrigar a sahir dos
seus estados, e só me deixaria livre o caminho do
Bihé.
Encarregara elle o Verissimo de me vir fazer a
intimação; cousa que em nada me desconcertou o
espìrito, porque, desde a
vèspera á noute, eu esperava novidade grande.
Mandei chamar o Gambela, mas elle têve o cuidado de fazer com
que o não encontrassem em tôdo o dia.
Um recado que fiz chegar a Lobossi, mostrando-lhe a inconveniencia do
passo que dava, porque eu lhe podia fazer muito mal impedindo os
sertanejos do Bihé de virem ali, têve por
ùnica resposta nôvo mandado de despejo, e
só livre o caminho do Bihé.
Á tarde, nova prevenção, de que as
forças que estavam reunidas para a guerra, não
sahiriam sem eu ter deixado o paiz do Lui em
caminho de Benguella.
Respondi ao enviado, que dissesse ao rei Lobossi, que dormisse
sôbre o caso, porque a noute era bôa conselheira, e
que esperava
ainda a sua ùltima decisão no dia immediato.
A 2 de Setembro, logo de manhã, recebi a visita de Gambela,
que vinha da parte do rei, ordenar-me que sahisse do seu reino
immediatamente, e que o ùnico caminho livre era o do
Bihé.
Não pode passar nem por ali, nem por ali, nem por ali, me
disse elle, apontando para o N., E. e S.
Contra tôdos os usos do paiz, o Gambela, em quanto
estêve em minha casa, conservou as armas na mão, e
eu entretive-me brincando com
um magnìfico revólver Adams-Colt.
Fingi que meditei a minha resposta, e disse-lhe, "Amigo Gambela,
vá dizer a Lobossi, ou tome o recado para si, que eu
não arredo
um passo d'aqui para seguir o caminho de Benguella. Tem ahi um numeroso
exèrcito, que me venha atacar; eu saberei defender-me, e se
morrer, o Mueneputo lhe tomará contas d'isso.
Vocês estam indispostos
com os Matebeles, ameaçados pêla guerra civil
levantada por
Manuanino, indisponham-se tambem com o Mueneputo, e estam perdidos.
Outra vez lhe repito, que
não
sahirei d'aqui senão para seguir o meu caminho."
Gambela sahio da minha barraca furioso.
N'essa noute Machauana veio furtivamente visitar-me. Previnio-me elle
de que Gambela aconselhara ao rei para me mandar matar, e que Lobossi
se negara a isso terminantemente. O caso foi passado em conselho, a que
assistia Machauana, que me fez mil prevenções
para estar de sôbre-aviso.
A larga conversação que tive com o antigo
companheiro de Livingstone, mostrou-me que entre elle e Gambela havia
reixa velha. O antigo guerreiro de Chibitano, depois muito
afeiçoado ao rei
Chipopa, só pensava em ver occupar o trôno do Lui
ao filho d'este, seu
pupillo e seu protegido, o joven Munutumueno, o meu alferes de
cavallaria ligeira.
Tendo podido ler no coração do velho aquelle odio
e aquella affeição, considerei-me salvo. O seu
poder era grande, porque elle tinha influencia n'uma enorme parte das
tribus do Lui; e por isso as azagaias, que tanto ferem ali nas
revoluções, o tinham
poupado. Fiz-lhe muitos protestos de gratidão, e pedi-lhe,
que me prevenisse logo
que o rei Lobossi determinasse matar-me. Elle prometeu, e retirou-se.
Eu fui deitar-me, levando a referver na mente, um plano singelo, que me
abstive de communicar a Machauana, para lhe evitar idéas
cubiçosas, que elle não tinha n'aquelle momento.
Resolvi, se acaso Lobossi decretasse a minha morte, chamar cinco dos
meus homens mais decididos, uma especie de cães que eu tinha
comigo, como eram Augusto, Camutombo e outros, e ir com elles logo
á
audiencia do rei, onde tôdos estam desarmados, fazel-os, a um
signal
meu, saltarem sôbre Lobossi, Gambela, Matagja e os outros
dois conselheiros
ìntimos, e eu de um pulo acercar-me de Machauana o general
em chefe, o homem que tinha ali acampados dez mil guerreiros, e
gritar-lhe bem alto
"¡Viva Munutumueno, rei do Lui, viva o filho de Chipopa!"
Uma revolução feita n'estes termos não
podia deixar de dar bom resultado n'um paiz que ama as
revoluções, e onde se faria
a primeira em que não houvesse uma gôta de sangue
derramado.
Acalentando este pensamento salvador, adormeci profundamente, para
acordar, no dia 3, ao chamamento do meu muleque Catraio, que me vinha
prevenir, de que Lobossi estava ali, e me queria falar.
Levantei-me e fui receber o rei. Elle vinha participar-me, que tinha
mudado de parecer, e que tôdos os caminhos estavam livres
para mim.
Que me daria guias até ao Quisséque, mas que, em
vista das cousas que se estavam passando nos seus estados,
não podia dar-me
fôrça para me seguir, nem se responsabilizava por
qualquér desastre que me
podesse acontecer, indo eu com 58 homens apenas.
Agradeci-lhe aquella decisão, e declarei-lhe, que tinha por
costume, só eu mesmo me responsabilizar pêla minha
vida, e não
tornar ninguem responsavel d'ella.
Antes de se retirar, fêz-me muitos pedidos, que
ficáram sem satisfação, por
não ter nada do que elle queria. Um dos pedidos que me
fazia tôdos os dias, era o de seis cavallos. Tendo-me visto
chegar a pe, e sabendo que eu não tinha cavallos, era
impertinencia tal desejo.
Sube depois, que a nova decisão tomada por Lobossi
fôra filha de reïteradas instancias do Machauana,
que lhe mostrou a
inconveniencia do passo que dava, fazendo-me sahir dos seus estados a
pesar meu.
No dia 4, de manhã, estando um pouco melhor da febre, fui
assistir a uma audiencia do rei, que se mostrou em extremo amavel para
comigo. Logo ao nascer do sol, Lobossi sahi dos seus aposentos, e ao
som de marimbas e tambores, dirige-se á grande
praça, onde vai
sentar-se junto a uma alta sebe semi-circular, cujo centro é
occupado pêla
cadeira real.
Por de traz d'elle senta-se a gente que compõe a
côrte, e á sua direita Gambela e os outros
conselheiros, se estam presentes.
Na frente do règulo, a 20 passos, a mùsica em
linha, e aos lados, em muitas fileiras, o pôvo.
Ali tratam-se um certo nùmero de negocios, que
não precisam ser tratados em conselho privado. Aquella
audiencia é tambem judicial.
N'aquelle dia tratava-se de um crime de furto. O queixoso chamou o
accusado, que veio sentar-se em frente d'elle, e fez a
accusação. O
acusado negou o crime, e logo de entre o pôvo sahio um homem
que veio advogar em
favor do réo. Ali qualquér amigo ou parente pode
defender o amigo ou
parente.
Gambela tomou a palavra, e o accusado veio ajoelhar em frente d'elle;
fêz-lhe varias perguntasse mandou-o embora.
Continuou o debate, comparecendo testemunhas de
accusação e defesa. O crime foi provado, e o
accusador pedio, que lhe entregassem a
mulhér do ladrão; ficando indemnizado da perda de
uns fios de
missanga, objecto do roubo, pêla posse da mulhér.
Terminado este debate, apparaceu outro homem accusando a
mulhér de lhe não obedecer. Esta
accusação foi
seguida de muitas outras semelhantes, e mais de vinte
sùbditos de Lobossi fizéram amargas
queixas contra as espôsas; demonstrando-me, que as mulheres
em Lialui estavam
em completa
revolta domèstica. Depois de alguma discussão,
foi resolvido, que tôda a mulhér que
não obedecesse cega e absolutamente ao
marido, fôsse amarrada e mettida na lagôa, onde
passaria uma noute só com
a cabêça de fora.
Aprovada esta nova lei, Gambela ordenou a alguns chefes, que a
promulgassem nas povoações.
Uma cousa muito curiosa n'aquellas audiencias é o modo
porque Gambela conferenceia com o rei em segrêdo, diante de
tôdos.
A um signal de Gambela, começa a mùsica a tocar,
e os oito
batuques fazem uma bulha de tal modo infernal, que é
impossivel perceber uma palavra das
que trocam o rei e o ministro.
Em seguida á audiencia, o rei vai para um aposento proprio
para se embebedarem.
V[~e]m panellas e panellas de capata, e elle e os seus prestam um
verdadeiro culto ao deos Baccho. D'ali vai para a cama, e á
tarde, depois de novas libações, dá
nova
audiencia. Logo que, ao anoutecer, termina a audiencia, vai comer, e
segue para o serralho, d'onde raramente sahi antes da uma hora, e
recolhendo a casa para dormir, vahi deitar-se ao som ruidoso dos
tambores.
O cessar dos batuques annuncía que o règulo
está recolhido, e então a guarda, composta de uns
quarenta homens, começa a tocar uma
mùsica, que, apesar de monòtona, é
agradavel; e tôda
a noute cantam um côro suave e harmonioso a meia voz. Esta
mùsica que no Barôze
acalenta o sono do soberano, serve para mostrar que a guarda vela em
tôrno do
seu aposento. N'estes poucos traços dou uma idéa
resumida do
viver monòtono do autòcrata Africano, viver
repartido entre a lascivia
tôrpe e a embriaguez brutal.
N'aquelle dia, 4 de Setembro, sube, que devia a vida a Machauana, que,
em conselho privado, se opôz formalmente a que me mandassem
assassinar; dizendo, que elle tinha estado em Loanda com Livingstone, e
ali tinha sido muito bem tratado pêlos brancos, assim como os
Luinas
que o acompanhavam; e por isso não podia consentir que
fizessem
mal a um branco da mesma raça.
Chegou mesmo a ameaçar os poderes constituidos, o que era
caso grave para elles; porque no Lui os ministros morrem sempre na
queda dos ministerios; precaução tomada
pêlos
novos conselheiros, que com alguns golpes de azagaia cortam pela raiz
as opposições.
Cá na Europa, algumas vêzes, procura-se denegrir a
reputação dos antecessores, buscando desdoural-os
aos olhos do pôvo, para
lhes diminuir a fôrça moral como
opposição. Eu acho mais nobre, mais digno e mais
seguro o systema polìtico dos Luinas, o que
não quer dizer que o recommende.
O conselho, em vista da attitude e das razões de Machauana,
decidio, queeu não morrêsse; mas, parece que algum
dos
conselheiros por conta propria decidio o contrario; porque, n'essa
noute, estando afastado do acampamento, preparando-me para tomar
alturas da lua, uma azagaia de arremesso passou tão perto de
mim que a aste vergastou-me o
braço esquêrdo. Olhei para o lado d'onde partira a
arma, e vi um
prêto a vinte passos, empunhando outra. Tirar o
revólver e fazer
fôgo sôbre elle, foi acto mais instinctivo do que
pensado. Ao estampido do tiro, o assassino virou costas e correu em
direcção a Lialui. Corri
sôbre elle. Sentindo-me no encalço, o
prêto deitou-se por
terra. Receei uma cilada, e foi a passos medidos que me approximei
d'elle, prompto a fazer
fôgo.
Vi que o membrudo indìgena estava de bruços com
as azagaias cahidas ao lado.
Peguei-lhe n'um braço, e ao tempo que senti as carnes
estremecerem ao contacto da minha mão, senti um
lìquido quente
correr-me por entre os dêdos. O homem estava ferido. Fil-o
erguer, e elle disse-me,
tranzido de mêdo, umas palavras que eu não
entendi.
Apontando-lhe o revólver, obriguei-o a acompanhar-me ao
acampamento.
Ali não fizera sensação o tiro de
revólver, porque tôdas as noutes se ouvem mais ou
menos tiros. Chamei dous muleques de
confiança, e entreguei-lhe o meu prisioneiro, cuja ferida
examinei. A bala entrara junto á cabêça
superior do
hùmero direito, perto da clavìcula, e
não tendo sahido, suppuz estar fixa na omoplata.
Não lhe
apparecendo sangue nas vias respiratorias, calculei que o
pulmão não
tinha sido offendido, assim como o fio de sangue que corria da ferida,
pêla sua
tenuidade me mostrava que nenhum dos vasos importantes da
circulação tinha sido cortado. N'estas
condições a ferida
não apresentava gravidade, pêlo menos de momento.
Depois de lhe fazer um ligeiro curativo, mandei chamar o Caiumbuca, e
ordenei-lhe que me acompanhasse a casa do rei, fazendo com que os
muleques conduzissem para ali o ferido.
Lobossi tinha voltado de casa das amantes, e conversava com Gambela
antes de se deitar. Apresentei-lhe o ferido e perguntei-lhe o que era
aquillo. O rei mostrou um grande terror, vendo-me coberto de sangue do
assassino, que eu nem tinha lavado; e um olhar trocado entre Gambela e
o ferido, mostrou-me quem tinha sido a cabêça que
enviara aquelle braço. Lobossi mandou logo retirar d'ali o
prêto, e disse-me, que
aquillo era um grande agouro, e que ja não durmiria aquella
noute
socegado.
Narrei o acontecido, e Gambela apoiou muito o que eu tinha feito,
lastimando que eu não tivesse morto o prêto, e
dizendo-me, que ia matar meio mundo.
O prêto era desconhecido em Lialui, e os da guarda de Lobosi
disséram nunca o terem visto. Lobossi pedio-me, que
guardasse sôbre o
facto o maior segrêdo, assegurando-me, que não me
acontecia outra em quanto estivesse nos seus estados.
Eu voltei ao campo mais desconfiado que nunca das amabilidades de
Gambela.
Por noute fora, senti que alguem tentava penetrar na minha barraca, e
puz-me a pe sem ruido, prompto a sorprender aquelle que julgava
fazer-me sorpresa.
A pessôa era de certo conhecida, porque a minha cadella
Traviata não ladrava, e fazia festas com a cauda para o
ponto por onde alguem se introduzia de rastos.
Esperei um momento, e ao clarão da fogueira conheci a
prêta Marianna, que, com meio côrpo dentro da
barraca, me fazia signal para
que entivesse calado.
Entrou, achegou-se a mim e disse-me: "Toma cautela. O Caiumbuca
atraiçôa-te. Depois que voltou com-tigo de casa do
rei, tornou a Lialui a falar com Gambela; e logo que chegou aqui,
reunio com muito
socêgo a gente de Silva Porto, e estêve a falar com
elles na barraca
d'elle. Eu fui escutar, e ouvi falar em te matarem. O Verissimo tambem
la estava. Elles disséram, que como tu não
entendias a
lìngua do Lui, quando tu lhes dissesses uma cousa para dizer
ao rei, elles diriam outra, e te dariam tambem a resposta trocada, que
assim haviam de fazer com que o rei te matasse.
"Toma cautela, olha que elles sam muito maos."
Agradeci muito á pequena o aviso e dei-lhe o
ùnico collar de missanga que me restava, e que eu reservava
para uma das favoritas de Machauana.
A declaração da Marianna, veio ferir-me
profundamente. Os homens em que eu confiava eram os primeiros a
atraiçoar-me.
Mil pensamentos tristes, que não conseguíram
alquebrar-me o espìrito, produzíram uma noite de
insomnia. É verdade, que
a prevenção de Marianna veio dar-me uma vantagem
enorme sobre elles, que ignoravam que eu lhes conhecia a
traição nos seus detalhes; e de
manhã ao levantar-me, eu repetia a mim mesmo o
rifão Portuguez, de que "um homem
avisado vale por quatro."
Gambela foi visitar-me, e repetio-me mil protestos de amizade; mas eu
presentia que o perigo pairava em tôrno de mim, e que a
espada de Damocles estava suspensa sôbre a minha
cabêça.
N'esse dia entreguei a Gambela as cartas para o governador de
Benguella, e a comitiva do rei do Lui, commandada por três
chefes Luinas
e guiada pêlo velho Antonio de Pungo Andongo, seguio caminho
da costa.
Com ella fôram os Bihenos que me haviam abandonado. Estava
satisfeito com aquelle primeiro resultado obtido; e se os meus
trabalhos se perdêssem e mais nada fizesse, o ter posto um
pôvo
tão poderôso em relações com
a civilização
Europea da costa, era ja um resultado importante da minha viagem.[
2]
A revelação feita n'essa noute por Marianna
trazia-me preoccupado, e eu só pensava no meio de parar o
golpe que me feria, com a
traição d'aquelles em que eu mais confiava.
Formei um plano que decidi pôr em pràtica n'esse
mesmo dia.
A narrativa dos repetidos e graves acontecimentos que se
déram comigo depois da minha chegada ao Lui, não
me tem deixado falar dos
povos Luinas e seus costumes.
Em logar de encontrar ali essa raça forte e vigorosa, creada
por Chibitano, e que existio com o imperio Macololo, fui deparar com
uma raça abastardada, misto de Calabares, Luinas, Ganguelas
e
Macalacas, que t[~e]m unido o seu sangue marcando cada cruzamento uma
pègada de decadencia. O uso immoderado do bangue ou cangonha
(
Cannabis
Indica), a embriaguez e a
syphilis, t[~e]m
lançado aquelle
pôvo no mais abjecto embrutecimento moral, e enfraquecimento
physico.
Figura
97.--Cachimbos de
fumar o Bangue.
O primeiro d'aquelles três grandes inimigos da
raça prêta chegou-lhe do sul e leste
pêlo Zambeze; os dois outros fôram ali
importados pêlos Bihenos, que lhe trouxéram ainda
outro inimigo
não menos terrivel, o tràfico da escravatura.
Poucos paizes Africanos leváram tão longe como os
Luinas a pràtica da polygamia. ¡Gambela,
á èpocha da minha
estada no Barôze, tinha mais de setenta mulheres!
O Lui, ou Barôze propriamente dito, isto é, o paiz
que fica ao norte da primeira região das cataractas,
compõe-se, da
enorme planicie onde corre o Zambeze, que tem de 180 a 200 milhas do N.
a S., e por
vêzes, de 30 a 35 O. a E., planicie elevada 1,012 metros ao
mar; do paiz mais elevado a leste, onde assentam innùmeras
povoações, que v[~e]m estabelecer as suas
culturas na grande planicie; e ainda na enorme planura do Nhengo, onde
corre o Ninda. A planura do Nhengo é separada do leito do
Zambeze por uma nervura de terreno elevado de 20 metros, que corre
parallela ao rio, e onde estam muitas povoações,
livres das maiores
cheias.
Durante o tempo das grandes chuvas, a planicie do Zambeze é
inundada, e eu medi em algumas àrvores onde tinham ficado
signaes do
maior nivel das àguas três metros.
No parallelo 15^o tem ella uma largura de trinta milhas, e por isso, na
èpocha das cheias, calculando uma corrente mìnima
de 20 metros por minuto, devem passar ali 240 milhões de
metros
cùbicos d'àgua por hora. Isto dá uma
medida do que sam as chuvas na Àfrica
tropical, acrescentando-se, que regularmente a
inundação
atinge o seu màximo em oito dias.
O pôvo Luina, que em grande parte vive na planicie, retira
para o paiz montanhoso durante as inundações.
Ao retirar das àguas, volvem a occupar as
povoações abandonadas na invernía, e
cobrem o campo com os seus rebanhos enormes,
que, diga-se a verdade, não encontra ali um pasto
viçoso em
èpocha alguma do anno; porque os prados sam formados,
pêla maior parte, de
caniçal, onde abunda uma especie do
Calamagrostis
arenaria.
As culturas sam feitas mais na margem direita do que na esquerda do
Zambeze, e sempre junto das encostas.
A inundação deixa na planicie um
sem-nùmero de pequenas lagôas, que se atulham de
vegetação aquàtica, e que
sam outros tantos focos miasmàticos de
infecção palustre. Ha èpochas no
anno em que os proprios indìgenas sam fortemente atacados
pelas febres endèmicas.
Nas lagôas abunda peixe e ha muitos batràchios.
É d'estas lagôas que se fornecem de
àgua potavel os indìgenas, mas é
preciso confessar, que elles só a bebem depois de
transformada em Capata.
Os Luinas sam pouco agricultôres, e muito pastôres.
Os seus rebanhos constituem a sua principal riqueza, e no leite das
vacas encontram o seu principal alimento.
O haver do Luina consiste em algumas vaccas e algumas mulheres.
O leite frêsco e o leite azêdo (coalhado) sam, com
a batata dôce, a base da sua
alimentação. A farinha de milho
é empregada para fazer a Capata, de mistura com a de
massambala, principal cultura do paiz.
Os Luinas fabricam o ferro, e tôdas as suas armas e
tôdos os seus utensilios, sam feitos no paiz. Não
usam facas, e
não podemos deixar de nos admirar das esculpturas que fazem
em madeira, sabendo que
não empregam facas, e mais ainda, logo que
conheçamos o
instrumento com que trabalham. No Lui, onde o machado termina a obra
grossa de desbaste, começa a obra da azagaia. O ferro d'esta
é
instrumento para tudo. Os bancos onde se assentam, as escudellas em que
comem as vasilhas do leite, e tôdos os seus utensilios de
madeira, sam cortados
com ella.
Figura
98.--Vasilha para
leite feita de Madeira.
Entre elles ha um primorosamente trabalhado, em geral, e é a
colhér. Vivendo de leite, o Luina não pode
prescindir da
colhér, e dispensa a faca. O seu systema de
alimentação explica a
falta d'esta e o muito uso d'aquella.
Figura
99.--Objecto de
Ferro forjado que serve de Lenço de
assoar aos Luinas.
Especie
de
Espàtula.
Figura
100.--Pratos e
Escudellas para a comida.
Figura
101.--Colhér.
Figura
102.--Machado de
cortar Madeira.
A industria ceràmica limita-se no Barôze
á fabricação de panellas para cozinha,
para a capata, e grandes talhas de barro para guardar cereaes.
Àlém d'isto, fornalhas para os cachimbos de fumar
o
bangue.
Figura
103.--Artigos de
Barro.
1.
Panellas de cozinha.
2.
Tálha de
guardar cereaes.
3,
3. Fornalhas dos
cachimbos.
O Luina só fuma o
bangue;
o muito
tabaco que
cultivam
é empregado exclusivamente para cheirar, e d'elle fazem
grande uso homens e mulheres. É este o pôvo mais
coberto que encontrei
em Àfrica. É raro ver-se ali um homem ou
mulhér despidos da cintura para cima.
Os homens, como ja disse no capìtulo anterior, usam umas
pelles
passadas em um cinto, que pendem adiante e atraz, chegando
até aos
joêlhos. Um manto de pelle, que posto, assemelha as capas do
tempo de Henrique 3^o, cobre-lhes o tronco e cahi-lhes até
meia perna.
Um largo cinto de couro, independente do que lhes segura as pelles da
cinta, muitas manilhas e muitos amulêtos, completam o seu
trajar. As mulheres trajam um saio de pelles, que adiante
chêga ao
joêlho, e atraz desce até ao grôsso da
perna. Sôbre o
saio um largo cinto enfeitado de buzio (
caurim).
Um pequeno manto de pelles, muitas
missangas ao pescôço e muitas manilhas nos
braços e
pernas, sam o vestuario do paiz. Vemos hôje muitas
indìgenas substituindo as pelles
por estôfos Europêus, os capotes por cobertores de
algodão, e mesmo tôdo
o trajar gentìlico, por o fato do homem civilizado; mas eu
aqui não curo das
excepções, falo no traje primitivo do paiz, e
não nas
innovações que o commercio ali tem levado.
É preciso contudo revelar, que este pôvo
tem uma tendencia manifesta para se vestir. De certo, antes da
invasão dos
Macololos, os Luinas deviam andar muito pouco cobertos. Os povos
Chuculumbes, seus vizinhos de leste, andam completamente
nús, homens e
mulheres. A oeste os Ambuelas fôram tambem encontrados
nús,
pêlos primeiros sertanejos Portuguezes que ali se
aventuráram,[
3]
e ainda
hôje não se cobrem muito.
Figura
104.--Homem Luina.
O trajar dos Luinas que eu descrevi, é o mesmo usado
outróra pêlos Macololos, e por isso é
de crer que fôsse
introduzido por elles.
Essa tendencia, que eu faço notar, d'este pôvo
para se vestir, deve merecer a attenção do
commercio, e é
uma tendencia a explorar em beneficio d'elle, dos indìgenas
e da
civilização.
Figura
105.--Mulhér Luina.
As mulheres nobres, e em geral as ricas, untam o côrpo com
manteiga de vacca misturada de talco em pó, que lhes
dá
á pelle um lustro avermelhado, e ao mesmo tempo um cheiro
desagradabilissimo.
Entre os Luinas encontram-se muitas espingardas de fulminante, de
fàbrica Ingleza, levadas ali pêlos sertanejos do
sul, e outras de silex Belgas, vindas do commercio Portuguez de
Benguella; mas os
indìgenas, ao contrario do que acontece, com tôdos
os povos da costa de
Oeste até ao Zambeze, preferem as armas de fulminante, e
alguns ha, que
só querem ja carabinas raiadas. Não usam cartuxo
como os Bihenos e povos circumvizinhos d'estes, e trazem a
pòlvora sôlta
em cornos, ou em cabaças. As armas do paiz sam azagaias,
porrinhos, e
machadinhas. Não usam frechas.
Figura
106.--Azagaias Luinas.
Figura
107.--Machadinhas de guerra.
Figura
108.--Porrinho.
T[~e]m por arma defensiva grandes escudos ogivaes, de couro de
bôi armados em madeira. Cada homem traz, em geral, de cinco a
seis azagaias de arremêço.
Os ferros d'estas azagaias, sem serem envenenados, não sam
por isso menos terriveis; devido ás barbas desencontradas
que lhes
fazem, de modo que, na maior parte dos ferimentos, é preciso
matar o ferido
para lh'-as arrancar do côrpo.
O que eu vi usarem os Luinas, e mostrou a preferencia que t[~e]m,
fôram as missangas chamadas no commercio de Benguella,
missanga leite, azul celeste e Maria 2^a.
Os cassungos finos, branco, azul e encarnado, sam tambem estimados.
Fazendas tôdas sam bôas para o Lui, preferindo
elles as melhores. O arame de latão, de três a
quatro
milìmetros de diàmetro, tem valor, e a roupa
feita, cobertôres, armas de percussão,
fulminantes, pòlvora, chumbo em barra, e artigos de
caça, sam ali cotados em
subido prêço.
Em tôdo o paiz o commercio é feito exclusivamente
com o règulo, que faz d'elle monopolio; pertencendo-lhe
tôdo o marfim que se
caça nos seus estados, e tôdos os gados dos seus
sùbditos, a
quem elle os pede quando precisa. Das fazendas, armas e outros artigos
que permuta, faz presentes aos seus caçadores, chefes de
povoação, côrte, etc.
As mulheres gozam de bastante consideração, e
entre a nobreza não fazem nada, passando a vida sentadas em
esteiras, a beber capata e a cheirar tabaco. Possúem muitos
escravos, pêla maior parte
Macalacas, que as servem.
Os grandes rebanhos dos Luinas, sam de bôis de uma
raça magnìfica, e mesmo as suas gallinhas e
cães sam de melhores
raças do que os que encontrei até ali.
O valle do Barôze está cercado por éste
a sul da terrivel mosca zê-zê, o que os obriga a
concentrarem os gados na planicie, e torna difficil a sahida d'elles, a
não ser para oeste no caminho de
Benguella, tôdo limpo do prejudicial diptéro.
Eis em curto resumo o que eu vi d'esse paiz, que primeiro, antes da
invasão de Chibitano, foi visitado por um Portuguez (Silva
Porto), que foi visto depois por David Livingstone, debaixo do imperio
dos Macololos, e que eu encontrei em condições
bem
differentes, sôb a dinastia Luina, em 1878.
Retomando a narrativa das minhas tristes aventuras, no dia 5 de
Setembro, dia seguinte ao da revelação de
Marianna, resolvi fazer com que os traidôres fôssem
trahidos por um dos seus, e
lancei as minhas vistas sôbre Verissimo Gonçalvez.
Chamei-o á minha barraca, e mostrei-lhe antes de lhe falar,
a copia de uma carta apòcrypha, escrita para Benguella, em
que eu dizia
ao governador, que, tendo desconfianças de Verissimo, lhe
pedia
que mandasse prender a mulhér, o filho, e a mãe
d'elle, e se acaso acontecesse eu ser vìctima de alguma
traição, as mandasse para Portugal, onde eu disse
ao Verissimo que os meus parentes as fariam queimar vivas.
Depois d'este exordio, assegurei-lhe, que aquella carta fôra
escrita como simples prevenção, porque eu
confiava
plenamente na sua dedicação por mim; mas que essa
dedicação tinha de estar
vigilante, porque eu desconfiava levemente do Caiumbuca, e se me
acontecêsse
alguma desgraça, eu não poderia evitar os
horrores que estavam reservados aos
entes que lhe eram caros. Disse-lhe sobre tudo, desconfiava que
Caiumbuca
não transmittia ao rei o que eu lhe dizia, assim como me
dava transtornadas as respostas de Lobossi. Que elle deveria estar
sempre presente nas minhas entrevistas com Lobossi, e dizer-me em
Portuguez (Caiumbuca
não falava Portuguez) o que elle dizia ao rei.
Verissimo, embaraçado, disse-me, que eu não me
enganava, e contou-me tudo. Eu preveni-o, que não deixasse
perceber nada a
Caiumbuca, e que me tivesse ao corrente do que elle tramava.
N'essa tarde, Lobossi mandou-me dizer, que estava prompta a gente que
me devia acompanhar, para eu seguir para a costa de
Moçambique,
e por isso podia partir quando eu quizesse.
Eu estava um pouco melhor, e desde a minha chegada ao Zambeze, ainda
não tinha passado tão bem como n'esse dia.
O meu acampamento era muito grande, porque os Quimbares se haviam
dividido pêlas barracas dos Quimbundos depois da sahida
d'estes. O centro era um largo circular, de não menos de cem
metros de
diàmetro. A um lado, dentro da fila das barracas, ficava a
minha barraca, cercada por uma sebe de canas, que fechava um recinto,
onde só
entravam os meus muleques de serviço.
Era a 6 de Setembro. O thermòmetro durante o dia tinha
marcado com persistencia 33 graos centìgrados, e o calor
reflectido
pêla areia tinha sido incòmmodo.
A noute apresentou-se serena e frêsca, e eu, sentado
á porta da minha tenda, pensava no meu Portugal, nos meus e
nos amigos, no futuro da minha emprêsa, tão
ameaçada ali, e ora
alegre ora triste, não perdia a fé e esperava. O
acontecimento da ante-vèspera
vinha pairar como nuvem nêgra sôbre o ceo
lìmpido da
esperança.
Os meus Quimbares, recolhidos nas barracas, conversavam junto das
fogueiras, só eu estava fora. De sùbito
prendeu-me a attenção um sem-nùmero de
pontos luminosos que vi atravessarem o
espaço.
Sem saber ao principio explicar o que seria aquillo, tive um
presentimento, e sahi do cercado de caniço que rodeava a
barraca.
Logo que cheguei fora, tudo me foi revelado, e um grito pungente de
angustia suprema escapou-se-me da garganta.
Alguns centos de indìgenas cercavam o acampamento, e
lançavam achas ardentes sôbre as barracas cobertas
de herva sêca.
Em um minuto o incendio, ateado por um vento forte de este, tomava
incremento horrivel. Os Quimbares sahiam espavoridos das barracas
incandescentes, e pareciam loucos.
Augusto e a gente de Benguella reuníram-se em
tôrno de mim. Em presença de um perigo
tão terrivel, aconteceu-me o que por mais de
uma vez me tem acontecido em iguaes circunstancias. Fiquei sereno e
tranquillo de espìrito, pensando só em lutar e
vencer.
Gritei á minha gente, semi-louca de se ver apertada em um
cìrculo de fôgo, e consegui reunil-a no meio do
espaço
interior do campo.
Á frente de Augusto e dos muleques de Benguella, entrei na
minha barraca em chamas, e consegui tirar d'ali as malas dos
instrumentos, os meus papéis e trabalhos, e a
pòlvora. A esse tempo as
barracas abrazavam tôdas, mas o fôgo não
podia
attingir-nos. Verissimo estava a meu lado, inclinei-me para elle e
disse-lhe, "Eu defendo-me aqui por muito tempo, passa por onde poderes
e como poderes, e vai a Lialui dizer a Lobossi que a sua gente me
ataca, diz tambem a Machauana o perigo que
côrro."
Verissimo correu ás barracas em chamas, e eu vi-o
desapparecer por entre as labaredas. A esse tempo ja as azagaias
ferviam em tôrno de
nós, e ja haviam alguns ferimentos graves, entre elles um do
prêto
Jamba de Silva Porto, que tinha uma azagaia cravada no sobrolho
direito. Ás
azagaias respondiam os meus Quimbares com as balas das carabinas, mas o
gentio avançava sempre, e ja entrava no acampamento, onde as
barracas consumidas não offereciam barreira insuperavel. Em
tôrno de mim, que desarmado segurava a bandeira da minha
patria, estavam batendo-se como verdadeiros bravos os meus valentes
Quimbares. ¿Estavam
tôdos? Não. Faltava ali um homem, um homem que
deveria estar ao meu lado e que ninguem tinha visto. Caiumbuca, o meu
immediato,
desapparecêra!
Figura
109.--Ataque contra o acampamento no Lui.
Ao amortecer do incendio, eu vi que o perigo era real e enorme. Eram
cem contra um.
Parecia a imagem do inferno ver aquelles vultos nêgros, que
com estridente grita pulavam ao clarão das chamas,
avançando para nós cobertos com o alto escudo e
brandindo as puidas azagaias. Foi um combater encarniçado em
que as carabinas de carregar
pêla culatra, pêlo seu fôgo sustentado,
continham em respeito aquella horda
selvagem.
Contudo eu calculava que o têrmo do combate não
estava longe, porque as munições desappareciam
ràpidamente; eu
só tinha no comêço quatro mil tiros
para as carabinas Snider, e vinte mil para as armas de carregar
pêla bôca, mas não seriam essas as que
me defenderiam; e logo que o fôgo abrandasse, por faltarem as
armas de carregamento ràpido,
serìamos esmagados pêlo gentio desvairado. O meu
Augusto, que parecia
um leão raivoso, chegou-se a mim com suprema angustia,
mostrando-me a carabina, que acabava de rebentar. Disse ao meu muleque
Pépéca, que lhe entregasse a minha carabina de
elephante e a cartuxeira. Augusto correu para a frente, e fez
fôgo para onde o grupo do gentio era mais
compacto. Um momento depois, a grita infernal dos assaltantes tomou um
tom differente, e virando costas, tomáram elles precipitada
fuga.
Só no dia seguinte, pêlo rei Lobossi, eu devia
saber o que produzira um tal reviramento. Fôram os tiros do
meu Augusto.
Na cartuxeira de que elle lançou mão havia balas
carregadas de nitro-glicerina.
O effeito d'estas, fazendo desapparecer em bocados, pêla
explosão, as cabêças e os peitos em que
acertavam, produzio o
pànico no meio d'aquelle gentio ignaro, que vio n'uma coisa
nova para elle, um
feitiço irresistivel.
Foi a Providencia que me quiz valer.
Conheci que estava salvo. Meia hora depois, appareceu-me o Verissimo,
com uma grande fôrça capitaneada por Machauana,
que vinha em meu soccôrro, por ordem do rei Lobossi. Lobossi
mandava dizer-me,
que era estranho a tudo, e que, provavelmente, o seu pôvo,
sabendo
que eu fôra ali para os atacar de
combinação com os Muzungos
de leste, que estavam com Manuanino, fizéram aquillo por sua
conta; mas que elle
ia tomar as mais vigorosas providencias para eu não soffrer
mais
aggressões. Tudo aquillo, se não foi ordenado por
elle, foi por Gambela.
Verissimo, vendo os desastres do combate, perguntou-me ¿o
que haviamos de fazer? e eu respondi-lhe com as palavras de um dos
maiores homens Portuguezes dos ùltimos
sèculos:--"Enterrar os
mortos, e tratar dos vivos."
No incendio soffrémos perdas graves, mas mais graves eram as
pêrdas de vidas por tão insòlito
ataque. A bandeira
Portugueza estava furada das azagaias selvagens, e salpicada do sangue
dos bravos; mas as manchas que tinha, só serviam para fazer
realçar a sua pureza
immaculada; e mais uma vez, longe da patria, e por terras ignotas,
tinha-se sabido fazer respeitar, como sempre o soube, e como sempre o
saberá.
Depuz as armas de soldado, para me improvisar em cirurgião
cuidadoso, e o resto da noute foi passado a curar os feridos e a
alentar os
sãos, sempre apercebido e vigilante, apesar dos novos
protestos do rei Lobossi.
Logo que amanheceu, fui procurar o rei, e falei-lhe
àsperamente sôbre o acontecimento da noute.
Tornei-o, diante do seu pôvo,
responsavel pêlas desgraças d'aquella noute; e
disse bem alto, que aquelles
que tivessem a chorar a perda de parentes, só a elle deviam
lançar culpas.
Disse-lhe, que queria seguir sem perda de tempo, e annunciei-lhe, que
ia estabelecer o meu campo nas montanhas, onde podesse com vantagem
resistir a um nôvo ataque.
Elle teimou muito comigo, para lhe dar ou ensinar o feitiço
que eu tinha empregado na vèspera, fazendo com que os
prêtos
rebentassem por si. Era assim que elles explicavam o caso funesto das
balas explosivas inconscientemente empregadas por o meu Augusto.
Apesar da muita vontade que eu tinha de deixar a planicie e ir para as
montanhas, não pude realizar esse desejo senão a
9, por causa do estado dos feridos; e no dia 7 e 8, lutámos
com a fome; porque
ninguem nos quiz vender de comer, e o rei dizia, que nada tinha para me
dar.
Fôram as lagôas que fornecéram abundante
pesca e alguns
patos muito magros. Machauana mandou-me leite, e continuou a mostrar-me
a maior
dedicação. Foi, como disse, a 9 que deixei a
planicie e alcancei as montanhas perto de Catongo, chegando
tôdos, feridos e sãos, no
maior estado de fraqueza.
O nôvo systema adoptado, de nos matarem pêla fome,
preoccupou-me, e dava-me sèrios cuidados n'um paiz sem
caça.
Tinha-mos, é verdade, a pesca das lagôas.
CAPÌTULO
X.
A
CARABINA D'EL-REI.
A
traição--Perdido--A Carabina
d'El-Rei--Miseria--Novas scenas com o rei Lobossi--Partida--No
Zambeze--Caça--Moangana--O Itufa--As
pirogas--Sioma--Cataracta de
Gonha--Bellezas naturaes--O basalto--A região das
cataractas superiores--Balle--Bombué--Na foz do rio
Gôco--Cataracta de
Nambue--Os ràpidos--Viagem vertiginosa--Catima
Moriro--Quisseque--Eliazar--Carimuque--O rio
Machila--Muita caça--Tragedia--Embarira.
Depois de marcha de 15 milhas, acampei na floresta que cobre os flancos
das montanhas de Catongo. Marcava esta aldea a S.E. uma milha distante
do sitio que escolhi para acampar.
Junto do meu campo havia uma pequena aldeola, onde eu mandei pedir de
comer. Algumas mulheres viéram vender pouca cousa a
trôco dos invòlucros metàlicos dos
cartuxos queimados das carabinas Winchester.
Depois de construido o campo, fomos pescar nas lagôas
pròximas, e tirámos algum peixe, que se comia
cozido em àgua
sem sal.
De Caiumbuca não havia noticias, e eu convencia-me que elle
tinha partido com a gente que retrocedêra ao Bihé;
quando n'essa tarde me viéram dizer, que elle estava no
acampamento, e me queria
falar.
Apresentou-se, dizendo que fôra acompanhar a comitiva de
Lobossi, que seguira com o prêto Antonio, porque tinha de
mandar prevenir
a gente da sua libata no Bihé, de que tinha muita demora
ainda no
sertão, pois seguia comigo para a costa de leste.
Eu fiquei perplexo, e sem saber o que deveria fazer com
relação a elle; e depois de pensar um momento,
resolvi aceitar a desculpa da ausencia d'elle na noute do combate, e
não lhe mostrar que tinha
perdido a minha confiança, e que sabia da sua projectada
traição. Elle pedio-me para regressar n'essa
noute a Lialui, dizendo, que voltaria no dia immediato com a gente que
Lobossi me deveria mandar, para eu seguir para Quisseque, logo que o
estado de alguns feridos m'o permittisse.
Disse-lhe, que pedisse ao rei para mandar-me dar mantimentos, a menos
que não quizesse que morrèssemos á
fome no seu paiz.
Caiumbuca partio sem falar a ninguem da minha gente.
No dia 10, continuei a mandar pescar nas lagôas para ter que
comer e os meus.
Passei o dia trabalhando; e tendo para o lado de oeste um horizonte sem
fim, onde, como em pleno mar, o espaço azulado vinha unir-se
á terra em cìrculo enorme, lembrei-me de
determinar a
variação da agulha magnètica
pêla amplitude, mèthodo mais simples do que o dos
azimuthes, que eu tinha sido forçado a empregar
até
então.
Preparei a agulha de marcar, e estava dispondo-a para a
observação, muito antes de tempo, porque o sol
estava ainda elevado do horizonte uns dez graos; quando um
phenòmeno curiosissimo se deu na
atmosphera. Estava ella lìmpida, de um azul um pouco
carregado mas sem uma
nuvem, sem um extracto no horizonte. De repente o limbo inferior do sol
começou a perder a sua forma circular, e a desapparecer
lentamente, como se eu observasse um occaso no oceano; e isto dez graos
acima do horizonte, por ceo na apparencia limpo, como ja disse.
Só depois do seu
completo desapparecimento é que se podia mal perceber,
pêlo
feixe de luz que em leque se espargia no ceo, uma barra de extractos,
tão iguaes
em côr ao azul da atmosphera, que a vista mais apurada a
confundiria com ella; parecendo que a limpidez do firmamento
não era interrompida
até ao horizonte. Algumas vêzes mais observei
igual
phenòmeno, mas não a tanta altura, nem
tão perfeitamente definido.
Como eu esperava, n'esse dia, não me appareceu, nem
Caiumbuca, nem a gente que Lobossi devia mandar-me.
Na noute de 10 para 11, eu queria observar um reapparecimento do 1^o
satèlite de Jùpiter, que deveria ter logar
pròximo da meia-noute; e como eu não quizesse
perder essa
observação, por encontrar grande
differença em longitude na posição do
Zambeze, recomendei ao
Augusto, que me chamasse quando a lua estivesse na altura que lhe
indiquei, o que correspondia ás 11 horas; e cheio de fadiga,
deitei-me
cêdo, e adormeci profundamente; esperando que Augusto
velasse, depois da instante recommendação que eu
lhe tinha feito. Por noute
fora acordei ao chamamento de Augusto, e acordei sem sobresalto,
julgando ser a hora indicada por mim; mas, logo que respondi ao meu
fiel nêgro,
elle disse-me, cheio de commoção: "Senhor,
estamos
atraiçoados; a gente fugio tôda, e
roubáram tudo."
Levantei-me, e sahi da barraca.
O acampamento estava deserto.
La fora, Augusto, Verissimo, Camutombo, Catraio, Moêro e
Pépéca, e as mulheres dos muleques, estavam
silenciosos e pasmados olhando uns para os outros.
Não pude conter uma gargalhada.
O que me admirava ali, era ver Augusto, o Verissimo e Camutombo ao pe
de mim.
Era tão crìtica a minha
posição, vivendo no meio de tantas miserias,
rodeado de tantos perigos, que não sei mesmo quem n'elles
quereria ser meu socio. Ànimos mais fortes e
espìritos mais
enèrgicos do que os dos prêtos que acabavam de
fugir, não teriam querido
partilhar da minha sorte.
Sentei-me, rodeado das oito pessôas que haviam ficado e
puz-me a indagar o succedido. Queria pormenores que ninguem me dava. A
gente tinha fugido tôda, sem que algum dos presentes a
presentisse. Os
cães, habituados com elles, não
ladráram. O
Pépéca foi passar revista ás barracas,
e nada encontrou.
As poucas cargas que tinham ficado á porta da minha barraca,
e que consistiam em pòlvora e cartuxos, haviam desapparecido.
Fugíram roubando a minha propria miseria. Só me
restava o que havia dentro da minha barraca. Eram os meus
papéis, os meus
instrumentos, e as minhas armas; mas armas de nenhum valor, porque uma
das cargas roubadas continha os meus cartuxos, e sem elles de nada
serviam.
Fui sem detença fazer inventario do meu miseravel haver, e
achei-me com trinta tiros de balas d'aço para a carabina
Lepage, e com
vinte e cinco cartuxos de chumbo grosso da espingarda Devisme, que de
pouco ou nada serviam. Era tudo quanto possuia.
Não pude deixar de curvar a cabêça ante
este ùltimo golpe que me feria, e um atroz confrangimento de
coração trouxe-me,
pêla primeira vez em Àfrica, o presentimento de
que estava perdido. Estava no
centro d'Àfrica, no meio da floresta, sem recursos, dispondo
de
trinta balas apenas, quando só da caça poderia
viver e
só a caça me poderia salvar; e tinha em
tôrno de mim só três homens,
três crianças e duas mulheres!
Augusto exprobrava-se o ter adormecido, quando eu o mandara velar, e
entrou n'um furor louco, querendo ir na pista dos fugitivos e matar
tôdos. Custou-me a conter a ira feroz do meu prêto
fiel; e sem consciencia do que dizia, sem a menor
convicção
nas palavras que proferia, ordenei-lhes que se fossem deitar, que
não
receiassem nada, porque eu remediaria tudo. Eu ficaria de
véla. Recolhidos
ás barracas, eu fiquei junto da fogueira, quasi inconsciente
e sem
fôrças. O abalo moral tinha despedaçado
o côrpo, já
fortemente abatido pêlas febres. Sentado, com os
braços encostados nos joêlhos e a
cabêça encostada ás mãos, eu
olhava fito para a crepitação
da chama, sem ter um pensamento, sem uma idéa, em perfeito
estado de imbecilidade. Contudo, o
instincto filho do hàbito, fêz-me sentir, que
estava
desarmado; chamei o meu muleque, e sem ter consciencia d'isso, pedi-lhe
uma arma. Elle entrou na barraca e trouxe-me uma, que eu, sem reparar,
colloquei sôbre
os joêlhos.
Durou muito tempo aquelle estado de abatimento, até que as
idéas principiáram a vir mostrar-me os
horrôres da minha
posição. Havia muitos mêzes, que eu
caminhava ávante, pobre e sem
recursos; havia muito tempo que eu contava ùnicamente com a
caça para
sustentar a minha caravana. Essa idéa perfeitamente
arraigada no meu
espìrito, tinha-me dado sempre a fôrça
de seguir, de ter fé e de
esperar. De repente sentia em mim um vazio enorme. A idéa
tinha cahido por terra, e desapparecido
com a caixa que continha os meus tiros, o meu thesouro, o meu
ùnico
recurso.
Deve ser ao encarar uma posição como a minha que
o homem se suicida.
Com aquella pungente agonia que me dilacerava a alma, deixei pender a
cabêça e os meus olhos fixáram-se na
carabina que eu tinha pousada nos joêlhos. Olhei, a talvez
meio minuto, e uma idéa
atravessou-me o espìrito. De um salto entrei na barraca, e
corri a levantar
as pelles do meu leito, debaixo das quaes, para levantar a malinha que
me servia de travesseiro, estava um estôjo de couro,
rectangular, baixo e
comprido.
Foi com mão febril que abri aquelle estôjo
esquècido, e apalpei trèmulo os objectos que elle
continha. As idéas occorriam-me de
nôvo em tumulto. Deixei o estôjo, e abri a mala dos
instrumentos, onde a caixa
do meu sextante Casella estava entalada por duas latas, que senti
debaixo da mão com que apalpava. Sahi precipitadamente da
barraca e do
acampamento, e corri ao mato, onde de dia tinha posto a enxugar o meu
grande tresmalho, depois da pesca. A rêde estava estendida, e
tensa
pêlo peso do chumbo que lhe envolvia a tralha.
Apalpei phrenètico aquelle chumbo, e colhendo a
rêde voltei ao campo, curvado ao pêso d'ella.
Cheguei junto á fogueira,
e depuz no chão o meu fardo.
Quem visse o que eu tinha feito havia alguns minutos, julgarme-hia
louco, e louco estava eu de contente.
O avaro devorando com os olhos àvidos de cubiça o
thesouro que empobrece a sua miseria, não deve ter na vista
expressão
differente da que eu tinha a olhar para aquella carabina. É
que ella para mim era
a vida, a salvação, e tudo. É que ella
para o
meu paiz era uma expedição coroada de
èxito; era a realização de um voto
formulado por elle no seu parlamento; era o bom èxito
obtido, tanto mais meritorio,
quanto mais estorvado.
A arma que afagava nas mãos, como afagaria uma filha
estremecida, a arma que me ia salvar, e comigo a
expedição atravez
d'Àfrica, era a Carabina d'El-Rei.
No estôjo d'aquella arma havia apparêlhos para
fazer balas, e tudo o necessario para se carregarem os cartuxos, logo
que existissem os invòlucros metàlicos, cada um
dos quaes,
pêlo seu systema de construcção, pode
servir muitas vêzes.
Uma pequena caixa, que vinha no estôjo ja quando El-Rei me
offerecêra o valioso
presente, continha quinhentos fulminantes.
As idéas que se succediam em mim quando me lembrei d'aquelle
recurso, trouxéram-me a reminiscencia de duas latas de
pòlvora que eu desde Benguella empregava, á falta
de cousa melhor, para entalar a
caixa do sextante dentro da mala. Faltava o chumbo, mas a minha
rêde
de pesca ia fornecer-m'-o.
Assim, pois, eu podia dispor de alguns centos de tiros; e com alguns
centos de tiros sentia-me com fôrça de criar
recursos n'esse paiz de caça.
O resto da noute foi para mim como manhã
bonançosa depois de noute de temporal.
Ao alvorecer, ainda não tinha formado um plano, mas estava
tranquillo e confiante.
Mandei chamar o chefe da aldeola pròxima, e convenci-o a
mandar dois homens a Lialui contar o succedido ao rei Lobossi;
disse-lhe tambem, que ia mudar o meu campo para mais pròximo
da aldea, e logo
nós quatro, eu, Verissimo, Augusto e Camutombo,
construímos quatro barracas
e um forte cercado, onde nos recolhémos com o meu magno
espolio.
N'esse dia trabalhei como um rude lenhador, e de machado em punho,
cortei a madeira para a minha barraca, e construi-a eu mesmo.
Durou o trabalho até depois do meio dia, hora a que me
estendi nas pelles de leopardo do meu leito, dormindo a sono
sôlto
até ao pôr-do-sol.
O meu Augusto tinha pescado, e tinham armado laços aos
patos, conseguindo agarrar um. Entretivémos com aquella
alimentação sem condimentos a fome ja
impertinente, e eu volvi a deitar-me, mas dormi pouco e pensei muito.
Sustentar nove pessôas era mais facil
do que sustentar uma grande comitiva, e por isso a questão
mais
momentosa e que mais urgente era resolver, estava, se não
resolvida,
pêlo menos muito simplificada por si mesmo.
A idéa de proseguir na minha viagem estava perfeitamente
arraigada em mim, e sem ainda saber como, sem ter chegado a formular um
projecto, sabia que havia de ir, porque queria ir. A minha
confiança
era tal, que os meus homens ja estavam descuidosos e indifferentes.
Diziam elles, que eu sabia o que havia de fazer, e quando lhes dizia,
que não
tinha ainda formado um plano, riam-se e diziam:--"o Senhor bem sabe ja."
Passei o dia preparando cartuxos da Carabina d'El-Rei. Tinha 2
kilogrammas de pòlvora finissima, e como a carga de cada
cartuxo era de 5 drachmas (8 grammas e meia), podia com aquella
pòlvora
carregar duzentos e trinta e cinco tiros, que com alguns que eu ainda
possuia, e com os trinta de balas d'aço da carabina Lepage,
prefaziam
um total de trezentos cartuxos.
Chumbo para ballas havia de mais, porque o peso das duzentas e trinta e
cinco balas era ao menos de nove kilogrammas, sendo o de cada bala de
35 grammas, e o chumbo da rêde devia pesar um pouco mais de
trinta kilos.
Fulminantes tinha duzentos a mais.
Voltáram os portadores que mandei a Lobossi, com recado
d'elle, para que eu fôsse viver para Lialui até
tomar uma
deliberação.
Decidi logo não sahir do mato onde estava, e mandar o
Verissimo a Lialui tratar com elle. Dei-lhe as minhas ordens, e mandei
que sahisse antes de amanhecer no dia immediato, para ter tempo de
voltar no mesmo dia.
Um violento accesso de febre prostrou-me, e tive de me recolher muito
doente.
No dia seguinte a febre tinha augmentado, e eu estive impaciente
até á volta do Verissimo, que só
chegou de tarde.
Vinham com elle uns muleques do règulo, que me traziam
alguma comida, e um presente de leite coalhado, enviado por Machauana.
Lobossi mandava dizer-me, que era muito meu amigo, e que estava prompto
a ajudar-me, mas que fôsse eu viver para casa d'elle; e que
com tempo
decidiriamos o que havìamos de fazer. Mandei dizer-lhe
pêlos
muleques, que logo que estivesse melhor iria falar-lhe; mas que
não deixaria o
mato, e que me era impossivel ir viver com elle, por causa das febres.
Estava ancioso por me achar só com Verissimo, para ter
noticias de Lialui.
A primeira cousa que elle me contou fêz-me logo profunda
impressão. Disse-me, que, quando chegara a casa de Lobossi,
estava reunido o grande consêlho em discussão
acalorada.
Uns enviados do Chefe de Quissique, Carimuque, tinham chegado ali,
pedindo accesso no paiz para um missionario Inglez, que estava em
Patamatenga, e queria vir ao Lui.
Á entrada d'esse sujeito no paiz do Barôze
opunha-se com tôda a sua eloquencia o ministro dos
estrangeiros Matagja, e d'ahi
nascêra a acalorada discussão a que assistira o
Verissimo; sendo
resolvido em consêlho, que não fôsse
concedida a
licença para o homem penetrar nos estados do rei Lobossi.
O Verissimo, que me contou este incidente, a que não ligou a
menor importancia, começou a narrar-me o que tinha podido
colher
de noticias ácerca das intrigas dos muleques de Silva Porto
e Caiumbuca;
mas eu é que não o escutava ja, e aquelle
missionario Inglez
(
Macúa,
diziam elles) não se
me tirava do pensamento. Quando o Verissimo
acabou o seu aranzel, que eu não ouvi, tinha resolvido o meu
problema, e
a resolução consistia, em ir encontrar aquelle
missionario.
Como realizal-a não sabia ainda, mas que o encontraria era
ja convicção minha.
Fui àvidamente buscar uma pèssima carta
d'Àfrica que tinha, e calculando approximadamente onde seria
Patamatenga, medi uma distancia de seiscentos kilòmetros.
Seiscentos kilòmetros, a uma media de 10
kilòmetros por dia, eram sessenta dias de jornada, e
trezentos tiros que eu possuia, divididos por sessenta dias, dava-me
cinco tiros por dia. Ardia ja em desejos de me pôr a caminho,
mas ardia em febre tambem, e comecei por
deitar-me.
Nos dias 14 e 15 a febre cresceu de intensidade, não me
permittindo sahir da barraca; mas tendo algumas melhoras na noute de 15
para 16, resolvi logo ir a Lialui falar ao rei, e tratar de
pôr em
execução um plano que tinha concebido, para ir
encontrar o missionario,
idéa que me não sahia da mente.
Ainda muito doente, parti logo de manhã para casa de
Lobossi. Fui muito bem recebido por elle, que negou ter sido connivente
com Caiumbuca e os prêtos do Silva Porto, na fuga dos meus
Quimbares;
o que
era falso, porque sem o consentimento d'elle, não poderiam
elles ter
passado o
Zambeze.
Pedi-lhe que me ajudasse a ir encontrar um missionario que eu sabia
estar em Patamatenga; ao que elle respondeu, perguntando-me,
¿como queria eu ir para ali, não tendo
carregadores? Esta pergunta
do rei foi muito applaudida pêlos assistentes, que
notáram a
esperteza d'elle em m'-a fazer.
Disse-lhe, que era verdade não ter carregadores, mas que
tinha o rio Liambai, e elle tinha barcos, e se elle me desse barcos, eu
dispensava os carregadores, tanto mais que não tinha cargas.
Elle contestou, que havia effectivamente o Liambai, mas que o rio tinha
cataractas, e ¿como as poderia eu passar? Novos applausos da
parte do auditorio.
Respondi, que sabia isso, mas que ali os barcos e as cargas iam por
terra, e a jusante das quedas continuàvamos a navegar.
Elle retorquio, que o seu pôvo tinha muito pouca
fôrça, e não podiam arrastrar os barcos
por terra.
Novamente applaudido; estava fazendo um gôsto immenso em
patentear o seu espìrito fino
diante dos ouvintes; e de salto, sem esperar resposta, perguntou-me,
¿porque
não tinha ido viver com elle para Lialui, como me tinha
ordenado?
Respondi serenamente, que não tinha ido, nem iria, por
muitas razões; sendo a principal, o ser elle um refinado
velhaco, que, desde a minha chegada, só tinha procurado
enganar-me, para me roubar. Chamei-lhei ladrão e assassino,
levantei-me e puz-me a caminho.
O auditorio, estupefacto do meu atrevimento, nem se lembrou de me
embargar o passo.
Dirigi-me a casa de Machauana, onde estive conversando com Monotumueno,
o filho do rei Chipopa, e legìtimo herdeiro do poder, a quem
fiz a profecia de que ainda seria rei do Lui.[
4]
Ia a retirar-me para as minhas montanhas, quando um enviado de Lobossi
veio pedir-me em nome d'elle para eu lhe ir falar. Fui logo.
O rei disse-me, que não tinha razão para me
zangar com elle, que era muito meu amigo, que ia aprontar barcos, e que
o Liambai estava livre para mim.
Eu fiz-lhe um grande sermão, em que lhe disse, que elle era
mal aconselhado; que o que tinha dado o poder e grande nome aos reis
Macololos, foi a grande protecção que
dispensáram a Livingstone. Que os Luinas queriam perder o
commercio; e que elle completaria a ruina do Lui começada
por
Manuanino. Que o seu pôvo,
não a camarilha que o rodeava, mas o seu pôvo
sensato,
ainda o expulsaria do poder, por
incapaz de governar, e não fazer mais do que disparates.
Fêz-me novos protestos de amizade, affirmando-me, que me
daria os barcos, e que não seria por culpa d'elle se eu
não chegasse a alcançar o missionario, mesmo
porque queria que eu mudasse de opinião a
seu respeito.
Assegurou-me, que voltasse descançado para Catongo, onde me
mandaria dizer que os barcos estavam promptos, logo que tivesse
arranjado as tripulações. Chamou diante de mim o
Chefe de
Libouta, e deu-lhe ordens a esse respeito.
Eu não acreditava em nada d'aquella comedia, e disse-lh'-o.
Elle pedio-me que não formasse maos juizos, e esperasse os
factos.
Voltei a casa de Machauana, que conversou largamente comigo a respeito
de Caiumbuca e da fuga dos meus Quimbares. Por elle sube tôda
a verdade, nos seus detalhes, e só fiquei ignorando quem
fôra
ao longe o motor dos acontecimentos.
Chegado ao Lui, fui sinceramente bem recebido por aquella gente, e o
nome do Mueneputo, com que eu me abrigava, foi escutado com respeito.
Declarei os meus projectos, e elles fôram calorosamente
approvados, porque muito convinha aos Luinas estar em
communicação com a costa de Leste. Dias depois da
minha
chegada, rebentou no Chuculumbe a
revolução, á testa da qual se achava
Manuanino, o
rei destronado.
Caiumbuca foi então dizer a Lobossi, que eu não
era
estranho
áquella revolta, e que queria ir para Leste juntar-me aos
brancos que apoiavam Manuanino. N'essa occasião Caiumbuca
levara
os Bihenos a abandonar-me, dizendo-lhes, que o rei o prevenira de que
me ia mandar matar, e
não poderia impedir que fôsse morta a gente que
estivesse
comigo.
Os Bihenos, levados por elle, declaráram-me, que
não queriam estar comigo, e Caiumbuca fingio-se indignado.
A primeira e ùnica vez que em Àfrica faltei ao
meu principio de sertanejo, de desconfiar ali de tôdos e de
tudo, fui
enganado. É verdade que Silva Porto, o homem em quem eu
tinha a màxima
confiança, disse-me e escreveu-me, que podia fiar-me em
Caiumbuca, e eu fiei-me n'elle.
Facilmente podia desfazer aquella intriga entre homens instruidos; mas
deve comprehender-se, que para prêtos, foi bem tramada, e
não seria facil convencel-os da verdade.
Apesar d'isso, a minha attitude chegou a convencer Lobossi, e foi
então que os muleques de Silva Porto fôram dizer
ao rei,
que tinham
ordem de seu senhor para me abandonarem ali, mandando-lhe elle dizer,
que me fizesse matar, se queria que os sertanejos do Bihé
voltassem
ali, sem o quê não teria mais
relações
com Benguella.
Foi então que tentáram matar-me, affirmando
Machauana, que Lobossi sempre se opoz a isso, assim como a maioria do
seu consêlho,
mas que Gambela era de opinião contraria.
Caiumbuca e os muleques de Porto fôram dizer a Lobossi, que
tôdo o que eu tinha nas minhas malas eram roupas e fazendas
muito
ricas, despertando-lhe assim a cubiça, que a tantos
exploradores
tem perdido no Continente Africano.
Apesar de tôdas as intrigas e dos factos que ellas
produzíram, eu ia continuar a minha viagem com a gente de
Benguella, quando o ataque da noute de 6 de Setembro m'a dizimou, e uma
nova intriga dos
prêtos de Silva Porto levou á fuga os restantes.
¿Por ordem
de quem trabalhou Caiumbuca? Eis o que não pude saber.
Por sua conta creio que não; que pouco tinha a lucrar
n'isso. A encommenda vinha feita do Bihé, e eram emissarios
d'ella os
muleques de Silva Porto. Caiumbuca tomou o papél principal,
depois das
instrucções recebidas dos prêtos de
Belmonte. O mandatario estava ao
longe, muito ao longe.
A causa estava na minha missão, e na guerra que, em nome do
meu Portugal, eu fazia, sem trèguas, ao commercio da
escravatura.
Alguns exploradores Africanos, e sôbre tôdos
o
Commander
Cameron e David Livingstone, t[~e]m apontado muitos factos horriveis e
verdadeiros, do commercio da escravatura, feito no interior
d'Àfrica por sertanejos Portuguezes.
Por muitas vêzes, a opinião pùblica em
Portugal tem levantado a sua voz potente, contra as
asserções vilipendiosas dos
accusadores estrangeiros, querendo negar factos que elles asseveram; e
em que ella não
acredita, porque, na sua ìndole bondosa, é
incapaz de os
comprehender e de os admittir.
Infelizmente elles sam verdadeiros; e mais ou menos romantizados,
não deixam de conter um germen de realidade.
¿Mas serám esses factos uma nòdoa para
Portugal? Não sam. Affirmo-o, e sustento-o.
Os sertanejos Portuguezes, que mais se aventuram no interior do
continente Africano, quando o fazem, deixáram de ser
Portuguezes.
Sam condenados, fugidos dos presidios da costa, sam homens a quem a
sociedade supprimio as garantias do cidadão, sam
rèprobos a quem a sentença infamante da
justiça
imprimio um
indelebil ferrête de ignominia; sam os salteadores e
assassinos,
a quem a patria banio do seu seio com horror, que podéram
quebrar o grilhão de
ferro com que estavam acorrentados ao patìbulo aviltante; e
fugindo a um mundo
onde só os espera o desprezo da gente civilizada, vam ao
longe
buscar entre os selvagens a guarida que perdêram, e continuar
ali
a sua vida
de crimes.
Taes homens não deshonram a sua patria, porque
não t[~e]m patria.
Querer tornar Portugal solidario dos crimes dos sertanejos Africanos,
é querer tornar a França responsavel dos actos da
Communa, a
Amèrica do assassinio de Lincoln, a Italia dos salteadores
dos Abruzos.
Ha rèprobos em tôda a parte, e não
podem ser nòdoas nos povos que os esmagam na sua justa
indignação.
Dos sertanejos Europeus que t[~e]m estado estabelecidos no
Bihé, de dois apenas tenho noticia, que não
pertencessem a tal ordem de
gente. Sam elles Silva Porto, e Guilherme José
Gonçalves;
mas estes fôram sempre queridos e estimados do
indìgena e do Europêu,
gozáram sempre da consideração que a
sua honradez e probidade lhes
grangeáram, fôram cidadãos prestantes,
que, com um tràfico legal e
digno, nem chegáram a fazer fortuna, e fôram
muitas vêzes
vìctimas dos outros.
O nome de Silva Porto é respeitado pêlo gentio, e
conhecido n'uma grande parte da Àfrica central
pêla
corrupção da palavra
Prôto,
e mais de
uma vez me servi d'elle para desfazer obstàculos.
Em Cassange, como em Tete, outras duas portas da Àfrica
central, ha Portuguezes dignos e nobres, que t[~e]m feito um grande
serviço á humanidade no commercio
lìcito com o interior; esse
commercio, que é o mais seguro mensageiro da
civilização na terra
dos nêgros.
Não confundamos pois; não confundamos, e
será pouco nobre ir buscar a autoridade do explorador, para
lançar, apontando factos
verdadeiros, mas nada producentes, um labéo sôbre
um pôvo
nobre, o primeiro que deu mão forte á Inglaterra
contra o tràfico infame;
sôbre um pôvo que sacrificou os seus interesses
Africanos legislando a
abolição da escravatura; contra um
pôvo, o mais livre do mundo, que estendeu a sua
liberdade até á Àfrica, mandando para
lá as leis que
o regem na Metròpoli; chegando ao
excesso de abolir ali a pena de morte, e de lhes mandar um
còdigo que por libèrrimo é impossivel
entre gente mais que
semibàrbara.
Não precisa Portugal justificação; que
o defendem os factos, as leis e a energia que emprega na grande obra da
civilização
Africana; mas, falando do tràfico da escravatura de que por
vêzes ia
sendo vìctima, não me pude eximir a pôr
a questão nos seus verdadeiros
têrmos.
José Alves, Coimbras e outros, esses nem ao menos sam
Portuguezes de nascença; não se parecem com
Portuguezes na
côr, sam indìgenas, sem
instrucção, verdadeiros selvagens de
calças e chapéos.
Affirmo tambem, que é mais difficil viajar em
Àfrica por terras onde elles t[~e]m andado, do que nas
regiões bàrbaras
dos canibaes, que nunca víram um estranho. Aqui fazem a
guerra ao explorador, quando
a fazem, de armas na mão frente a frente; ali é a
traição e a covardia que o esperam. Aqui
é explorar na brenha espinhosa onde o
leão occulta o seu antro; ali é caminhar n'um
prado relvoso, entre venenosas
serpentes.
Outra cousa inconveniente ao explorador é ir ás
sedes dos grandes potentados. Veja-se o que tem acontecido no
Muatayanvo; veja-se o que aconteceu a Monteiro e Gamito no
Muata-Casembe; veja-se o que me tem acontecido a mim com Lobossi, no
Lui.
O sertanejo Biheno, na cubiça de obter o marfim,
dá tudo ao règulo; chêga a dar-lhe a
roupa que leva vestida, e volta ao
Bihé de tanga de pelles, como os seus carregadores.
No Lui, quando era muito frequentado por sertanejos Bihenos, havia o
costume, de elles entregarem tudo ao règulo, e esperarem que
elle lhes desse pêla factura que levavam, o que entendesse
sufficiente.
O explorador que hôje chêgue ali e não
faça o mesmo, está perdido.
Àlém d'esta, outra razão deve
aconselhar o explorador a evitar os grandes potentados; é
ella o caso de uma
aggressão, sempre de recear.
Com os pequenos senhores que povôam a maior parte da
Àfrica austral, poderá, em tal caso, levar a
melhor; em quanto nos grandes
imperios será forçosamente esmagado.
Isto pensava eu voltando ao meu campo nas montanhas de Catongo, a 17 de
Setembro, depois de ter comido leite coalhado e batatas em casa de
Machauana.
Cheguei a Catongo ja noute, e sube que o meu Augusto tinha morto uma
gazella, o que nos fazia òptimo arranjo.
As armadilhas improvisadas continuavam a dar patos e francolins.
Nos dias seguintes, os trabalhos tomáram-me tôdo o
tempo; podendo obter uma longitude muito approximada, e fazendo uma
rigorosa
determinação da declinação
da agulha, estudos
meteorològicos, etc.
No dia 19, ainda não tinha recebido mais novas do rei
Lobossi, e decidí mandar lá o Verissimo, a saber
se a
offerta das
canôas era ou não comedia. N'esse dia
apparecêram
ali uns prêtos, que
pêlo typo conheci logo não serem do paiz. Diziam
elles
serem da
Luêna, e querendo indagar onde ficava essa terra, elles
mostravam-me o N.E., e por meio de
nòs dados em uma correia fina, faziam-me comprehender que
tinham
andado vinte e seis dias para chegar ali. Vinham em nome do seu chefe
comprimentar o rei Lobossi, e sabendo que estava um branco no paiz,
viéram ver-me, por ser animal nôvo para elles.
Para falarmos, servia-me de intèrprete o velho chefe da
aldeola, que falava a lìngua dos Machachas,
lìngua em que
elles se exprimiam bem, dizendo, ainda assim, ser muito differente da
sua.
Disséram-me, haver no seu paiz muitos elephantes, e serem
caçadores; empregando
para isso a azagaia, ùnica arma de que usam. Sam franzinos
de
côrpo e de pequena estatura, com
feições bastante regulares. Uns
vinte que eu vi, traziam, quasi tôdos, na
cabêça uns penachos
feitos de sêdas de elephante, demonstrando cada penacho um
elephante môrto pêlo
que o traz. Vestem pelles como os do Cuchibi, e trazem pannos de
liconde
para se cobrirem.
Traziam manilhas de ferro e de cobre fabricadas por elles. A
difficuldade que havia de nos entendermos não me permitio
levar muito longe as averiguações
ácerca do paiz
d'elles e dos terrenos que atravessáram para chegar ali.
No dia 21, Verissimo voltou de Lialui, dizendo, que as canôas
estavam promptas, e que Lobossi me mandava pedir para ir ficar na
cidade no dia immediato. Enviei logo um homem ao rei, dizendo-lhe que
só
iria em dois dias, por estar doente; sendo o verdadeiro motivo d'essa
demora, o ter de fazer observações e completar
estudos
meteorològicos no dia 22. Por esse mesmo enviado mandei
dizer a
Gambela, que me apromptasse aposento em sua casa, porque iria ser seu
hòspede. Eu queria fazer do
ladrão fiél.
A 23 de Setembro, deixei Catongo, e caminhei para Lialui, onde cheguei
ás duas horas e meia da tarde. Gambela esperava-me com
pompa, e foi conduzir-me ao alojamento que me tinha preparado. A marcha
por um sol abrasador prostrou-me de fadiga, e só
á noute
pude ir visitar Lobossi. Elle recebeu-me muito bem, dizendo-me, que
estava convencido de que
fôra illudido por Caiumbuca e pêlos muleques do
Silva
Porto; que
acreditava ser eu um enviado do governo do Mueneputo, e que me queria
dar todas as satisfacções pêlos
transtornos que eu
tinha soffrido nos seus estados, de que elle dizia não ter
tido
a menor culpa.
Aproveitei tão bôas
disposições, para renovar o meu pedido de gente e
auxilio, para seguir pêlo paiz do Chuculumbe até
Caiuco, e descer depois o Loengue embarcado, e ir ao Zumbo
pêlo
Zambeze.
Respondeu-me, que isso não podia ser, porque esse projecto
encontrava uma grande
opposição nos velhos do seu conselho. Que o
Munari
(Livingstone), no tempo de Chicreto, ja tinha feito aquella viagem com
gente do Lui, e que nenhum dos que com elle fôram para leste
voltara mais ao paiz.
Os velhos falando elle n'isso, disséram-lhe, que me
perguntasse o que era feito dos seus irmãos Mbia, Caniata e
Scuêbu,
e muitos outros que fôram e não
voltáram. Diziam elles,
que, ao partir, Livingstone prometteu, que os tornaria a trazer ali; e
ainda hôje as
mulheres e os filhos esperam por maridos e pêlos pais.
Affirmou-me, que se podesse, me daria gente, mas a resistencia do
pôvo era grande, e não lhe convinha ir contra
ella. Os
três barcos estavam ás minhas ordens para descer o
Zambeze, e nada mais podia fazer por mim.
A 24 de Setembro, logo de manhã recebi a visita de Lobossi,
que se vinha despedir de mim, e apresentar-me os seus escravos que
deviam tripular as canôas até umas
povoações
do
Zambeze, onde o chefe me deveria dar novos barcos e novas
tripulações. Deu-me uma pequena
ponta de marfim, para eu offerecer ao chefe das
povoações
onde arranjaria
os barcos, e trazia tambem um bôi para a matalotagem.
Agradeci-lhe muito, e
separámo-nos nos melhores termos de amizade. Segui a S.O., e
depois de uma hora de caminho, encontrava o braço do rio a
que
chamam pequeno
Liambai, e pouco depois, três pequenas canôas
largavam a
margem,
levando a minha bagagem, a mim, a Verissimo, Camutombo e
Pépéca.
O Augusto, Moero e Catraio, com as duas mulheres, seguíram
por terra, acompanhados do caçador Jasse e do chefe
Mutiquetéra, mandados por Lobossi, para seguirem comigo, e
irem
dando as suas ordens aos chefes, a fim de ter o caminho livre.
Mais dois entes, de que me tenho descurado de falar, dois entes que
representavam duas dedicações inquebraveis,
aquelles que desde a minha sahida não me haviam dado um
ùnico dissabor,
estavam ali comigo, sempre promptos a seguir quando eu marchava, a
pararem quando acampava, a dispensarem-me mil caricias quando me viam
triste, a divertirem-me quando alegre estava. Eram Córa e
Calungo, a minha cabrinha
e o meu papagaio.
A viagem do rio ia separar-me tôdos os dias de
Córa, que não podia ir sempre embarcada
pêla exiguidade de espaço nas
canôas, mas Calungo voando sem mêdo para o meu
hombro, seguio embarcado.
Depois de termos navegado ao sul por um quarto de milha,
deixámos o pequeno Liambai, e mettemos a S.O. por um
canalête, por onde
o braço oeste do rio deita um pequeno veio de
àgua, de
lagôa em lagôa para o braço leste.
No intervallo entre as lagôas, ás vêzes
de mais de cem metros, o navegar é difficil, porque
é difficil navegar onde
não ha àgua. Foi preciso muitas vêzes
descarregar os barcos e arrastal-os
sôbre um fundo de lôdo. Nas lagôas o
caniçal espêsso
embaraçava tambem a navegação.
Depois de um trabalho violento e aturado, parámos
ás seis horas na margem de uma lagôa, em planicie
recentemente queimada, onde
não havia com que construir o mais pequeno abrigo.
Tinha havido o cuidado de levar lenha, e com ella podémos
assar carne, que eu comi com appetite voraz, por não ter
ainda n'esse dia
tomado alimento. Estendi depois a minha cama de pelles sôbre
a terra
hùmida e deitei-me ao relento.
Os remadores estivéram tôda a noute assando carne
e comendo; fazendo assim desapparecer a maior parte do bôi
dado por Lobossi, e
mostrando que a capacidade estomàchica dos
sùbditos do rei
do Lui é verdadeiramente incommensuravel.
Depois de uma pèssima noute, parti ao alvorecer do dia 25, e
naveguei em uma lagôa por meia hora, entrando em seguida no
braço principal do Liambai. Apparecia nas margens uma tal
quantidade de caça,
que fiz parar a flotilha, e entrar em serviço a Carabina
d'El-Rei; que, na
sua estrea, me forneceu logo vìveres que calculei chegariam
para dois
dias, apesar da voracidade dos Luinas.
O Liambai tinha ali uns 200 metros, e muito fundo. A corrente era
pequena, e essa mesma não aproveitada pêlos
remadores, que receando os hippopòtamos, que sem cessar
vinham resfolgar no pego, iam
sempre encostados ás margens, onde a àgua pouco
funda
não permitia o accesso aos enormes pachidermes.
Tìnhamos de parar de instante a
instante, para tirarmos àgua das canôas velhas e
fendidas.
Parei junto a Nariere, para calafetar o meu barco, e em quanto os
prêtos faziam trabalho com hervas e barro, medi a velocidade
da
corrente, que achei ser de 24 metros por minuto. O meu rumo medio era
S.E., mas o rio dá ali voltas curtas em grande zig-zag;
tendo eu
em uma
d'ellas navegado por 20 minutos a N.O. Acampei na margem
esquêrda,
pêlas cinco da tarde, nas mesmas
condições da
vèspera, sem
abrigo e ao relento.
Muitas vêzes, n'aquelle dia, quando fugiamos aos
hippopòtamos de um lado, appareciam elles no outro, e
corrémos perigo grave.
Eu não lhes quiz atirar, para não gastar as
munições. Só quem se vê no
centro d'Àfrica com pouca pòlvora sabe o valor de
um tiro.
Os barqueiros, que eram escravos do rei Lobossi, quizéram
ser insolentes comigo; mas eu metti-os na ordem a pao, segundo
instrucções recebidas do proprio Lobossi, que
prevenira o caso.
O Verissimo, que desde Quillengues resistira á febre, cahio
com um violento accesso, e eu mesmo não estava sem ella.
No dia immediato naveguei apenas por espaço de uma hora,
parando junto á povoação de
Nalólo, governada por uma
mulhér, irmã de Lobossi. Mandei pedir-lhe
desculpa de a não ir visitar, allegando a minha
doença e a febre do meu intèrprete Verissimo.
Ella aceitou a desculpa,
e enviou-me um pequeno presente de massamballa. Apesar de doente, fui
caçar, para fazer nova provisão de
vìveres, e consegui matar
dois antìlopes (Pallahs). As pelles, como as da
ante-vèspera,
fôram sêcas com cuidado e guardadas.
Pude trocar uma perna de carne de Pallah por um pequeno cesto de
feijão fradinho.
Verissimo peiorou muito n'esse dia, e eu á noute ardia em
febre tambem, tendo, apesar d'isso, de dormir ao relento n'um terreno
hùmido. Acordei completamente encharcado do orvalho, e muito
doente. Segui viagem, e depois de seis horas uteis de
navegação, com o
rumo medio de S.S.E., acampei, sempre na margem esquêrda.
Apesar de outra noute pèssima, a febre ia cedendo a fortes
doses de quinino, e no dia 28, naveguei por hora e meia para
alcançar
a povoação de Moangana, cujo chefe me devia
fornecer um barco por ordem de Lobossi.
O velho Moangana era um Luina de cabellos grisalhos, muito respeitoso,
que me recebeu muito bem, dizendo-me, que no dia immediato me levaria
elle mesmo á povoação da Itufa, onde
eu devia pernoitar, um barco e algum presente que me podesse arranjar.
O vento era fortissimo de leste, e encrespava as àguas do
rio, que não tinha menos de uma milha de largo. Havia perigo
para canôas
tão pequenas como as nossas, mas, apesar d'isso,
seguímos, e em hora e
meia chegámos a Itufa, grande aldea, na margem
esquêrda.
Mais de uma vez estivémos em grande risco de
soçobrar, e declaro que é triste perspectiva a de
cahir a um rio coalhado de crocodilos.
O Verissimo ia um pouco melhor e eu mesmo, apesar da febre quasi
constante que me minava, sentia-me com mais
fôrças.
Ja me esperavam na aldea, prevenidos pêlos meus muleques que
jornadeáram por terra, e que, com o caçador
Jasse, e com o chefe, haviam
chegado n'essa manhã.
O chefe recebeu-me bem, dando-me logo uma casa, e offerecendo-me uma
panella de leite coalhado e uma cêsta de farinha de milho;
mas começou por dizer-me, que tinham enganado Lobossi, e que
elle não
tinha barco.
Comi um pouco de leite e farinha, e os meus muleques n'um momento
fizéram desapparecer o resto do presente do chefe,
declarando-me que tinham fome, depois de terem comido tudo. Instei com
o chefe para me obter alguns vìveres mais; mas elle
respondeu-me, que
só a trôco de fazendas m'os dariam, e como eu
não
as tinha, nada se
poderia fazer.
Dei aos muleques as pelles dos antìlopes que tinha
môrto, e a trôco d'ellas sempre
arranjáram farinha, ginguba e tabaco.
Á noute, quando me fui deitar, vi que estava rodeado de
aranhas enormes, muito chatas e nêgras, que desciam das
parêdes em
vagaroso caminhar; e fugi da casa, indo deitar-me no pàteo
ao relento. Estava
escrito, que durante a minha viagem no Zambeze, nem uma só
noute um tecto
abrigaria o meu sono.
No dia 29, logo de manhã, chegou o velho Moangana com o
promettido barco.
Veio renovar os seus protestos de amizade, e retirou-se; dizendo-me,
que tinha cumprido as ordens do seu rei Lobossi, e esperava que eu
estivesse satisfeito, porque elle queria a amizade dos brancos.
Na Itufa continuavam as difficuldades para a outra canôa; o
chefe só fazia repetir-me, que a não tinha, e
lastimar que houvessem
enganado Lobossi e a mim.
Os Luinas e Macalacas t[~e]m por hàbito esconder as
canôas em lagôas interiores cobertas de
caniçal, que communicam com o rio por
pequenos canalêtes disfarçados pêla
vegetação e só d'elles conhecidos.
Quando não querem que as vejam, difficil é
encontral-as.
O caçador Jasse e o chefe Mutequetera, conhecedores das
manhas dos Luinas, tanto buscáram entre os
caniçaes das
lagôas, que encontráram uma canôa;
fazendo o chefe da Itufa mil protestos, de que
ignorava que ella estivesse ali.
As casas da Itufa sam, como tôdas as dos Luinas, de
três formas differentes, e taes como ja descrevi falando das
povoações de Canhete e da Tapa; mas aquellas que
t[~e]m a forma tronco-cònica sam
de muito grandes dimensões. A que me foi offerecida
pêlo
chefe, a casa das aranhas, media, no quarto interior, 6 metros de
diàmetro, e
no exterior 10.
Figura
110.--Casa na Itufa.
N'estas dimensões, não podem como as outras ser
construidas só de caniços, e umas fortes estacas
verticaes sustentam o tecto,
cuja armação é de longas varas de
madeira.
Ha ainda na Itufa outro typo de casas, que é original d'ali.
Sam compostas estas de uma casa ogival, a que addicionam uma
semi-cilìndrica deitada no sentido do eixo, formando assim
dois compartimentos distinctos. Estas casas sam grosseiramente
construidas,
ao passo que a casa tronco-cònica, verdadeiro typo da casa
Luina, é edificada com cuidado, e muito resguardada.
Pêla primeira vez, depois de ter deixado o Bihé,
vi gatos em Àfrica, que os ha em abundancia na
povoação da Itufa. Ha
tambem ali muitos cães de bôa raça, que
empregam com vantagem na
caça dos antìlopes.
Continuava a difficuldade de obter vìveres, mas a carabina
suppria a falta de fazendas para permutações, e
sempre
ìamos obtendo alguma farinha de massambala a trôco
de carne e pelles.
As tripulações estavam promptas, e os dois barcos
em acção de seguir, quando uma nova difficultade
veio retardar a viagem.
Os remadores declaráram, que não embarcavam, em
quanto eu não deposesse nas sepulturas das mulheres dos
antigos chefes da Itufa, alguns massos de missanga branca.
Sem ser cumprido esse preceito, afirmavam elles estarmos sujeitos a
innùmeros perigos durante a viagem; porque as almas das
mulheres dos chefes, desassocegadas e irritadas, nos perseguiriam sem
trègua. Eu, que não tinha missanga, nem branca
nem
prêta, chamei o
chefe e mostrei-lhe a absoluta impossibilidade de socegar as almas das
fidalgas da Itufa. Elle a muito custo pôde resolver as
tripulações a seguir, mas foi só no
primeiro de
Outubro que largámos d'ali.
O meu nôvo barco era uma piroga, cavada em um comprido tronco
de Mucusse, e media 10 metros de longo, por 44 centìmetros
de
bôca, e 40 centìmetros de pontal.
As duas àrvores empregadas no alto Zambeze para a
fabricação das almadias, sam o
Cuchibi
e o
M'ucussi,
enormes leguminosas das florestas, da região das cataractas.
A madeira d'estas
àrvores gigantes, é de extrema dureza, e de maior
densidade do que a
àgua.
A minha piroga era tripulada por quatro homens, um á proa e
três a ré.
Eu ia sentado na frente, a um têrço do comprimento
do barco, sôbre a minha mala pequena, que continha os meus
trabalhos. O duplicado do meu diario, observações
iniciaes, etc., levava eu
amarrados ao côrpo com uma cinta de lã. As minhas
armas
iam ao meu lado, e as pelles do
meu leito completavam a carga.
Na outra canôa, Verissimo, Camutombo e
Pépéca, as malas da roupa e instrumentos, e a
caça que ia matando. Os remadores remam
sempre de pe, para equilibrarem as canôas, que se voltariam
sem isso. O
remar em taes barcos é verdadeiro exercicio
acrobàtico.
Figura
111.--O meu Barco.
Remos.
Uma piroga do alto Zambeze é como um patim gigantesco, em
que o remador tem de fazer tôdos os prodigios de equilibrio
do patinador
sôbre o gêlo, para sustentar a
posição estavel. Foi em taes
condições que eu, no dia 1 de Outubro, deixei a
Itufa, e me aventurei sôbre o rio
gigante, cujas ondas levantadas por um forte vendaval de leste,
ameaçavam a
cada momento submergir as estreitas almadias.
Depois de quatro horas de viagem, parei na margem esquêrda,
em uma pequena enseada, onde a gente que vinha por terra tinha dado
ponto de reunião aos barqueiros. As minhas novas
tripulações eram mais comedidas do que os
muleques do rei que me trouxéram a Itufa, mas
começavam ja com pedidos e exigencias.
Não encontrei caça no mato, mas, tendo chegado
alguns bandos de patos a uma lagôa pròxima, fui ao
barco buscar a
espingarda de caça miüda, de que só
tinha 25 cartuxos, e consegui matar 17 patos, de 6
tiros.
O ponto onde eu estava, era o extremo sul da grande planicie do Lui. As
duas nervuras de montanhas, que no parallelo 15 estam distanciadas de
30 milhas, convergem ali; só parando para dar um leito de
dois
kilòmetros ao Zambeze. Á planicie
monòtona e nua
succede o
paiz accidentado e coberto de luxuosa vegetação.
Ás
margens de arêa branca e finissima, uma arêa que,
comprimida sôb os passos do homem, solta
vagidos como os de uma criança, produzindo uma
impressão
inexplicavel, porque, estando muito sêca, imita um fraco
grito
humano. A essas margens de
arêa tão extraordinaria, succede, em
transição
ràpida, o terreno vulcànico; e sam blocos de
basalto que
marginam o rio.
Foi com o maior sentimento de prazer que os meus olhos se
fixáram sôbre esses penêdos denegridos,
vomitados em ondas de
fôgo nas èpochas primitivas do mundo. Desde o
Bihé, que não via
uma pedra, e com satisfação olhava para aquellas
que via ali.
Quando o meu cozinheiro Camutombo tratava de acender fôgo
para cozinhar os patos, o lume communicou-se á herva alta e
sêca
que cobria o solo, e logo, assoprado por um vento forte, voou por
sôbre a terra em
ondas de chamas.
O atear do incendio foi tão ràpido, que por um
momento estivémos envolvidos n'elle; tendo de nos precipitar
nas canôas para
lhe escapar.
No dia immediato parti, sempre a S.S.E., e depois de quatro horas de
navegação, comecei a encontrar grandes
filões basàlticos, atravessando o rio no sentido
E.O.
Alguns v[~e]m tanto á flôr
d'àgua, que tornam difficil a
navegação, e ainda
que a corrente
é inapreciavel, foi preciso diminuir a velocidade dos barcos
para evitar choques perigosos, n'aquelles paredões naturaes.
O rio começa, na região basàltica, a
ser povoado de ilhas cobertas de vegetação
pomposa. Pêla tarde,
avistámos um bando de ongiris (
Strepsiceros
kudu)
que pastavam na margem direita.
Desembarquei um pouco a montante, e consegui matar um dos soberbos
antìlopes.
Mandei seguir o barco, e eu caminhei por terra por espaço de
uma hora.
Levantei bandos de francolins, codornizes, e pintadas (
Numida
meleagris),
que nunca tantos vi em Àfrica. A
terrivel
môsca zê-zê tambem é
abundantissima ali,
incommodou-me muito na floresta
com as suas picadas dolorosas, mas inoffensivas para o homem; e tantas
havia e tanto me perseguíram, que até depois de
estar no
barco
ainda por muito tempo estive coberto d'ellas.
Fui acampar n'uma ilha muito extensa de um aspecto lindissimo, depois
de seis horas uteis de navegação a rumo de S.S.E.
O Verissimo estava completamente restabelecido, mas eu era devorado por
uma febre lenta e contìnua, que me minava a existencia.
No dia 3 de Outubro, segui viagem, sempre por entre ilhas
formosissimas, cobertas de vegetação luxuriante.
Navegámos, havia duas horas, quando vimos dois
leões que na margem direita bebiam
àgua do rio. Apesar de eu ter estabelecido como regra
não me entremetter com feras,
sem a isso ser forçado, e apesar ainda do valor que
então tinham
para mim os cartuxos, os instinctos do caçador
vencêram a
razão, e mandei abicar a canôa á
margem, direita aos bichos.
Os leões, percebendo-nos, deixáram o rio, e
fôram postar-se em uma eminencia a duzentos metros. Saltei em
terra e caminhei para elles.
Deixáram-me approximar a uns cem metros, e depois
poséram-se lentamente a caminho para montante do rio,
parando de nôvo depois de
curto espaço. D'essa vez acerquei-me a cincoenta metros, mas
elles
caminháram de nôvo e embrenháram-se em
um pequeno massiço de
arbustos. Eram dois leões machos de grandeza desigual, tendo
um quasi o dôbro da
corpolencia do outro.
Cheguei junto do matagal, e perscrutando a brenha, vi a
cabêça de um dos magestosos animaes, por entre os
arbustos, a vinte metros de mim. Preparei a carabina, e ao apontar,
senti um tremor convulso percorrendo tôdos os membros.
Lembrei-me
de que estava fraco e debilitado
pêla febre, e receei que o pulso tremêsse ao dar ao
gatilho. Tive
uma sensação singular que até
então não havia experimentado, e que
provavelmente era a
do susto. Por um esfôrço de
vontade o tremor parou, a carabina tomou firme a
direcção
que eu
lentamente lhe dava, e como ao atirar a um alvo, quasi fui sorprendido
pêlo meu proprio
tiro. Passou ràpida a nuvem de fumo, e nada vi no sitio onde
segundos
antes se mostrava a cabêça da soberba fera.
Carreguei
novamente o cano vazio, e com dois tiros promptos, dei volta ao
massiço. Para o lado
do Norte seguiam as pégadas de um leão, mas de um
só. O outro estava ainda ali. Aventurei-me no cerrado de
arbustos, e entre um tufo d'hervas vi o corpo inerte do rei das
florestas Africanas. A bala
express
esmigalhando-lhe o cràneo, cortara-lhe de golpe a vida.
Chamei gente, e n'um
momento a pelle e garras fôram-lhe arrancadas.
Na massa encephàlica foi encontrada a bala que produzio a
morte.[
5]
Ao largar a margem, principiámos a sentir, mal distincto, um
ruido longinquo, semelhante ao do mar revolto quebrando nas rochas das
praias. Devia ser uma cataracta, e essa idéa, que logo me
occorreu,
foi confirmada pêlos remadores. Pouco depois, os
filões basàlticos multiplicavam-se, formando
paredões naturaes, sempre no
sentido E.O.; mas, ao contrario do que tinha acontecido até
ali,
o rio ja
levava uma corrente ràpida que tornava perigosissimo o
navegar.
Um bando de Malancas que vimos na margem direita, obrigou-me de
nôvo a parar, e conseguindo eu matar uma, proseguindo na
viagem depois de nova interrupção de uma hora.
Figura
112.--Acampamento na Sioma.
Pêla tarde, fomos acampar junto das aldeas da Sioma,
estabelecendo o meu campo sôb uma gigante
Figueira-Sycòmoro, perto do
rio.
A viagem d'esse dia foi de cinco horas e meia, sempre a rumo S.S.E.
N'essa noute o meu sono foi acalentado pêlo ruido da
cataracta de Gonha, que, a jusante dos ràpidos da Situmba,
interrompe a
navegação do Zambeze.
No dia 4, logo de manhã, depois de ter comido um prato
enorme de ginguba, presente do chefe das
povoações, tomei
um guia e dirigi-me para as cataractas. O braço do Liambai
cuja
margem esquerda eu
descia, correndo a principio a S.E., vai vergando para O.,
até
que
chega a correr perfeitamente E.O.; e n'essa
posição
recebe dois outros braços do rio, que formam três
ilhas
cobertas de
vegetação esplèndida. No sitio onde o
rio
começa a curvar para O., ha um desnivelamento de
três metros em 120, formando os ràpidos da
Situmba. Depois
da
juncção dos três braços do
Zambeze, toma
elle uma largura de seiscentos
metros apenas, e logo ali deita um pequeno braço a S.O.,
pouco
fundo e
obstruido. O resto das àguas encontram um corte transversal
de
basalto, com um desnivelamento ràpido de 13 metros, e n'elle
se
precipitam
com fragôr immenso.
O corte é N.N.O., e forma três grandes quedas,
duas aos lados, e uma no meio. Por entre as rochas que separam as
três grandes massas
de àgua, cahem um sem-nùmero de cascatas de
maravilhoso
effeito. Ao
Norte, um terceiro braço do rio continúa a correr
no
mesmo
nivel superior da cataracta, e despenha-se no ramo principal em cinco
cascatas lindissimas, a ùltima das quaes fica quatrocentos
metros a
jusante da grande queda. Ahi o rio encurva de nôvo a S.S.E.,
estreia a
45 metros, e conserva uma corrente de 150 metros por minuto.
Os diversos pontos-de-vista que se gozam da borda sôbre
tôdo o espaço das quedas, sam sorprendentes, e
nunca vi em paiz algum dos que tenho visitado, paizagem mais bella.
Gonha não tem a imponencia das grandes cataractas. Ali a
paizagem é suave, variada e atrahente. A mistura da floresta
pomposa, com a rocha e com a àgua, estam harmonizadas, como
por
mão de
artista habil em tela primorosa.
Figura
113.--Cataracta de Gonha.
Mêsmo o despenhar da àgua no abismo,
não causa ruido pavoroso, e é de certo amortecido
pêla vegetação enorme
que a rodea.
Mappa:
Alto Zambeze --
Cataractas de Gonha
Ali não se elevam vapôres, que convertidos em
chuva alaguem as visinhanças; ali o accesso é
livre a
tôda a parte, parecendo que a natureza se comprazeu a tornar
facil a visita á sua bella
obra. Gonha é como a casquilha que se mostra, que se deixa
contemplar, para que a admirem.
Depois de levantar a planta da grandiosa cataracta, demorei-me ali
até á noute, não cançando
os olhos de ver
tão esplèndido quadro, em que a cada momento
descobria uma nova belleza.
Voltei ao meu campo, saudoso pêla lembrança de que
não veria mais em minha vida, o espectàculo
sublime que deixava para sempre.
No dia 5, fui ver o caminho por onde deveriam passar os barcos para
jusante da cataracta, e era elle por floresta espêssa, e
não inferior em extensão a cinco
kilòmetros,
porque em
tôda essa extensão o Zambeze, apertado em margens
de rocha
apenas distanciadas de 40 a 50 metros, conserva uma velocidade de 150
metros por minuto, e é tal o
referver das àguas, que impossivel é navegar
nelle.
Este espaço estreito a jusante da cataracta de Gonha,
chama-se o Nanguari, e termina por uma pequena queda do mesmo nome.
O ponto onde recomeça a ser navegavel chama-se o Mamungo.
A passagem dos barcos por terra foi feita por gente das
povoações da Sioma,
povoações de Calacas ou escravos,
governados por un chefe Luina, mandados, estabelecer ali pêlo
governo do Lui expressamente
para o serviço de carregarem os barcos por terra;
serviço a que sam obrigados sem terem direito a
retribuição alguma.
Foi fatigante aquelle trabalho, e eu fiquei verdadeiramente penalizado
de não ter nada que desse áquelles
desgraçados, que tão humildemente se prestam a
trabalho tão rude.
O Zambeze em Mamungo alarga a duzentos metros, mas continúa
apertado em cinta de rocha, onde estam marcadas as cheias por
traços
horizontaes provenientes dos depòsitos das àguas
lodosas. Por
esses traços vi que as àguas se elevam ali a 10
metros, nas màximas
cheias, acima do nivel de então, que deveria ser o
mìnimo proximamente.
Logo que sôbre as rochas basàlticas
começa a haver terra vegetal, principia uma
vegetação frondosa. O aspecto do
Zambeze n'aquelle ponto assemêlha o do Douro no seu
têrço medio,
com a differença apenas, de que n'aquelle o granito
é substituido por basalto.
Depois de ter navegado por espaço de hora e meia, encontrei
a foz do rio Lumbé, onde parei. Este rio vem do N., e tem,
pròximo da embocadura, 20 metros de largo, por um e meio de
fundo. Cem metros antes de entrar no Liambai, é-lhe superior
de
trinta metros, e por isso
despenha-se em cascatas, que seriam talvez lindissimas se ali perto
não
ficasse Gonha.
Segui, depois de ter visitado a foz do Lumbé, mas n'esse dia
apenas naveguei por mais duas horas; porque, tendo visto uns ongris,
acampei, e fui caçar. Consegui matar dois
antìlopes, que
nos
demorámos a preparar; decidindo não navegar mais
n'aquelle dia.
No dia 7, deixei o acampamento, e tendo navegado uma hora, encontrei a
cataracta Cale.
Figura
114.--Passagem dos barcos
em Gonha.
Ali o rio corre a S.E., e toma uma largura de novecentos metros.
Três ilhas o dividem em quatro ramos. O segundo, de oeste,
é o
que contém maior volume d'àguas, mas é
tambem aquelle em que
o desnivelamento é mais ràpido.
Nos outros braços o desnivelamento, que é de
três metros, produz-se em cem de extensão,
enquanto n'este não se estende a
mais de quarenta. Tôdos os canaes sam obstruidos com
rochêdos
desencontrados, onde as àguas resaltam com fragor immenso.
Descarregámos os barcos, que fôram arrastados por
um canalête junto á margem direita, e logo a
jusante da queda reembarcámos e
seguímos viagem. Meia hora depois, passàvamos uns
ràpidos,
onde só pequenos canaes sam praticaveis, e por onde os
remadores governáram
as pirogas com prodigiosa destreza.
Figura
115.--Cataracta de Cale.
Pouco depois, outros ràpidos fôram passados com
igual felicidade; sendo o resto da navegação
d'esse dia por entre pontas
de rochas açoutadas por violenta corrente d'àgua,
sem que outros desnivelamentos
ràpidos apparecêssem.
Ao acampar, eu sentia-me gravemente doente. A febre havia recrescido, e
a falta de alimentação vegetal era sensivel. O
dormir sempre ao relento, e o nenhum resguardo que era
forçado a
ter, tendo de
sustentar a minha gente pela carabina, faziam peiorar o meu padecer
constante. N'essa noute, rebentou sôbre nós uma
violenta
trovoada, e
com ella cahíram as primeiras gôtas
d'àgua
d'aquella nova
èpocha das chuvas.
O dia 8 de Outubro veio encontrar-me mais doente, mais abatido de
côrpo, mas não mais fraco de espìrito.
Segui viagem, e
meia hora depois, encontrava os grandes ràpidos de Bombue.
O rio forma um grande ràpido central, onde o desnivelamento
é de 2 metros. Do lado de Este três
canalêtes obstruidos
por innùmeras rochas, e de Oeste um canal mais largo, onde o
desnivelamento é mais
ràpido.
A montante dos primeiros desnivelamentos, uma ilha coberta de
vegetação divide o rio em dois braços
iguaes.
Bombue tem mais dois desnivelamentos, sendo o segundo trezentos metros
a jusante do primeiro, e o terceiro duzentos metros a jusante d'este.
Tôdos estes
ràpidos sam cheios de pontas de rochas desencontradas,
tornando
impossivel a navegação.
Os barcos descarregados fôram lascados junto a terra,
operação fadigosa, que levou muito tempo.
Figura
116.--Rapidos de Bombue.
Pozémos os barcos a caminho, encontrando um
ràpido que sem querer passámos embarcados com
inaudita
felicidade; e depois de 4
horas de viagem, parámos junto á confluencia do
rio
Jôco. Viajei n'esse dia por entre ilhas de uma belleza
admiravel,
que apresentavam os panoramas mais pintorescos á minha
vista,
fatigada da monotonia do planalto
Africano.
N'essa tarde, estando a repousar, fui acordado em sobresalto por os
nêgros, que tinham visto perto alguns elephantes. Apesar do
meu mao estado de saude, tomei a carabina e segui-os.
Na margem do Jôco avistei eu os enormes pachidermes, que se
enlodavam n'um paúl.
Tomei-lhe o vento e approximei-me cauteloso. Eram sete soberbos animaes.
A floresta espêssa que descia até junto ao
paúl, permittio-me approximar-me sem ser visto.
Por um momento contemplei aquelles gigantes da fauna Africana, e
não posso occultar que tinha remorsos prematuros de lhes
fazer
mal. A necessidade venceu o escrúpulo, e atirei ao mais
pròximo, dirigindo-lhe a bala ao frontal. O colosso oscillou
um
momento, sem mover as patas, e dobrando os joêlhos, foi
cahindo
de vagar sôbre
elles--posição que conservou um momento, tombando
depois
para o lado, e fazendo tremer a terra com o baque enorme.
Os outros seis atravessáram o rio Jôco em
apressado trotar, e desapparecêram na floresta.
Acerquei-me do inoffensivo quadrùpede, e ao contemplar a
minha obra de destruição, não pude
deixar de olhar
para mim, depois de olhar para elle, e de me achar bem pequeno. O meu
estado era tão
melindroso, que ja não pude voltar por meu pé, e
tive de ser
amparado pêlos nêgros para chegar ao acampamento.
No dia immediato estava peior, e sobreveio-me uma grande
inflammação do fìgado. Deitei
causticos, que pulverizei de quinino depois
de cortados.
A doença não me permittia partir n'aquelle dia, e
resolvi ficar ali até experimentar melhoras. N'esse dia
aconteceu ao meu Augusto a mais extraordinaria aventura de que tenho
tido conhecimento. Atirou a um
bùfalo que ferio, e que correu ràpido sobre elle.
Augusto tirou o machado, e no momento em que a fera baixava a
cabêça para lhe marrar, atirou-lhe um golpe
á fronte, com a sua força
hercùlea.
Homem e bùfalo roláram por terra. A gente que
estava perto do meu valente nêgro, julgára este
morto, quando
víra o feróz ruminante levantar-se e fugir.
Augusto levantou-se, e àlém
do abalo do choque, não
tinha soffrido nada.
Os nêgros acercáram-se d'elle, quando o meu
muleque se abaixou, e depois de apanhar o machado, apanhou,
tão admirado como os que o
viam, um côrno do animal, cortado cerce pêlo golpe
vigoroso.
Nas matas da região das cataractas, ha o Cuchibi, o Mapole,
o Opumbulume e a Lorcha, frutos que mais ou menos se encontram no
planalto, e
àlém d'esses, dois frutos privativos d'ali, a
Mocha-mocha, e o Muchenche. Este ùltimo é muito
sacharino, e d'elle fiz eu um
refresco muito agradavel.
Os causticos pulverizados de quinino, e três grammas d'elle
que introduzi no organismo, em três
injecções hypodèrmicas a curtos
intervallos, acalmáram o meu estado febril, e no dia 10
levantei-me com sensiveis melhoras. A primeira noticia que me
déram foi que
o meu Augusto desapparecera desde a vèspera, e
não
tinha sido encontrado por alguns homens que o fôram procurar
ao mato.
Esta noticia deu-me grande cuidado, porque o Augusto é de um
atrevimento louco, e fêz-me recear uma desgraça.
Mandei
gente
em tôdas as direcções a buscal-o, e eu
mesmo fui
com alguns homens, apesar do meu estado, e do muito que me faziam
soffrer os causticos. Fôram infructuosas
as nossas pesquizas, e da excursão apenas
trouxémos dois
seb-seb (
Rubalis lunatus)
que eu matei, e muitas
varas de madeira, que os
Luinas colhêram proprias para astes de azagaias, e que sam do
mesmo
pao de que fazem os remos. Chamam-lhe Minana.
De volta ao campo, secámos ao fôgo muita carne dos
antìlopes.
Esta região, a que chamam o paiz de Mutema, é
abundantissima de caça da floresta, e desde o elephante
até á codorniz, ha
milhares de animaes de tôdas as familias, gèneros
e especies do planalto
Africano. No Zambeze, ao contrario, escaceia a caça
d'àgua,
abundantissima na região das planicies.
Pêla tarde appareceu o meu Augusto, dizendo que se tinha
perdido na floresta, e que encontrara uma
povoação de
Calacas, onde lhe tinham furtado tudo o que elle trazia, excepto a
espingarda.
Os Luinas, ouvindo isto, declaráram que iam
desforçar o Augusto, e por mais esforços que
empreguei não consegui
contel-os.
Alta noute voltáram os marinheiros, carregados com os
despojos do saque, e entre elles vinha o casaco do meu muleque.
É costume d'elles, logo que encontram
povoações de Calacas na região das
cataractas,
saqueal-as e destruil-as. N'essa noute o meu estado de saude
aggravou-se bastante, mas apesar de me sentir gravemente doente, dei
ordem de partir no dia immediato.
Uma hora depois de ter deixado a foz do rio Jôco, encontrei
os grandes ràpidos de Lusso.
Desembarquei e segui por terra, fazendo três
kilòmetros em três horas.
O rio em Lusso toma uma grande largura e divide-se em muitos ramos,
formando ilhas cobertas de vegetação
esplèndida.
Depois do bello panorama de Gonha, nada vi mais bello do que os
ràpidos de Lusso.
Embarquei de nôvo por baixo dos ràpidos, e tendo
navegado por duas horas, parei a montante da cataracta de Nambue.
As ilhas, com a sua vegetação pomposa,
continuavam a apresentar os mais atrahentes aspectos.
Decidi passar a cataracta n'esse dia, e houve grande trabalho, com a
pouca gente de que dispunha, para arrastar os barcos por terra. Levou
quatro horas aquelle fadigoso lidar, mas consegui dormir a jusante da
queda.
A cataracta de Nambue tem quatro desnivelamentos: o primeiro
é de meio metro, o segundo, 150 metros a jusante,
é de
dois metros, e perfeitamente vertical, o terceiro, 60 metros abaixo,
é de
um metro, e o ùltimo, tambem de 1 metro, fica a 100 metros
d'este.
Occupam por isso as quedas uma extensão de 310 metros. O
Zambeze corre ali N.S., mas logo abaixo verga a S.O. para tornar a
tomar o seu curso regular a S.S.E.
Durante a noute estive á morte. A febre intensa devorava-me,
e nunca pensei chegar a ver nascer o dia 12 de Outubro, dia sempre
festivo para mim, por ser o anniversario de minha mulhér. As
repetidas
injecções hypodèrmicas de sulphato de
quinino em
alta dose,
conseguíram dominar a febre. Eu chamei o Verissimo e
Augusto, e
entreguei-lhes os meus trabalhos, recommendando-lhes, que, se eu
morrêsse,
proseguissem na viagem até encontrar o missionario, e lh'os
entregassem.
Fiz-lhes ver, que o Mueneputo os recompensaria bem se elles salvassem
aquelles papéis, e os entregassem em mão segura,
que os fizesse chegar a Portugal.
Ás 6 horas da manhã do dia 12, senti um grande
allivio e decidi seguir viagem.
Parti ás 6 e meia, e ás 7 e 15 minutos, passei
uns pequenos ràpidos, e logo abaixo outros, mais
desnivelados, extensos e perigosos.
Entestámos ao ùnico canal praticavel, e logo que
o barco se achou
envolvido na corrente, um hippopòtamo veio resfolgar a
jusante.
Estàvamos entre Scylla e Charybdis, ou a fera ou o abismo.
Tornámos a
entestar com a corrente e subindo o rio, por uma habil manobra,
pozémo-nos
a coberto do perigo junto a um rochêdo quasi em
sêco.
Figura 117.--Nos
ràpidos.
O barco da carga, receando o cavallo-marinho, desviou-se do canal, e
foi impellido com velocidade enorme de encontro ás rochas de
um
canalête obstruido. Nunca pensámos que se
salvasse, mas
elle derivou
por entre as fragas e passou o perigo, tendo recebido apenas um golpe
de
àgua que quasi o encheu.
Ás 7.50, outros ràpidos, e ás 8, uns
muito desnivelados e extensos. Quizémos sahir em terra,
porque sentiamos a jusante um ruido
enorme, semelhante ao rebombar dos trovões pêlos
alcantiz
das serras, que nos fez recear grandes ràpidos, ou uma
cataracta impossivel de
transpor. Foi baldado esfôrço. A margem mais
pròxima,
a esquêrda, ficava-nos a 600 metros, e a corrente
ràpida, quebrando-se entre os
cabêços basàlticos, e resaltando em
ondas de espuma, tornava impossivel o abeirar
á margem. Sam momentos indescriptiveis estes.
Levado por uma corrente vertiginosa, tendo diante de si o desconhecido,
presentindo o perigo imminente a cada desnivelamento do rio que se lhe
mostra, arrastado de voragem em voragem pêlos
turbilhões da àgua revôlta, o homem
experimenta a
cada momento
sensações novas, e cem vêzes soffre a
agonia da
morte, para sentir outras tantas o prazer da vida. Das 8 horas e 5
minutos ás 8 e 40, passámos seis
ràpidos de pequeno desnivelamento; mas a essa hora, uma
queda
desnivelada de um metro se nos apresentou na frente. Semelhante ao
homem que, em corrida, estaca por um movimento instinctivo, ao ver o
abismo aberto sôb o
seu caminho, o meu barco, como se fôsse animado, parou, por
um
impulso dos
remos; machinal e inconsciente nos tripulantes. Esse momento de
hesitação produzio o desgovêrno, e a
comprida
piroga atravessou na
corrente, e saltou ao abismo, na corôa de espuma de uma onda
enorme. Foi
um segundo, mas foi o peior momento da minha vida. Era a Providencia
que nos salvava. Se o barco tivesse atestado de prôa com a
voragem,
seria submergido, e estariamos perdidos. O desgoverno d'elle foi-nos a
salvação. Logo abaixo d'estes, outros
ràpidos menores; e então fizémos
fôrça de remos para uns rochêdos, que a
meio rio estavam collocados em ponto onde a corrente era mais fraca.
Abeirámos a elles, e
estivémos a tirar àgua e a arrumar as cargas,
desarranjadas
pêlo abalo dos ràpidos. Segui ás 8 e 55
minutos, e
logo, ás 9 e 15,
encontrámos novas cachoeiras. Ás 9 e 25, os
grandes
ràpidos da
Manhicanga. Ás 9 e 30, outros; e d'ahi aos grandes
ràpidos da Lucanda, que
passámos ás 11 e 8 minutos, saltámos
em sete
cachoeiras mais. Depois de
passarmos um pequeno ràpido, encontrámos a
cataracta de
Catima-moriro (
apaga o
fôgo) ao meio-dia.
É Catima-moriro o ùltimo desnivelamento da
região superior das cataractas do alto Zambeze. D'ali
até á nova
região de ràpidos, que precede a grande cataracta
de Mozi-oa-tunia, o rio é
perfeitamente navegavel.
O espìrito tambem se fatiga como o côrpo, e foi
verdadeiramente fatigado de espìrito, que eu cheguei ao
têrmo d'essa
perigosa jornada do dia 12, jornada que não posso relembrar
sem terror. As
commoções d'aquelle dia tinham sárado
o côrpo, e achava-me sem febre, mas
muito fraco. Appareceu muita caça, mas a minha fraqueza e as
dôres que me
produziam os causticos ainda abertos, não me
permittíram
caçar.
O curso do rio foi sempre a S.S.E.
D'ahi em diante, o rio torna a ter o mesmo aspecto do Barôze,
planicies enormes, fundo de areia, e nem mais um rochêdo. As
margens
sam formadas por camadas sobrepostas de argila esverdeada. O vento
leste era de
nôvo fortissimo, e encrespava a superficie das
àguas, levantando
ondas bastante grandes. Apesar d'isso, segui a 13, e fui acampar junto
da povoação de Catongo. De nôvo tinha
peorado, e era prostrado pêla febre que me mettia no barco
para seguir.
Ali em Catongo encontrei a minha gente, que tinha deixado na foz do
Jôco, e que chegou n'essa noute.
Sube, que na vèspera tinham corrido um eminente perigo,
sendo atacados por um bando de leões. Subindo para cima de
àrvores podéram escapar-lhe, mas
estivéram muito tempo cercados por elles. A minha
cabrinha Córa foi içada por um pano que lhe
atáram aos cornos, e
estêve amarrada a um tronco junto de Augusto. O Augusto matou
um dos leões,
atirando-lhe de cima da àrvore, e trocou em Catongo a pelle
d'elle por uma
grande porção de tabaco.
No dia 14, naveguei a leste, direcção que toma o
Zambeze, e fui acampar, pêla tarde, ja perto da
povoação do
Quisseque.
O rio continúa a dividir-se, formando grandes ilhas, mas
não como as da região das cataractas. Sam
canaviaes monòtonos,
que cançam a vista.
Tivémos n'esse dia pescadores, que nos fornêceram
abundante peixe. Fôram os Uanhis, como lhes chamam os Luinas,
e que não sam mais do
que
pygargos
gigantêscos que povoam as margens do
rio.
Fôram perseguidos alguns, que abandonáram o peixe
que levavam.
Uma d'essas Àguias aquàticas, tinha nas garras
poderosas um peixe mais corpulento do que uma pescada, e levou-o
fugindo dos meus remadores, sem que mostrasse
esfôrço ao
voar.
Todavía, a maior parte abandonavam a prêsa, para
fugir mais ràpidamente.
Estes pygargos do Zambeze, que não vi acima da
região das cataractas, t[~e]m a cabêça,
o peito e a cauda completamente
brancos, e as azas e costas de um nêgro de èbano.
Sam exactamente como a especie Americana descripta com o nome
de
pygargo
de cabeça branca, mas menos corpulenta do que a
ave que serve de emblema ao pavilhão dos Estados-Unidos.
No dia 15 de Outubro, cheguei de manhã ao Quisseque, tendo
navegado por uma hora a leste.
Não quiz ir para a povoação, ja
desconfiado do gentio, e fui acampar no meio do caniçal de
uma ilha fronteira. Mandei prevenir o
chefe de que estava ali, e deitei-me abrasado em febre, que de
nôvo
reapparecera intensa.
Pouco depois da minha chegada, appareceu na ilha um homem trajando
á Européa, que, pêla côr de
café com leite da pelle, eu reconheci ser um filho das
margens do Orange.
Disse-me, por intermedio do Verissimo, usando da lìngua
Sesuto, que era criado do missionario, e estava ali esperando a
resposta do rei Lobossi a respeito de seu amo. Por elle sube, que o
missionario era Francez, o que sôbre modo me fez admirar.
Este
homem, que se chamava
Eliazar, vendo-me muito doente, mostrou por mim carinhos que nunca vi
em
nêgro.
Dizendo-lhe eu, que vinha de propòsito procurar seu amo,
elle
manifestou-me o seu contentamento, e assegurou-me, que o missionario
era o melhor homem do mundo.
Eu não sei explicar porque tive um prazer enorme sabendo que
o meu homem era Francez, mas é facto que o tive.
Estava eu conversando com Eliazar, quando chegou o chefe, cujo nome
é Carimuque, mas que tambem é conhecido
pêlo de
Moranziani, nome de guerra dos chefes do Quisseque.
Disse-lhe, que queria seguir viagem no dia immediato, porque estava
muito doente, e precisava encontrar o missionario, para elle me dar
remedios.
Preveni-o de que não tinha vìveres, nem com que
os comprar, e elle prometteu-me mandar n'esse dia mesmo comida para mim
e para os meus.
N'essa tarde os meus remadores começáram a gritar
que não deixariam o Quisseque sem serem pagos. Eu chamei-os
e fiz-lhe ver, que
não tinha nada que lhes dar. Que o marfim só
poderia ser convertido em
fazendas logo que eu chegasse ao missionario que as deveria ter, e por
isso para serem pagos era preciso seguir ávante.
Elles parecêram convencer-se com o meu argumento. Passei uma
noute horrivel no caniçal da ilha. Eram cobras que
perseguiam
ratos, e ratos a fugir de cobras, os companheiros que tive em
tôrno de mim. A
febre augmentou. Carimuque veio ver-me na manhã de 16, e
trouxe-me
um presente de massamballa e uma pequena porção
de farinha de
mandioca.
Declarou-me elle, que os marinheiros se recusavam a seguir sem serem
pagos, e que por isso mandasse eu recado ao missionario para elle me
mandar as fazendas, e esperasse ali os enviados.
Recusei terminantemente fazel-o, e declarei-lhe, que lhes
não pagava se elles não seguissem no dia
immediato.
Depois de grandes
debates, em que fiz prova de enorme paciencia, e em que Eliazar
pleiteava por mim, repetindo cem vêzes, que seu amo, logo que
me
visse, pagaria
tudo o que elles quizessem, ficou resolvido que no dia 17 nos
porìamos
de nôvo em viagem.
N'esse dia chegáram ali os enviados que Carimuque mandara ao
Lui com a mensagem do missionario.
Como se sabe, e eu ja narrei no comêço d'este
capìtulo, Matagja opposera-se formalmente ao ingresso do
missionario no paiz do Lui. A resposta do rei Lobossi, dada por
Gambela, vinha cheia de hypocrisia, e não era uma negativa
formal.
Mandavam dizer-lhe, que muito estimariam que elle fôsse para
ali; mas que, n'aquelle momento, as guerras e a falta de commodidade
que poderiam offerecer-lhe em Lialui, cidade novamente construida,
fazia com que elles lhe pedissem, que se fôsse embora, e
voltasse
no anno
seguinte. Para Carimuque vinha uma ordem positiva para não
lhe
dar
meios de elle seguir para o Norte. Eliazar, que ficou muito triste com
a mensagem do rei Lobossi, continuou fazendo-me companhia, e falando-me
sempre de seu amo a quem tecia verdadeiros panegyricos.
Nesse dia, ás 4 horas da tarde, desencadeou sôbre
nós uma horrivel trovoada, que despejou copiosa chuva
até ás 6
horas. Carimuque veio ver-me de nôvo, e trouxe-me duas
gallinhas.
Parti ás 9 horas do dia 17, e depois de navegar por duas
horas e meia, encontrei a foz do rio Machila. Naveguei a E.S.E.
O rio Machila tem ali quarenta metros de largo por seis de fundo, mas
de certo influe n'esta altura a àgua do Zambeze que o
represa.
Corre em uma planicie enorme, onde pastam milhares de
bùfalos, zêbras e grande variedade de
antìlopes. Vi ali muitos coroanes, e
presenciei um effeito de miragem sorprendente, apresentando-me
tôda aquella
manada heterogènea, de patas para o ar.
Nunca vi tanta caça junta como ali, é ella muito
esquiva, e não deixa approximar a menos de duzentos metros.
Pude matar uma zêbra, que nos forneceu òptima
carne, muito melhor do que a de qualquér
antìlope. Depois de duas horas de
demora ali, segui viagem, e naveguei por duas horas e meia mais,
parando, ás 5
da tarde, por vermos na margem uma àrvore velha trazida
pêla
corrente, onde fomos fazer provisão de lenha para a noute.
Foi um verdadeiro
beneficio aquella àrvore, sem a qual não teriamos
lenha
para cozinhar em campinas despidas de arvorêdo.
Quando ìamos a seguir, appareceu um prêto,
gritando que os outros barcos tinham amarrado muito acima e acampado
ali a gente. Tivémos
que voltar a traz, por não termos provisões no
meu barco, e ir
a carne na barco da carga.
Só ás 6 e 30 minutos, ja noute, juntei a minha
gente, e acampei com elles.
N'essa occasião ja iam tôdos embarcados, porque
Carimuque tinha pôsto dois barcos grandes á minha
disposição, e n'elles eu havia accommodado
Augusto, as mulheres, os pequenos e a minha cabrinha.
Calungo, o papagaio, esse viajou sempre comigo.
Carimuque tinha-me feito um presente valioso, n'uma
porção de farinha de mandioca, o melhor alimento
que ali podia ter, para mim tão
doente e tão debilitado.
N'essa noute quiz comer uma pouca de farinha, e fui encontrar o
saquinho que a continha completamente vazio.
Entrando em averiguações do caso, sube que
fôra o meu muleque Catraio que a furtara e comêra.
N'essa noute, um drama terrivel passou-se junto do meu campo, no meio
das trevas.
Foi o combate cruento entre um bùfalo e um leão,
que terminou pêla morte d'aquelle em arrancos de agonia, ao
passo
que o seu vencedor dava prolongados rugidos, acompanhados por um
côro de hyenas. De
manhã, a 100 metros do acampamento, fomos encontrar os
despojos
do
bùfalo, cuja cabêça estava intacta, e
do qual
existiam apenas
ossos e farrapos de carne deixados pêlas hyenas.
Segui viagem, e depois de cinco horas de
navegação, entre ilhas divididas por
canalêtes, formando um systema complicado,
aportei sôbre um ràpido desnivelado de um metro,
primeiro elo da cadea de
cachoeiras que vai terminar pêla grande cataracta de
Mozi-oa-tunia.
Com o basalto reapparece a floresta lindissima, onde, entre outras
àrvores, sôbressahem já os baobabs,
esses gigantes da flora Africana, que eu não via desde
Quillengues.
Desembarquei, e fui deitar-me á sombra de um d'esses
colossos vegetaes.
Tinha terminado a minha navegação no alto
Zambeze, e d'ali até encontrar o missionario o meu caminhar
era de nôvo a pé.
A povoação de Embarira distava seis milhas do
ponto onde eu estava, e para lá partíram os
marinheiros com as cargas.
Eu adormeci, e só acordei por noute escura. Só o
Verissimo, Camutombo e Pépéca estavam junto de
mim.
Perguntei-lhes
¿porque estàvamos ainda ali? respondendo-me o
Verissimo,
que não tinha querido
interromper o meu sono. Apesar do escuro da noute, ia pôr-me
a
caminho, quando
reparei que não tìnhamos uma só arma.
O Verissimo,
que de vez em quando fazia asneira, deixara levar as minhas armas para
Embarira. Não
fiquei socegado, vendo-me sem armas no meio de uma floresta infestada
de feras. Mandei-os logo juntar lenha para fazer uma fogueira, mas
ás
escuras elles nenhuma encontravam que servisse.
Pépéca lembrou-se então de ter visto
perto de nós um barco velho, que effectivamente
encontrámos, mas a dura madeira do Mucusse
resistia ao corte da minha faca de mato.
Lembrei-me de o jogar como arìete contra o tronco do baobab,
e logo nós três dando-lhe o movimento de vai-vem,
o
lançámos com a màxima
fôrça. A canôa fez-se em rachas na parte
que soffreu o choque. Esta
operação, repetida algumas vêzes,
forneceu lenha e com ella uma
bôa fogueira.
Estàvamos dispondo-nos a dormir ali, quando
sentímos gente, e logo appareceu o Augusto com alguns
homens, que vinham procurar-me.
Parti com elles, e cheguei a Embarira pêla meia noute. O
chefe da povoação tinha-me preparado uma casa,
onde me
recolhi cheio de febre e fadiga.
Estava em Embarira, na margem esquêrda do rio Cuando, cujas
nascentes havia descoberto e determinado três mezes antes.
Estava pròximo a alcançar o missionario, de quem
esperava auxilio para poder continuar a minha viagem, e estava em
vèspera de novas
aventuras, que não calculava ainda.
O estado da minha saude muito melindroso, a dùvida no
futuro, as apprehensões do presente, e milhares de
persovejos, que
tinha a casa onde me recolhi, fizéram-me passar uma noute
atribulada.
Depois, uma outra idéa, não me sahia da mente. Ao
chegar ali, sube, que um branco (Macua), que não era nem
missionario nem
commerciante, estava acampado de fronte de mim, na outra margem do
Cuando.
¿Quem seria o meu companheiro n'aquellas remotas paragens?
Ardia em curiosidade, e contava os instantes para o alvorecer do dia
seguinte.
CAPÌTULO
SUPPLEMENTAR.
A pàginas 184, em capìtulo anàlogo a
este, tratei por modo succinto, dos paizes comprehendidos no meu
caminho entre a costa de Oeste e o
Bihé.
N'este capìtulo buscarei epitomar o que nos meus trabalhos
escolhi de mais interessante, relativo ao vasto territorio que medea do
Bihé ao curso superior do rio Zambeze, até onde
termina a narrativa
da minha viagem na pàgina antecedente.
Apresentando um resumo das minhas determinações
astronòmicas, dos meus estudos meteorològicos,
etc., sem pedantismo o
faço, e creio apenas, n'isso cumprir um dever, tornando
pùblicos um certo
nùmero de estudos e trabalhos de que fui encarregado, e que,
se não interessam a
alguns leitores, podem merecer attenção de outros.
Sem querer alcunhar-me de sabio, declarar-me ignaro seria
affectação.
Àlém da carta geral d'Àfrica tropical
do sul, quiz eu apresentar algumas cartas parciaes dos paizes que mais
merecéram a minha
attenção no caminho que segui, por poder dar a
estas um
desenvolvimento de detalhes que a pequena escala d'aquella
não
comportaria.
Vou tratar d'esse enorme tracto de territorio, debaixo do ponto de
vista geogràphico, com tanto mais interesse, quanto elle
é desconhecido aos geògraphos; que nas suas
cartas o
t[~e]m preenchido
até hoje com linhas mal seguras, traçadas pela
mão
trèmula
da dùvida, colhida nas informações
pouco
idòneas e
contradictorias de gente ignara.
Um Europeo, Silva Porto, atravessou aquella parte da planura Africana,
antes de mim, e em grande parte muito mais ao sul do caminho que segui;
mas Silva Porto nunca publicou as suas interessantissimas notas, que
agora anda pondo em ordem; e é preciso dizer, que, se essas
notas dam um valioso subsidio ao estudo da ethnographia Africana, pelo
muito que a sua vista observadora perscrutou dos costumes e do viver
dos
nêgros, dam ellas um fraco auxilio ás sciencias
geogràphicas,
em que elle, por falta de elementos, não pôde
fazer um
trabalho
sério.
Sam paizes completamente novos á geographia aquelles que
apresentei nos antecedentes capìtulos, e de que vou tratar
n'este.
As coordenadas geogràphicas dos principaes pontos do meu
itinerario fôram calculadas dos elementos que adiante
publíco.
Começarei por descrever o systema fluvial d'esta parte da
planura Africana.
As ùltimas àguas que correm á costa de
Oeste nascem em tôrno do Bihé, dentro de um V
enorme formado por dois rios, o Cubango e o
Cúito, que, depois de se unirem em Darico, vam correr a S.E.
no Deserto do Calaari.
O systema fluvial da Costa Oeste, entre a foz do Cuanza e a do Cunene,
termina quasi ali; recebendo ainda o Cuanza alguns affluentes de Leste,
que vam buscar as suas àguas ao meridiano 18 E. Greenw.;
taes sam: o rio Onda, que ainda nasce dentro do àngulo
formado
pelo Cubango
e Cúito, e o Cuiba e o Cuime, que entrelaçam as
suas
nascentes com as do
Cúito e as de outro rio, o Lungo-é-ungo, que pelo
Zambeze
vai
lançar no mar Indico àguas bebidas nos charcos de
Cangala, por 18 de longitude; e
que percorrem a enorme distancia de mil quatrocentas e quarenta milhas,
para atingirem a meta que a natureza lhes marcou. A latitude destas
nascentes, que, em amigavel convivio, partilham as suas
àguas para pontos da terra tão distantes,
é
pròximamente de 12° e 30', isto é,
está n'essa faxa, comprehendida entre os parallelos 11 e 13,
onde nascem os dois rios gigantes da Àfrica Austral, o Zaire
e o
Zambeze, e
seus principaes affluentes.
Entre o Equador e o parallelo 20 austral, esses dois rios formam dois
systemas d'àguas perfeitamente definidos, mas que t[~e]m um
traço commum de união no parallelo 12 e na faxa
que borda
esse parallelo
60 milhas ao Sul e ao Norte, entrelaçando ali as suas
origens
muitos dos
grandes affluentes dos dois colossos, e formando de per-si cada um
d'elles um systema d'àguas que vai engrossar as duas
artérias principaes.
Assim pois, entre os meridianos 18 e 35 a leste de Greenwich, e os
parallelos 8 e 15 austraes, tôda a àgua que corre
ao Norte vai entrar no Atlàntico por 6°, 8', com o
nome de
Zaire;
tôda a que corre ao sul entra no Oceano Indico por
18°, 50',
com o nome de Zambeze.
Caminhando a E.S.E. afastava-me da bem pronunciada linha divisoria das
àguas dos dois grandes rios, e ao passo que os meus
ex-companheiros se entregavam ao estudo de um d'esses systemas
d'àguas filial
do Zaire, eu seguia passo a passo outro filial do Zambeze; e
á
medida que
avançava no interior do continente, esse systema ia-se
apresentando firmemente definido e claro.
Os paizes de que falei nos anteriores capìtulos, os mesmos
de que estou tratando aqui, sam a sede de um systema fluvial, que forma
um dos principaes, se não o principal, affluentes do Zambeze.
O rio Cuando, artèria principal d'este systema, nasce, por
18°, 57' de longitude, 12°, 59' latitude, n'um pequeno
charco
apaülado, superior ao nivel do mar em 1362 metros.
A sua foz, na confluencia com o Zambeze, está collocada em
17°, 49' de latitude, 25°, 23' de longitude, na altura
de 940 metros do
nivel do mar. A extensão do seu curso é de 540
milhas
geogràphicas, ou pròximamente mil
kilòmetros. O seu desnivelamento
da nascente á foz é de 422 metros, ou de um metro
em cada 2369 metros de curso.
Os affluentes do rio Cuando, pela maior parte navegaveis, representam
uma extensão de vias fluviaes não inferior a mil
milhas geogràphicas, ou pròximamente mil e
oitocentos
kilòmetros, que com
o curso d'aquelle rio perfaz um total superior a 1600 milhas, ou perto
de tres mil
kilòmetros. Estes algarismos enormes representam a
importancia
d'aquella parte do planalto Africano.
Forçando a minha marcha, entre mil difficuldades, pude
seguir a linha das nascentes do grande rio e seus principaes
affluentes, que
ficáram perfeitamente determinados nos seus cursos
superiores.
Aos traçados hypothèticos, a que a maior parte
dos geògraphos preferiam deixar na carta d'aquella parte
d'Africa um branco enorme, pude substituir um traçado firme
e
seguro do paiz ignoto.
O rio Queimbo, o Cubanguí, o Cuchibi e o Chicului, sam todos
rios navegaveis, banhando fèrteis paizes e promettendo um
futuro
áquella parte do continente nêgro, livre do
zê-zê, a môsca terrivel, que corta cerce
o porvir de muitos outros terrenos Africanos.
Agora, que em breves traços apresentei o grande e principal
systema d'aguas das terras comprehendidas entre o Bihé e o
Zambeze,
vou succintamente falar da sua orographia.
Para isso preciso antes dizer duas palavras da
constituição geològica do solo, que
facilmente explica os pequenos accidentes d'elle.
O solo Africano Austral é rocha das èpochas
primitivas. Se junto ás costas, nos terrenos baixos
observamos os depòsitos
sedimentares, e o trabalho da àgua, elles acabam ali, para
não
deixar perceber mais do que a acção do
fôgo.
Os calcàreos terminam nas escarpas oeste das montanhas que
formam os primeiros degraos do planalto. Succede-lhes immediatamente o
terreno plutònico, e encontramos até ao
Bihé o
granito primitivo, profusamente distribuido. Do Bihé para
leste
o granito vai
desapparecendo, e àlém Cuanza é
substituido pelos
xistos argilosos, e micaxistos.
É sempre o terreno eruptivo, mas debaixo da
acção do metamorphismo. Effectivamente, do Cuanza
ao Zambeze o solo é
metamòrphico.
Sam xistos e micaxistos, tornados de tal modo plàsticos,
pela acção das grandes àguas, que do
Bihé
ao Zambeze, se algum
viajante tencionar um dia ali atirar alguma pedrada, eu recommendo-lhe,
que leve pedras do Bihé e d'onde termina a região
granìtica, porque em todo o caminho que segui não
encontra uma só.
A natureza do terreno explica por si mesma o seu pouco accidentado, e a
falta de cataractas e ràpidos nos rios d'esta
região Africana. Em tôdo o caminho que segui ha
uma depressão constante no terreno
até ao leito do Zambeze, formando uma
inclinação suave. Esta
depressão é de 292 metros, em 720
kilòmetros, que medeiam da margem do rio Cuanza
á planicie do Nhengo.
A orographia d'aquella região é produzida pela
acção da àgua, e perfeitamente marcada
pelas depressões dos leitos dos rios.
30 a 40 metros acima do nivel das àguas correntes, se elevam
systemas de montes de cumiadas arredondadas e uniformes, acompanhando
sempre sem excepção o curso das àguas.
A flora que se nos apresenta no Bihé, e onde a planura
attinge a sua maior elevação, mais pobre em
àrvores,
mas riquissima em arbustos e plantas herbàceas; na parte
leste do paiz do
Bihé, e sobre tudo àlém-Cuanza,
já recupera, com a menor
elevação do solo, tôda a sua riqueza
tropical.
A caça, que escaceia desde o paiz do Huambo até
pròximo da nascente do Cuando, reapparece abundante d'ali
até ao Alto Zambeze. Seis
raças perfeitamente distinctas, e que os sertanejos da costa
confundem debaixo do nome genèrico de Ganguelas, assentam as
suas
povoações do Cuanza ao Nhengo.
O paiz a leste do Cuanza, na parte que é cortado pelos rios,
Cuime, Onda e Varea, e seus pequenos affluentes, é habitado
pelos
Quimbandes.
Do Cuito á nascente do Cuando, assentam as suas
povoações os Luchazes. Os affluentes de E. do
Cuando,
este mesmo rio, sam povoados de gentes de raça Ambuela.
Como disse na minha narrativa, o paiz dos Luchazes está
sendo invadido por uma emigração enorme de
Quiôcos
ou
Quibôcos, que tendem a estabelecer-se nas margens do rio
Cuito.
Entre este rio e o Cuando e muito para o sul, o paiz, sem
povoações fixas,
é com tudo occupado por uma grande
população
nòmada, os
Mucassequeres.
A margem sul do rio Lungo-é-ungo e seus pequenos affluentes,
sam habitados por os Lobares. Tres d'estas raças, os
Quimbandes,
Luchazes e Ambuelas, falam a mesma lìngua, o Ganguela, com
pequenas
modificações.
Os Quiôcos e Lobares falam dialectos differentes, e os
Mucassequeres uma lìngua original, tão diversa
das outras, que
é impossivel serem comprehendidos de povos estranhos.
Os Quimbandes sam indolentes e pouco guerreiros, pouco agricultores e
pobres em gados, occupando um paiz fertilissimo, em todas as
condições de dar a riqueza aos seus possuidores.
Formando federação, não deixam de
andar em questões continuadas com os vizinhos da mesma
raça.
Não sam bravos, mas sam ladrões, e atacam sempre
as comitivas do Bihé que vam negociar cêra mais ao
interior, logo que essas
comitivas sam fracas e elles conhecem que podem vencer.
É certo, logo que desfila uma comitiva no paiz, estarem
elles embuscados a contar as espingardas que traz, e o
nùmero de caixas de
pòlvora, que se distinguem pelo seu invòlucro de
pelle de leopardo,
costume adoptado pelos sertanejos Bihenos.
Se alguem entrar no paiz dos Quimbandes com 50 espingardas e seis ou
oito caixas de cartuxos, pode dormir descançado, que
só terá d'elles amizade e respeito.
Os Luchazes, um pouco mais agricultores do que os Quimbandes,
não possuem já rebanhos bovinos, e apenas ha aqui
e
àlém algum gado caprino de inferior especie.
Já cuidam de colher cêra, e sam um pouco mais
industriosos do que os seus vizinhos de oeste.
Em quanto a valor e honestidade, orçam pelo mesmo.
Constituidos em federação como aquelles, cada
povoação tem um chefe independente, um pequeno
senhor, que não se dá ares de tyranno com
o seu pôvo.
Os Ambuelas, de muito melhor ìndole, não sam nada
guerreiros. Sam talvez a melhor gente indìgena
d'Àfrica Austral.
Grandes cultivadores, não trabalham menos na colheita da
cêra. Sam pobres, podendo ser riquissimos se tivessem gados.
Formam federação como os outros, mas os chefes
conservam um pouco mais de independencia.
Em geral, vi n'Àfrica, que mais felizes e livres sam os
povos governados por pequenos senhores. Não se praticam ali
as scenas de
horror tão vulgares nos grandes imperios regidos por
autòcratas.
Se o roubo é vulgar, é desconhecido ali o
assassinio, ao passo que entre os grandes potentados o roubo vem depois
do homicidio.
Sem pertenções a propheta, quero crer, que, um
dia, será entre aquelles povos que se
estabelecerám os mais seguros elementos de
civilisação Europea n'Àfrica.
É minha opinião, que nos paizes occupados pelas
confederações Africanas, regidos por pequenos
règulos, de ìndole menos
guerreira, por se reconhecerem mais fracos, é que deve
entrar a
civilisação com mão forte, debaixo da
forma do commercio, do missionario e do explorador.
Divirjo, por tanto, da opinião do mais ousado dos
exploradores, do mais enèrgico trabalhador Africano, do mais
dedicado
apòstolo da civilisação do continente
nêgro, do meu amigo H. M. Stanley.
Diz elle, que devem os missionarios atacar a Àfrica pelos
grandes potentados.
Não penso assim, e o estudo dos factos demonstra-me o
contrario.
O Matebelle desde 25 annos que possue missionarios Inglezes, e
não ha ali um só Christão! Se o chefe
é
catechizado, o seu pôvo obedece e finge seguir a lei de
Christo.
É como a estàtua de Nabuchodonosor, tem pes de
barro aquella civilisação.
Môrra o chefe, venha outro que não queira trocar o
harém onde ceva a brutal lascivia, pelo thàlamo
nupcial onde uma só
espôsa lhe acompanhe os passos na carreira da vida, e cahio o
monumento, a
civilisação desfez-se, e não ha
àmanhã um
só christão na igreja que hoje regorgitava de
pôvo.
O commercio é bem recebido pelo grande potentado, porque
representa interesses immediatos materiaes de que elle colhe o fruto.
No Matebelle, onde os missionarios Inglezes não t[~e]m
podido fazer escutar a doutrina de Christo, os negociantes Inglezes
t[~e]m introduzido com o vestuario e com outras necessidades que t[~e]m
sabido crear, uma civilisação relativa.
Podem apontar-me o exemplo do Bamanguato, mas eu respondo com o que
já disse. Môrra o rei Khama, e vá ao
poder um sova
que não queira ser Christão, e tôdos os
cathequizados se
esvaïrám como fumo. Os negociantes
continuarám o seu tràfico, mas o missionario
terá de repetir com elle as orações do
Domingo, ás
pessôas de familia que o rodeam.
Digo-o sem receio de errar.
No Transvaal, entre pequenos règulos, vemos muitos
indìgenas que seguem a lei do Evangelho. No Basuto ha
Christãos convictos,
independente da influencia d'alguns chefes que o não sam.
Se os exemplos sam estes, aquelles que vêem no missionario o
primeiro mensageiro da civilisação Africana, que
ataquem
os pontos fracos do reducto, e não vam perecer ingloriamente
onde o cruzamento
dos fogos é mais activo.
Eu sou apologista do missionario, merecem-me a maior
consideração não só as
missões, em si mesmo, mas os seus membros espalhados no
meio dos povos bàrbaros do continente nêgro. Tenho
visto em
quasi todos os que conhêço a tendencia para
seguirem um caminho
differente d'aquelle que aponto.
Tôdos querem um grande nùmero de adeptos para a
catechese, sem olharem ao terreno em que semeam.
Uma vez que incidentalmente falei dos missionarios Africanos, vou
ràpidamente dizer duas palavras mais sôbre o
assumpto, que me proponho a ratar um dia largamente em obra adequada.
Eu francamente não creio o cèrebro do
prêto á altura de comprehender um certo
nùmero de questões, comezinhas entre povos
de raças evidentemente superiores.
As questões abstractas sam sublimes e incomprehensiveis a
tão inferiores organizações.
Explicar theologia a um prêto equivale a expor as
sublimidades do càlculo differencial a uma assemblea de
camponios.
Mas, se o prêto não está á
altura de poder jàmais comprehender as verdades da
religião de Christo, têm sem
dùvida o sentimento do bem e do mal, e está nas
condições de
comprehender os principios de moral commum.
Marchem para entre os povos ignaros d'Àfrica Central os
missionarios, sigam sem trepidar o caminho que lhes impõe a
sua
missão evangèlica, mas desvendem os olhos.
Tomem para si o que ha de abstracto na sciencia de Deus, e
não queiram ensinar aos nêgros o que ha de sublime
n'ella
para
cèrebros mais bem organizados. Ensinem moral e só
moral,
com o exemplo e com a
palavra; criem necessidades aos que a ignorancia faz prescindir de
tudo; criem-lhes necessidades, que ellas farám nascer o
trabalho,
e só por elle se regenera um pôvo.
Quero missionarios, mas quero missionarios do christianismo e da
civilisação, homens que compenetrados dos seus
devêres para com Deos e para com a sociedade, saibam firmar o
edificio social em
sòlidas bases; ensinando o bem e o trabalho, e tudo o que o
prêto possa
comprehender; esperando a occasião que o tempo, a
civilisação, não deixará de
trazer, se elle bem trabalhar, para ir pouco a pouco incutindo nos
ànimos as verdades da theologia e da moral.
Busque primeiro fazer do prêto um homem, que tempo
terá de fazer do homem um Christão. Seguir o
caminho contrario é
edificar na areia.
No correr d'esta obra terei ainda de falar nas missões
Africanas, e falarei desassombradamente com a consciencia de que presto
um verdadeiro serviço á causa das
missões e
á causa da humanidade, apontando erros de que ellas estam
eivadas.
O homem que mais poderia coadjuvar o missionario em Àfrica
seria o negociante.
Infelizmente o commercio sertanejo está em mãos
de bem tristes apòstolos da
civilisação.
Já falei dos Portuguezes, e com bem pesar meu tenho de
metter
estrangeiros em linha igual. Por um lado, a invasão do
commercio pelos Àrabes de Zanzibar não
dá em
civilisação e cultura o que devia dar, porque a
dissolução de costumes de taes gentes
destroe tudo quanto o commercio adianta.
Por outro lado, os
traders
(traficantes)
Inglezes, creio que deixam muito a desejar em moralidade, segundo ouvi
dizer a missionarios seus conterraneos. Esta questão, do
commercio sertanejo como meio
civilisador, é questão que me proponho a tratar
um dia, e que não é cabida aqui, onde
só por incidente falei de
missões e commercio.
Volvendo a entrar em assumpto, dizia eu, que os paizes comprehendidos
entre o Cuanza e o Zambeze estam em condições de
receberem com mais facilidade do que os outros povos que
conhêço em
Àfrica, o impulso civilisador que a Europa hoje se empenha
em
imprimir aos
esquècidos povos do grande continente.
Deixando estes paizes, dos quaes já falei detidamente nos
anteriores capìtulos, vou entrar no Alto Zambeze.
Até ali era eu o primeiro explorador a pisar aquellas
paragens, o primeiro a descrevel-as, o primeiro a apresentar uma carta
geogràphica que as representasse; ali havia sido
já precedido por outro,
e por outro que se tornou tão distincto na obra da
civilisação Africana, que ganhou um
tùmulo em Westminster Abbey, e repousa hoje junto dos
reis, dos grandes homens de Inglaterra. Vinte annos antes de mim, David
Livingstone percorreu aquelle paiz.
N'esse tempo era elle governado por outra raça, e eu fui
encontral-o em condições bem differentes.
As condições de geographia physica eram as
mesmas; mas os geògraphos que seguirem outros,
terám sempre
rectificações a fazer, terám sempre
alguma cousa a acrescentar.
Entre a carta de Livingstone e a minha ha differenças que
já déram nas vistas a alguns
geògraphos Europeos.
Que o vulto respeitavel do cèlebre explorador me
perdôe se eu o contradizer em alguns pontos da sua geographia
do
Alto Zambeze. Era a sua primeira viagem, e o Missionario ousado estava
longe ainda de ser o explorador geògrapho do futuro. Elle
mesmo
não se
vexa de confessar que, n'esse tempo, de balde tentou medir a largura do
rio por um processo trigonomètrico comezinho.
Da confluencia do Liba á do Cuando, o Zambeze apenas recebe
na margem direita dois affluentes, o Lungo-é-ungo e o Nhengo.
Quem viaja da Costa de Oeste vê logo, que entre o Nhengo e o
Cuando nenhum rio pode existir. Assim pois o rio Longo, o Banienko,
etc., sam traços filhos de informações
erròneas.
Na longitude do Zambeze, no parallelo 15, encontrei tambem
differença grande para oeste; notando-se que essa
differença envolve um
êrro manifesto; porque eu observava os reapparecimentos do
primeiro
satèlite de Jùpiter, e havendo erro da minha
parte era esse erro
prejudicial a mim, porque envolvia approximação
da
determinação de Livingstone.
Cada quatro segundos que eu visse mais tarde o reapparecimento, era uma
milha mais a favor d'elle.
O que poderia produzir um erro que me afastasse da
posição determinada, era eu ver o
satèlite antes do reapparecimento, o que
é materialmente impossivel.
O curso do Alto Zambeze, na parte em que o visitei, isto é,
do parallelo 15 á cataracta de Mozi-oa-tunia, é
dividido
em
quatro trôços perfeitamente distinctos. Do
parallelo 15 (e
mesmo muito mais do Norte) até pròximo do
parallelo 17,
é
perfeitamente navegavel em tôdas as èpochas do
anno.
Ahi começa a apparecer o terreno vulcànico, e com
elle o basalto. É a primeira região dos
ràpidos e
cataractas, onde
fôra um serio obstàculo, a grande cataracta de
Gonha; tudo
mais com pequeno trabalho se tornava facilmente navegavel, abrindo um
canal junto de uma das margens. Mesmo em Gonha, era de pequena
difficuldade profundar um canalête
que existe na margem esquêrda junto do caminho que segui por
terra, e
que vem designado na carta, por onde se escôam
àguas na
èpocha das cheias.
Da ùltima cataracta, Catima-Moriro, até
á confluencia do Cuando, torna o rio a ter uma
navigabilidade facil.
D'ahi para jusante novos ràpidos vam terminar na enorme
cataracta de Mozi-oa-tunia, e essa região não
poderá nunca ser aproveitada como via importante, porque uma
sèrie de abismos lhe corta um futuro
melhoramento qualquér quanto a
navegação.
No valle do Alto Zambeze ha terrenos productivos e ferteis. Vastas
pastagens alimentam milhares de rêzes nos valles, acima e
abaixo da região das cataractas. Na região
montanhosa ha
a
môsca Zê-zê, e torna-se difficil passar
os gados de
Lialui ao Quisseque.
Contudo, a môsca está concentrada nas florestas da
região das cataractas, e para leste do Barôze
não existe,
porque os povos Chuculumbes sam grandes pastôres.
O valle do Alto Zambeze, cheio de belleza, fertil e rico, exhala do seu
seio envôlto nos aromas das suas flôres o miasma
pestilente. Os Macololos fôram dizimados pelas febres, e
quando
as azagaias
do rei Chipopa libertáram o paiz dos ùltimos
conquistadores, já o clima tinha feito a sua obra de
destruição.
Os Bihenos, que resistem ás febres de quasi tôdos
os paizes Africanos que visitam, sam fulminados pelos miasmas do
Zambeze.
No paiz entre o Bihé e o Zambeze, onde as caravanas se
demoram muito tempo a permutar cêra, é rarissimo
haver um caso
de febre no gentio Biheno; àlém da planicie do
Nhengo,
multiplicam-se as sepulturas d'elles.
Verissimo, indìgena e possuindo uma
organização refractaria ao miasma, Verissimo, que
nunca em sua vida estivera doente, não
pôde escapar ao clima do Barôze, e vímos
no capìtulo
antecedente ser elle prostrado pêla febre. Eu mesmo, que
resisto bastante ás endemias Africanas,
sentia respirar a morte com o ar que respirava ali.
Esta verdade, se tivera sido apregoada ha mais tempo, teria poupado a
vida á familia Elmore, que só d'abeirar-se ao
paiz succumbio; porque o clima na região do Quisseque, e da
confluencia do Cuando
até Linianti, não tem melhores
condições de
salubridade do que o Barôze.
Cumpro um dever falando bem alto a linguagem da verdade a respeito de
um paiz que está merecendo a attenção
da
Europa.
Ahi fica ella, e salva está a minha responsabilidade de
informador consciencioso, para todas as desgraças, que
aquella voragem
ainda ha de causar aos que não crerem.
¿Será por isso o Lui um paiz de que se
dêva fugir e ao qual ninguem se deverá abeirar?
Não é, e eu vou
procurar demonstrar, que elle deve merecer uma séria
attenção,
não só á Europa em geral, como muito
particularmente a Portugal.
A Àfrica Austral, entre os parallelos 12 e 18, tem uma
largura media de dois mil e seiscentos kilòmetros, e a
partilha das
àguas para as duas costas faz-se a um quinto d'esta
extensão, junto
á Costa de Oeste; porque se faz pròximo do
meridiano 18 E. Greenw., isto
é, a 600 kilòmetros apenas, da Costa Oeste.
D'ahi já se lançam dois rios, cujas
àguas se juntam ao Zambeze, o Lungo-é-ungo e o
Cuando.
Antes de vermos a importancia d'estes dois cursos d'àgua,
estudemos o proprio rio gigante, aquelle que bebe as àguas
de
tôdo o planalto Africano ao sul do parallelo 12
até ao parallelo 20, e a
leste do meridiano 18.
O Zambeze divide-se naturalmente em tres grandes
trôços perfeitamente distinctos:
O alto curso, o curso medio, e o curso inferior.
O Alto Zambeze comprehende o rio desde as suas nascentes, ainda
ignotas, até á sua grande Cataracta Mozi-oa-tunia.
O curso medio estende-se desde Mozi-oa-tunia aos ràpidos de
Cabrabassa; e o Baixo Zambeze d'ahi ao Mar Indico.
Vejamos agora quaes sam as condições de
navigabilidade de cada uma d'estas partes do rio, e qual a sua
importancia relativa, e a dos seus affluentes.
Já n'este mêsmo capìtulo descrevi as
condições do Alto Zambeze e por isso
começarei por tratar do seu curso medio.
Conta elle de Mozi-oa-tunia a Cabrabassa uma extensão de 460
milhas geogràphicas, ou de 828 kilòmetros, e
divide-se
em duas regiões perfeitamente distinctas, a superior e a
inferior, cada uma das quaes
é extensa de 230 milhas, ou 414 kilòmetros.
A região superior, que principia na grande cataracta e
termina nos ràpidos de Cariba, não tem
importancia como via
navegavel, nem pelos affluentes que recebe, todos pequenos e
inaproveitaveis á
navegação.
Tem esta região alguns trôços
navegaveis, mas em pequenas extensões, e logo interrompidos
com
ràpidos. A segunda parte do curso
medio, de Cariba a Cabrabassa, está em
condições
bem differentes, tanto por offerecer uma facil navigabilidade como por
os importantes affluentes que recebe do Norte. De um d'estes affluentes
me occuparei em breve.
O Baixo Zambeze, de Cabrabassa ao mar, conta uma extensão de
310 milhas geogràphicas, ou 560 kilòmetros, onde
apenas
poucas milhas sam occupadas pelas cachoeiras de Cabrabassa; sendo o
resto do curso navegavel, ainda que em más
condições, por falta de
àgua na estação estia.
Esta parte do rio, mesmo nas más
condições em que está da confluencia
do Chire a
Tete, é ainda uma grande via por onde se faz todo o
commercio do interior com Quelimane. Recebe elle um affluente
importante, o Chire, magnìfico rio, que da sua foz a
Chibisa,
não tem
cataractas, sendo perfeitamente navegavel. O Chire que vem do Norte, no
seu
têrço medio corre a S.E. quasi parallelamente ao
Zambeze;
e por isso de Chibisa a Tete apenas medea uma distancia de 65 milhas
geogràphicas,
ou 117
kilòmetros, em terreno pouco accidentado, e que hoje, sem
caminhos, se vence facilmente a pé em cinco dias.
Esta circunstancia é muito para merecer a
attenção; porque, sendo o rio Zambeze pobre em
profundidade da foz do Chire a Tete, não o
é do Mazaro ao mar; e assim, navegando-se por elle e pelo
Chire
até
Chibisa, chegamos a 5 dias de jornada a pé, de Tete, com
toda a
rapidez que nos podem proporcionar aquellas magnìficas vias.
Os
117
kilòmetros que separam Chibisa de Tete, podem ser vencidos
em um
dia com uma simples estrada de rodagem, e em tres horas com uma
ferrovial.
Estam pouco ou nada estudados os ràpidos de Cabrabassa, e
não faço idéa até que ponto
elles constituem um sério
obstàculo á navegação, e se
com pequeno ou grande trabalho se poderia remover esse
obstàculo.
Sei porem, que a região que elles occupam é pouco
extensa, o que já constitue uma vantagem indiscutivel.
Voltemos ao curso medio do Zambeze.
Recebe elle pelo norte dois importantes rios, o Aruangua do norte, e o
Cafucué.
O primeiro, em cuja foz assentou outrora a importante e commercial
villa do Zumbo, cujas ruinas attestão até que
ponto a
ouzadia Portugueza, ia fundar os seus mercados, introduzindo a
civilisação e o commercio nas mais remotas terras
Africanas, é um rio volumoso em
àguas, mas, (dizem os sertanejos Portuguezes) muito cortado
de
cataractas.
Seria contudo importantissimo o seu estudo, ainda que não
lhe vejo a mesma importancia que tem o outro rio, o Cafucué,
de que vou
falar.
Os pombeiros Bihenos passam ao norte do Lui, atravessam o paiz dos
Machachas, e encontram um rio enorme a que elles chamam o Loengue. Esse
rio é percorrido por elles nas suas viagens de
tràfico, que o sobem até ás origens, e
descem
até á foz, onde
toma o nome de Cafucué.
Alguns dos que estavam comigo fizéram muitas vezes essa
viagem, e raro é o Biheno que não tenha estado em
Caiuco.
Miguel, o meu caçador de elefantes, de quem mais de uma vez
falei no correr da minha narrativa, passou dois annos n'aquelle paiz
caçando elefantes, e muitas vezes percorreu o rio embarcado
de
Caiuco a Semalembue; isto é uma distancia que eu calculo
grosseiramente em 220 milhas geogràphicas, ou 400
kilòmetros.
De Lialui a Caiuco deve a distancia ser de 220 kilòmetros,
porque é facilmente vencida pelos Luinas em dez dias,
havendo
exemplos de ter muitas vezes sido ganha em 8 e 7. Em virtude d'estes
dados, lancemos um ràpido golpe de vista ao estudo que temos
feito do Zambeze, e reconheceremos que, n'uma extensão de
900
milhas
geogràphicas, ou 1620 kilòmetros, seguindo pelo
Zambeze,
Chiri-Tete,
Cafucué ou Loengoe, a Caiuco e Lialui, temos apenas 18 dias
de
caminho por terra, 5 de Chibisa a Tete, 3 de Cabrabassa, e 10 de Caiuco
a Lialui; representando uma extensão de 400
kilòmetros, e
por isso sendo
aproveitados 1220 kilòmetros de vias fluviaes perfeitamente
navegaveis.
Voltemos agora ao Alto Zambeze, e vejamos quaes as suas circunstancias
com relação aos seus affluentes. De um sabemos
nos já que é navegavel, o Cuando, mas sabemos
tambem, que
elle desàgua entre duas
regiões de cataractas; o que o isola das partes importantes
do
curso do Zambeze.
Mas da região que está entre a sua foz e o Lui,
já disse que não vejo impossibilidade de ser
facilmente
tornada em via aproveitavel; e logo que assim seja, e mesmo agora,
poderìamos descer do Lui, e
subir pelo Cuando até perto do meridiano 18.
Contudo, outro rio poderia fornecer-nos o meio de attingir aquelle
ponto mais directa e facilmente, se fôsse navegavel.
Era elle o Lungo-é-ungo.
O Lungo-é-ungo é a grande estrada dos Bihenos
para o Alto Zambeze, e por isso muito conhecido d'elles. Affirmam-me,
que não tem
cataractas, e não deve tel-as, correndo em terreno igual ao
do Cuando e do Ninda.
O seu desnivelamento é de 400 metros em 540
kilòmetros de curso.
Dizem os Bihenos, e affirmáram-me os naturaes, sempre que
andei pròximo d'esse rio, que elle não tem
cataractas, como já
disse, mas que por vezes a sua corrente é muito violenta,
sendo preciso puxar
as canôas á cirga. Sendo isto verdade, como
supponho, chegarìamos do Mar
Indico, quasi á Costa de Oeste d'Àfrica, apenas
com 18
dias de caminho por terra, a pé! Isto é, em uma
extensão
superior a dois mil kilòmetros, apenas terìamos
de caminhar em terra 400!
A exploração do Loengue ou Cafucué e a
do rio Lungo-é-ungo sam hoje das mais importantes a
emprehender na Àfrica Austral, e sam
relativamente faceis e pouco custosas.
Não pude deixar de chamar a attenção
para este ponto, que resolve o problema da facil
communicação entre as duas
costas.
Já vam longas estas divagações, em um
capìtulo onde eu apenas tencionava apresentar os meus
trabalhos geogràphicos e
meteorològicos.
Nas seguintes pàginas vai publicado d'esses trabalhos, o que
eu julguei mais interessante para alguns leitores.
Ás observações iniciaes de astronomia
que me déram a determinação dos pontos
do meu caminho, seguem-se aquellas que me premitíram
fazer o relêvo do continente.
V[~e]m depois as notas meteorològicas, com
interrupções inevitaveis quando se é
só a fazer um trabalho tal.
Constam ellas de dois boletins, que registam as
observações feitas 0 h. 43 m. de Greenwich, e
ás 6 horas da manhã do
logar em que me achava, hora a que dava corda aos
chronòmetros.
O estudo d'esses boletins mostra sempre a grande uniformidade das
oscillações baromètricas, e as enormes
desigualdades de temperatura e de humidade do ar nos paizes a que se
referem.
Vê-se tambem, que os ventos reinantes sam do quadrante Este
em todo o paiz do Bihé ao Zambeze.
Como já tive occasião de dizer, e bem se
comprehende ao ler a minha narrativa, não pude fazer
collecções
naturalistas, e apenas, aproveitando muito pouco papél de
que
podia dispor, levei
das nascentes do rio Ninda algumas plantas, que estam em poder do Snr.
Conde de Ficalho, para serem estudadas, e onde parece já
terem
apparecido algumas especies novas.
É opinião do Snr. Conde de Ficalho, que o cereal
muito cultivado entre os Quimbandes e Luchazes, a que eu chamo
Massango,
e erradamente chamei Alpiste, é uma especie de
Penicillaria,
a que
chamavam outrora os botànicos
Penicetum
typhoideum.
Aquelle que eu designo com o nome de
Massamballa
é o
Sorghum.
Quadro das Observações Astronòmicas
pelo Major Serpa Pinto do rio
Cuanza ao Zambeze.
|
Anno
de 1879. |
Logares
onde
observei. |
Hora
dos Chronòmetros. |
Estado
para Greenwich. |
|
|
|
H. |
M. |
S. |
|
|
H. |
M. |
S. |
a |
Junho |
17 |
Mavanda |
--- |
|
|
--- |
b |
" |
" |
" |
9 |
12 |
39 |
|
+ |
3 |
47 |
18 |
c |
" |
" |
" |
5 |
53 |
44 |
|
+ |
3
|
47 |
4 |
d |
" |
" |
" |
5 |
37 |
55 |
|
|
--- |
e |
" |
22 |
" |
9 |
25 |
38 |
|
+ |
3 |
47 |
48 |
f |
" |
24 |
Rio Onda |
--- |
|
|
--- |
g |
" |
" |
" |
8 |
57 |
0 |
|
+ |
3 |
47 |
54 |
h |
" |
25 |
" |
--- |
|
|
--- |
i |
" |
26 |
" |
9 |
42 |
58 |
|
+ |
3 |
48 |
10 |
j |
" |
30 |
1.5
milha a O. do rio Cuito |
--- |
|
|
--- |
l |
" |
" |
" |
9 |
3 |
51 |
|
+ |
3 |
48 |
46 |
m |
Julho |
2 |
Alem
do
Cuito |
--- |
|
|
--- |
n |
" |
3 |
" |
0 |
29 |
32 |
|
+ |
3 |
49 |
7 |
o |
" |
" |
" |
3 |
53 |
7 |
|
|
--- |
p |
" |
4 |
Cambimbia |
--- |
|
|
--- |
q |
" |
" |
" |
8 |
56 |
46 |
|
+ |
3 |
49 |
15 |
r |
" |
" |
" |
--- |
|
|
--- |
s |
" |
" |
" |
8 |
55 |
26 |
|
+ |
3 |
49 |
15 |
t |
" |
6 |
Cambuta |
--- |
|
|
--- |
u |
" |
" |
" |
9 |
0 |
2 |
|
+ |
3 |
49 |
31 |
v |
" |
7 |
" |
--- |
|
|
--- |
x |
" |
" |
" |
9 |
10 |
14 |
|
+ |
3 |
49 |
39 |
z |
" |
10 |
Nascente
do
Cuando |
--- |
|
|
--- |
0 |
" |
11 |
" |
8 |
53 |
23 |
|
+ |
3 |
50 |
24 |
1 |
" |
" |
" |
--- |
|
|
--- |
2 |
" |
14 |
Nascente
do
Cubangui |
--- |
|
|
--- |
3 |
" |
" |
" |
9 |
11 |
11 |
|
+ |
3 |
50 |
54 |
4 |
" |
17 |
Cangamba |
9 |
2 |
40 |
|
+ |
3 |
51 |
24 |
5 |
" |
18 |
" |
--- |
|
|
--- |
6 |
" |
19 |
" |
--- |
|
|
--- |
7 |
" |
" |
" |
9 |
5 |
8 |
|
+ |
3 |
51 |
44 |
8 |
" |
23 |
" |
9 |
9 |
29 |
|
+ |
3 |
51 |
56 |
9 |
" |
" |
Margem
Direita do
Cubangui |
4 |
49 |
47 |
|
+ |
3 |
52 |
5 |
A |
" |
" |
" |
4 |
52 |
5 |
|
+ |
3 |
52 |
5 |
B |
" |
" |
" |
--- |
|
|
--- |
C |
" |
29 |
Caú-eu-hue |
--- |
|
|
--- |
D |
" |
" |
" |
8 |
55 |
42 |
|
+ |
3 |
52 |
48 |
E |
" |
" |
" |
8 |
58 |
22 |
|
+ |
3 |
53 |
1 |
F |
" |
" |
" |
8 |
59 |
5 |
|
+ |
3 |
53 |
1 |
G |
" |
" |
" |
8 |
59 |
42 |
|
+ |
3 |
53 |
1 |
H |
" |
31 |
" |
8 |
45 |
30 |
|
+ |
3 |
53 |
19 |
I |
" |
" |
" |
8 |
46 |
28 |
|
+ |
3 |
53 |
19 |
J |
" |
" |
" |
8 |
47 |
27 |
|
+ |
3 |
53 |
19 |
L |
" |
" |
" |
8 |
48 |
58 |
|
+ |
3 |
53 |
19 |
M |
" |
" |
" |
8 |
50 |
40 |
|
+ |
3 |
53 |
19 |
N |
Agosto |
3 |
" |
9 |
9 |
11 |
|
+ |
3 |
53 |
49 |
O |
" |
4 |
Margem
Esquerda do
Cuchibi |
3 |
15 |
7 |
|
+ |
3 |
53 |
51 |
P |
" |
" |
" |
2 |
40 |
47 |
|
|
--- |
Q |
" |
5 |
Ponto
onde deixei o Rio |
--- |
|
|
--- |
R |
" |
" |
" |
8 |
53 |
7 |
|
+ |
3 |
54 |
0 |
S |
" |
7 |
Rio
Chicului |
--- |
|
|
--- |
T |
" |
" |
" |
9 |
0 |
6 |
|
+ |
3 |
54 |
16 |
U |
" |
10 |
Nascente
do rio
Ninda |
6 |
57 |
20 |
|
+ |
3 |
54 |
41 |
V |
" |
" |
" |
6 |
58 |
20 |
|
+ |
3 |
54 |
41 |
X |
" |
" |
" |
3 |
3 |
52 |
|
- |
2 |
7 |
56 |
Z |
" |
11 |
" |
--- |
|
|
--- |
= |
" |
" |
" |
3 |
3 |
9 |
|
- |
2 |
7 |
53 |
- |
" |
13 |
Margem
do
Ninda |
--- |
|
|
--- |
+ |
" |
" |
" |
6 |
33 |
5 |
} |
|
|
|
|
/ |
|
|
|
|
|
|
} |
|
3 |
55 |
7 |
* |
" |
16 |
" |
6 |
55 |
53 |
} |
|
|
|
|
: |
" |
" |
Povoação
de
Calomba |
--- |
|
|
--- |
; |
" |
" |
" |
6 |
29 |
36 |
} |
|
|
|
|
! |
|
|
|
|
|
|
} |
+ |
3 |
55 |
33 |
? |
" |
" |
" |
6 |
54 |
8 |
} |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
^ |
" |
" |
" |
6 |
31 |
48 |
} |
|
|
|
|
' |
|
|
|
|
|
|
} |
+ |
3 |
55 |
33 |
. |
" |
" |
" |
6 |
51 |
46 |
} |
|
|
|
|
, |
" |
18 |
Povoações
do
Nhengo |
--- |
|
|
--- |
\ |
" |
" |
" |
8 |
58 |
21 |
|
+ |
3 |
55 |
42 |
" |
" |
21 |
Canhete |
--- |
|
|
--- |
$ |
" |
25 |
Lialui |
--- |
|
|
--- |
% |
" |
29 |
" |
--- |
|
|
--- |
& |
Setembro |
10 |
Catongo |
--- |
|
|
--- |
( |
" |
12 |
" |
3 |
46 |
19 |
|
+ |
3 |
57 |
35 |
) |
" |
" |
" |
1 |
9 |
50 |
|
|
--- |
[ |
" |
19 |
" |
9 |
6 |
53 |
|
+ |
3 |
58 |
42 |
] |
" |
" |
" |
3 |
4 |
9 |
|
|
--- |
« |
" |
20 |
" |
0 |
20 |
0 |
|
+ |
3 |
58 |
0 |
» |
" |
21 |
" |
6 |
2 |
0 |
|
- |
1 |
33 |
0 |
< |
" |
" |
" |
6 |
0 |
0 |
|
- |
1 |
33 |
0 |
> |
" |
22 |
" |
5 |
38 |
0 |
|
- |
1 |
33 |
0 |
~ |
Outubro |
1 |
Sinanga |
--- |
|
|
--- |
{ |
" |
4 |
Sioma |
--- |
|
|
--- |
} |
" |
" |
" |
10 |
10 |
1 |
|
+ |
4 |
0 |
40 |
_ |
" |
9 |
Confluencia
do
Jôco |
9 |
8 |
9 |
|
+ |
4 |
1 |
30 |
£ |
" |
" |
" |
10 |
42 |
0 |
|
- |
1 |
36 |
0 |
# |
" |
11 |
Cataracta
de
Nambué |
12 |
3 |
0 |
|
- |
1 |
37 |
0 |
¨ |
" |
" |
" |
3 |
48 |
34 |
|
+ |
4 |
1 |
50 |
|
Natureza
da Observação. |
Dupla
altura do astro. |
[A] |
[B] |
[C] |
[D] |
Resultados. |
|
|
° |
' |
" |
° |
' |
H. |
M. |
|
' |
" |
|
|
° |
' |
|
a |
Altura Mer. [*-] |
107 |
32 |
20 |
--- |
1 |
9 |
- |
0 |
40 |
1 |
|
12 |
35 |
S. |
b |
Chron. [*-] |
83 |
45 |
10 |
12 |
35 |
--- |
- |
0 |
35 |
3 |
|
12 |
26 |
E. |
c |
"
[)-] |
70 |
33 |
10 |
12 |
35 |
--- |
" |
1 |
Diff.
do Chron. |
4^h.57^m.6^s. |
d |
Eclipse do
1^o. satèlite de
Jup |
--- |
--- |
--- |
--- |
--- |
Long. |
17° |
30' |
E. |
e |
Chron. [*-] |
79 |
30 |
16 |
12 |
35 |
--- |
- |
0 |
50 |
3 |
" |
17 |
30 |
E. |
f |
Altura Mer. [*-] |
107 |
24 |
10 |
--- |
1 |
10 |
- |
0 |
30 |
1 |
Lat. |
12 |
37 |
S. |
g |
Chron. [*-] |
88 |
24 |
20 |
12 |
37 |
--- |
- |
0 |
25 |
1 |
Long. |
17 |
45 |
E. |
h |
Altura Mer. [*-] |
107 |
25 |
30 |
--- |
1 |
10 |
- |
0 |
30 |
1 |
Lat. |
12 |
38 |
S. |
i |
Chron.
[*-] |
73 |
18 |
40 |
12 |
37 |
--- |
- |
0 |
40 |
1 |
Long. |
17 |
46 |
E. |
j |
Altura Mer. [*-] |
107 |
31 |
20 |
--- |
1 |
12 |
" |
1 |
Lat. |
12 |
48 |
S. |
l |
Chron. [*-] |
86 |
4 |
24 |
12 |
48 |
--- |
" |
5 |
Long. |
18 |
7 |
E. |
m |
Altura Mer. [*-] |
107 |
35 |
50 |
--- |
1 |
12 |
" |
1 |
Lat. |
12 |
54 |
S. |
n |
Chron. [)-] |
83 |
23 |
30 |
12 |
57 |
--- |
- |
0 |
40 |
3 |
Diff. para o logar |
5^h.2^m.45^s. |
o |
Eclipse do
1^o. satèlite de
Jup |
--- |
--- |
--- |
--- |
--- |
Long. |
18° |
23' |
E. |
p |
Altura Mer. [*-] |
107 |
50 |
0 |
--- |
1 |
13 |
- |
0 |
40 |
1 |
Lat. |
12 |
56 |
E. |
q |
Chron. [*-] |
86 |
38 |
40 |
12 |
56 |
--- |
" |
3 |
Long. |
19 |
41 |
E. |
r |
Altura Mer. [*-] |
107 |
50 |
20 |
--- |
1 |
14 |
" |
1 |
Lat. |
12 |
56 |
S. |
s |
Chron. [*-] |
87 |
3 |
47 |
12 |
56 |
--- |
" |
4 |
Long. |
19 |
41 |
E. |
t |
Altura Mer. [*-] |
108 |
9 |
0 |
--- |
1 |
15 |
" |
1 |
Lat. |
12 |
58 |
S. |
u |
Chron. [*-] |
87 |
3 |
50 |
12 |
58 |
--- |
" |
3 |
Long. |
18 |
43 |
E. |
v |
Altura Mer. [*-] |
108 |
22 |
0 |
--- |
1 |
15 |
" |
1 |
Lat. |
12 |
58 |
S. |
x |
Chron. [*-] |
83 |
57 |
36 |
12 |
58 |
--- |
" |
3 |
Long. |
18 |
45 |
E. |
z |
Altura Mer. [*-] |
109 |
2 |
0 |
--- |
1 |
16 |
" |
1 |
Lat. |
12 |
59 |
S. |
0 |
Chron. [*-] |
89 |
36 |
30 |
12 |
58 |
--- |
" |
3 |
Long. |
18 |
57 |
E. |
1 |
Altura Mer. [*-] |
109 |
16 |
50 |
--- |
1 |
16 |
" |
1 |
Lat. |
12 |
59 |
S. |
2 |
" |
109 |
43 |
40 |
--- |
1 |
18 |
" |
1 |
" |
13 |
12 |
S. |
3 |
Chron. [*-] |
83 |
33 |
16 |
13 |
12 |
--- |
" |
3 |
Long. |
19 |
27 |
E. |
4 |
" |
86 |
1 |
40 |
13 |
38 |
--- |
- |
0 |
50 |
3 |
" |
19 |
41 |
E. |
5 |
Altura Mer. [*-] |
110 |
9 |
20 |
--- |
1 |
19 |
" |
1 |
Lat. |
13 |
38 |
S. |
6 |
" |
110 |
30 |
50 |
--- |
" |
" |
1 |
" |
13 |
38 |
S. |
7 |
Chron. [*-] |
85 |
41 |
33 |
13 |
38 |
--- |
- |
1 |
50 |
3 |
Long. |
19 |
41 |
E. |
8 |
Azimuth 26° 15' |
84 |
42 |
30 |
" |
--- |
- |
0 |
20 |
1 |
Variação |
18 |
22 |
O. |
9 |
Chron. [*-] |
87 |
48 |
30 |
13 |
48 |
--- |
- |
0 |
35 |
3 |
Long. |
19 |
42 |
E. |
A |
" |
88 |
37 |
27 |
" |
--- |
" |
3 |
" |
19 |
44 |
E. |
B |
Altura Mer. [*-] |
111 |
42 |
40 |
--- |
1 |
19 |
" |
1 |
Lat. |
13 |
48 |
S. |
C |
" |
112 |
58 |
40 |
--- |
" |
- |
1 |
0 |
1 |
" |
14 |
30 |
S. |
D |
Chron. [*-] |
89 |
23 |
10 |
14 |
30 |
--- |
" |
1 |
Long. |
20 |
19 |
E. |
E |
" |
88 |
28 |
40 |
" |
--- |
" |
1 |
" |
20 |
17 |
E. |
F |
" |
88 |
15 |
0 |
" |
--- |
" |
1 |
" |
20 |
16 |
E. |
G |
" |
88 |
2 |
20 |
" |
--- |
" |
1 |
" |
20 |
16 |
E. |
H |
" |
93 |
16 |
50 |
" |
--- |
" |
1 |
" |
20 |
17 |
E. |
I |
" |
92 |
59 |
10 |
" |
--- |
" |
1 |
" |
20 |
16 |
E. |
J |
" |
92 |
39 |
40 |
" |
--- |
" |
1 |
" |
20 |
17 |
E. |
L |
" |
92 |
11 |
0 |
" |
--- |
" |
1 |
" |
20 |
15 |
E. |
M |
" |
91 |
36 |
30 |
" |
--- |
" |
1 |
" |
20 |
17 |
E. |
N |
" |
86 |
5 |
50 |
" |
--- |
- |
0 |
55 |
2 |
" |
20 |
15 |
E. |
O |
" |
76 |
56 |
50 |
14 |
34 |
--- |
" |
2 |
Diff. para o logar |
5^h.14^m.56^s. |
P |
Eclipse do
1^o satèlite de
Jup |
--- |
--- |
--- |
--- |
--- |
Long. |
20 |
23 |
E. |
Q |
Altura Mer. [*-] |
116 |
8 |
10 |
--- |
1 |
21 |
- |
0 |
55 |
1 |
Lat. |
14 |
42 |
S. |
R |
Chron. [*-] |
91 |
47 |
53 |
14 |
42 |
--- |
" |
3 |
Long. |
20 |
25 |
E. |
S |
Altura Mer. [*-] |
117 |
21 |
40 |
--- |
1 |
21 |
" |
1 |
Lat. |
14 |
39 |
S. |
T |
Chron. [*-] |
89 |
44 |
50 |
14 |
42 |
--- |
" |
3 |
Long. |
20 |
38 |
E. |
U |
Alt. prox.
do Mer. [*-] |
118 |
37 |
50 |
--- |
--- |
" |
1 |
Lat. |
14 |
46 |
S. |
V |
" |
118 |
35 |
10 |
--- |
--- |
" |
1 |
" |
14 |
46 |
S. |
X |
Chron. [*-] |
89 |
35 |
15 |
14 |
46 |
--- |
" |
3 |
Long. |
20 |
55 |
E. |
Z |
Altura Mer. [*-] |
119 |
26 |
20 |
--- |
1 |
23 |
- |
0 |
50 |
1 |
Lat. |
14 |
46 |
S. |
= |
Chron. [*-] |
90 |
8 |
46 |
14 |
46 |
--- |
" |
3 |
Long. |
20 |
56 |
E. |
- |
Altura Mer. [*-] |
120 |
33 |
30 |
--- |
1 |
25 |
- |
0 |
55 |
1 |
Lat. |
14 |
48 |
S. |
+ |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
/ |
Alturas iguaes
[*-] |
120 |
17 |
10 |
--- |
--- |
" |
2 |
Long. |
21 |
16 |
E. |
* |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
: |
Altura Mer. [*-] |
122 |
12 |
0 |
--- |
1 |
25 |
- |
0 |
50 |
1 |
Lat. |
14 |
54 |
S. |
; |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
! |
Alturas iguaes
[*-] |
121 |
52 |
10 |
--- |
--- |
" |
2 |
Long. |
21 |
41 |
E. |
? |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
^ |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
' |
" |
121 |
58 |
50 |
--- |
--- |
" |
2 |
" |
21 |
41 |
E. |
. |
|
|
|
|
|
|
|
|
- |
0 |
55 |
|
|
|
|
|
, |
Altura Mer.[*-] |
123 |
15 |
50 |
--- |
1 |
28 |
" |
1 |
Lat. |
15 |
1 |
S. |
\ |
Chron. [*-] |
90 |
53 |
53 |
15 |
1 |
--- |
- |
0 |
55 |
3 |
Long. |
22 |
2 |
E. |
" |
Altura Mer. [*-] |
124 |
53 |
40 |
--- |
1 |
30 |
" |
1 |
Lat. |
15 |
11 |
E. |
$ |
Altura Mer. [*-] |
127 |
34 |
40 |
--- |
1 |
30 |
- |
0 |
55 |
1 |
Lat. |
15 |
13 |
S. |
% |
" |
130 |
22 |
20 |
--- |
" |
" |
1 |
" |
15 |
13 |
S. |
& |
" |
139 |
8 |
0 |
--- |
1 |
31 |
- |
3 |
30 |
1 |
" |
15 |
17 |
S. |
( |
Chron. [)-] |
71 |
42 |
50 |
15 |
17 |
--- |
- |
0 |
20 |
3 |
Diff. para o logar |
5^h.30^m.53^s. |
) |
Reapparecimento do
1^o sat. de Jup. |
--- |
--- |
--- |
--- |
--- |
Long. |
23° |
19' |
E. |
« |
Amplitude mag.
18°
40' |
--- |
15 |
17 |
--- |
--- |
1 |
Variação |
18 |
38 |
O. |
» |
Amplitude mag.
17°
20' |
--- |
" |
--- |
--- |
1 |
" |
18 |
11 |
O. |
< |
Amplitude mag.
19°
10' |
--- |
" |
--- |
--- |
1 |
" |
18 |
33 |
O. |
> |
Amplitude mag.
18°
20' |
--- |
" |
--- |
--- |
1 |
" |
18 |
44 |
O. |
~ |
Alt.
Mer.[+] Dubuhe
([a] de Cygne) |
58 |
5 |
0 |
--- |
--- |
- |
1 |
0 |
1 |
Lat. |
16 |
8 |
S. |
{ |
" |
57 |
5 |
0 |
--- |
--- |
" |
1 |
" |
16 |
37 |
S. |
} |
Chron. [)-] |
86 |
3 |
30 |
16 |
37 |
--- |
- |
1 |
5 |
1 |
Long. |
23 |
45 |
E. |
_ |
"
[*-] |
89 |
19 |
3 |
17 |
7 |
--- |
- |
0 |
50 |
3 |
" |
24 |
15 |
E. |
£ |
Altura Mer. [)-] |
138 |
30 |
0 |
--- |
--- |
- |
1 |
0 |
1 |
Lat. |
17 |
7 |
S. |
# |
" |
115 |
55 |
0 |
--- |
--- |
" |
1 |
" |
17 |
18 |
S. |
¨ |
Chron. [)-] |
81 |
46 |
0 |
17 |
18 |
--- |
" |
1 |
Long. |
24 |
22 |
E. |
Legenda:
[
A]
Latitude Sul.
[
B]
Longitude em tempo.
[
C]
Erro do instrumento.
[
D]
N^o. de Obs.
[*-] símbolo do sol por cima da barra
[)-] símbolo da lua por cima da barra
[+] símbolo de estrela
[a] Letra grega "Alpha"
Quadro
das
Observações Hypsomètricas,
feitas de Caconda á foz do rio
Cuando
no Zambeze, para
determinar o relevo do Continente.
Anno
de 1878.
Mez. |
Dia. |
Designação
das localidades. |
[A] |
[B] |
[C] |
[D] |
[E] |
Fevereiro |
9 |
Quipembe |
636.0 |
19.6 |
23 |
95.09 |
1,550 |
" |
10 |
Pessengue (ao
nivel do rio
Cuando) |
638.5 |
16.0 |
" |
95.20 |
1,506 |
" |
11 |
Quingolo |
632.5 |
21.2 |
" |
94.94 |
1,604 |
" |
13 |
Palanca |
635.0 |
20.3 |
" |
95.05 |
1,566 |
" |
14 |
Capôco |
631.3 |
25.2 |
" |
94.91 |
1,627 |
" |
22 |
Quimbungo |
632.0 |
20.9 |
" |
94.92 |
1,609 |
" |
24 |
Cunene (ao nivel do rio) |
636.5 |
19.7 |
" |
95.12 |
1,538 |
" |
25 |
Dumbo (paiz do
Sambo) |
625.0 |
20.2 |
" |
94.61 |
1,707 |
" |
26 |
Burundoa |
629.0 |
18.1 |
" |
94.78 |
1,646 |
" |
27 |
Gongo |
631.0 |
18.0 |
" |
94.88 |
1,613 |
" |
" |
Ao nivel do rio
Cubango |
635.0 |
25.0 |
" |
95.05 |
1,579 |
" |
28 |
Chindonga |
633.0 |
18.5 |
" |
94.96 |
1,589 |
Março |
1 |
Cataracta
do rio Cutato dos Ganguelas |
636.0 |
26.5 |
" |
95.09 |
1,570 |
" |
2 |
Lamupas |
633.0 |
18.1 |
" |
94.96 |
1,580 |
" |
4 |
Capitão do
Quingue |
631.0 |
20.0 |
" |
94.88 |
1,620 |
" |
6 |
Rio Cuchi (ao nivel
d'àgua) |
638.0 |
21.0 |
" |
95.18 |
1,526 |
" |
8 |
Bilanga (Vicente)
(Bihé) |
631.0 |
18.2 |
" |
94.88 |
1,623 |
" |
9 |
Candimba
(Bihé) |
630.0 |
17.8 |
" |
94.83 |
1,629 |
" |
20 |
Belmonte
(Bihé) |
627.6 |
22.6 |
" |
94.72 |
1,681 |
Junho |
3 |
Commandante
(Bihé) |
647.9 |
20.0 |
" |
95.60 |
1,379 |
" |
12 |
Liúica (ao
niv. do Cuanza) |
654.9 |
25.9 |
" |
95.89 |
1,304 |
" |
24 |
Rio
Onda |
650.9 |
22.0 |
" |
95.72 |
1,347 |
" |
30 |
Rio Cuito (20 metros
sobre o nivel do
rio) |
647.9 |
24.0 |
" |
95.60 |
1,389 |
Julho |
2 |
Licócótoa |
644.9 |
20.0 |
" |
95.47 |
1,421 |
" |
4 |
Cambimbia |
645.9 |
20.0 |
" |
95.51 |
1,408 |
" |
5 |
Serra Cassara
Cahiéra |
635.9 |
20.0 |
" |
95.09 |
1,542 |
" |
7 |
Cambuta |
647.9 |
21.0 |
" |
95.60 |
1,381 |
" |
9 |
Cutangjo |
650.6 |
21.0 |
" |
95.51 |
1,348 |
" |
11 |
Nascente do rio
Cuando |
650.3 |
24.9 |
" |
95.70 |
1,362 |
" |
14 |
Nascente do rio
Cubangui |
652.6 |
20.0 |
" |
95.79 |
1,345 |
" |
17 |
Cangamba |
661.0 |
24.0 |
" |
96.14 |
1,228 |
" |
23 |
Ponto onde deixei o
Cubangui |
664.0 |
23.0 |
" |
96.27 |
1,193 |
" |
30 |
Caú-eu-hue
(Cuchubi) |
666.0 |
27.7 |
" |
96.35 |
1,154 |
Agosto |
5 |
Ponto onde deixei o
rio Cuchibi |
669.0 |
25.0 |
" |
96.47 |
1,133 |
" |
7 |
Rio
Chicului |
669.0 |
24.9 |
" |
96.47 |
1,133 |
" |
11 |
Nascente do rio
Ninda |
667.0 |
28.3 |
" |
96.40 |
1,143 |
" |
18 |
Planicie do
Nhengo |
677.3 |
28.1 |
" |
96.81 |
1,012 |
" |
25 |
Lialui |
676.5 |
27.0 |
" |
96.78 |
1,018 |
Setembro |
15 |
Catongo |
677.4 |
32.6 |
" |
96.81 |
1,027 |
Outubro |
5 |
Sioma |
--- |
20.0 |
" |
96.80 |
999 |
" |
9 |
Foz do rio
Jôco |
679.0 |
20.0 |
" |
96.88 |
974 |
" |
16 |
Quisseque |
--- |
22.0 |
" |
96.96 |
952 |
" |
18 |
Confluencia do
Quando |
--- |
37.5 |
" |
97.08 |
940 |
" |
21 |
Povoação
de
Embarira |
681.0 |
37.4 |
" |
96.96 |
979 |
Novembro |
21 |
Mozi-oa-tunia |
694.0 |
27.0 |
" |
97.48 |
795 |
Legenda:
[
A]
Baròmetro.
[
B]
Thermòmetro.
[
C]
Temperatura ao niv. do mar.
[
D]
Hypsòmetro.
[
E]
Altitude em metros.
Boletim
Meteorològico
feito a 0^h. 43^m. de Greenwich.
Anno de 1878.
Mez. |
Dia. |
[A] |
Thermòmetro
centìgrado. |
[D] |
Direcção
do vento. |
Estado
da atmosphera. |
[B] |
[C] |
Maio |
1 |
629.8 |
21.5 |
18.4 |
--- |
E.
fraco |
Alguns cirros. |
" |
2 |
630.0 |
22.7 |
19.8 |
--- |
E.
forte |
Nublado. |
" |
3 |
630.0 |
22.1 |
19.1 |
--- |
E.
fraco |
Limpo. |
" |
4 |
629.9 |
22.5 |
19.4 |
--- |
" |
" |
" |
5 |
630.0 |
22.3 |
19.1 |
--- |
" |
" |
" |
6 |
630.0 |
22.0 |
19.3 |
--- |
" |
" |
" |
7 |
629.7 |
22.4 |
19.3 |
--- |
O.S.O.
fraco |
" |
" |
8 |
630.0 |
22.5 |
19.8 |
--- |
Calma |
" |
" |
9 |
629.2 |
20.5 |
16.6 |
--- |
" |
" |
" |
10 |
629.8 |
20.2 |
16.4 |
--- |
N.E.
fraco |
Algumas nuvens. |
" |
11 |
630.0 |
20.8 |
16.9 |
--- |
E.N.E. |
" |
" |
12 |
630.5 |
21.0 |
17.5 |
--- |
E.N.E. forte |
Nublado. |
" |
13 |
630.2 |
20.6 |
16.4 |
--- |
" |
Limpo. |
" |
14 |
630.5 |
20.5 |
16.7 |
--- |
E.M^{to}.
forte |
" |
" |
15 |
630.5 |
20.3 |
16.8 |
--- |
" |
" |
" |
16 |
630.2 |
21.5 |
17.7 |
--- |
Calma |
" |
" |
17 |
630.6 |
22.0 |
18.9 |
--- |
E.
moderado |
Alguns
cirros. |
" |
19 |
630.5 |
21.9 |
18.7 |
--- |
" |
Limpo. |
" |
20 |
630.6 |
21.8 |
18.9 |
--- |
" |
" |
" |
21 |
630.7 |
20.9 |
17.6 |
--- |
E.
forte |
" |
" |
22 |
630.2 |
20.8 |
17.9 |
--- |
Calma |
" |
" |
28 |
645.1 |
22.5 |
17.4 |
--- |
" |
" |
" |
29 |
644.9 |
23.1 |
18.1 |
--- |
E.
fraco |
" |
" |
30 |
642.7 |
23.2 |
18.1 |
+ |
5.3 |
E.S.E. |
" |
" |
31 |
642.1 |
23.9 |
18.0 |
+ |
7.0 |
" |
" |
Junho |
1 |
642.1 |
23.4 |
19.0 |
+ |
6.0 |
Calma |
" |
" |
2 |
642.8 |
23.0 |
18.8 |
+ |
5.0 |
" |
" |
" |
3 |
643.0 |
22.9 |
18.1 |
+ |
2.8 |
E.S.E. |
" |
" |
4 |
643.1 |
23.7 |
1992 |
+ |
5.0 |
E. forte |
" |
" |
5 |
643.0 |
23.3 |
19.0 |
+ |
7.0 |
Calma |
" |
" |
6 |
643.2 |
25.2 |
19.9 |
+ |
4.0 |
E. fraco |
" |
" |
7 |
645.1 |
24.1 |
19.7 |
+ |
6.0 |
E.S.E. |
" |
" |
8 |
650.0 |
22.4 |
18.3 |
+ |
0.2 |
S. fraco |
" |
" |
9 |
648.4 |
24.5 |
21.8 |
+ |
0.7 |
Calma |
" |
" |
10 |
650.6 |
24.7 |
21.7 |
+ |
3.0 |
" |
" |
" |
11 |
650.5 |
24.9 |
21.5 |
+ |
6.0 |
" |
" |
" |
12 |
650.6 |
24.5 |
21.2 |
+ |
5.0 |
E.S.E. |
" |
" |
13 |
650.1 |
24.9 |
21.9 |
+ |
4.0 |
" |
" |
" |
14 |
643.1 |
25.1 |
18.7 |
+ |
7.0 |
Calma |
" |
" |
15 |
643.1 |
24.9 |
19.0 |
+ |
10.0 |
" |
" |
" |
16 |
642.8 |
25.0 |
19.1 |
+ |
7.0 |
E.S.E. |
" |
" |
17 |
642.8 |
24.8 |
19.7 |
+ |
8.0 |
S. fraco |
" |
" |
18 |
642.6 |
24.8 |
19.5 |
+ |
9.0 |
" |
" |
" |
19 |
642.4 |
25.1 |
19.4 |
+ |
5.0 |
Calma |
" |
" |
20 |
641.6 |
24.9 |
19.8 |
+ |
4.0 |
" |
" |
" |
21 |
641.2 |
25.2 |
18.2 |
+ |
7.0 |
" |
" |
" |
22 |
641.0 |
24.8 |
17.6 |
+ |
6.0 |
" |
Ceo limpo. |
" |
23 |
646.2 |
23.9 |
16.1 |
+ |
5.0 |
E. forte |
" |
" |
24 |
646.0 |
25.4 |
15.2 |
+ |
3.0 |
" |
" |
" |
25 |
645.8 |
25.7 |
15.6 |
+ |
2.7 |
E. forte |
" |
" |
26 |
645.0 |
25.3 |
15.0 |
- |
0.7 |
" |
" |
" |
27 |
644.9 |
24.5 |
15.2 |
- |
1.3 |
" |
" |
" |
28 |
643.7 |
26.1 |
18.7 |
+ |
1.1 |
Calma |
" |
" |
29 |
642.8 |
26.7 |
18.6 |
+ |
3.7 |
" |
" |
" |
30 |
640.3 |
27.2 |
18.0 |
+ |
1.8 |
E. fraco |
" |
Julho |
1 |
641.5 |
27.1 |
18.7 |
+ |
2.6 |
" |
" |
" |
2 |
639.1 |
26.7 |
18.9 |
+ |
0.7 |
E. forte |
" |
" |
3 |
640.1 |
24.1 |
16.9 |
+ |
1.0 |
" |
" |
" |
4 |
639.5 |
23.8 |
12.3 |
+ |
2.5 |
" |
" |
" |
5 |
642.0 |
23.6 |
15.6 |
--- |
E. fraco |
" |
" |
6 |
643.0 |
23.0 |
16.5 |
+ |
0.7 |
E. forte |
" |
" |
7 |
644.0 |
24.0 |
17.9 |
- |
0.1 |
E. fraco |
" |
" |
8 |
642.9 |
23.7 |
17.2 |
+ |
2.5 |
" |
" |
" |
9 |
644.8 |
24.5 |
17.1 |
--- |
E. forte |
" |
" |
10 |
645.0 |
24.9 |
17.8 |
--- |
E.S.E. |
" |
" |
11 |
644.0 |
25.7 |
18.4 |
--- |
" |
" |
" |
12 |
650.0 |
24.3 |
17.1 |
- |
0.1 |
E.
fraco |
" |
" |
13 |
651.0 |
26.2 |
18.5 |
+ |
0.1 |
Calma |
" |
" |
14 |
646.8 |
23.1 |
16.9 |
+ |
2.1 |
E.
fraco |
" |
" |
15 |
651.9 |
22.7 |
16.5 |
+ |
2.7 |
Calma |
Nuvens
(cirros). |
" |
16 |
652.0 |
23.1 |
16.9 |
+ |
3.1 |
" |
" |
" |
17 |
651.7 |
27.4 |
21.9 |
--- |
" |
Ceo
coberto. |
" |
18 |
651.8 |
27.6 |
22.4 |
+ |
7.6 |
" |
" |
" |
19 |
652.0 |
28.4 |
19.9 |
+ |
9.0 |
" |
Algumas
nuvens (cirros). |
" |
20 |
651.4 |
29.5 |
18.0 |
+ |
5.0 |
" |
Extractos
e cirros. |
" |
21 |
652.2 |
28.2 |
17.5 |
+ |
2.0 |
E.
forte |
Ceo
limpo. |
" |
23 |
655.9 |
26.8 |
15.4 |
--- |
E.
fraco |
" |
" |
24 |
655.1 |
27.5 |
15.9 |
--- |
E.
forte |
" |
" |
26 |
657.0 |
28.1 |
16.1 |
- |
1.5 |
S.E.
forte |
" |
" |
27 |
658.0 |
30.1 |
17.6 |
+ |
1.8 |
" |
" |
" |
28 |
658.3 |
30.6 |
18.1 |
+ |
3.2 |
" |
" |
" |
29 |
657.7 |
31.4 |
16.2 |
+ |
4.0 |
N.N.E. |
" |
" |
30 |
657.5 |
30.7 |
16.8 |
+ |
3.7 |
Calma |
" |
" |
31 |
657.4 |
29.2 |
18.9 |
+ |
8.7 |
S.E.
fraco |
" |
Agosto |
1 |
658.0 |
29.0 |
18.1 |
+ |
5.1 |
Calma |
" |
" |
2 |
657.8 |
30.3 |
18.1 |
+ |
1.2 |
S.E.
fraco |
" |
" |
3 |
658.6 |
31.5 |
17.9 |
+ |
3.4 |
" |
" |
" |
4 |
660.0 |
30.2 |
18.4 |
+ |
4.1 |
E.
forte |
" |
" |
5 |
659.5 |
30.8 |
17.7 |
+ |
3.0 |
E.S.E.
forte |
Algumas
nuvens (cirros). |
" |
6 |
660.1 |
30.7 |
17.1 |
+ |
1.9 |
" |
Limpo. |
" |
7 |
660.2 |
31.0 |
16.8 |
+ |
2.1 |
" |
" |
" |
8 |
661.6 |
31.1 |
17.0 |
+ |
1.5 |
E.
forte |
" |
" |
9 |
658.5 |
30.4 |
17.3 |
+ |
2.0 |
" |
Ceo
limpo. |
" |
10 |
657.0 |
31.2 |
14.5 |
+ |
1.0 |
" |
" |
" |
11 |
655.2 |
28.8 |
13.6 |
+ |
2.9 |
" |
" |
" |
12 |
660.0 |
28.2 |
14.3 |
+ |
2.3 |
" |
" |
" |
13 |
662.6 |
28.5 |
14.1 |
+ |
2.3 |
" |
" |
" |
14 |
664.1 |
28.1 |
14.2 |
+ |
3.0 |
E.
forte |
" |
" |
16 |
667.5 |
28.7 |
14.4 |
+ |
2.7 |
" |
" |
" |
17 |
668.3 |
28.4 |
14.5 |
+ |
3.7 |
" |
" |
" |
18 |
668.5 |
28.3 |
14.9 |
+ |
3.1 |
Calma |
" |
" |
19 |
667.8 |
30.0 |
15.1 |
+ |
4.4 |
E.N.E. |
" |
" |
20 |
663.5 |
33.2 |
16.8 |
+ |
3.9 |
N.N.E. |
" |
" |
21 |
668.2 |
27.4 |
14.8 |
+ |
9.6 |
E.N.E. |
" |
" |
22 |
667.9 |
29.3 |
14.5 |
--- |
E.
forte |
" |
" |
23 |
668.5 |
30.5 |
19.2 |
+ |
14.0 |
" |
" |
" |
29 |
668.7 |
34.9 |
15.7 |
--- |
E.N.E.
forte |
" |
" |
30 |
668.2 |
35.2 |
15.6 |
--- |
" |
" |
" |
31 |
668.9 |
35.1 |
16.4 |
--- |
" |
" |
Setembro |
1 |
668.1 |
30.7 |
15.9 |
--- |
" |
" |
" |
2 |
668.5 |
29.1 |
15.7 |
--- |
" |
" |
" |
3 |
668.0 |
34.8 |
17.9 |
+ |
7.0 |
" |
" |
" |
4 |
667.0 |
34.8 |
19.2 |
+ |
6.0 |
" |
" |
" |
5 |
667.9 |
32.1 |
17.6 |
+ |
5.8 |
" |
" |
" |
6 |
668.0 |
32.7 |
16.4 |
+ |
9.0 |
" |
" |
" |
7 |
668.1 |
33.0 |
17.5 |
--- |
" |
" |
" |
8 |
668.0 |
33.5 |
19.3 |
+ |
7.0 |
" |
" |
" |
10 |
668.5 |
32.3 |
20.8 |
+ |
14.0 |
" |
" |
" |
11 |
668.3 |
33.2 |
19.7 |
--- |
" |
" |
" |
12 |
668.1 |
33.8 |
20.4 |
--- |
" |
" |
" |
13 |
667.7 |
34.2 |
18.8 |
--- |
" |
" |
" |
14 |
667.4 |
35.4 |
18.1 |
--- |
" |
" |
" |
15 |
667.3 |
35.9 |
17.4 |
--- |
" |
" |
" |
17 |
667.8 |
35.3 |
16.8 |
--- |
E.
forte |
" |
" |
18 |
666.5 |
36.4 |
18.7 |
--- |
" |
" Grande orvalho da
noute. |
" |
19 |
668.2 |
34.5 |
16.8 |
--- |
" |
"
" |
" |
20 |
668.0 |
32.8 |
21.4 |
--- |
" |
Alguns
cirros, muito orvalho. |
" |
21 |
668.5 |
32.3 |
23.7 |
--- |
E.
fraco |
Nublado,
cumulos. |
" |
22 |
669.0 |
33.0 |
19.7 |
--- |
E.
forte |
"
" |
" |
25 |
666.8 |
36.2 |
22.1 |
--- |
E.S.E. |
Cumulos,
muito orvalho. |
" |
26 |
667.0 |
35.4 |
20.1 |
--- |
" |
"
" |
" |
29 |
666.0 |
34.7 |
21.8 |
--- |
" |
"
" |
" |
30 |
665.0 |
30.8 |
23.0 |
--- |
" |
"
" |
Outubro |
1 |
668.2 |
34.2 |
22.1 |
--- |
E.
forte |
Limpo,
muito orvalho. |
" |
2 |
668.2 |
34.2 |
23.3 |
--- |
" |
"
" |
" |
3 |
667.8 |
31.9 |
23.4 |
--- |
" |
"
" |
" |
4 |
667.6 |
34.0 |
24.5 |
--- |
" |
Nublado. |
" |
5 |
667.9 |
33.5 |
24.6 |
--- |
" |
" |
" |
6 |
668.8 |
34.1 |
23.4 |
--- |
E.S.E. |
" |
" |
7 |
670.0 |
35.9 |
28.7 |
--- |
" |
"
Grande trovada. |
" |
8 |
670.0 |
34.8 |
26.5 |
--- |
E. fraco |
Nublado. |
" |
9 |
670.8 |
37.1 |
23.3 |
--- |
" |
" |
Legenda:
[
A]
Baròmetro.
[
B]
Seco.
[
C]
Molhado.
[
D]
Mìnima aproximada.
Estudo
das
Oscillações diurnas do
Baròmetro, feito de 3 em 3 horas.
Catongo
(Alto Zambeze).
Altitude 1,027 metros.
Anno de 1878.
Mez. |
Dia. |
6
horas. |
9
horas. |
Meio-dia. |
3
horas. |
6 horas. |
[A] |
[B] |
[A] |
[B] |
[A] |
[B] |
[A] |
[B] |
[A] |
[B] |
Setembro |
17 |
670.6 |
19.2 |
671.3 |
30.2 |
669.3 |
35.1 |
667.5 |
34.4 |
668.3 |
27.3 |
" |
18 |
670.0 |
19.7 |
670.6 |
31.9 |
668.8 |
35.7 |
660.0 |
36.0 |
667.3 |
30.4 |
" |
19 |
670.7 |
21.1 |
671.5 |
28.0 |
669.5 |
34.6 |
667.5 |
33.7 |
668.4 |
27.8 |
" |
20 |
670.6 |
18.0 |
671.4 |
26.5 |
669.0 |
31.5 |
667.5 |
32.7 |
668.4 |
29.1 |
" |
21 |
670.0 |
19.8 |
671.3 |
27.2 |
669.5 |
33.8 |
668.0 |
33.0 |
668.5 |
29.0 |
" |
22 |
671.5 |
21.5 |
672.0 |
28.5 |
670.3 |
32.8 |
668.5 |
32.9 |
669.0 |
31.2 |
Legenda:
[
A]
Baròmetro.
[
B]
Thermòmetro.
Estudo
do Estado
Hygromètrico da Atmosfera, feito de 3 em 3
horas.
Catongo
(Alto Zambeze).
Anno de 1878.
Mez. |
Dia. |
6 horas. |
9 horas. |
Meio-dia. |
3 horas. |
6 horas. |
Thermòmetro
centìgrado. |
Thermòmetro
centìgrado. |
Thermòmetro
centìgrado. |
Thermòmetro
centìgrado. |
Thermòmetro
centìgrado. |
[A] |
[B] |
[A] |
[B] |
[A] |
[B] |
[A] |
[B] |
[A] |
[B] |
Setembro |
18 |
19.7 |
15.0 |
31.9 |
16.6 |
35.7 |
18.1 |
36.0 |
15.9 |
30.4 |
14.2 |
" |
19 |
21.1 |
10.5 |
28.0 |
13.4 |
34.6 |
15.0 |
33.7 |
19.2 |
27.8 |
15.0 |
" |
20 |
18.0 |
13.9 |
26.5 |
18.3 |
31.5 |
20.5 |
32.7 |
22.3 |
29.1 |
18.5 |
Legenda:
[
A]
Seco.
[
B]
Molhado.
Boletim
Meteorològico
feito ás 6 horas da
manhã (hora média do logar).
Anno de 1878.
Mez. |
Dia. |
[A] |
[B] |
|
Mez. |
Dia. |
[A] |
[B] |
Fevereiro |
9 |
626.0 |
19.6 |
|
Junho |
26 |
658.0 |
5.4 |
" |
10 |
628.5 |
16.0 |
|
" |
27 |
658.9 |
1.7 |
" |
11 |
622.5 |
21.2 |
|
" |
28 |
659.5 |
4.6 |
" |
12 |
623.0 |
20.4 |
|
" |
29 |
660.3 |
4.6 |
" |
13 |
625.0 |
20.3 |
|
" |
30 |
660.0 |
7.2 |
" |
14 |
622.0 |
15.8 |
|
" |
31 |
659.3 |
14.9 |
" |
15 |
621.0 |
16.0 |
|
Agosto |
1 |
661.0 |
8.8 |
" |
16 |
622.3 |
16.5 |
|
" |
2 |
660.7 |
4.8 |
" |
17 |
622.5 |
18.8 |
|
" |
3 |
661.5 |
5.7 |
" |
18 |
622.5 |
20.0 |
|
" |
4 |
662.3 |
8.8 |
" |
19 |
620.0 |
19.5 |
|
" |
5 |
661.7 |
8.7 |
" |
20 |
622.0 |
20.0 |
|
" |
6 |
662.0 |
5.6 |
" |
21 |
622.5 |
17.2 |
|
" |
7 |
662.1 |
4.9 |
" |
22 |
622.0 |
20.9 |
|
" |
8 |
663.4 |
2.6 |
" |
23 |
621.5 |
21.2 |
|
" |
9 |
663.6 |
3.5 |
" |
24 |
618.5 |
17.3 |
|
" |
10 |
660.5 |
3.8 |
" |
25 |
615.0 |
20.2 |
|
" |
11 |
658.0 |
6.4 |
" |
26 |
619.0 |
18.1 |
|
" |
12 |
657.2 |
4.9 |
" |
27 |
621.0 |
18.0 |
|
" |
13 |
662.0 |
4.5 |
" |
28 |
623.0 |
19.5 |
|
" |
14 |
664.8 |
5.8 |
Março |
1 |
623.0 |
18.2 |
|
" |
15 |
666.5 |
5.9 |
" |
2 |
623.0 |
18.1 |
|
" |
16 |
669.2 |
6.5 |
" |
3 |
617.0 |
16.6 |
|
" |
17 |
670.0 |
6.9 |
" |
4 |
620.0 |
18.5 |
|
" |
18 |
670.2 |
9.3 |
" |
5 |
621.5 |
20.0 |
|
" |
19 |
670.0 |
8.5 |
" |
6 |
621.5 |
18.2 |
|
" |
20 |
667.0 |
10.2 |
" |
7 |
619.0 |
17.7 |
|
" |
21 |
666.0 |
2.2 |
" |
8 |
621.0 |
18.2 |
|
" |
22 |
669.4 |
18.8 |
" |
9 |
620.0 |
17.8 |
|
" |
23 |
669.0 |
20.0 |
Maio |
28 |
645.0 |
12.6 |
|
" |
24 |
670.0 |
16.0 |
" |
29 |
644.8 |
14.2 |
|
" |
25 |
670.0 |
14.5 |
" |
30 |
642.3 |
9.4 |
|
" |
26 |
671.0 |
13.7 |
" |
31 |
642.0 |
10.0 |
|
" |
27 |
671.2 |
15.0 |
Junho |
1 |
641.9 |
12.2 |
|
" |
28 |
672.3 |
14.0 |
" |
2 |
643.0 |
9.9 |
|
" |
29 |
671.0 |
15.0 |
" |
3 |
643.2 |
8.6 |
|
" |
30 |
671.0 |
14.8 |
" |
4 |
643.0 |
10.0 |
|
" |
31 |
670.6 |
12.1 |
" |
7 |
645.0 |
11.4 |
|
Setembro |
1 |
670.0 |
16.1 |
" |
8 |
649.8 |
5.8 |
|
" |
2 |
670.0 |
13.7 |
" |
9 |
648.5 |
5.1 |
|
" |
3 |
670.0 |
11.3 |
" |
10 |
651.0 |
6.5 |
|
" |
4 |
670.0 |
10.0 |
" |
11 |
650.8 |
9.1 |
|
" |
5 |
670.5 |
13.2 |
" |
13 |
650.0 |
7.1 |
|
" |
6 |
670.0 |
16.2 |
" |
14 |
650.0 |
8.0 |
|
" |
7 |
669.6 |
13.6 |
" |
15 |
643.0 |
11.2 |
|
" |
8 |
670.0 |
12.3 |
" |
16 |
642.9 |
9.2 |
|
" |
9 |
671.3 |
4.1 |
" |
17 |
643.0 |
11.5 |
|
" |
10 |
670.0 |
19.4 |
" |
18 |
642.9 |
11.9 |
|
" |
11 |
669.0 |
20.3 |
" |
19 |
642.6 |
7.4 |
|
" |
12 |
678.1 |
19.8 |
" |
20 |
641.2 |
6.8 |
|
" |
13 |
669.0 |
20.5 |
" |
21 |
641.5 |
9.1 |
|
" |
14 |
670.2 |
14.7 |
" |
22 |
641.5 |
9.7 |
|
" |
15 |
671.0 |
19.2 |
" |
23 |
641.0 |
7.9 |
|
" |
16 |
672.0 |
18.6 |
" |
24 |
646.9 |
4.6 |
|
" |
17 |
670.6 |
19.2 |
" |
25 |
646.1 |
3.6 |
|
" |
18 |
670.0 |
19.7 |
" |
26 |
645.2 |
1.8 |
|
" |
19 |
670.7 |
21.1 |
" |
27 |
645.0 |
1.9 |
|
" |
20 |
670.6 |
18.0 |
" |
28 |
644.0 |
2.1 |
|
" |
21 |
670.0 |
19.8 |
" |
29 |
644.0 |
3.6 |
|
" |
22 |
671.0 |
21.5 |
" |
30 |
643.0 |
4.1 |
|
" |
23 |
671.0 |
22.2 |
Julho |
1 |
643.0 |
4.1 |
|
" |
24 |
670.0 |
21.7 |
" |
2 |
642.5 |
5.8 |
|
" |
25 |
669.0 |
15.4 |
" |
3 |
640.1 |
1.8 |
|
" |
26 |
668.8 |
15.7 |
" |
4 |
641.1 |
3.1 |
|
" |
27 |
668.8 |
12.6 |
" |
5 |
641.0 |
3.4 |
|
" |
28 |
669.0 |
18.0 |
" |
6 |
643.8 |
1.4 |
|
" |
29 |
668.6 |
21.0 |
" |
7 |
643.2 |
0.7 |
|
" |
30 |
669.9 |
19.2 |
" |
8 |
644.0 |
1.4 |
|
Outubro |
1 |
668.5 |
17.1 |
" |
9 |
643.5 |
2.5 |
|
" |
2 |
670.0 |
18.8 |
" |
10 |
645.2 |
2.3 |
|
" |
3 |
670.6 |
16.1 |
" |
11 |
645.2 |
2.2 |
|
" |
4 |
671.0 |
12.5 |
" |
12 |
645.0 |
2.3 |
|
" |
5 |
671.5 |
15.7 |
" |
13 |
650.0 |
1.5 |
|
" |
6 |
670.0 |
16.2 |
" |
14 |
651.5 |
1.8 |
|
" |
7 |
672.0 |
21.8 |
" |
15 |
647.3 |
3.7 |
|
" |
8 |
673.5 |
23.1 |
" |
16 |
652.3 |
5.0 |
|
" |
9 |
673.0 |
15.3 |
" |
17 |
652.6 |
7.1 |
|
" |
10 |
673.0 |
19.6 |
" |
18 |
654.0 |
11.2 |
|
" |
12 |
672.0 |
20.7 |
" |
19 |
653.4 |
13.7 |
|
" |
13 |
674.0 |
22.7 |
" |
20 |
653.3 |
9.3 |
|
" |
14 |
676.0 |
21.8 |
" |
21 |
654.9 |
6.1 |
|
" |
15 |
675.0 |
19.1 |
" |
22 |
655.2 |
5.1 |
|
" |
16 |
674.3 |
21.7 |
" |
23 |
657.8 |
5.0 |
|
" |
17 |
673.0 |
21.2 |
" |
24 |
657.0 |
5.9 |
|
" |
18 |
676.0 |
21.2 |
" |
25 |
656.0 |
6.0 |
|
|
|
|
|
Legenda:
[
A]
Baròmetro.
[
B]
Thermòmetro.
SEGUNDA
PARTE
A FAMILIA COILLARD.
COMO
EU ATRAVESSEI
ÀFRICA.
Segunda Parte.--A FAMILIA COILLARD.
CAPÌTULO
I.
EM
LEXUMA.
Prêso
em
Embarira--O
Doutor Benjamin Frederick Bradshaw--O campo do Doutor--O
Pão--Graves questões--Os chronòmetros
não param--Francisco
Coillard--Lexuma--As damas Coillard--Doença grave--Receios e
irresoluções--Chegada do missionario--Tomo uma
decisão--Partida de
Lexuma (em Inglez, Leshuma).
Foi tormentosa a noute que passei em Embarira. Assaltado por milhares
de persovejos, e por nuvens de mosquitos, tive de abandonar a casa que
me offerecêra o chefe, e ir procurar ao ar livre um refugio a
tão cruél tormento. Ao incòmmodo
produzido pêlo ataque dos
insectos vinha juntar-se a anciedade da idéa de encontrar no
dia seguinte
um Europeu, um homem desconhecido, mas com o qual eu contava ja para
sahir dos embaraços em que estava. Amanheceu finalmente o
dia 19 de
Outubro depois de uma longa noute não-dormida.
As primeiras noticias que pude colher fôram de que o
missionario estava a 12 ou 14 milhas d'ali, mas que do outro lado do
rio Cuando vivia um Inglez.
Pedir uma canôa ao chefe para passar o rio foi o meu primeiro
impulso, mas obtive a mais formal negativa, a pretexto de que
não
havia canôa.
Depois de grande controversia, elle declara-me que me não
deixa sahir da sua povoação sem eu ter pago aos
marinheiros uma
certa porção de fazendas.
Chamei o Jasse e mostrei-lhe a impossibilidade de fazer pagamentos sem
ter communicado com o Inglez, e ter d'elle obtido fazendas para os
fazer, porque eu nenhumas tinha.
Jasse reune os marinheiros e o chefe e fala-lhes n'esse sentido, mas
nada obtem, e a recusa de me deixarem ir á outra margem do
Cuando é formal.
Vendo que nada fazia, pedi-lhes que fizessem chegar um recado meu ao
Inglez, e escrevi algumas palavras n'um bilhête de visita.
Foi o Verissimo o mensageiro. A má noute velada, e a febre
constante prostráram-me. Deitei-me ao ar livre, esperando a
resposta
á minha mensagem.
Seria passada uma hora, quando appareceu diante de mim um homem branco.
A sensação que experimentei ao ver um
Europêu é indefinivel.
O homem que eu tinha diante de mim poderia ter de 28 a 30 annos, e
possuia um typo perfeitamente Inglez.
Barba pouca e muito loura, olhos azues, grandes e vivos, cabello
cortado rente e tão louro como a barba.
Vestia uma camisa de grossa tela, cujo collarinho desabotoado deixava
ver um peito amplo e forte, como as mangas arregaçadas
expunham á vista uns braços musculosos, queimados
pêlo sol Africano.
As calças de estôfo ordinario estavam seguras por
um forte cinto de couro, d'onde pendia uma faca Americana.
Nos pes sôbre umas meias azues de algodão
grôsso, uns sapatos que pêlas costuras,
tôdas feitas por fora, logo se via serem obra
d'elle mêsmo.
Disse-lhe quem era; expuz-lhe as minhas circunstancias, e pedi-lhe para
me ceder a fazenda de que eu precisava, a trôco de marfim que
eu lhe podia dar. Mostrei-lhe a necessidade que tinha de me libertar
d'aquelle encargo para escapar áquella gente e ir encontrar
o
missionario. Respondeu-me elle, que não tinha fazendas, que
estava tambem
sem recursos, e que só mandando eu a Lexuma as poderia obter.
O seu modo de falar e a delicadeza das suas phrases mostravam-me logo,
que aquelle homem não era um ente vulgar. Elle dirigio-se ao
chefe, e convenceu-o a deixar-me ir á outra margem do rio,
com a
condição de que voltaria á noute para
Embarira.
Partimos, e depois de atravessar um grande rio, aquelle Cuando cujas
nascentes eu havia descoberto, e determinado mezes antes,
chegámos a um pequeno campo onde nos appareceu outro branco.
Era homem de elevada estatura, de longa barba e cabêllos
brancos, que mostravam não uma idade provecta, desmentida
pêla
agilidade do côrpo e expressão da physionomia, mas
sim a velhice prematura,
producto de longos soffrimentos e trabalhos.
Vestia como o primeiro, e só estava um pouco melhor
calçado.
Conversámos sobre a minha posição, e
vimos que elles nada podiam fazer por mim, porque estavam tambem sem
recursos.
Fui bastante absoluto empregando a palavra
nada,
porque se
não tinham outra cousa a dar-me, tinham um soffrivel jantar,
e eu tinha fome.
Depois de saciar o meu voraz appetite, combinei com elles escrever ao
missionario, a pedir-lhe fazendas para o pagamento aos
remadôres.
Expedi um portadôr para Lexuma e voltei a Embarira, onde me
deitei ao ar livre, com a lembrança da noute terrivel da
vèspera.
Dormi a noute de um somno ùnico e profundo. Ao amanhecer do
dia 20, estavam junto de mim, vindas de Lexuma, as fazendas precisas
para os pagamentos das tripulações. Paguei tudo,
e obtive
do chefe carregadôres sufficientes para levarem as minhas
cargas e o marfim a Lexuma; escrevendo por elles ao missionario, a quem
pedi hospedagem, e a quem pedia para pagar ali aos
carregadôres.
Ao meio-dia, uma ligeira piroga, impellida pêlo remar de dous
prêtos, corria por sobre as aguas do Cuando, levando a seu
bordo três
homens brancos.
A piroga velha e rachada fazia muita àgua, e por isso o
homem que ia na frente descalçara os sapatos que levava na
mão,
em quanto o da ré, acocorado, esgotava incessantemente a
muita àgua que colhia
o fragil batél.
O do meio, magnificamente calçado á prova
d'àgua, contemplava distraido o deslisar dos enormes
crocodilos que fluctuavam á
mercê da corrente, e pouco caso fazia da humidade da
canôa.
Estes três brancos, reunidos ali, no centro
d'Àfrica, pêlos azares das
explorações, eram eu, o D^{or.} Benjamin
Frederick Bradshaw, explorador zoològico, e Alexandre Walsh,
zoologista tambem, preparador
de exemplares e companheiro do doutôr.
Chegados á margem direita, foi logo posta á minha
disposição uma das três cubatas que
elles tinham.
O D^{or.} Bradshaw, òptimo cozinheiro, como é
habil mèdico, sabio distincto, e caçador
famôso, foi logo preparar um
almôço de perdizes que elle tinha môrto
n'essa manhã. O cozinheiro do
doutor, um activo Macalaca, deitado de peito no chão,
contemplava a seu amo a
trabalhar na cozinha, e contentava-se em o ver trabalhar.
O appetite, guardado desde a vèspera, fazia dilatar as
fossas nasaes ao sentirem o cheiro delicioso que sahia em condensado
vapôr das
caçarolas do D^{or.} Bradshaw.
Figura
118.--Três europêos atravessáram
o rio.
Os condimentos de que eu estava privado havia tantos mêzes,
exhalavam aromas deliciosos ao olfato de um faminto.
A cozinha estava feita, ìamos para a mêsa, onde
havia uma grande panella de milho cozido em grão, e um
alentado prato de caril de
perdizes. Tìnhamos dado a primeira garfada nos pratos,
quando na
barraca entrou um prêto com um objecto envolvido em alva
toalha de linho.
Figura 119.--O
Campo do Doutor
Bradshaw.
Vinha da parte do missionario Francez. Desdobrei a toalha, que continha
um côrpo bastante pesado, e fiquei commovido diante de um
enorme pão de trigo, que tinha nas mãos.
¡Pão! Pão, que eu ja não via
ha um anno; pão, que era para mim sempre a cada comida em
que o não tinha, uma
recordação saudosa; que era um sonho constante
das noutes de fome; do qual cheguei muitas vêzes a
ter um desejo immoderado, e pêlo qual comprehendi que se
possa
commetter um crime para o haver, quando privado d'elle por muito tempo.
As làgrimas viéram humedecer as minhas
pàlpebras resequidas, e creio que foi aquella uma das mais
violentas commoções que
senti na minha viagem.
Esquèci um pouco as perdizes do doutor, para comer, com
voracidade, d'aquelle pão, que saboreava com delicias nunca
experimentadas em gastronomia.
Foi Benjamin Bradshaw quem suspendeu o meu furor voraz, que me poderia
ser fatal, e que me fez tomar uma òptima chàvena
de cacao, em seguida á qual um sono profundo dormido n'uma
barraca, lìvre do sereno
da noute, veio restaurar as fôrças.
Tôda a minha gente e as cargas haviam partido para Lexuma,
ficando comigo apenas Augusto e Catraio e a mala dos instrumentos.
Amanheceu alegre o dia seguinte, que deveria ser um dos mais
atribulados da minha vida.
Depois de um òptimo almôço de perdizes
e chocolate, e quando nos deliciàvamos a fumar o
aromàtico tabaco do
Chuculumbe, chegáram os carregadôres que na
vèspera tinham partido para
Lexuma, fazendo grande grita e dizendo, que não tinham sido
pagos ali.
Admirou-me o facto, sôbre tudo por o Verissimo me
não ter escrito, e por ter ido com as cargas o marfim que
seria garantia a tôdo o
pagamento que ali se fizesse.
Nós não tìnhamos fazendas, e
não sabìamos que fazer diante das exigencias dos
selvagens, que teimavam em que tinham sido roubados, porque tinham
levado as cargas d'ali a Lexuma, e não tinham
recebido o menor pagamento. Pouco depois, chegáram o chefe
de Embarira
Mocumba e Jasse, que começáram uma
questão
fortissima comigo e com os Inglezes,
ameaçàndo-nos e dizendo-nos as maiores
insolencias.
Eu estava envergonhado e aflicto por ver os Inglezes, que tanto me
tinham obsequiado, mettidos em uma questão que me era
particular, e sêrem insultados por minha causa; mas
impossivel me tinha
sido prever um tal acontecimento.
Depois de mil exigencias a que era impossivel satisfazer, elles com
Jasse á frente declaráram que iam a Lexuma
rehaver as bagagens e o marfim, e que tomariam conta de tudo
até sêrem
pagos; partindo em
seguida, mas deixando ali o chefe Mucumba com um grande
trôço de gente a vigiar-nos.
Por consêlho do D^{or.} Bradshaw, nós
entrámos em uma das barracas e pozémos as armas
á mão, promptos a uma
enèrgica defêsa, em caso de um ataque provavel.
Ao cahir da tarde Mucumba começou a fazer uma grita enorme,
e chamando a sua gente invadio as duas barracas, levando de uma d'ellas
a minha mala dos instrumentos, que fez logo transportar ao barco e
passar
á outra margem.
Voltáram a cercar a terceira barraca, em que nós
estàvamos, exigindo que eu fôsse com elles para
Embarira. Receioso de que os meus
hospedeiros se expozessem por minha causa a um perigo eminente,
queria-me entregar ao gentio, e libertal-os de um conflicto inevitavel;
quando o D^{or.} Bradshaw me pedio que o não fizesse, e
declarou-me que me
não deixaria partir, e que deveriamos resistir-lhes a
tôdo o trance.
Na barraca estàvamos quatro homens, três brancos e
o meu Augusto, dispostos a vender caras as vidas, e era tal a nossa
attitude que os gentios recuáram ante a idéa de
um ataque que
seria fatal a muitos. Depois de um consêlho prolongado entre
as
cabêças, decidíram elles abandonar o
campo e passar á outra margem.
Dàva-me cuidado não ver o meu muleque Catraio,
que comecei a supor teria sido feito prisioneiro, quando elle me
appareceu na barraca, com o seu riso intelligente e velhaco, trazendo
na mão os meus
chronòmetros, que tinha ido á outra margem buscar
á minha malla, em
quanto os Macalacas nos cercavam e ameaçavam. Mais uma vez
Catraio impedia que os chronòmetros parassem por falta de
corda.
Estàvamos sós, mas muito apprehensivos, porque o
doutor, que conhecia bem os indìgenas d'ali, dizia, que
elles não
passariam sem voltar á carga.
Pêlas 9 horas da noute, chega ao campo o missionario Francez,
François Coillard, e sabendo tudo o que se tinha passado,
afirmou-nos que os carregadores haviam sido pagos generosamente em
Lexuma, e que elle se encarregava de fazer ouvir razão ao
chefe Mucumba.
No dia immediato, logo de manhã, o chefe Mucumba, Jasse e
innùmeras gentes, passáram o rio e
viéram ao nosso campo.
M^{r.} Coillard, que fala a lingua do paiz como fala Francez ou Inglez,
fez um discurso ao chefe de Embarira, mostrando-lhe a pouca-vergonha
dos carregadores, que tendo sido generosamente pagos em Lexuma,
viéram dizer, que nada haviam recebido, e que tinham sido
roubados.
Mucumba entregou logo tudo o que tinha roubado na vèspera, e
deu muitas satisfações, fazendo recair a culpa
sôbre os seus homens que o tinham enganado. Quando parecia
que tudo corria bem e se havia harmonizado, appareceu Jasse levantando
uma nova questão.
Queria elle, que eu pagasse aos seus muleques particulares que tinham
vindo em seu serviço, e com quem eu nada tinha.
Eu argumentei-lhe com o caso da tripulação de um
pequeno barco que do Quisseque viéra em serviço
dos outros remadores,
e a quem eu nada tinha dado. Depois de um curto debate, habilmente
dirigido por M^{r.} Coillard, elle recebeu duas jardas de fazenda para
cada homem, e ficou terminada a questão.
Fomos almoçar satisfeitos, julgando que estariam terminados
os incidentes desagradaveis d'aquelle dia, mas não estava
escrito no livro do destino que assim fôsse.
Figura
120.--Monsieur e Madame Coillard.
Jasse voltou de nôvo á carga com nova exigencia.
Queria elle, que eu lhe pagasse e ao chefe Mutiquetera, a quem eu ja
havia pago com largueza.
Começou nova questão, em que de nôvo me
prestou grande auxilio M^{r.} Coillard; sendo preciso para a terminar,
o prometter um
cobertôr a cada um d'êlles.
Mandou logo M^{r.} Coillard a Lexuma um portador buscar os dois
cobertôres, e a fazenda que êlle havia tirado da
sua pacotilha, para pagar á gente de Jasse.
Assim terminou finalmente aquella sèrie não
interrompida de questões, para o quê concorreu
poderosamente a
intervenção que n'ellas tomou M^{r.} Coillard.
Disse-me elle, que ia partir para o Quisseque, a receber a resposta do
rei Lobossi a seu respeito, mas que em 10 ou 12 dias estaria de volta;
e por isso me pedia, que fôsse esperar o seu regresso para
Lexuma, onde me esperava sua espôsa Madame Christine
Coillard; e
só então poderìamos discutir
maduramente o que convinha fazer de futuro.
Resolvi seguir para Lexuma no dia immediato; porque queria determinar a
posição d'aquelle ponto, e fazer um certo
nùmero de observações.
Durante a noute tive um violento accesso de febre, e de
manhã sentia-me muito mal.
O D^{or.} Bradshaw não me quiz deixar partir sem tomar algum
alimento, e por isso só as 10 horas pude deixar a margem do
Cuando. O
doutor e seu companheiro deviam abandonar aquelle ponto no mesmo dia, e
irem para Lexuma, porque as scenas dos dias antecedentes
aconselhavam-n-os de evitar o contacto com aquelle gentio
malèvolo.
Eu parti por um calor de 40 graos centìgrados, n'um terreno
arenoso, onde o caminhar era difficil. A febre tirava-me as
fôrças, e mais me arrastava do que caminhava. O
terreno era coberto de
arvorêdo, e
elevava-se logo a partir da margem do rio. Depois de cinco horas de
marcha lenta e penosa, encontrei um pequeno còrrego, onde
pude saciar uma sêde ardente. Só duas horas depois
cheguei a
Lexuma. Eram 6 da tarde.
N'um estreito valle de oitenta metros de largo, enquadrado em montes
pouco elevados e de vertentes suaves, cresce uma herva grosseira e
rachìtica. Uma bella vegetação
arbòrea guarnece as montanhas que enquadram o pequeno valle,
que se estende na
direcção N.S. Na encosta de E. algumas barracas
agglomeradas formam o estabelecimento de um sertanejo Inglez, M^{r.}
Phillips.
Em frente a Oeste, duas aldeias abandonadas sam a feitoria de George
Westbeech.
Ao N. das aldeas de M^{r.} Westbeech, uma forte palissada cerca um
terreno circular de 30 metros de diàmetro, onde havia uma
casinha de côlmo, dois
wagons,
ou
carrêtas de viagem, e uma
barraca de campanha. Era o acampamento da familia Coillard, era Lexuma
emfim.
Entrei ali no recinto velado pêla alta estacaria de madeira,
com o côrpo extenuado pêlo cansaço e o
espìrito
abalado pêla commoção violenta que
sentia.
Diante de mim, á porta da casinha de côlmo,
estavam sentadas duas damas, bordando a côres em grossa
talagarça.
Ao ver aquellas damas ali, no centro d'Àfrica, a minha
commoção foi indescriptivel.
Figura
121.--Acampamento da familia Coillard em Lexuma.
A recepção que me fez Madame Coillard foi aquella
que faria a um filho, se esse filho fôra eu. Com uma
delicadeza extrema,
pôz-me logo perfeitamente á vontade, e disse-me,
que ainda
não tinham jantado, porque esperavam por mim para
pôr-se á
mêsa. Convidou-me a entrar na barraca de campanha, onde uma
mêsa coberta de fina e alva
toalha sustentava um serviço modesto, contendo um jantar
succulento. Defronte de mim sentava-se Madame Coillard; ao meu lado
Mademoiselle Elise Coillard, sobrinha d'ella, de olhos baixos e
physionomia rubra de
pudôr, por ver um estrangeiro desconhecido entrar
tão de golpe na
sua vida ìntima e velada, espalhava em tôrno de si
esse
perfume de candura que cerca e envolve a mulhér formosa aos
desoito annos.
Figura
122.--Interior do campo de Monsieur Coillard em Lexuma.
Madame Coillard multiplicava-se em cuidados extremosos, e
pêlo fim do jantar eu comecei a provar uma
sensação estranha.
Aquellas damas, o jantar, o serviço, o chá, o
assucar, o
pão, tudo enfim se me baralhava na mente com
traços mal definidos. Cheguei a não
poder formular uma só idéa, e a recear, que a
cabêça
enfraquecida não podesse supportar as impressões
d'aquelle momento.
Não tenho a consciencia de ter terminado aquelle jantar, sei
apenas que me achei só na barraca. Então um abalo
violento
sacudio tôdo o meu côrpo; um soluço
tolheu-me o ar na garganta, e as
làgrimas saltáram ardentes dos meus olhos
desvairados, banhando-me as faces que queimavam de febre. Chorei e
chorei muito, não me envergonho de o
dizer, e creio que aquellas làgrimas fôram a minha
salvação.
Se eu não tivesse chorado, teria talvez enlouquecido.
Que se riam aquelles que acharem ridìculas as
làgrimas n'um homem; pouco me importa o seu motejar
estòlido. Infeliz de quem
não encontra nos sentimentos do
coração o pranto que vem marejar
nos olhos, e o soluço que estrangula a fala, mais
verdadeiras provas da gratidão
sentida, do que as frases mais eloquentes em protestos fervorosos.
Eu, por mim, não me envergonho de ter chorado, e feliz serei
se podér ainda chorar em iguaes trances.
Quanto tempo estive n'aquelle estado de excitação
não o sei eu; mas, muito tempo depois, entravam as damas na
barraca e preparavam-me uma cama com cuidados extremos.
A apparição das duas carinhosas senhoras veio
trazer nova perturbação ao meu
espìrito. Eu não sabia que dizer-lhes, e
creio que só lhes dizia disparates.
Foi mesmo sem consciencia do que fazia que eu lhes narrei um boato
ouvido de manhã em Embarira, que apregoava ter havido um
grande incendio no Quisseque, nas casas do chefe Carimuque, e terem
sido ali
prêsa das chamas as bagagens do missionario.
Deitei-me e creio que dormi.
Ao alvorecer da manhã seguinte, as scenas da
vèspera desenhavam-se confusamente na minha
imaginação enfraquecida.
Parecia-me sonho tudo o que se passava n'aquelle sertão
longìnquo.
Levantei-me, e ao ver que era realidade o que me cercava, o meu
espìrito volveu de nôvo a um deploravel estado de
perturbação.
Machinalmente, sem a menor consciencia dos meus actos, por um poder
filho do hàbito, dei corda e comparei os
chronòmetros, fiz as observações
meteorològicas, e registei
tudo no meu diario.
Pouco depois, Mademoiselle Elisa, com a sua touca e avental branco,
entrava risonha na barraca, e vinha cuidar dos aprestes da
mêsa para o almôço.
Madame Coillard continuou envolvendo-me dos maiores desvelos.
Não posso ainda hôje explicar porque produziam em
mim, espìrito forte, uma tal impressão aquellas
damas; mas é certo que
a sua apparição produzia-me logo uma especie de
delirio.
Passáram dois dias que eu não sei como
fôram passados; no fim d'elles succumbí. A febre
apossou-se de mim com violencia
assustadôra, e com ella veio o delirio. O meu estado era
grave, mas dois anjos velavam
á minha cabeceira.
A 30 de Outubro, o delirio deixou-me um momento de lucidez. Conheci que
a vida estava apenas prêsa por um fio a um côrpo
despedaçado pêlas fadigas e fomes da jornada, e
pensei que não me levantaria
mais.
N'esse dia entreguei a Madame Coillard os meus papéis,
pedindo-lhe que os fizesse chegar com segurança
ás
mãos do Governo de Portugal.
O D^{or.} Bradshaw fizera-me repetidas visitas durante os dias
antecedentes, e empregara tôda a sua sciencia
mèdica para me salvar.
Contudo a febre não cedia, e o estòmago
não supportava medicamento algum. Decidi eu mesmo tentar um
ùltimo
esfôrço, e comecei a dar repetidas
injecções hypodèrmicas com
fortes doses de quinino.
A 31 fiquei espantado de ainda estar vivo, e redobrei a dose do quinino
pêla absorpção hypodèrmica.
O D^{or.} Bradshaw aconselhou-me e fêz-me tomar uma forte
dose de laudanum. A 1 de Novembro,
começáram a manifestar-se as primeiras melhoras.
Nunca estive cercado de tão extremosos cuidados como ali.
As melhoras continuáram ràpidas no dia seguinte,
em que ja me pude levantar um pouco. Pareceu-me perceber que
não sobejavam
muito os vìveres, e isso tirou-me um pouco o sono durante a
noute. Na
madrugada seguinte, quando ainda tudo dormia no campo, levantei-me
cauto e fui chamar os meus prêtos.
Sahi com elles cambaleando ainda nas pernas debilitadas, e internei-me
na floresta, sem que alguem desse fé da minha
escàpula. Pêla tarde voltei com os meus homens
curvados ao pêso da caça
que tinha môrto. Madame Coillard estava afflicta, pensando
que eu havia abandonado o campo para sempre, e fui recebido com a
maternal censura de quem ralha em familia.
Como em todas as minhas doenças graves, não tive
convalescença, e a minha forte
organização fêz-me passar
do estado valetudinario ao perfeito estado de saude, em
transição
ràpida.
Com a robustez do côrpo veio o socêgo do
espìrito, e só então pude encarar
reflectidamente a posição em que o
destino me collocara. Pêla conversação
repetida com Madame Coillard, pude
perceber que não sobejavam recursos ao missionario. O meu
marfim, bem pago, mas pago em fazendas a que os agentes da casa
Westbeech and Phillips
déram subido e exageradissimo valor, pouco produzio. Madame
Coillard só via
um meio de sahirmos do apuro em que estàvamos, e
êsse era, o
de nos não separarmos, por não ser possivel
dividirem comigo os poucos recursos que
tinham.
Contudo, esperàvamos a volta do missionario, do Quisseque,
para tomar uma resolução definitiva.
A idéa de ficar com elles aterrava-me.
Havia ali uma formosa criança, que impressionava a cada
momento a minha imaginação ardente de Portuguez.
¿Ser-me-hia possivel, n'um viver tão
ìntimo, n'um isolamento tão grande, impedir que
uma fala escapada n'um momento de loucura, um olhar vibrado n'um
lampejo de delirio, fôssem offender a casta menina,
descuidosa na sua innocencia càndida?
Tremia por mim e por ella.
Decidi, pois, fazer um estudo de mim mesmo até á
volta do missionario, e calcular bem até que ponto eu seria
capaz de ser honrado.
Passei três dias atribulados no estudo que fazia do meu
espìrito. ¿Poderia eu namorar-me d'aquella meiga
criança?
De certo não; e a lembrança sempre viva de uma
espôsa idolatrada,
era segura garantia aos meus sentimentos.
Mas, se o coração estava defendido,
não o estava a imaginação
fèrvida, e podia, n'um momento de desvario, com uma phrase
imprudente, cometter uma infamia--porque infamia seria fazer subir o
pejo ao rôsto
d'aquella em cuja casa eu tinha sido recebido com a intimidade de um
filho.
Àlém d'isso, o meu devêr era ainda
maior. Era preciso evitar a tôdo o custo, que a fama das
proêsas que os meus de mim apregoavam;
que a posição, um pouco romàntica, em
que eu
me achava entre aquella familia; não fôssem
impressionar a novél
imaginação dos desoito annos de uma
mulhér.
¿Poderia eu sustentar durante mezes o papél de
uma reserva absoluta, na grande intimidade da vida que ia levar?
Um dia pensei que era capaz de o fazer, e desde êsse dia
tracei a minha conduta futura, de que não arredei um
só passo.
Muitos mezes depois eu tinha sido comprehendido por uma
mulhér, que soube ler no meu ìntimo com essa fina
perspicacia que
só ellas possuem para ler nos arcanos da alma os mais
recònditos sentimentos;
e não hesito em dizer, que fui comprehendido por Madame
Coillard, porque, na vèspera da nossa
separação, ella
escreveu no meu diario um versìculo do Psalmo 37, que me
revelou o seu pensamento.
Estava resolvido a ficar com elles, quando más novas
chegáram do Quisseque.
M^{r.} Coillard confirmava, em uma longa carta escrita a sua
espôsa, o boato do incendio a que ja me referi.
Tudo quanto elle tinha em casa do chefe Carimuque fôra
prêsa das chamas, e isso vinha ainda complicar a
situação,
diminuindo o seu haver.
Àlém d'esta, outra noticia veio consternar mais a
bondosa espôsa do missionario. Dizia elle que Eliazar, o
homem que estava em Quisseque e de quem ja falei, fôra
atacado de um accesso de febre de mao
caracter, e estava em perigo.
Madame Coillard muito affeiçoada áquelle
Catechista, que fôra outrora seu servidor, ficou desde
êsse momento em cuidados extremos.
Dois dias depois, a 6 de Novembro, uma nova carta do missionario veio
augmentar a tristeza que reinava no acampamento de
Leshuma.
Eliazar estava peior e receiava-se que não podesse salvar-se.
No dia 7, eu tinha ficado levantado até tarde da noute, por
ter a fazer observações astronòmicas;
ficando
comigo as duas senhoras, em conversa cujo assumpto era o missionario e
a doença de Eliazar.
Madame Coillard disse-me, que tinha um forte presentimento de que seu
marido chegaria n'aquella noute. Propuz-lhe irmos ao seu encontro, e
tendo sido aceite o alvitre pelas duas corajosas damas,
pozémos-nos a caminho de Embarira.
A um kilòmetro do acampamento, eu que caminhava adiante
d'ellas, preveni-as de que sentia rumor de gente na floresta; mas
julgáram ser engano, porque ainda um kilòmetro
àlém
ninguem encontrámos. Contudo, eu sabia não me
enganar, porque mais de uma vez um rumor mal
definido e só perceptivel a ouvidos de sertanejo, tinha
chegado até mim.
Sem isso não teria animado aquellas damas a esperar n'uma
floresta povoada de feras, e onde me sentia pouco á vontade
pêla
responsabilidade que tomava.
Pelas onze e meia, o rumor que por vêzes percebi tornou-se
distincto para os meus ouvidos, e não duvidei affirmar que
gente
calçada caminhava no trilho que seguìamos. Pouco
depois alguns vultos
aparecêram na sombra, e o missionario, acompanhado de dois ou
três
prêtos, estava diante de nós.
Madame Coillard procurava em vão alguem junto de seu marido.
Esse alguem faltava. Mais uma sepultura tinha sido cavada no alto
Zambeze, mais uma lição estava dada aos
imprudentes que se arriscam
n'aquelle paiz da morte.
Voltámos tristes e silenciosos ao campo de Lexuma.
No dia immediato tive uma larga conversa com M^{r.} Coillard. O que eu
previa ja era realidade. O missionario, falto de recursos,
não me podia dar o sufficiente para eu fazer a viagem
até ao Zumbo.
Discutímos largamente todos os alvitres, e a
ùnica possibilidade de èxito era não
nos separarmos e seguirmos juntos
até ao Bamanguato, onde eu poderia obter meios de seguir
avante. Elle tinha pressa de partir, porque àlém
de não sêrem
fartos os meios para uma espera qualquér, Lexuma era-lhes
fatal. Duas sepulturas de dois dos seus mais
fiéis servidôres tinham sido abertas ali.
Contudo, eu queria ir visitar a grande cataracta do Zambeze, e ficou
combinado que elle me esperaria até ao regresso, o que
importava uma demora de 12 a 15 dias.
Ficou decidido que eu partisse para Mozioatunia no dia 11, e Madame
Coillard, com maternal sollicitude, começou logo a tratar
dos meus aprestes de viagem.
No dia 10, uma forte tempestade cahio sobre nós, e
sobreveio-me um accesso de febre. Verissimo tambem adoeceu com febre.
Este estado de tempo e de doença continuou no dia 11,
impedindo-me de
realisar o projecto de seguir n'esse dia para as cataractas.
No dia 12 eu estava melhor, mas o Verissimo tinha peiorado, sendo
necessario renunciar á partida ainda n'esse dia.
Então o missionario propoz-me seguirmos todos a 13 para o
kraal de Guejuma, e d'ali seguir eu ao destino projectado.
Effectivamente, ás 10^{h.} e 20^{m.} da noute de 13,
deixámos o campo de
Leshuma.
Era
difficil o jornadear por entre a floresta com os pesados
wagons.
A cada
passo um tronco de àrvore ou um
penêdo travava as rodas, e era preciso cortar o tronco ou
remover a pedra. O meu Augusto, usando da sua força
athlètica, fazia verdadeiros
prodìgios.
Só ás 6 horas da tarde do dia 15
podémos alcançar o kraal de Guejuma, tendo
jornadeado noute e dia apenas com pequenos descanços,
para os bois pastarem e nós repousarmos. Não ha
àgua entre estes dous pontos, e ainda que
tìnhamos uma escaça provisão para
nós, os pobres bôis passáram
três dias sem beber. Por isso, logo que chegámos a
Guejuma,
êlles faziam esforços inauditos para se libertarem
dos jugos e correrem
ás lagôas de pèssima agua, que
abastecem aquelle kraal, estabelecido
pêlos sertanejos Inglezes para repousar e têrem os
gados, que não
podem guardar em
Leshuma
por haver ali a terrivel môsca
zê-zê.
O nosso caminho fôi por uma planicie arenosa e
hùmida, onde os
wagons
se enterravam
dando grande canceira aos bôis.
Apesar do mao estado da minha saúde, determinei seguir no
dia immediato para as cataractas, e Madame Coillard não
deixou um momento
de se occupar das minhas provisões de viagem.
Não me foi possivel encontrar um guia, mas apesar d'isso,
não vacillei um instante em partir.
CAPÌTULO
II.
MOZIOATUNIA.
Viagem
ás
cataractas--Tempestades--A grande cataracta do Zambeze--Abusos dos
Macalacas--Regresso--Patamatenga--M^{r.} Gabriel
Mayer--Tùmulos de Europêos--Chêgo a
Deica--A familia Coillard.
Logo na manhã do dia 16 fiz os meus preparativos de viagem,
e bem pouco trabalho tive, porque Madame Coillard ja tinha preparado a
parte mais importante d'elles, a dispensa; tendo eu mesmo de entrevir,
para mostrar a impossibilidade de levar tudo o que ella queria que eu
levasse, pois que não tinha como carregadores mais do que
dois homens,
Augusto e Camutombo.
Comigo deveria partir toda a minha gente que eu não quiz
deixar em Guejuma, receioso de que algum fizesse disparte na minha
ausencia. Ficáram apenas as minhas bagagens, a minha
cabrinha
Córa e o meu
papagaio Calungo.
Para a Àfrica não serve muito o rifão
Europêu que diz, "quem tem bôca vai a Roma;" mas
sim outro se pode inventar para ali, e é
elle, que "quem tem bùssola vai a toda a parte."
Monsieur e Madame Coillard estavam verdadeiramente afflictos por me
verem partir sem guia e a pe. Mal sabiam elles quanto me era socia a
floresta Africana e como eu sabia andar n'ella.
Outro motivo de afflicção para elles era, a
dùvida em que estavam de que me não viesse a
faltar àgua no caminho, por eu
não ter meio de conduzir nenhuma, e ser o paiz em extremo
sêco. Tranquillisei-os como
pude, assegurando-lhes, que não contava morrer de
sêde.
Como eu devêsse demorar-me de 12 a 15 dias n'aquella
excursão, ficou combinado, que elles partiriam para o kraal
de Deica, onde eu deveria ir encontral-os.
Finalmente, depois de mil demonstrações da mais
afectuosa amizade, parti ás 10 horas, sendo acompanhado
durante um
kilòmetro por M^{r.} e Madame Coillard, que então
se despedíram de mim, e
voltáram ao kraal.
Segui sempre ao Norte na planicie, e uma hora depois encontrei uma
emmaranhada floresta, em que me embrenhei, para não alterar
o meu rumo. Depois de caminhar por quarenta minutos na mata, deparei
com uma pequena lagôa de àgua cristalina, e parei
junto d'ella
para deixar passar as horas de maior calor. A esse tempo uma trovoada
longinqua fuzilava ao norte, deixando mal ouvir o rebombar dos
trovões.
Deixei aquelle ponto ás 2 horas, a tempo que se formavam em
tôdas as direcções trovoadas
ameaçadoras.
Ás 4 horas, encontrei um trilho de caça muito
seguido de frêsco, e indo por elle á
descoberta, fui dar a um grande charco lodôso, habitual
bebedouro de feras. Acampei
ali, e tratámos de construir abrigos contra a chuva que
ameaçava cahir em abundancia.
Os pedòmetros annunciavam a marcha de nove milhas
geogràphicas.
Na manhã seguinte, parti ás 6 horas, e sustentei
marcha de 4 horas, interrompida apenas por uma pequena demora,
proveniente de um forte chuveiro que cahio pelas sete horas e meia.
Parei para comer junto de uma lagôa que dá
nascensa a um riacho correndo a
E.S.E.
Ao meio-dia, segui a N.N.E., mas tive que sustar a marcha ás
3 horas, porque os meus ja não podiam dar um passo, tendo os
pés despedaçados, pêla pedra
miúda e sôlta que
encontràvamos desde a 1 hora, no terreno ja bastante
accidentado.
Eu mêsmo, doente e fraco, ja não podia soportar as
grandes marchas que antes fazia.
Durante a ùltima parte da marcha atravessei três
pequenos riachos, que correm a S.E. em leitos basàlticos.
As montanhas pedregosas, mas cobertas de
vegetação arbòrea, correm tambem a
S.E., e não apresentam
elevações, acima dos valles, maiores do que 50
metros.
Acampei junto a um pequeno depòsito de àguas
pluviaes.
Na manhã seguinte continuei a jornada, sempre em terreno
pedregôso e accidentado. Atravessei florestas muito
espêssas, mas onde se
não encontram os gigantes vegetaes peculiares á
flora
intertropical.
Ainda n'essa manhã passei dois còrregos correndo
a S.E.
Desde a vèspera caminhava eu em terreno de
formação vulcànica. Passou por ali uma
revolução enorme, que deixou
profundamente assignalada a sua passagem com traços
indeleveis, em gigantêscas
obras de basalto.
No leito dos ribeiros e na escarpa das montanhas, o sol dardejando os
seus raios sôbre a pedra côr de fôgo, faz
parecer, que ainda ali correm ondas de lava.
Eu achava-me em bôa saúde, mas os meus
difficilmente podiam caminhar descalços, por sôbre
a pedra cortante. Fiz apenas
marcha de quatro horas, e fui acampar junto de um ribeiro; tratando
logo de construir abrigos para nos acolhermos de uma tempestade
imminente.
O sitio do meu acampamento era lindissimo. Um ribeiro d'àgua
cristalina correndo ao N., ficàva-me por oeste. Um
còmoro
coberto de frondoso arvorêdo embelezava a leste a paizagem.
No limitado valle, àrvores enormes de muito differentes
proporções das que até ali encontrara,
cobriam o meu campo formado de
quatro pequenas barracas.
Do norte, muito ao longe, o vento trazia um ruido semelhante ao ribombo
de mil longinquos trovões. Era Mozioatunia no seu bramir
eterno.
Sahi a caçar e encontrei profusão de francolins,
de que fiz bôa provisão.
Matei tambem uma lebre, muito differente das da Europa nas
côres do pello, menor em tamanho, mas igual em
fórmas.
Tornàva-se muito distincta, por ter o dôrso e as
orêlhas quasi
prêtas, e o ventre e cabêça de um
amarello d'óchre muito
carregado, e pintado de manchas nêgras.
De volta da caça, observei no meu campo um caso muito
singular.
Vi milhares de termites trabalhando ao ar livre, e sem o menor cuidado
de cobrirem o seu caminho, ja nas àrvores ja na terra.
Passei uma òptima noute, depois de um bom jantar de perdizes.
No dia immediato, logo á sahida, passei um pequeno ribeiro
que corre a N.O., e depois de se juntar áquelle em cuja
margem acampei,
corre como elle ao N. Segui sempre o curso d'esse ribeiro n'um valle
pedregoso e àrido, e depois de três horas de
marcha parei,
para descançar e comer o resto das perdizes mortas na
vèspera. Segui ao meio-dia,
mas, uma hora depois, tive de parar.
Muitas trovoadas, que desde manhã fusilavam perto do
horizonte em todas as direcções,
subíram aos ares e
viéram estacionar sôbre mim. Uma chuva torrencial
cahia, ou antes batia, sobre nós, tocada por um
vento rijo de N.N.E. Os nimbus espêssos e nêgros,
pairavam perto
da terra e despediam das suas entranhas carregadas de electricidade,
torrentes
d'àgua e torrentes de fôgo.
Mappa
de Mozioatunia
Como eu disse, o sitio em que caminhava era um valle profundo
despovoado de àrvores. Montìculos de rocha
terminados por
vèrtices ponteagudos, atrahiam o raio que os abrasava com o
seu fôgo potente. Uma
faísca veio esmigalhar um penêdo a pouca distancia
de mim.
Era um espectàculo tremendo e horroroso. Vi ali
pêla primeira vez o raio dividir-se. Uma faízca
separou-se pròxima da
terra em cinco, que partíram quasi horizontalmente a ferir
cinco pontos
differentes; algumas vi separarem-se em quatro, em duas, e
três, quasi
tôdas.
Ziguezagues de fôgo cruzavam os ares em todas as
direcções, e abrasavam a atmosphera. É
preciso ter-se assistido a uma trovoada nos
sertões da Àfrica Austral, para bem se fazer
idéa do que
seja uma tempestade medonha.
A minha gente prostrada por terra, horrorizada e escorrendo em
àgua, estava tranzida de frio e mêdo. Eu gracejava
com elles e
procurava animal-os, mostrando uma tranquillidade que estava mui longe
de ser verdadeira.
Uma hora depois a tormenta, como que fatigada do seu pelejar insano,
foi diminuindo de intensidade, e eu pude pôr-me a caminho
ás 2 horas e meia.
Ás três horas tive de parar, obrigado por uma
forte chuva que não se demorou muito em passar.
Pelas 5 horas passava em frente da grande cataracta e acampava a
montante d'ella, aproveitando umas barracas que ali encontrei e
reconstruí.
Durante a noute uma nova tormenta cahio sôbre o meu campo, e
muitas àrvores fôram derrubadas pêlo
raio. A
chuva torrencial inundou as barracas, apagou os fogos e molhou tudo e a
todos. Durou esta tempestade até ás 4 horas da
manhã, hora a que
cessou quasi de repente.
Foi aquella uma noute cruél. Ali ja ao estampido dos
trovões se juntava o bramir da cataracta, e era qual
produziria sons mais roucos e medonhos.
O dia amanheceu chuvoso, e até ás 9 horas foi
impossivel sahir das barracas.
A essa hora rasgou-se o ceo nublado, e o sol veio illuminar a
esplèndida paizagem. Contudo era difficil caminhar n'um
terreno encharcadissimo e lodôso.
Uma forte apprehensão me perturbava o espìrito. A
chuva da noute estragava o pão e mais provisões
dadas por Madame
Coillard. Os mantimentos chegariam ainda para dois dias, mas
não podiam
ir mais àlém. Eu tinha contado com dois recursos,
a caça e os Macalacas da
outra margem, que me venderiam massango.
Era porem impossivel caçar por tal tempo, e os Macalacas que
passáram o rio pediam taes exorbitancias por pequenos pratos
de massango, que me não era dado adquiril-os.
Ao meio-dia cheguei á extremidade oeste da grande cataracta.
O Zambeze duas milhas a montante da queda corre a E.N.E., e vai
encurvando a E., direcção que leva no momento de
encontrar o
abismo em que se precipita.
¿
Mozi-oa-tunia,
ou
Mezi-oa-tuna?
Não sei, e
ninguem o sabe. No paiz uns dizem um nome, outros o outro.
Antes que os Macololos tivessem invadido o paiz ao norte do Zambeze, os
Macalacas chamavam
Chongue
á grande
cataracta.
Viéram os Macololos e pozéram-lhe um nome da
lìngua Sesuto que elles falavam.
Os Macololos desapparecêram e o nome ficou, como ficou aos
povos conquistados a lìngua dos invasores.
Um pouco corrompido, é verdade, mas sempre subsistindo, o
Sesuto é a lìngua official do Alto Zambeze.
Mezi-oa-tuna
quer dizer em Sesuto "a
àgua
enorme," e ainda
que a phrase parêça um pouco disparatada, esta
composição é vulgar entre as linguas
bàrbaras da Àfrica Austral, para exprimir
uma idéa, que a pobrêza das lìnguas
só poderia exprimir
por uma longa phrase. Assim pois, pode bem ser que seja
Mezi-oa-tuna,
o nome
posto pelos Macololos á grande cataracta.
Figura
123.--Mozioatunia. A queda de oeste.
Eu contudo inclino-me á opinião de Madame
Coillard, que conhece a fundo a lìngua Sesuto, de que seja
Mozi-oa-tunia,
o nome dado
outróra pelos guerreiros de Chebitano á maravilha
do Zambeze.
Effectivamente,
Mezi-oa-tuna
era uma phrase nova,
uma
composição de palavras feita expressamente, ao
passo que
Mozi-oa-tunia
é
uma phrase ja feita, quotidiana, vulgar na lìngua dos
Basutos. Quando o
marido volta a casa e pergunta á mulhér se a
comida
está ao fôgo, ella responde-lhe "mozi-oa-tunia,"
"o fumo se levanta." Assim pois
é mais de supor que fôsse este ùltimo o
nome dado pelos
estrangeiros á cataracta, por ser phrase vulgar entre elles,
e ser bem apropriada á
idéa.
Mozi-oa-tunia não é mais do que uma longa cova,
um sulco gigantêsco, aquillo para que se inventou a palavra
abismo, mas abismo profundo e immenso, onde Zambeze se precipita n'uma
extensão de mil e
oitocentos metros.
O corte das rochas basàlticas que formam o
paredão norte do abismo, é perfeitamente
traçado na direcção
E.O., e tem uma extensão de mil e oitocentos metros.
Parallelo a elle, outro enorme paredão basàltico
distanciado na parte superior, ao mesmo nivel, de cem metros, forma o
outro muro do abismo. Os pes d'estas moles enormes de basalto
nêgro, formam um
canal por onde o rio corre depois de se despenhar, canal que
é de certo
muito mais estreito do que a abertura superior, mas cuja largura
é
impossivel medir.
No paredão do sul, proximamente a três
quintas-partes d'elle, a Àfrica foi rasgada por outra fenda
gigantêsca perpendicular
á primeira; fenda que primeiro se encurva a oeste, e
vergando depois pêlo sul a
leste, vai conduzindo em caprichôso ziguezague o rio, que
ella la no
fundo aperta em estreito abraço de rochêdos.
Na cataracta o grande paredão do norte onde o rio se
despenha é em partes perfeitamente vertical, apresentando
apenas as saliencias e escabrosidades das rochas.
Uma enorme convulsão vulcànica fendeu ali a
terra, e produzio aquelle abismo enorme, em que se veio precipitar um
dos maiores rios do mundo. De certo o trabalho potente da
àgua ja modificou muito a
superficie das rochas, mas não é difficil ao
ôlho
observador, o perceber bem, que aquellas escarpas profundas,
distanciadas hôje,
fôram despegadas umas das outras.
O Zambeze, encontrando no seu caminho aquella voragem,
abìsma-se n'ella em três cataractas grandiosas,
porque duas ilhas, que occupam
dois grandes espaços no paredão do norte, o
dividem em
três ramos.
A primeira cataracta é formada por um braço que
passa ao sul da primeira ilha, ilha que occupa no rectàngulo
que desenha a forma
superior da fenda, o extremo oeste.
Este braço precipita-se por isso no pequeno lado oeste do
rectàngulo.
Tem sessenta metros de largo e oitenta de queda vertical, cahindo em
uma bacia d'onde a àgua vai procurar o fundo do abismo e
unir-se
ás outras em ràpidos e cascatas quasi invisiveis
pêla
espêssa nuvem de vapôr que envolve tudo
lá em baixo.
A ilha que separa aquelle braço do rio é coberta
de vegetação frondosa,
vegetação que se estende até ao ponto
onde a àgua se despenha, produzindo uma paizagem
sorprendente.
É esta a menor das quedas, mas é a mais bella, ou
antes a ùnica que é bella, porque tudo mais em
Mozi-oa-tunia é horrivel. Aquella
voragem enorme, nêgra como é nêgro o
basalto que
a forma, escura como é escura a nuvem que a envolve, teria
sido escolhida se fôsse conhecida
nos tempos bìblicos, para imagem do inferno, inferno
d'àgua
e trevas, mais terrivel talvez que o inferno de fôgo e luz.
Para augmentar o sentimento de horror que se experimenta diante
d'aquelle prodigio, até é preciso arriscar a vida
para a poder ver. ¡Vel-a! impossivel; Mozi-oa-tunia nem se
deixa ver.
Ás vezes, lá no fundo, por entre a bruma eterna,
percebem-se formas confusas, semelhando ruinas medonhas.
Sam pontas de rochêdos de enorme altura, onde a
àgua, que os açouta, partindo-se em
glòbulos se torna nuvem, nuvem eterna, que
constantemente alimentada tem de pairar sobre o rochêdo em
que se formou, em
quanto a àgua cahir e o rochêdo se erguer ali.
Em frente da ilha do jardim, no meio de um arco-iris,
concèntrico a outro mais desvanecido, vi eu por
vêzes, ao ondular da bruma, desenharem-se confusamente, uma
serie de picos, semelhantes aos miranetes de uma cathedral
phantàstica, que a um lado
lançava aos ares uma frecha de enorme altura.
Continuando a examinar a cataracta, vemos o comêço
do paredão N. logo em seguida á queda de oeste,
ser occupado em uma
extenção de duzentos metros por uma ilha, aquella
de que ja falei, que separa o
braço do rio que vai formar a primeira queda. Ali
é o ùnico
ponto em que se vê tôdo o paredão,
porque n'aquella extensão de duzentos
metros o vapor não chêga completamente a encobrir
o fundo.
Foi n'esse ponto onde eu fiz as primeiras
medições, e por meio de dois
triàngulos, achei para largura superior do corte 100 metros,
e 120 para altura vertical do paredão.
Esta altura vertical é superior mais a leste, porque o fundo
do sulco desce até ao corte que encana o rio ao sul. N'esse
ponto
tambem obtive elementos para medir a altura.
Nas primeiras medições eu tinha por base o lado
100 metros, achado para largura superior do sulco, mas era preciso ver
o pé do
paredão, e tive de arriscar a vida para isso.
Tirei os pannos ao meu Augusto e ao meu muleque Catraio e amarrei-os.
Estes pannos de zuarte pintado e ja muito usados, não me
offereciam uma grande segurança, mas não tinha
outro meio de me
suspender no abismo. Passei o fragil amparo em volta do peito, para me
ficarem as
mãos livres, e tomando o sextante debrucei-me na voragem.
Seguravam as extremidades o meu Augusto e um Macalaca da
povoação das quedas. Elles tremiam com
mêdo e faziam-me tremer, levando eu por isso
muito tempo a medir o àngulo. Quando lhes disse que me
puxassem, e me pude
equilibrar sôbre as rochas, foi como se tivesse acordado de
um
pesadêlo horrivel.
Li no nonio 50° 10', e logo que registei a medida, comecei a
horrorizar-me do que tinha feito. Um excesso de vaidade mal-cabida, o
querer apresentar com a maior aproximação a
altura da cataracta, acabava de me fazer commetter a maior imprudencia
que commetti em
tôda a viagem.
Medir e triangular ali é difficilimo, e começa
por faltar terreno onde se possa medir uma base com algum rigor.
Eu apenas pude medir 75 metros, e isso com trabalho enorme.
Só posso suppor que os triàngulos feitos
pêlo D^{or.} Livingstone da ilha do Jardim, fôram
resolvidos só com os
àngulos; porque lados não podia d'aquelle ponto
medir nenhum. Pena é que
não ficasse a fòrmula. A
medição da altura com um cordél e uma
pedra atada na ponta, acho-a tambem extraordinaria; porque as
escabrosidades da rocha deveriam soster o prumo, e
àlém d'isso, da ilha do Jardim apenas
se vê, na voragem profunda, uma espêssa nuvem que
tudo encobre, sendo
impossivel divisar nada lá em baixo, ainda que o Doutor
atasse á
pedra tôda uma peça de algodão branco,
em logar de um farrapo de 60
centìmetros, como elle diz que fez. Fôsse como
fôsse, elle foi mais feliz e
mais esperto do que eu, que pouco fiz, dispondo para isso de melhores
instrumentos e mais recursos.
Figura
124.--Mozioatunia. Maneira pouco còmmoda de medir
àngulos.
Em seguida á primeira ilha onde fiz as
medições, vem a parte principal da cataracta, e
é ella comprehendida entre essa ilha e a do
Jardim. Ali é que a maior porção
d'àgua
se despenha n'uma compacta massa de quatrocentos metros de
extensão, e ali é que o
abismo atinge tôda a sua profundidade. Vem, em seguida, a
ilha do Jardim, de quarenta metros de face sôbre a fenda; e
depois a terceira queda, formada por
dezenas de quedas, que occupam tôdo o espaço entre
a ilha do
Jardim e a extremidade leste do paredão. Esta terceira queda
deve ser a mais
importante no tempo das cheias, logo que as pedras que na estiagem lhe
dividem as àguas fôrem cobertas, e não
existir
mais do que uma ùnica e enorme cataracta.
A àgua que cae das duas primeiras quedas e parte da terceira
junto da ilha do Jardim, correm a leste, o resto da terceira a oeste, e
encontrando-se, unem-se em choque immenso, e voltam ao sul n'um referver
medonho, correndo ràpidas no fundo do abismo, em canal
pedregôso, que as entala nos seus caprichosos ziguezagues.
No ponto onde as àguas, ja em um canal ùnico, se
dirigem ao sul, fiz uma experiencia que narrarei em capìtulo
separado d'este, e que
me permittio obter uma altura muito aproximada da maior profundidade do
abismo.
Não me foi possivel fazer mais, e duvido mesmo que mais se
possa fazer, a menos de se ir expressamente preparado para estudar a
cataracta; e creio que para isso será possivel inventar
algums meios
apropriados para trabalhar ali, debaixo de uma chuva eterna, e no meio
de um
vapôr denso que nada deixa ver.
Figura
125.--O Rio depois da Cataracta.
Ilhas, bordas da cataracta, rochêdos mêsmos, tudo
é coberto de uma vegetação
esplèndida, mas de um
verde-nêgro triste e monòtono, embora um ou outro
grupo de palmeiras tente quebrar a melancolia do quadro, fazendo
sobressahir as suas palmas elegantes ás copas dos
arvorêdos que as cercam.
Uma chuva eterna molha sem cessar as proximidades do abismo, onde rola
como que uma trovoada sem fim.
Mozia-oa-tunia não se pode desenhar, e excepto a sua
extremidade oeste, tudo ali é nuvem de vapôr, que
encobre uma
paizagem medonha.
Não é dado visitar esta sobêrba
maravilha sem que um sentimento de terror e de tristeza se aposse de
nós.
¡Que differença entre a cataracta de Gonha e
Mozi-oa-tunia!
Em Gonha tudo é risonho e bello; ali tudo é
soturno e triste!
Ambas sam attrahentes, ambas sam verdadeiramente grandiosas; mas Gonha
é attrahente e bella como a virgem formosa coroada das
flores da innocencia, arrastando o alvo vestido nas ruas do jardim,
embalsamadas pelas auras perfumadas da manhã de estio:
Mozi-oa-tunia
é grandiosa e imponente como o salteador requeimado
pêlo sol de
verão e pêlo gêlo do inverno, o trabuco
na mão, o crime na idéa, entre
os fraguêdos da serra, por noite escura e triste.
Gonha é bella como a manhã bonançosa
da primavera; Mozi-oa-tunia é imponente como a noute
tempestuosa do inverno.
Gonha é bella como o primeiro sorrir da criança
nos braços da mãe; Mozi-oa-tunia é
imponente como o ùltimo arquejar
do ancião nos braços da morte.
Gonha é o bello na sua mais sublime expressão da
formosura; Mozia-oa-tunia é o bello na sua mais expressiva
revelação da grandeza e magestade.
Depois da contemplação da mais prodigiosa
maravilha natural do continente Africano, voltei ao meu campo
fortemente impressionado
pêlo que acabava de ver. O tempo melhorara, mas conservava-se
encoberto. N'essa noute fui assaltado por nuvem de mosquitos, que
não
me deixáram um momento de repouso.
Logo de manhã, parti para a cataracta, que visitei de
nôvo, concluindo os trabalhos começados na
vèspera, e que me
entretivéram o dia tôdo. De volta ao campo,
apparecêram ali uns Macalacas com massango,
pedindo-me quatro jardas de fazenda por um prato d'elle, que
não
continha meio litro de grão.[
6]
Ainda que muito necessitado de adquirir vìveres,
não quiz abrir um tal exemplo, e recusei comprar.
Então o Macalaca disse-me, que a fazenda e a missanga
não se comia, que eu teria fome, e então lhe
daria tudo o que elle quizesse
por um prato de comida.
Fui-lhe dando logo dois pontapés. Chegou o dia 22 de
Novembro, dia que eu tinha fixado para o regresso, mas a minha
posição era crìtica.
Tìnhamos apenas comida para dois dias, e não
lograriamos alcançar Deica antes de seis.
Era impossivel partir sem ter feito provisões de mantimentos.
Não esperando ja obter nada dos Macalacas, fui
caçar apesar do mao tempo.
Pouco distante do acampamento, pude atirar a uma malanca, e voltava
ás barracas para a mandar esquartejar e trazer ali; quando
chegou o chefe das povoações das quedas, que
pêla
primeira vez eu via, e me vinha visitar.
Com elle vinham muitos prêtos, que fôram ajudar a
conduzir a malanca que eu havia môrto. Uma tão
importante peça
de caça fez logo diminuir no mercado o
prêço dos vìveres. O chefe
foi á sua povoação d'onde trouxe
quantidade de mantimentos e duas gallinhas, pedindo-me por tudo a pelle
da malanca e o meu cobertor. Necessitado de partir, e não
querendo fazer questões, aceitei o contracto, e elle
retirou-se satisfeito.
Lá foi o meu cobertor! socio de tantas noutes mal dormidas
n'aquelles sertões Africanos.
Pude enfim deixar Mozi-oa-tunia, e fui pernoitar nas mêsmas
barracas que tinha construido na tarde do dia 18.
No dia immediato deixei o caminho que seguira até ali quando
demandava a cataracta, e endireitei ao sul. Não me tinha
sido difficil
encontrar a grande cataracta do Zambeze que de longe se annuncia; mas
encontrar um ponto que não existe nas cartas e cuja
posição eu tinha calculado por
informações vagas, não me era facil.
N'um paiz como aquelle, despovoado e virgem, eu poderia bem passar
perto do kraal de Patamatenga sem o ver, nem dar d'elle conta. Contudo,
pelos meus càlculos, Patamatenga devia-me ficar ao Sul
verdadeiro,
e eu endireitei para la, dispôsto a não alterar
aquelle
rumo por nenhum motivo que fôsse.
Depois de marcha de quatro horas, fui acampar junto de um
còrrego em sitio medonho. Nem uma àrvore, nem uma
herva. Só
penedias nêgras formavam a paizagem, escurecida ainda por um
ceo carregado de pesados nimbus.
Um silencio profundo reinava n'aquelle pequeno valle da tristeza.
No caminho d'êsse dia encontrei alguns leões, que
evitei com cautela.
Vem a propòsito falar aqui de certa mania louca que ataca
quasi sempre o explorador noviço. É tal o seu
enthusiasmo por
afrontar os perigos, que chêga a creal-os onde elles
não existem.
A Àfrica offerece cada dia, a cada passo, taes
estôrvos ao viajante, taes perigos ao caminheiro, que sam
elles de sobra para fazer abortar a maior parte das
expedições que tentam devassar os
seus segrêdos.
A prudencia deve ser o guia de tôdas as
acções do exploradôr; o que
não quer dizer, que ella mesma não
aconsêlhe, em outra
dada circunstancia, um excesso de temeridade, quando essa temeridade
fôr precisa
á salvação commum.
Uma das maiores loucuras em Àfrica é
caçar feras. A pòlvora vale no sertão
tanto como o ouro, e o tiro dado em uma fera
é um tiro desperdiçado, é o resultado
de uma
expedição arriscado, é ás
vêzes a salvação de tôda uma
caravana, que
será perdida sem chefe, posta na balança do
acaso, unicamente por
satisfação de uma vaidade pessoal.
Em quasi tôda a minha viagem, obrigado a caçar
para viver, tive muitas vêzes de affrontar as feras; o que
não me teria
acontecido se, dispondo de recursos sufficientes, me podesse ter
dispensado da caça.
Uma fera morta em defensa propria e em encontro fortuïto,
é
um obstàculo destruido; um leão procurado e
môrto por o
exploradôr geògrapho é um
obstàculo creado, é uma imprudencia commettida,
é e deve ser um remôrso na sua existencia.
Eu commetti algumas faltas d'essas, e sempre depois tive o
arrependimento sincero.
Hôje se voltasse á Àfrica em viagem de
exploração ou encarregado de outra qualquer
missão importante, não arriscaria
o fim principal, para me dar um prazer que é fumo, porque
apenas vem um momento
lisongear o amor-proprio.
Ja pensava assim, quando de volta da cataracta evitava os
leões, que fugiam de mim como eu fugia d'elles.
Não havia lenha perto do sitio onde decidi ficar, e o meu
Augusto foi procural-a longe. Trouxe alguns troncos de
àrvores
sêcos, que, ao partir, deixavam apparecer nas rachas
escorpiões enormes. No
caminho mesmo, e ainda ali, haviam innùmeros dos repugnantes
articulados.
N'esse dia, uma violenta tempestade vinda do S.S.E. passou
sôbre nós, e durante duas horas despejou copiosa
chuva.
Durante a noute, soprou rijo o vento S.E., que muito nos incommodou,
tendo por abrigos, como tìnhamos, apenas um ceo nebuloso. A
24 de Novembro, segui sempre ao Sul por caminho difficil.
As montanhas corriam a S.E. e por isso nós
subìamos e decìamos continuamente, em terreno
pedregoso, e àrido. Depois de
cinco horas de fatigante caminhar, encontrei um pequeno charco, junto
ao qual acampei.
Subindo a um outeiro que me ficava pròximo, avistei ao sul
uma planicie enorme, onde não pude divisar os menores
signaes de
àgua, por mais que a perscrutei com o meu òculo
potente.
Receei muito que me faltasse a àgua d'ali em diante.
É verdade que n'aquelle paiz abunda o
Mucuri,
e onde elle
existe não se
morre á sêde. O
Mucuri
é um grande
auxilio do viajante
nas florestas ressequidas da Àfrica Austral. É
elle um arbusto
de 60 a 80 centìmetros de altura, que produz na extremidade
das suas radìculas, uns
tubèrculos esponjosos, ensopados de um lìquido
insìpido que
sacia a sêde.
Não é facil porem encontrar os
tubèrculos logo que se encontra a planta.
Crescem êlles nas pontas de pequenas radìculas
que, irradiando das raizes principaes, vam muito longe do caule
alimentar e desenvolver aquellas excrescencias extraordinarias. O
melhor meio de os encontrar
é o empregado pêlo gentio Africano, de se
collocarem junto
á planta e ir descrevendo cìrculos
concèntricos a passos
lentos, batendo o terreno com um pao. Onde a terra dá um som
ôco e surdo ahi
estam os tubèrculos, que t[~e]m de 10 a 20
centìmetros de diàmetro e
affectam a forma pròximamente esphèrica. Fiz
bôa
provisão d'elles no dia immediato antes de deixar o sitio em
que passei uma pèssima noute.
Sustentei marcha de sete horas, ja em planicie coberta de
àrvorêdo e altas gramìneas. De
àgua nem signaes.
Pêla tarde parámos extenuados de fadiga, e
resolvia acampar, quando sôbre a minha
cabêça, na
àrvore a que estava encostado, ouvi o arrullar das
rôlas Africanas.
A àgua devia estar perto, porque aquella era a hora das
avezinhas bebêrem, e sem bebedouros pròximos as
rôlas não estariam ali. A rôla em
Àfrica é indicio de haver àgua perto
do sitio onde se mostra de manhã e á tarde,
porque aquella ave não passa sem beber
duas vêzes ao dia.
Mandei logo Verissimo e Augusto explorar os arredores, e uma hora
depois voltava Verissimo tendo encontrado uma pequena nascente um
kilòmetro ao N.O.
Fui acampar ali ja por noute escura.
Pêlos mêus càlculos no dia immediato
deverìamos chegar a Patamatenga.
Amanheceu o dia 26 de Novembro, e puz-me em marcha. Logo á
sahida do ponto em que acampei, encontrei uma espêssa mata
que me levou
20 minutos a transpôr.
Ao sahir d'ella, um ribeiro bastante volumoso corria em leito de pedra,
e àlém d'elle um kraal magnìficamente
construido, mostrou-me, por sôbre a sua forte palissada o
tecto ponteagudo de muitas casas.
Eu tinha dôrmido junto a Patamatenga sem o saber, e tinha
passado uma pèssima noute ao relento, quando poderia ter
dormido em
òptima cama e no conchêgo de uma bem construida
casa.
Um Inglez, cujo nome ignorava, veio buscar-me ao rio e levou-me ao
kraal, principiando logo, antes de mais conversa, a dar-me de comer.
Ás onze horas ja eu tinha comido não sei quantas
vêzes, e êlle veio
annunciar-me que se estava fazendo um petisco. Tinha ali um
òptimo cosinheiro Europêu. Não
consentio que eu seguisse
para Deica, sendo o seu argumento, que deveria passar o dia com elle,
porque o devia passar.
Escrevi um bilhete a M^{r.} Coillard, a participar-lhe que estava de
bôa saúde, e que chegaria a Deica no dia immediato.
O Inglez, logo que vio a minha resolução em
ficar, mandou matar o seu melhor carneiro, e convidou-me a ir ver o seu
quintal. Fomos, e elle começou a fazer barbaridades.
Destruio um batatal
nôvo, só para tirar umas seis batatas.
Apanhou quantos tomates, cebolas, e pimentos ali haviam.
Não pude impedir aquelle furor de
destruição para me dar a comer de tudo quanto
tinha, e até creio que tudo quanto tinha se eu me
demorasse em sua casa. O quintal era magnìfico e muito bem
tratado, mas
n'aquella èpocha do anno pouco podia offerecer. Ainda assim
o meu
Inglez voltou triumphante com seis batatas, dezaseis tomates, alguns
pimentos e muitas cebollinhas que foi entregar ao cozinheiro para o
jantar.
¡Jantar!... Eu não sei que nome deverei dar
áquella comida! Pelo
nùmero devia ser muito mais do que ceia, pêla hora
menos do que
lunch!
Pude soster o furor do meu hospedeiro em dar-me de comer, e consegui ir
com elle dar um passeio nos arredores do kraal.
Encontrámos no caminho cinco montìculos de pedras
que marcam as sepulturas de cinco Europêos, adormecidos ali
para sempre, e
deitados ao lado uns dos outros á sombra do
arvorêdo, n'essa
mesma terra que lhes infiltrou no organismo, pêlo ar que deu
a respirar, o veneno
que lhes deveria cortar as existencias, com prematuro passamento.
¡Quantos tùmulos como aquelles não
t[~e]m um logar incerto, no meio d'êsse continente enorme, e
não escondem o
segrêdo da sepultura de homens, que deixáram longe
affeições e
ternuras, que nem podem ter o amargo prazer de derramar uma
làgrima sôbre a
terra que occulta um ente estremecido!
Os cinco tùmulos de Patamatenga encerram os despojos de
cinco homens cujos nômes vou citar, e se algum amigo ainda se
lembrar
d'elles, terá ao menos o conhecimento do canto da terra onde
repousam para sempre.
O primeiro tùmulo encerra Jolly, môrto em 1875; o
segundo Frank Cowley, o terceiro Robert Bairn, ambos mortos em 1875; o
quarto Baldwin, e o quinto Walter Carre Lowe, mortos em 1876. Em Abril
do anno de 1878, morreu tambem ali perto o Sueco Oswald Bagger, que
está
enterrado em Lexuma.
Figura
126.--Os Tumulos em Patamatenga.
Depois de visitar aquelle cemiterio improvisado no meio do
sertão longìnquo, voltei ao kraal de Patamatenga,
onde fui obrigado
a comer vàrias ceias.
Na conversação com Gabriel Mayer, o meu
hospedeiro, eu fugia de narrar qualquer episòdio passado da
minha viagem em que figurasse a
falta de vìveres, porque ao ouvir taes narrativas, o bom
Inglez
entrava em furor e mandava logo pôr a mêsa,
mêsa que ja me
mettia tanto mêdo como por vêzes me tinha mettido a
fome.
No dia seguinte, depois de ter almoçado duas
vêzes, antes das 7 horas da manhã, parti a essa
hora, tendo de levar vàrios
petiscos para o caminho, porque Gabriel Mayer não consentio
que eu partisse sem essa
condição.
Depois de cinco horas de marcha a leste, alcancei o acampamento de
Deica, onde a familia Coillard me esperava, e onde fui recebido com as
maiores demonstrações de simpathia.
D'aquelle lado não tinha chovido como em Mozi-oa-tunia, e
ficámos em grande embaraço para partir, porque
encontrariamos o deserto
sêco, e impossivel nos seria atravessal-o antes de cahirem as
chuvas necessarias para encher os charcos onde deverìamos
encontrar a
àgua precisa.
Nos dias 28 e 29 de Novembro, percebemos que haviam trovoadas muito ao
longe ao Sul e S.S.E., e isso animou-nos a partir, esperando que ellas
tivessem despejado alguma chuva no deserto.
No dia 28 improvisei, com anzóes que trazia, uns pequenos
aparêlhos de pesca, e fui com as damas Coillard pescar a uma
lagôa que nos
ficava uns duzentos metros a oeste do campo. Conseguímos
pescar muitos
peixes miudos, e eu tive um verdadeiro prazer por ver o gôsto
que
gozavam aquellas senhoras n'um divertimento nôvo para ellas,
quando
sentiam a ligeira canna vergar ao pêso de um peixe que se
estorcia na
ponta da linha, prêso ao anzol que a sua imprudente
voracidade lhe
fizera morder.
No dia 30 resolvémos partir a 2 de Dezembro, ainda que
corriamos o risco de não encontrar àgua logo nos
primeiros dias de
viagem, mas uma importante consideração nos
levava a
não differir a partida. Èramos quinze
pessôas, e a provisão de mantimentos
pequena. D'ali ao Bamanguato não poderìamos obter
vìveres, e em
Deica mêsmo nenhuns podìamos haver.
Era pois preciso caminhar sôbre Xoxom (
Shoshong)
o mais
depressa possivel, para alcançar a cidade do rei Khama antes
que
viesse a fome.
Ficou por isso resolvido que partìssemos no dia dois,
resolução que foi apoiada pêla chuva
que cahio nos dias 30 do mez e 1 de
Dezembro.
Antes de emprehender a narrativa d'essa aventurosa viagem atravez do
deserto, preciso dizer duas palavras á cerca dos meus
companheiros.
Que elles me perdôem pêlo que vou escrever, se a
sua modestia for ferida pelas minhas palavras; mas é preciso
que se saiba o nome e
os feitos de alguns d'esses obscuros trabalhadores Africanos, que
deixam a Europa e a vida civilizada, para irem longe da patria
trabalhar tenazmente na grande obra da
civilização do Continente
Nêgro.
No paiz do Basuto, paiz que confina ao sul e leste com as colonias do
Cabo e Natal, e ao norte e oeste com o estado livre de Orange,
fôram, ha cincoenta annos, estabelecer-se alguns missionarios
protestantes Francezes. Estes homens, cujo nùmero augmentava
de anno para
anno, conseguíram domar um pôvo bàrbaro
de
canibaes, e eleval-o a um estado de civilização e
de instrucção
a que ainda não chegou pôvo algum da
Àfrica Austral.
Hôje as escolas Christãs do Basuto contam os
discìpulos por milhares, e uma grande parte da
população sendo
Christã, abandonou a polygamia e os costumes
bàrbaros dos seus antepassados.
Os missionarios acháram o campo ja pequeno para o seu
nùmero, sentíram a necessidade de
expansão, e fôram estabelecer os
seus cathechistas para o norte do Transvaal junto ao Limpôpo.
Quizéram ir mais longe, e uma
expedição foi organizada, tendo por chefe um
joven missionario, com destino ao paiz do Baniais ou Machonas, situado
entre o Matabele e as terras Natuas. Esta
expedição foi infeliz. Entrando no Transvaal,
soffreu insultos dos Boers, que a impossibilitáram de seguir
ávante, chegando
até a serem prêsos em Pretoria o missionario e
seus homens de cathechese.
Foi então que M^{r.} François Coillard, director
da Missão de Leribé, foi encarregado de dirigir a
expedição que
falhara. Partio de Leribé, ponto situado perto do rio
Caledon, affluente do Orange e a oeste do Mont-aux-sources, e com sua
espôsa e sua sobrinha e seus
cathechistas, caminhou ao Norte, e por entre innùmeras
difficuldades, que
só uma vontade tenaz pode vencer, conseguio
alcançar o paiz a que
se destinava.
Muito bem recebido pelos Machonas, deu comêço aos
seus trabalhos, quando foi atacado por uma fôrça
de Matebeles, que o
fizéram prisioneiro e o conduzíram com
tôda a
expedição perante o seu chefe, Lo-Bengula.
O que o missionario e aquellas pobres damas soffreram durante o tempo
que estivéram em poder do terrivel chefe dos Matebeles
é uma historia triste e compungente.
O chefe, que pretende ter direitos sôbre o paiz dos Machonas,
exprobou-lhes o terem ido ali sem a sua prèvia
licença, e não lhes permitio voltar lá.
Retrogradou pois até Xoxon, capital do Manguato, e
não querendo deixar sem resultado tão dispendiosa
e fadigosa jornada, deliberou
fazer uma tentativa sôbre o Barôze. Tinha a
vantagem de falar
a lingua do paiz, bem como os seus cathechistas, que, Basutos de
origem, podiam trabalhar facilmente em um paiz onde se falava a sua
propria lìngua.
Não foi feliz no Barôze, e ainda que bem recebido
e cheio de promessas do astuto Gambela, não lhe
consentíram o accesso
àlém de Quisseque.
Fôram estes, que exponho muito resumidamente, os motivos que
leváram a familia Coillard ao Alto Zambeze, e que
occasionáram o nosso
encontro n'aquellas remotas paragens.
M^{r.} Coillard e sua espôsa, á èpocha
do nosso encontro, estavam em Àfrica havia ja vinte annos!
M^{r.} Coillard é homem de quarenta annos, sua
espôsa tem a idade que tem tôdas as damas casadas
logo que passam dos vinte e cinco,
não tem idade.
O missionario nutre uma grande paixão pelos
indìgenas, á civilização
dos quaes votou a sua vida.
Sempre tranquillo em gesto e palavra, não se altera nunca, e
só tem na bôca o perdão para todas as
faltas que
vê commetter.
François Coillard é o melhor e o mais bondoso dos
homens que eu tenho conhecido.
A uma intelligencia superior reune uma vontade inquebrantavel, e a
teimosia precisa para levar a cabo qualquer emprehendimento difficil.
Muito instruido, o missionario Francez tem uma alma moldada para
comprehender os mais sublimes sentimentos, e é mesmo
poéta.
Procurando e glorificando-se de encontrar qualidades bôas nos
indìgenas Africanos, não vê ou
não quer ver as
más.
É um grande defeito êsse, mas tem elle ampla
escusa na sublimidade dos sentimentos que o dictam.
Madame Coillard, como seu marido, é de uma bondade extrema.
Não se chêga a ella o necessitado sem ir
satisfeito, o triste sem ir consolado.
Para elles tudo sam irmãos, e tanto estendem a
mão ao indìgena como ao Europêu, ao
pobre como ao rico, logo que indìgena,
Europêu, pobre e rico precisam d'elles.
Eu, por mim, não lhes poderei nunca agradecer os
serviços que me fizéram, serviços que
me obrigáram
tanto mais, quanto maior foi a delicadeza com que fôram
feitos.
O correr da narrativa mostrará quem sam estas gentes de quem
falo agora muito lacònicamente, e que deviam ser meus socios
na longa
viagem que ìamos emprehender a traves de um deserto
desconhecido,
porque, deixando o caminho das caravanas, ìamos
traçar uma nova
estrada.
CAPÌTULO
III.
TRINTA
DIAS NO DESERTO.
O
Deserto--Florestas--Planicies--Os Macaricaris--Os Massaruas--O grande Macaricari--Os rios
no
deserto--Morte da Córa--Falta de àgua--O
ùltimo chá de Madame Coillard--Xoxom (Shoshong).
A 2 de Dezembro, começáram logo de
manhã os preparativos de partida.
Um vagom de viagem em Àfrica do Sul é uma pesada
construcção de madeira e ferro, de 6 a 7 metros
de comprido por 1,8 a 2 de largo, assente sobre 4 fortes rodas de
madeira, e tirado por 24 a 30 bôis,
junguidos a fortes cangas, prêsas a uma corrente longa e
grossa, fixa
á ponta do cabeçalho no carro.
Esta especie de casa ambulante, é carregada com as bagagens
e fazendas do viajante, e disposta de modo a offerecer-lhe
tôdas as
comodidades caseiras.
O vagom de M^{r.} Coillard era uma verdadeira maravilha.
Construido expressamente para aquella viagem sôb as suas
vistas e com a sua experiencia de viajeiro, tinha commodidades que
nunca vi em outro.
A minha bagagem foi arrumada com a da familia Coillard no fundo do
vagom, ficando apenas á mão aquillo de que eu
poderia precisar a miúdo.
Elles faziam prodigios para darem logar a todos os meus volumes de
carga, como, durante a viagem, se encolhiam para me dar logar a mim
mêsmo.
Uma partida depois de 15 dias de descanço é
sempre muito demorada.
Ha muita cousa que arrumar, e no momento de partir descobre-se sempre,
que ha uma canga quebrada, que faltam as pitas aos chicotes, que os
cubos das rodas precisam ser untados, mil cousas emfim que fazem
retardar de algumas horas o momento prefixo.
Depois de essas precauções tomadas por M^{r.}
Coillard, e dictadas por uma longa experiencia de tal modo de viajar,
conseguímos
deixar Deica pelas 2 horas da tarde, e endireitámos ao sul.
O nosso comboio compunha-se de quatro vagons, dous pertencentes a
M^{r.} Coillard, e dous outros de M^{r.} Frederick Phillips, de quem
falarei mais tarde.
Depois de uma jornada de três horas e meia,
encontrámos àgua em uma pequena lagôa,
recentemente cheia pêla chuva dos
dias anteriores, e pernoitámos junto d'ella.
No dia immediato seguímos a S.S.E., e depois de duas horas
de viagem parámos hora e meia, para dar descanço
aos
bôis.
Foi de três horas a segunda parte da jornada, e ainda
fizémos uma terceira tirada das 7 ás 9 da noute.
Sendo explorados os arredores do sitio em que acampámos,
encontrou-se àgua um kilòmetro a E.N.E.
No dia 4 só podémos partir ás 4 e meia
horas da tarde, para darmos tempo aos bôis de
bebêrem durante tôda a
manhã: e n'esse dia a nossa jornada foi apenas de duas horas
e meia, porque, encontrando uma
lagôa de òptima àgua,
acampámos junto d'ella, ainda que os
prêtos de M^{r.} Phillips diziam haver ali a terrivel
môsca zê-zê,
o que me parece precisa confirmação.
Contudo, por prudencia, no seguinte dia partímos logo de
madrugada, e viajámos por sete horas e meia, em
três andadas, a
ùltima das quaes findou ás 9 da noute. Junto do
ponto onde
pernoitámos não appareceu àgua. A
viagem d'êsse dia foi difficil, por entre
emmaranhada floresta, onde os vagons corréram grande perigo
de partir as rodas de
encontro aos troncos de àrvores colossaes.
A 6, de manhã, jornadeámos por duas horas a S.E.,
encontrando no fim d'ellas uma lagôa de àgua
permanente, a
ùnica àgua que no tempo sêco se
encontra de Deica até ali. Chama-se Tamazêze.
Descansámos por sete horas, e seguímos
ás 3 da tarde; indo acampar, ás 6, junto de outra
bella lagôa tambem permanente, a que os
Massaruas chamam Tamafupa.
A jornada d'aquêlle dia foi por entre florestas lindissimas,
onde abundam espinheiros brancos. O solo é coberto por uma
espêssa camada de arêa. Junto á
lagôa um formôso
tapête de relva cobre o terreno, levemente accidentado.
Mas no meio d'aquella relva viçosa cresce uma planta
herbàcea de que os bôis sam àvidos, e
da qual é preciso
desvial-os com cuidado, porque é mortal peçonha
para êlles.
Estive n'essa noute até tarde levantado, para fazer
observações astronòmicas, e talvez ahi
tivesse origem o violento accesso
de febre que me atacou no dia immediato.
Por algumas horas o delirio tirou-me a consciencia, e só ao
recuperar a razão pude dar tino dos cuidadosos desvelos que
me eram
dispensados pêla familia Coillard.
O dia seguinte foi ainda passado no mais angustiôso
soffrimento, e só ao terceiro dia nos pozémos em
viagem, indo eu em deploravel
estado. Foi-me arranjada uma cama no vagom de M^{r.} Coillard, e
rodeado da familia, que redobrava em affectuosos cuidados, cercando-me
de tôdas as commodidades que a si tiravam, fiz uma jornada
que pouca consciencia tenho de ter feito. Sei que a 10 de Dezembro
estàvamos
acampados em um logar que uns chamam Muacha e outros Nguja.
Ali, com o caminho seguido pêlos negociantes Inglezes,
devìamos deixar um d'elles, que, como ja disse, era nosso
companheiro de viagem desde Deica.
M^{r.} Frederick Phillips, o companheiro de viagem que ìamos
deixar, é um
Inglez
de Inglaterra.
Homem de fina
educação, affecta uns modos grosseiros e
semi-selvagens, que não podem encubrir as suas
bôas maneiras originaes.
É este um dos seus fracos.
O outro elle mesmo o define em algumas palavras que lhe ouvi. "Quizera,
me disse elle, que tudo o que existe no mundo, que tudo o que cobre a
terra, fôsse marfim, e eu só senhor d'elle."
Se eu não tivesse a certeza de que M^{r.} Phillips era
Inglez, pêla fòrmula do desejo
julgàra-o nascido em Tarbes.
M^{r.} Phillips, de elevada estatura e robusto em
proporção, tem um rôsto
enèrgico e sympàthico, que dizem
ter feito uma profunda impressão na irmã do
terrivel Lo-Bengula, o rei do Matabelle, que tem
feito as mais altas diligencias para o desposar. É no
Matabelle que
êlle tem a sua principal residencia Africana, e se eu o
encontrei no Zambeze, foi porque a ausencia ali de M^{r.} Westbeech seu
socio, o obrigou
áquella viagem por interesses commerciaes.
M^{r.} Phillips, que encontrei em Lexuma, fêz-me
offerecimentos, pondo á minha
disposição um dos seus vagons, para eu
continuar a minha viagem para o sul, e se os não devi
aceitar, não deixo
por isso de lhe tributar muita gratidão.
Depois de nos despedirmos de M^{r.} Phillips em Nguja,
partímos ao Sul, e jornadeámos por três
horas e meia, indo acampar,
ás 7 e meia, em sìtio onde não havia
àgua.
No dia seguinte, depois de duas horas e meia de caminho,
parámos em um logar chamado em lìngua Massarua
Motlamagjanane, palavra que
quer dizer, muitas cousas que se succedem umas ás outras, e
isto por se
dar êsse caso com uma sèrie de pequenas
lagôas que
encontrámos estanques.
A floresta toma ali um nôvo aspecto, e ás
àrvores meãs succedem ja verdadeiros colossos
vegetaes, assombrando com as elevadas copas um mato denso de
emaranhados arbustos, difficìlimo de
transpôr.
Seguímos ás 4 horas, e duas horas depois,
atravessàvamos a mais sobêrba e bella floresta
virgem que encontrei em Àfrica.
Logo ao anoutecer, tivémos de parar, porque era impossivel
proseguir em tão densa floresta sem arriscar os vagons a um
accidente
sèrio.
N'essa noute eu começava a achar-me completamente
restabelecido, e a febre tinha cedido a doses diàrias de
quatro grammas de
quinino.
Meia hora depois de partir, no dia immediato, atingìamos a
orla da floresta, e encontràvamos àgua n'um
pequeno
charco lodôso. Diante de nós estava a planicie
descoberta, àrida e sêca; essa
planicie, que foi pêla primeira vez atravessada dois graos a
Oeste por Livingstone, ainda um a oeste do meu ponto por Baines, e um
grao e mais leste por Baldwin, Chapman, Ed. Mohr e outros; essa
planicie arenosa e
inhòspita, o Saara do sul, o Calaari emfim.
Ainda jornadeámos por espaço de duas horas, indo
dar descanço aos bôis ás 11 e meia,
junto a uns rachìticos e pequenos
espinheiros, que com a sua vegetação mesquinha
faziam sentir mais a
nudêz do deserto.
Algumas trovoadas formávam-se pelo Norte, e ás
duas horas aproximávam-se de nós, deixando cahir
de nêgros nimbos grossas
gôtas de chuva tèpida.
Desde o Zambeze até ali o terreno é
arenôso, sendo o sub-solo formado por uma camada argilosa
muito plàstica de côr
castanho-escura. A espessura da camada de arêa branca e fina
que forma o solo
varia entre 10 e 50 centìmetros.
Àgua apenas aparece aqui e àlém na
estação das chuvas, nas depressões de
terreno. Algumas vêzes, como n'aquelle dia ao sahir da
floresta, era ella uma lama espêssa e fètida.
Tôdo o
paiz até ao ponto em que o deixámos n'aquella
manhã, é coberto
por uma floresta, que vai progressivamente augmentando em espessura e
no pompôso da
vegetação, ao passo que se afasta do Norte.
O que mais se vê sam ainda leguminosas, e uma immensa
variedade de acacia cobre o solo. Flôres do mais variado e
brilhante
colorido, das formas mais mimosas e delicadas, ao passo que encantam a
vista,
embalsamam o ar com os seus suaves perfumes. Viajar ali é
difficilimo.
Abrir caminho para o carro, de machado em punho; ás
vêzes, durante 10 e mais kilòmetros, haver um solo
de cincoenta centimetros de
area, onde as rodas dos vagons se enterram profundamente; fazer uma
milha em quarenta minutos, tal é o viajar n'aquellas
brenhas, quando se viaja
bem.
A esse enorme terreno, comprehendido entre o Zambeze e o Calaari,
chamei eu nas minhas cartas o Deserto de Baines.
Foi uma homenagem ao trabalhador infatigavel, o primeiro que devassou
aquellas paragens inhòspitas, e cuja vida foi tão
deserta de gôsos e de glòrias, como
aquêlle paiz é deserto de
gentes.
Do ponto em que parámos de manhã,
seguímos ás 4 horas da tarde, logo que a tormenta
passou, e jornadeámos até
ás 8 da noute, parando n'um matagal de espinheiros baixos,
onde foi difficil acampar no meio das hervas e entre os abrolhos.
Durante a noute, chacaes e hyenas déram-nos um
concêrto infernal, vindo vocalizar um côro
orpheònico, em tôrno
do sitio onde chegava a claridade dos fogos do campo.
De manhã choveu, e nós seguímos
ás 5 horas e meia, sahindo logo dos espinheiros, que
poderìamos ter evitado sem umas trevas
profundas que na vèspera nos tinham impossibilitado de
escolher outro caminho.
Sustentámos uma caminhada de cinco horas, apenas com um
pequeno descanço, encontrando uns charcos produzidos
pêla
chuva da manhã, que de nenhum proveito nos fôram a
nós, por serem de
àgua salgada, mas que, ainda assim, servíram aos
bôis sedentos, que os
esgotáram em pouco tempo.
Era preciso encontrar àgua, e seguímos ainda por
quatro horas, parando no fim d'ellas sem termos logrado o nosso
intento. Pude fazer n'essa noute uma bôa
observação do
reapparecimento do primeiro satèlite de Jùpiter.
Logo ao alvorecer, caminhámos por hora e meia no deserto
arenoso e àrido, onde as rodas dos vagons se enterravam
profundamente.
No fim d'este tempo de jornada, encontrámos o leito
sêco de um rio cuja margem direita seguímos por
uma hora, passando-o no momento
em que elle encurvava a S.O., e por isso nos desviava do rumo a seguir.
As escarpas do sulco arenôso eram de três metros e
muito
inclinadas. Foi medonho o precipitar dos vagons n'aquelle
fôsso, e compungente o
trabalho dos bôis para desenterrarem aquellas enormes
màchinas de transporte, e fazèrem-n-as subir nas
contra-escarpas.
Acampámos logo.
No leito arenôso do rio algumas lagôas deixavam ver
pequenas massas d'àgua lìmpida e cristallina, que
alegrava os
olhos cançados da aridez e secura do deserto.
Corrémos pressurosos a ellas, mas aos
primeiros tragos bebidos a alegria converteu-se em angustia cruciante.
Aquella àgua era tão salgada como a do mar.
Contudo, alguns poços cavados muito fundo, longe das
lagôas, déram uma àgua quasi potavel.
Era preciso tiral-a a baldes para a dar
aos pobres bôis ja sedentos e cançados. Aquelle
rio, ou antes
aquelle leito sêco, era o do Nata, que no seu curso inferior,
quando corre, toma o nome de Xua (
Shua).
Foi decidido que ficàssemos ali dois dias, por ser o
immediato ao da nossa chegada um domingo, e a familia Coillard
não gostar de
fazer viagem em tal dia. Preparou-se para isso um melhor acampamento,
podendo obter-se ramos de àrvores nas margens do rio, ja
povoadas da
vegetação que o paiz carece ao Norte.
Pêlo meio-dia estava prompto um kiosque, e estabelecido o
campo.
As damas Coillard andavam n'uma labutação activa.
Faziam o pão e preparavam tudo o que os poucos elementos de
que dispunham lhes permittiam, para a festa do Domingo.
Depois da minha ùltima febre, e dos mil cuidados e carinhos
de que eu tinha sido alvo, o contacto ìntimo com aquellas
damas a que
a doença me tinha obrigado, modificou profundamente o meu
espìrito, e
senti em mim uma alteração profunda.
Até ao momento de as encontrar, eu havia
esquècido, no meio dos selvagens com quem só
vivia, o que fôssem carinhos
e afagos.
O viver entre aquellas damas veio trazer-me á memoria que no
mundo ha anjos, rosas perfumadas que embalsamam o caminho
espinhôso da
vida, frêscos oasis em que o caminheiro repousa das fadigas
do
deserto àrido.
A lembrança de uma espôsa estremecida, e de uma
filha adorada, veio estar sempre presente ao meu pensamento, avivada
pêla vista
constante d'aquellas duas senhôras, instrumentos innocentes e
inconscientes de um soffrimento atroz que me causavam.
Quantas vêzes, fatigado e doente, eu me sentava ao
pé d'ellas, e por um momento era feliz, não
pensando que eram para mim dois entes
estranhos, lançados no meu caminho por o mais extraordinario
dos acasos!
Quantas vêzes inconsciente não ia curvando a
cabêça aturdida, em busca de um regaço
de mulhér adorada, e cahia em mim, e
levantava-me e fugia!
Ah! como eu as odiava então!!
Este soffrimento constante, sempre alimentado pêla vista
d'ellas, e exacerbado pêlos seus carinhos, traduzio-se n'um
mao humor
que me não deixava um momento.
Perdi tôdas as formas sociaes de delicadêza, e
transformei-me na imagem da mais brutal grosseria.
Bastava Madame Coillard dizer uma palavra, para ser logo grosseiramente
contrariada. Um dia em que eu tinha subido para o vagom bastante
fatigado, ellas priváram-se de quantas almofadas tinham para
se encostarem e amortecer os choques violentos de um carro sem molas,
para me fazêrem um leito commodissimo.
Achei-me tão bem que adormeci em caminho, velando ellas
pêlo meu sono, e não cessando de arranjarem uma ou
outra almofada
desaconchegada pelos solavancos do carro.
Madame Coillard estava contente com a sua obra. Tinha de certo tido uma
viagem tormentosa, mas eu tinha estado bem, tinha dormido.
Era tal a sua satisfação que não
pôde deixar de me perguntar se eu havia estado
còmmodamente, certa de que eu só lhe
poderia responder com um agradecimento expressivo. Pois não
foi assim. Disse-lhe, que
o seu vagom era um vagom infernal, que eu nem mesmo havia podido dormir
um momento, e que tinha passado o dia incommodadissimo.
Depois d'esta brutalidade insòlita, encarei com ella, e vi
làgrimas a querer marejar-lhe nos olhos. Fiquei
tão furiôso
que fugi para longe.
Casos idènticos repetiam-se a miüdo, e no correr da
narrativa apparecerám ainda.
Hôje custa-me a comprehender como no meu espìrito
se pôde fazer uma tal alteração, e como
eu cheguei a commetter taes
barbaridades.
Os dois dias passados na margem do Nata não fôram
dos peiores para mim.
Tinha observações a fazer, trabalhos atrazados a
completar, e um paiz curiôso a estudar; e isso era agradavel
diversão
ao meu viver monòtono do deserto.
Creio que n'êsses dois dias não fui tão
grosseiro como de costume.
O Deserto do Calaari, nas partes em que tem àgua,
é frequentado por uma população
nòmada. Sam os Massaruas, a
que os Inglezes dam o nome genèrico de
Bushmen.
Os Massaruas sam
selvagens, mas muito
menos do que os Mucassequeres, que encontrei junto aos confluentes do
Cuando, por 15 de latitude Sul e 19 de longitude E. Greenw. Os
Massaruas sam muito prêtos, t[~e]m os ossos molares muito
salientes, olhos
pequenos e vivos, e cabêllo pouco.
Viéram alguns ver-nos, e eu dei-lhes tabaco e
pòlvora. O seu contentamento foi grande. Voltáram
de tarde, a offerecer-me
um cabaz de peixe frêsco, que tinham ido pescar nas
lagôas para
mim.
No dia seguinte, em uma excursão que fiz, visitei o seu
acampamento.
Vi que tinham panellas em que cozinhavam, e outros, ainda que poucos,
indicios de uma civilização rudimentar.
Vi uma vasta provisão de tartarugas terrestres, que elles
muito apreciam como manjar. As mulheres cubriam a sua nudez com algumas
pelles, e enfeitavam-se de missangas, bem como os pequenos.
T[~e]m por armas azagaias e pequenos escudos ogivaes. Usam ao
pescôço um sem-nùmero de
amulêtos, e trazem nos
braços e pernas manilhas de couro.
Rapam o cabêllo junto das orêlhas, deixando no alto
um cìrculo que vem tangente á testa. Falam uma
lìngua
bàrbara muito notavel pêlo modo porque nos fere o
ouvido, dividindo as palavras com um estalo dado com a
lìngua, a que chamam
cliques.
A 16 de Dezembro partímos, seguindo a margem
esquêrda do rio, e parámos junto d'ella, depois de
cinco horas de jornada.
Os Massaruas, que chamavam Nata ao rio no ponto em que
passámos o Domingo, ja lhe chamam Xua (
Shua)
ali onde
acampámos, a
cinco horas de caminho.
Andámos sempre na margem d'êlle com os rumos de
S.O., S.E., S.S.E., S.S.O. e S., o que deu um rumo medio de sul, e
não resta a
menor dùvida, que o Nata e o Xua sam um e o mesmo rio, que,
como quasi todos os rios de Àfrica, tem diversos nomes em
diversos
trôços do seu curso.
Esta parte do deserto é coberta de uma herva curta e
rachìtica, e só aqui e àlém
se vê uma ou outra
àrvore solitaria.
Com tudo, nas bordas do rio ha alguma vegetação,
e de espaço a espaço não deixa de ser
amena esta ou aquella païsagem que
se nos apresenta á vista.
A àgua dos poços cavados no leito do rio nem
sempre é potavel, e a das lagôas é
completamente saturada de saes.
O terreno do deserto apresenta pequenas clareiras onde nada vegeta, e
onde o solo é coberto por uma espêssa camada de
saes, depòsitos de àguas evaporadas.
As informações dos Massaruas a respeito de falta
de àgua eram assustadoras, e nós resolvemos
não
avançar mais n'aquêlle dia, para aproveitarmos o
mais tempo possivel alguma bôa que ali se
encontrou em poços cavados profundamente.
Desde que percorrìamos aquelle bôrdo do Calaari,
notava eu que um fortissimo vento de leste soprava rijo nas primeiras
horas da
manhã; sendo que do meio dia para a tarde uma brisa suave de
oeste durava
algumas horas.
Eu atribuo aquêlle phenòmeno constante,
á influencia na atmosphera do enorme deserto
arenôso que nos ficava a oeste.
A arêa reflectindo o calor solar, deveria produzir uma
dilatação atmosphèrica, que
determinaria durante o calor a corrente
branda para leste; ao passo que êsse ar lentamente dilatado
de dia, seria ràpidamente retrahido pêlo frio
intenso da noute,
e produziria um desiquilìbrio, que originara a fortissima
corrente nas
primeiras horas do dia.
M^{r.} Coillard achou prudente partir só na tarde do dia
immediato, para saciar bem os bôis, antes de ir procurar
àguas
muito problemàticas; mas eu decidi seguir só com
o meu Pépéca,
e combinámos encontrar-nos nas margens do Simoane.
O meu fim era sôbre tudo visitar os lagos a que os Massaruas
chamam os
Macaricáris.
Depois de atravessar sete milhas de Macaricáris, entrei
n'uma floresta, que percorri n'uma extensão de
três milhas
até encontrar um leito de rio, com alguma àgua
encharcada, que eu suppuz devia ser o
Simoane.
Desci por elle até ao Grande Macaricari. Depois de um longo
passeio nas cercanias, fui procurar um sitio onde calculei que os
vagons deveriam passar e esperei.
Só ás nove da noute, e noute de trevas profundas,
o meu ouvido exercitado pôde perceber ao longe a bulha dos
vagons, e
caminhando para ali fui sahir-lhes ao encontro. Madame Coillard estava
em cuidados, por me ver ausente tôdo o dia só com
uma
criança, e a primeira cousa que fez, ao parar dos vagons,
foi preparar-me chá, bebida de que
ella sabia eu ser àvido, e n'essa noute diz o meu diario que
tomei a
seguir seis grandes chàvenas d'êlle.
Effectivamente, o gasto que eu fazia na provisão de
chá de Madame Coillard era enorme.
O ribeiro Simoane, que então era apenas uma serie de
pequenas lagôas de três metros de largo, corre a
Oeste no tempo das grandes
chuvas, e vai entrar directamente no Grande Macaricari.
Tôdo aquelle paiz, e sôbre tudo a floresta entre a
qual corre o Simoane, apresentava indicios de ter chovido muito ali, e
por isso as
lagôas do Simoane tinham àgua, e esta era quasi
bôa.
No tempo sêco ellas secam, e em alguma que conserva pouca
àgua, é esta tão saturada de saes que
não se pode aproveitar.
Desde que chegámos ás margens do Nata, em
tôdos os pontos onde paràvamos, appareciam os
Massaruas sempre a pedir alguma
cousa.
O que valia era fugirem se nos zangàvamos com
êlles.
Aquêlles Massaruas que sam valorosos e combatem o elephante e
o leão, sam cobardes diante do homem, e sôbre tudo
do branco.
Só ás 4 horas da tarde deixámos
aquelle ponto, onde os bôis encontravam um viçoso
pasto e abundante àgua; e caminhando a
S.O. fomos acampar, ás 8 horas e meia, em sitio
sêco.
No dia 19, depois de quatro horas de jornada a S.S.E., costeando sempre
o terreno que se eleva para o Este, deparámos com o leito
sêco de um rio cujas margens alimentam uma
vegetação luxuriante.
Os Massaruas que apparecêram logo, disséram
chamarem-lhe Lilutela,
e ser o mesmo que outros chamam Xuani (
Shuani)
ou
pequeno Xua. Este
nome de Xuani deve ter sido dado áquelle rio por gentes do
sul, que falassem a
lìngua Sesuto ou algum dos seus dialectos, porque n'aquella
lìngua
os substantivos formam o diminuitivo com a
terminação
ani.
O Lilutela, nome que eu lhe conservo, por ser o empregado pelos povos
nòmadas do deserto, tem o seu leito cavado entre uma
floresta formada de àrvores gigantes, mas limpa de arbustos.
Esta floresta, que
começou umas nove milhas ao N. do Simoane, parece ser a orla
de uma densa mata que em terreno mais elevado corre Norte-Sul poucas
milhas a leste do nosso caminho.
O terreno desde a margem esquêrda do rio Nata é
consistente, e não arenoso como até ali. O solo
é formado por uma
funda camada de argila muito plàstica, e no tempo das
grandes chuvas deve ser um
atoleiro enorme.
Um dos Massaruas que appareceu ali foi mostrar uma lagôa um
kilòmetro a oeste, onde os bôis podéram
matar a sêde
e nós fazer provisão d'àgua.
As margens do Lilutela sam cobertas por uma espêssa camada de
guano, e na estação em que o rio leva
àgua
devem ser habitadas por milhões de aves.
Seguímos no mesmo dia ás 5 da tarde, debaixo da
má impressão de que não
encontrarìamos àgua no dia immediato, facto que
nos foi affirmado pelos Massaruas. Jornadeámos
até ás 11 e
meia da noute, sempre por entre a floresta pomposa.
Partímos no dia 20 ás 8 da manhã, e
meia hora depois, passàvamos o leito sêco do rio
Cualiba, que vai ao Grande Macaricari, correndo a
Oeste.
A floresta ali é cheia de calhaos roliços
trabalhados pêla àgua, e povoada de caracoes
enormes, e buzios de grandes dimensões.
Fômos acampar àlém do leito do Cualiba,
para procurarmos àgua.
Aparecêram alguns Massaruas, mas não nos
quizéram indicar onde faziam provisão d'ella,
coisa que elles usam com os forasteiros.
Depois de vàrias tentativas feitas no leito do rio,
pudémos
obter àgua n'um pôço que
cavámos um kilòmetro a jusante do nosso campo.
Partímos ás 4.25 minutos, parando logo
ás 5. e 10, para dar de beber aos bôis em um
charco que encontrámos, formado
pêla chuva, que cahia torrencial desde as duas horas.
Ainda n'esse dia jornadeámos por duas horas, indo acampar
ás 8, depois de termos atravessado uma parte do grande
Macaricari.
O
Grande Macaricari.
N'aquelle deserto do Calaari, paiz tão notavel, onde a
natureza se comprazeu a juntar os mais disparatados elementos, onde a
floresta pomposa toca a planicie àrida e sêca,
onde a
arêa sôlta é
continuação do terreno argiloso ao mesmo nivel,
onde a secura está, muitas
vêzes, perto da àgua; n'aquelle deserto, que por
vêzes
quér imitar o Saara, outras a Pampa da Amèrica,
outras os Stepes da Russia; n'aquelle
deserto elevado três mil pes ao mar, uma das cousas mais
notaveis
é o Grande Macaricari.
O Grande Macaricari é uma bacia enorme, bacia onde o terreno
se deprime de 3 a 5 metros, e que deve ter no seu maior eixo de 120 a
150 milhas, e no menor de 80 a 100.
Como tôdos os
Macaricaris,
afecta a
forma
pròximamente ellìptica, e tem como todos o seu
maior eixo no sentido leste-oeste.
Macaricaris
sam, em lìngua Massarua,
bacias cobertas de
saes, onde a àgua das chuvas se conserva por algum tempo;
desapparecendo
na estação estiva, por a
evaporação, e deixando ali outra
vez depositados os saes que dissolvêra. Sam abundantissimos
os
Macaricaris
n'aquella parte do deserto, e eu visitei muitos, cujos eixos maiores,
sempre no sentido leste-oeste, tinham três milhas, e mais.
As bacias sam de areia grossa, coberta por uma camada cristallina de
saes, que atinge a espessura de um a dois centìmetros.
Creio que não é so chlorurêto de
sòdio o sal que forma aquella camada, ainda que é
aquelle que predomina.
Os depòsitos calcàreos que aquellas
àguas deixam pêla ebullição,
evidenceiam que os saes de cal tambem se cont[~e]m na camada
crystallina dissolvida n'ellas, em proporção
notavel.
Fiz collecção de muitos pedaços
d'aquella camada que reveste o interior das bacias dos
Macaricaris,
mas, infelizmente,
n'uma caixa que cahio ao mar ao embarcar no vapor
Danubio,
em Durban,
se perdêram
êlles, com outros exemplares preciosos que trazia para a
Europa.
O grande lago recebe na estação chuvosa um volume
enorme d'àguas pelos rios Nata, Simoane, Cualiba e outros;
sendo que todas as
àguas que n'aquellas latitudes cahem desde a fronteira do
paiz dos Matebeles, v[~e]m a elle, porque o terreno elèva-se
progressivamente a
leste até ao meridiano 28° ou 28° e 30' de
Greenwich.
Estas àguas, que formam torrentes enormes, devem encher o
Grande Macaricari em pouco tempo.
Este enorme charco communica com o Lago Ngami pêla Botletle,
e o seu nivel é o mesmo d'aquelle Lago; dando esta
circunstancia
logar a um phenòmeno muito notavel. Estando os dois lagos
distanciados
de alguns graos, muitas vêzes as grandes chuvas caem a leste,
e o
Macaricari transborda, sem que as fontes que alimentam o Ngami tenham
augmentado de volume. Então a Botletle corre a oeste do
Macaricari para o
Ngami. Outras vezes dá-se o caso inverso, e o Ngami envia as
suas
àguas ao Macaricari. Este é o seu curso natural,
sendo o Ngami
alimentado por um rio permanente e volumoso.
¿Mas o que succede a tôda essa àgua que
de tôdos os lados corre ao grande charco?
Desapparecerá só pêla
evaporação?
¿Não haverá tambem ali uma grande
infiltração que por conductos misteriosos e
subterràneos vá dar
nascença a êsses innumeros riachos, que em plano
inferior correm ao mar de uma e outra costa?
¿O que é feito das àguas do Cubango,
rio volumoso e permanente, que desapparece n'êsse deserto
insondavel?
As àguas do Cubango, na minha opinião,
chêgam ao Grande Macaricari e desapparecem ali.
A Botletle não é mais do que o Cubango, que tem
um alargamento a que chamáram o Ngami.
Sem o Grande Macaricari, a parte da Àfrica Austral
comprehendida entre o parallelo 18 e o rio Orange, seria um
paiz fertilissimo, e nas
condições climatològicas e
meteorològicas que a protegem,
seria um paiz de grande futuro.
Bastava o Cubango para a fertilizar. Mas o Cubango, bem como
tôdos os rios que quizéram entrar no Calaari,
encontrou no seu
caminho um paiz arenoso e perfeitamente horizontal, que lhe dispersou
as
àguas, como que dizendo: "Não passareis d'aqui;"
e a pouca que encontrou um
esgôto, e pensou salvar-se, foi cahir no Grande Macaricari,
que a bebeu
àvido, sem que ainda assim podesse matar a sua
sêde insaciavel.
Os rios que t[~e]m as suas nascentes ao sul do parallelo 18, e a oeste
do meridiano 27, ao norte do Orange, e a oeste do Limpôpo,
não sam permanentes; e, caudalosas torrentes na
estação
das chuvas, não sam mais do que sulcos arenosos na
estação estiva.
As àguas de quasi tôdos vam a essa linha que une o
Ngami ao Grande Macaricari onde se perdem, talvez para volverem de
nôvo n'uma
nova estação das chuvas.
Algumas vêzes, como n'aquelle anno, até a Botletle
mostrou aos habitantes dos juncaes das suas margens o seu fundo arenoso
e branco.
É bem digna de estudo esta parte d'Àfrica, ainda
hôje envolvida em misterioso véo, mas
tão inhòspita
é ella, que por muito tempo saberá occultar os
seus segrêdos aos olhos dos
investigadôres scientìficos.
No dia 21 seguímos ao Sul, deixando o Macaricari
ás 5 horas da manhã, e fomos parar, quatro horas
depois, junto de uma pequena lagôa
de bôa àgua, produzida pêla chuva que
cahio copiosa na
vèspera.
O paiz que atravessámos era coberto de
vegetação arborescente, sendo o mato formado de
espinheiros que difficultavam o viajar.
Partímos ao meio-dia, alcançando pêlas
duas horas o ribeiro Tlapam, que, ao contrario do que
esperàvamos, não nos
offereceu uma gôta d'àgua potavel; e por isso
continuámos jornada até
ás 9 horas da noute, hora em que encontrámos uma
pequena lagôa permanente, a
que os Massaruas chamam Linocanim (
o
pequeno ribeiro),
porque esta
lagôa
dá nascença a um pequeno ribeiro que corre a
leste, provavelmente ao rio Tati.
Das 6 ás 8 horas cahio sobre nós uma horrorosa
tempestade, com copiosa chuva, que encharcou o terreno, tornando
difficilimo o rodar dos carros.
Algumas cabras de M^{r.} Coillard e a minha Córa, querendo
refugiar-se da tormenta, procuráram abrigar-se debaixo dos
vagons, que
rodavam, e uma foi logo esmagada pelas rodas.
A minha Córa foi a segunda vìctima. A roda
passou-lhe sobre os ilìacos, e eu, ainda que ella chegou
viva a Lino Canin, supuz logo que
não podia viver muitas horas.
N'aquella noute foi morta no nosso campo uma cobra venenosissima.
Desde o rio Nata até ali, vi mais cobras venenosas do que em
tôdo o resto da viagem. Na vèspera um asqueroso e
enorme sapo veio
meter-se nas peles da minha cama, e ao acordar achei-me cara a cara com
tão amavel companheiro. Escorpiões, centopeias e
os mais repugnantes
insectos, eram meus socios de cama, vindo procurar junto ao meu
côrpo o
calor que tão apreciado é pelos animaes de sangue
frio.
É preciso um hàbito constante do deserto para se
poder dormir sobre umas pelles na terra dura em companhia de taes
animalejos.
Deve comprehender-se, que estas insignificantes bagatellas, reunidas a
todas as outras causas, mantivessem o meu mao humor a uma altura
constante. O tempo chuvoso continuava persistente, e o ceo sempre
encoberto não me permittia fazer
observações astronòmicas, o que
contribuia para acirrar o meu espìrito ja muito iracundo.
N'aquelle dia tôdos os meus cuidados, tôdos os meus
momentos, fôram dedicados a tratar da minha pobre
Córa, que morreu
pêla tarde.
¡Pobre animal! Perdi em ti a ùnica grande
affeição que encontrei nas terras Africanas,
antes de conhecer a familia Europea que me recebeu no seu seio. Perdi
em ti a companheira constante dos meus dias de tristeza, a amiga
dilecta dos meus poucos momentos de alegria!
¡Pobre Córa! A sepultura que te cavei junto a
Linocanim será sempre um pensamento triste na minha
lembrança, e as poucas linhas que
aqui te consagro, dictadas por a saudade que me deixaste, sam a
expressão sincera do muito que eu te queria, pêlo
muito que me eras
dedicada.
Agora, leitor endurecido e crìtico severo, trata-me de
frìvolo pêlo pouco que acabo de escrever de
assumpto que taxarás de
futil, trata-me como quizeres de mal, que só me
darás o direito a
lastimar-te. Ha bagatellas na vida que sam verdadeiros acontecimentos
para o homem que sente, meras puerilidades para aquelle a quem as
paixões ja
mirráram o coração.
Se és dos ùltimos, ri-te de mim e deixa-me que te
lastime.
Não contesto que me leves grande superioridade, mas eu sou
de outro feitio, e estou bem assim.
Córa morrendo deixou-me uma recordação
viva n'um filho que tinha, a que os Basutos de M^{r.} Coillard
déram o nome Coranhana.
A tarde do dia 22 foi tormentosa, e das 3 horas ás 6 e meia
a chuva cahia torrencial.
No dia immediato partímos ás 6 horas, indo parar
ás 9 em um logar onde os Massaruas caváram um
grande pôço,
logar a que elles chamam Tlala Mabelli (
fome
de mabelli).[
7]
No fundo do
pôço
apenas encontrámos uma lama fètida inaproveitavel.
Ainda n'esse dia fizémos uma jornada de cinco horas e meia,
sempre debaixo de chuva copiosa.
A 24 seguímos viagem, e depois de quatro horas e meia de
caminho, encontrámos um pôsto de Massaruas,
sujeitos ao rei
Cama do Manguato. Chamam aquelle pôsto a Morralana, do nome
de uma
àrvore que abunda ali.
Disséram-nos os Massaruas que podìamos seguir em
linha recta, porque a muita chuva cahida nos dias anteriores nos faria
encontrar
àgua no caminho, sem o quê terìamos de
fazer um grande
desvio por leste para não morrermos á
sêde.
Ás 11 horas começou uma chuva forte que
só moderou ás 2; seguímos
então, mas logo ás 4 parámos, por
termos encontrado uma
lagôa cheia de àgua magnìfica, e
sabermos pelos Massaruas, que só
três dias depois poderìamos encontrar de
nôvo àgua
aproveitavel.
¡Triste vèspera de Natal! Eu estava n'esse dia de
um mao humor atroz. Sentado dentro do vagom para me abrigar da chuva,
estavam junto a mim M^{r.} Coillard e as damas.
Elles conversavam, eu estava calado; furioso. Não sei a que
propòsito Madame Coillard falou de George Eliot.
Foi como o fôgo chegado á pòlvora
aquelle nome que ouvi.
Voltando-me para Madame Coillard, disse-lhe, que George Eliot
não escrevia senão disparates, porque era uma
mulhér
o seu George Eliot, e que uma mulhér só podia
escrever disparates.
Madame Coillard, ferida por esta minha brutal aggressão,
quiz discutir, mas eu só lhe respondia, que as mulheres
não
nascêram para escritôras, que logo que se metiam a
isso não podiam deixar de escrever
tolices; que o seu mistér era governar casas, e
não fazer
livros.
Chegou a discussão ao ponto de eu ver a bôa dama
commovida, e de fugir d'ali.
Momentos depois cahia em mim, e avaliava tôda a
extensão do meu arrebatamento, sem poder explicar como se
produziam no meu
espìrito taes alterações, logo que eu
me dirigia a ella.
Eu, o maior admirador de George Eliot; eu, que reli
Romola
e
Adam Bede,
ficando ainda com desejo de ler
aquellas obras primas
da
cèlebre romancista Ingleza; eu que presto um verdadeiro
tributo ao
mèrito de Staël e Sand; eu que me ufano de ter
entre os primeiros
literatos do meu paiz Maria Amalia Vaz de Carvalho, a mulhér
que escreveu um
dos melhores livros que modernamente se tem escrito ali; eu fazendo
violencia ao que pensava e ao que sentia, sustentava, contra a minha
convicção, uma idéa
estùpida, só e só para contrariar
aquella bôa dama, que me pagava as aggressões
insòlitas com mais cuidados e com mais
desvelos!
Amanheceu 25 de Dezembro, dia de Natal, que, sendo dia festivo e de
descanço em tôdo o mundo Christão, para
nós foi dia de trabalho rude, porque jornadeámos
por trêze horas, em
três caminhadas, e só á uma hora da
noute acampámos.
Era a secura do paiz que nos forçava a alargar as jornadas,
e mêsmo assim, só contàvamos ter
àgua
três dias depois. N'êsse dia encontràmos
um bando de Bamanguatos, que o rei Cama mandava a M^{r.} Coillard com
bôis frêscos para os vagons. Por elles
soubémos a nova das mortes do Capitão Paterson,
M^{r.} Sergeant e M^{r.} Thomas, e alguns
serviçaes, que tinham ido ao Matebelli em serviço
do govêrno
Inglez, e que se dizia têrem sido assassinados por Lo Bengula.
A chuva tinha cessado, mas o ceo continuava sempre completamente
coberto. Eu fui n'esse dia atacado de um ligeiro accesso de febre, que
me quebrou as fôrças. Havia um anno que, em
Quillengues, eu luctava com a morte n'aquelle mesmo dia. Estavam
então junto a mim
Capello e Ivens.
¡Quanto me lembrei d'elles!
¿Onde estariam? ¿Qual teria sido o seu destino no
meio d'aquelles paizes inhòspitos? N'êsse triste
dia de Natal, fatigado
da jornada, abatido da febre, quanto me lembrei tambem dos meus! De
minha filha, que fazia annos, e da festa de familia, que se fazia sem
mim!
Quantas familias no mundo, n'esse dia, sentadas ás
mêsas que vergavam ao pêso das iguarias,
desperdiçando vinhos e
desprezando a àgua, estavam longe de pensar, que no
sêco deserto quatro
Europêos fatigados seriam felizes com alguma d'essa
àgua, que por tôda a
parte era desprezada!
A não ser alguns d'esses entes que de perto nos tocam e que
nos não podem esquècer, ¿quem se
lembraria de
nós em tal dia?
¡Ha momentos bem tristes entre tôdos os momentos
sempre tristes da vida do explorador!
No dia 26, logo de madrugada, fizémos uma primeira marcha de
quatro horas, andando em uma planicie que se eleva um pouco para o sul,
coberta de herva e apresentando aqui e àlém
algumas
pequenas matas. O terreno de areia amarello-avermelhada deixava
enterrar as rodas dos vagons quasi até aos eixos, e tornava
difficilima a
tracção d'elles.
Ainda n'esse dia fizémos duas jornadas, uma de cinco outra
de quatro horas, sem percebermos o menor signal de àgua.
Acampámos ás onze e meia da noute, á
entrada de um valle, onde o terreno nos pareceu
difficil e perigoso de transpor no meio das trevas.
Ao despertar, uma formosa paizagem, formosa para olhos
cançados da monotonia e aridez do deserto, nos veio alegrar
a vista.
O pequeno valle á entrada do qual passámos a
noute era verdejante e bello. As colinas que o formavam não
tinham mais
elevação de 20 metros, mas eram pintorescas.
Até meia altura deixavam ver a nu um agglomerado de pedras
basàlticas cheias de furos, e cujas arestas puidas mostram
que houve ali um persistente trabalho da àgua.
Apesar da viçosa herva que cobria o fundo do vale
àgua nenhuma encontrámos, ainda que ella deve
correr ali em
profusão no tempo das grandes chuvas.
Disséram-nos as gentes Bamanguatas que se chamava aquelle
sitio Setlequane.
Os bôis dos vagons fugíram durante a noite, e
sequiosos fôram ao longe procurar àgua, que
não encontráram,
sendo reconduzidos ao campo por gente que despachámos em sua
busca, só
ás 11 do dia.
Partímos a essa hora, e três horas depois
encontràvamos o leito sêco do rio Luale. Este rio,
como quasi tôdos os d'aquelle paiz,
só tem àgua corrente na
estação das grandes chuvas, mas em
tôdo o tempo pode encontrar-se alguma estagnada em alguns
poços mais
profundos. Todavia, ali ha àgua permanente, e sendo a
primeira permanente que
lhe fica ao N. em Linocanim, ha entre estes dous pontos uma distancia
de 128 kilòmetros, distancia impossivel de transpor na
estação estiva.
Homens e bôis matáram ali a sêde, e
nós decidímos seguir logo avante.
Quando ìamos a partir percebémos que faltavam
cinco cabras de M^{r.} Coillard.
Fizémos seguir os vagons e as damas, ficando eu e M^{r.}
Coillard com alguns prêtos para procurar as cabras.
Eu pude por muito tempo seguir o rasto, mas perdi-o depois; e
ás 6 e meia da tarde, ja noute, decidímos ir
encontrar os vagons,
deixando ali alguns prêtos para continuar as buscas no dia
immediato.
Partímos sòzinhos por noute de trevas profundas.
M^{r.} Coillard,
sempre descuidoso, e crente na protecção de Deos,
ia
desarmado, levando na mão uma ligeira
badine;
eu, que creio em Deos, mas que tambem
creio em feras no continente Africano, levava a minha melhor carabina.
Uma hora depois de deixarmos o Luale, ouvímos
pròximo de nós á nossa
esquêrda, um desagradavel côro de hyenas e chacaes,
que não podémos enxergar.
Este M^{r.} Coillard produzia ás vêzes em mim uma
impressão estranha.
Ha coisas n'aquelle homem que me não é dado
comprehender.
Um dia, narrando-me com tôdo o calor que o seu
espìrito de poeta lhe dava, um dos mais commoventes
episòdios da sua viagem, me
disse elle: "¡Estivémos quasi perdidos!" "Mas,"
retroqui eu,
"o senhor tinha armas, tinha dez homens dedicados e armados com-sigo,
podia, nas circunstancias que me pinta, sahir da difficuldade
fàcilmente."
"Não podia," me disse elle; "não podia sem matar
um homem; e eu não mato um homem, nem mêsmo para
me salvar e aos meus."
Fiquei pasmado a olhar para aquelle homem, typo nôvo para
mim, sem poder comprehender que n'aquella
organização meridional
e ardente podesse existir uma coragem de gêlo, uma coragem
que não
acha explicação no meu espìrito.
Era a coragem filha d'aquellas
flôres
d'alma
que um dos
maiores poetas Portuguezes soube diffinir e descrever em phrase
espressiva e bella. Era a coragem dos martyres, que a poucos
é dado entender e
sentir. Eu, por mim, declaro que a não entendo, e posso
quando muito
admiral-a.
Por vêzes, na minha viagem, me encontrei no meio da floresta
desarmado, ou melhor falando, sem carabina, que alguma outra arma
sempre trazia; e todas as vêzes que isso aconteceu, uma
inquietação vaga, uma
perturbação ligeira me atribulava o
espìrito.
Não posso, por isso, comprehender o homem que passeia nos
sertões Africanos de
badine
na
mão,
vergastando as hervas do
caminho. Deve ser sublime aquella coragem, e pena tenho de a
não possuir.
O caminho que eu e M^{r.} Coillard seguìamos é
povoado de feras, e o valoroso Francez dispunha-se a passal-o
sòzinho e desarmado,
se eu não teimasse em o acompanhar.
Madame Coillard, em cuidados por nos ter deixado atrás, fez
parar os vagons e esperou por nós, que a
encontrámos
depois de três horas de marcha.
Seguímos logo, indo acampar, á uma hora da noute,
junto do ribeiro Cane.
Logo de manhã, appareceu o meu Augusto com as cabras
perdidas, que elle encontrara de noute. Seguímos
ás 7 horas, a
travez de um paiz montanhoso e coberto de luxuriante
vegetação, offerecendo a
cada passo panoramas lindos.
As montanhas correm a S.O., e todas as àguas, se as
houvesse, deviam correr a leste.
Depois de duas grandes jornadas, fomos acampar junto do leito
sêco de um ribeiro chamado Letlotze, onde podémos
encontrar
àgua n'um pequeno pôço. Foi decidido
que passarìamos ali o dia immediato, que era
Domingo, dia em que a familia Coillard não viajava.
Logo na madrugada seguinte, fomos sobresaltados por uma desagradavel
noticia.
Os bôis tinham ido de noute ao charco encontrado na
vèspera, e tinham esgotado completamente a
provisão d'àgua com que
contàvamos.
Figura
127.--Os Desfiladeiros de Letlotze.
Mandou-se á descoberta, e foi o meu Catraio quem, depois de
longas e demoradas pesquizas, encontrou alguma àgua muito
longe do
acampamento.
O sitio em que estàvamos era lindissimo, e
passámos ali um agradavel dia.
A 30 de Dezembro, posémo-nos a caminho ao alvorecer.
Eu, que acordei n'êsse dia de pèssimo humor,
estava possuido de uma verdadeira raiva, e nunca cheguei a sentir tanto
òdio a
alguem como então senti por aquellas damas, pelo
missionario, por
tôdos que me rodeavam.
Aquelle estado do meu espìrito atribulado exacerbou-se ao
ouvir, que M^{r.} Coillard desejava fazer uma grande jornada n'aquelle
dia.
Effectivamente, entestámos com os desfiladeiros de
Letlôtze, e caminhámos 25 kilòmetros
sem parar.
Parámos emfim, e procurei logo afastar-me do acampamento,
para não fazer alguma loucura. Depois de um passeio nos
arredores, voltei, e ao aproximar-me do campo por entre os arbustos, vi
Madame Coillard, que falava com Mademoiselle Elise com modo contristado.
Não podia ouvir o que diziam, mas o que vi foi bastante para
perceber do que se tratava.
Mademoiselle Elise tinha na mão a lata do chá,
Madame Coillard um pires. Foi despejado no pires tôdo o
contendo da lata, e divido em
duas partes, uma das quaes volveu para a lata, outra entrou no bule.
Era o ùltimo chá de Madame Coillard. Compungio-me
tanto o ver o sentimento que se lia no rosto de uma dama Escoceza ao
servir o seu ultimo chá, que o meu mao humor cahio por
terra, e cahio
para sempre, porque não mais volveu.
Ainda n'êsse dia jornadeámos por três
horas, indo acampar ás 7 e meia em sitio sêco.
A nossa viajem foi sempre pêlos desfiladeiros de
Letlôtze, onde um sulco profundo serpea em apertadas curvas,
mostrando o leito sêco
de um rio do mesmo nome. Sete vêzes atravessámos
aquelle sulco,
com grande risco dos vagons que se precipitavam das suas escarpas
profundas e inclinadas.
As montanhas que corôam aquelle desfiladeiro sam bellas, e a
serra apresenta um dentado original.
A 31 de Dezembro, depois de uma jornada de duas horas,
entràvamos em Xoxom (
Shoshong);
a
grande capital do Manguato.
Ás 8 horas eu comprava um saco de batatas e outro de
cebôlas; encontrava um Stanley (que não
é H. M. Stanley, mas de quem
terei que falar muito); e ás 11 horas comia um
òptimo
almôço de batatas com presunto, um
magnìfico
beef-steak,
e apertava a
mão do
règulo Càma, o indìgena mais notavel
da Àfrica Austral.
Madame Coillard ja tinha nova provisão de chá.
CAPÌTULO
IV.
NO
MANGUATO.
Doença
grave--Um
Stanley que não é o Stanley--O Rei
Cama--Os Inglezes
em
Àfrica--A libra esterlina--M^{r.} Taylor--Os Bamanguatos a
cavallo--Cavallos e cavalleiros--Despedidas--Parto para
Pretoria--Acontecimentos
nocturnos--Volto a Xoxom--¿Pararám os chronòmetros?
Com o alvorecer do dia primeiro de Janeiro vi eu começar em
Àfrica um nôvo anno.
Havia dôze mêzes que n'êsse mesmo dia eu
tinha deixado Quilengues, e feito uma grande marcha para o interior,
ainda convalescente da primeira grave doença que tive em
Àfrica. Em Xoxom, um
anno depois, o Dia de Anno-Bom devia ser para mim um dia de
descanço, e a
vèspera da ùltima perigosa enfermidade que me
ameaçou a vida n'aquella longa e
fadigosa jornada.
Passei entre a familia Coillard aquelle dia festivo, na casa meia
arruinada que pertencêra ao missionario Mackenzie, e que
nós fomos occupar.
No dia 2, fui á cidade, ao bairro Europeo, e em uma das
casas Inglezas déram-me um magnìfico xaruto, um
puro
Londres.
Ha quanto tempo eu não via um xaruto, e com que prazer
aspirei o cheiro delicioso do tabaco Havano!!
N'êsse dia apparecêram-me os simptomas de uma febre
perigosa.
A doença tomou um caracter assustador, e até ao
dia 7 estive entre a vida e a morte. Os carinhos e desvelos que me
dispensou Madame Coillard não se podem descrever, e de certo
a ella devi outra vez o
não ter morrido n'aquellas inhòspitas paragens.
A 7 melhorei bastante, e pude receber a visita de Stanley. Stanley
é um fazendeiro do Transvaal. E Inglez, mas casou em Marico
com uma
Böer.
Viera a Xoxom vender batatas e cebôlas, eu comprei-lhe um
saco de cada coisa, e aluguei-lhe o vagom para continuar a minha viagem.
N'aquelle dia pude falar largamente com elle e concluímos o
contrato.
Por esse contrato o vagom ficava ao meu serviço, bem como
elle, que seria apenas o
driver
(conductor),
devendo
obedecer-me em tudo e por tudo.
O homem tambem impoz uma condição que aceitei, e
foi, a de passarmos por sua casa, para que a mulhér o
não julgasse comido
pelos leões.
Stanley disse-me logo, que não iria
àlém de Pretoria, porque tinha um filho pequenino
longe do qual não podia viver. Tive de
transigir no contrato com os affectos paternaes do fazendeiro
Transvaaliano.
Stanley é homem de trinta annos, alto, barba e cabello muito
louro, physionomia vulgar e nada enèrgica, um typo
completamente
opposto ao seu homònymo o grande Stanley. Não era
sem um certo
acanhamento que eu o tratava por aquelle nome.
Depois de longa conferencia, ficou decidido que elle estivesse prompto
a partir no dia 13, retirando-se em seguida tão satisfeito
comigo como eu ficara com elle.
O Manguato, ou paiz dos Bamanguatos, occupa na Àfrica
Austral uma àrea que se não pode precisar bem,
tão vasta
é ella.
Ao Sul do Zambeze e ao Norte do parallelo 24, a Àfrica
é dividida, de mar a mar, em três grandes
raças superiores e
distinctas.
A leste, os Vatuas ou Landins, cujo chefe é Muzila. Em
seguida, os Matebeles ou Zulos, cujo chefe é Lo-Bengula.
A oeste, os Bamanguatos, cujo chefe é Cama.
Muitos, grandes e pequenos grupos, de raças inferiores,
estam sujeitos a estas três raças dominantes, e
incontestavelmente
superiôres ás outras.
Taes sam entre os Matebeles os Macalacas, entre os Bamanguatos os
Massaruas.
Àlém d'estas, outras castas formam aqui e
àlém pequenos grupos, e as
povoações dos juncaes da Botletle, e do Ngami,
sujeitas ao rei Cama, e os Baniaes e outros povos de leste sujeitos a
Lo-Bengula, sam de differente origem.
Estes três grandes potentados sam inimigos,[
8]
e usam bem
differente polìtica.
Cumpre-me aqui só falar de Cama, e por isso deixarei em
silencio o que poderia dizer dos outros dois poderosos
règulos, cujos
paizes não visitei.
O Manguato era, ha poucos annos, governado por um velho imbecil e
bàrbaro.
Era o pai de Cama.
Cama, Christão convicto, educado pelos Inglezes, homem
civilizado, de elevada intelligencia e superior bom-senso,
não podia ter as
bôas graças de seu pai, e ainda que
primogènito, e por isso herdeiro
legal do poder, soffria uma guerra sem trègua do velho
imbecil, que
trabalhava para fazer seu successor a seu filho segundo Camanhane.
Cama, querendo evitar as intrigas que em Shoshong (
Xoxom)
lhe moviam os inimigos, retirou-se prudentemente para a Botletle; mas
em caminho tôdo o seu gado foi disperso pela sêde,
e reunido
pelos Massaruas foi levado a seu pai.
Cama reclamou o que era seu e lhe foi negado, tendo por
ùnica resposta, que o fôsse elle mesmo buscar a
Shoshong,
que ali lhe
cortariam a cabêça.
Elle replicou, que iria, e marcou o comêço da
primavera seguinte para isso, avisando que estivessem preparados para o
receber. Effectivamente, apresentou-se no Manguato á frente
de uma respeitavel
fôrça reunida na Botletle e no Ngami, e tendo
batido em differentes combates a gente de seu pai, tomou a cidade de
Xoxom pouco depois.
Foi acclamado règulo, e seu pai depôsto. Entregou
a seu pai tôdo o gado e riquêzas que lhe
pertenciam; deu bôa esmola a seu
irmão Camanhane, mandando-os viver para o sul junto de
Corumane.
Um anno depois, Cama chamava seu pai e seu irmão para junto
de si, e fazia-lhes os maiores beneficios.
Todavia o pai e o irmão, logo que se acháram
vivendo na capital, conspiráram contra o generoso
règulo, que,
desgostoso por se ver envolvido em novas intrigas, entregou o
govêrno a seu pai, e
retirou-se para o Norte.
Os Bamanguatos porem tinham apreciado o govêrno sabio de
Cama, e não podiam aturar outro règulo; o que deu
logar a que
fôssem em massa buscar o filho e de nôvo deposessem
o pai. Este quiz retirar-se para
Corumane e levou Camanhane comsigo, mas Cama, sabendo da pobreza em que
estavam, ainda os encheu de beneficios.
Esta ùltima scena da historia do Manguato passou-se sete
annos antes da minha estada ali, e desde então o poder de
Cama consolidou-se completamente.
Cama, nas guerras que sustentou com os seus e com estranhos, adquirio
reputação de grande capitão.
No tempo em que estive em
Shoshong,
Camanhane ja
vivia ali, ainda que não tem a menor ingerencia nos negocios
pùblicos.
Cama perdoou-lhe, chamou-o para junto de si e enriqueceu-o.
Ao contrario de tôdos os governos indìgenas
d'Àfrica, o de Cama não é egoista.
Antes de pensar em si mesmo pensa elle primeiro no seu
pôvo.
Uma grande parte d'êsse pôvo é
Christã, e tôdos andam vestidos á
Europea.
Nem um só Bamanguato deixa de ter espingarda, mas
não se vê nunca um homem armado n'aquelle paiz,
fora das florestas.
Cama nunca traz armas. Vai repetidas vêzes ao bairro
missionario, que fica a dois kilòmetros da cidade, e volta
por noite fora,
só e desarmado.
Não ha outro chefe em Àfrica que o
faça.
Tem este règulo 40 annos, ainda que parece muito mais
nôvo. É alto e robusto, mas a sua physionomia
inculca pouco.
Tem modos distinctos, e o seu trajar á Europea é
apurado e de um aceio exquisito. Como tôdos os Bamanguatos,
é destro
cavalleiro, bom atirador e afamado caçador.
Quasi tôdos os dias Cama almoçava comigo em casa
de Madame Coillard, e sentava-se á mesa com os modos e
distincção de um cavalheiro Europeu.
Cama é muito rico, mas a sua riqueza é partilhada
pêlo seu pôvo.
Ha annos, veio um flagello aos campos Bamanguatos, e sobreveio a fome,
mas o pôvo de
Shoshong
não a
sentio.
Cama comprou cereaes em tôda a parte, só em uma
semana gastou cinco mil libras esterlinas, mas a sua gente
têve de comer.
É bello ver a respeitosa amizade com que tôdos o
saudam quando passa nas ruas. Não é o cortejar a
um rei, é o
saudar a um pai.
Elle visita as casas dos pobres e as dos ricos, e a tôdos
anima ao trabalho.
Os Bamanguatos trabalham muito.
Nos campos ajudam as mulheres no amanho das terras, e ja empregam a
charrua importada de Inglaterra.
Àlém de grandes cultivadôres, sam
pastôres e t[~e]m muitos gados.
Em casa trabalham a curtir pelles e a cosel-as com nêrvos de
antìlopes, fazendo ricas coberturas que usam no inverno.
No tempo da caça sam caçadores, e as abestruzes e
os elephantes sam perseguidos por elles.
Em tôdos êstes misteres sam animados pêlo
seu chefe, que os visita, ja nos campos, ja no labutar
domèstico.
Sam muito amigos dos Europêos, e aquelle que chêga
ao Manguato está tão seguro como na Europa.
Cama anda sempre só, e quando, muito é seguido
por dois criados acavallo. Elle anda sempre acavallo.
¿Como no meio de tantos povos bàrbaros se acha um
tão differente d'elles?
Deve-se isso aos missionarios Inglezes, e não posso deixar
no escuro os seus nomes. Três homens trabalháram
n'aquella
grande obra.
Com a mesma imparcialidade com que até aqui tenho falado dos
prêtos, vou agora falar dos brancos, e se não
deixo de convir que muitos missionarios, e muitas missões
Africanas, sam estereis, ou
antes contraproducentes, preciso admittir, por factos que vi, que
outras dam verdadeiros resultados, pêlo menos apparentes.
O homem é fallivel, e tirado do meio social em que foi
creado, privado dos confôrtos que lhe conchegáram
a infancia,
perdido, por assim dizer, no meio dos povos ignaros da
Àfrica, habitando um clima
inhòspito, comprehènde-se que sôffra
uma profunda
modificação no seu espìrito.
Esta deve ser a regra geral que tem excepções. As
excepções sam os homens verdadeiramente fortes,
aquelles que apoiam a sua moral n'aquellas
flôres
d'alma que
tão bem descriptas
fôram pêlo grande poeta da Beira, aquellas
flôres
d'alma
que dam o olvido ao
mesquinho pêlo amor trahido, que dam confôrto ao
nàufrago quando a esperança de
alcançar a terra se perde, ás quaes se encommenda
o monje ao soffrer o martyrio dado pelos bàrbaros onde foi
levar a
civilização.[
9]
Os homens que as possuem, podem, entregues a si mesmos, caminhar
ávante e attingir um fim sublime; mas estes homens sam
verdadeiras
excepções. A materia é fraca, e mais
fraco ainda é o
espìrito humano.
Se assim não fôra, dispensavam-se as leis e os
govêrnos, e a sociedade estaria constituida em outras bases.
Bastavam as
flôres
d'alma para
governarem o mundo.
As paixões a que está sujeito o homem levam
muitas vêzes o missionario, que é homem e fraco
por ser homem, a seguir um caminho
errado.
A luta entre cathòlicos e protestantes nas
missões Africanas sam um exemplo d'isso, sam a
demonstração incontestavel
de que as paixões más podem actuar no missionario
como em qualquer outro mortal.
Os missionarios protestantes (os maos ja se entende) dizem ao
prêto, que "o missionario cathòlico é
tão pobre
que nem tem com que comprar uma mulhér!" aviltando assim o
homem; que tão
aviltado é o pobre entre os povos Africanos como entre os
Europeus.
Por outro lado, os cathòlicos empregam toda a sorte de
traça para desvirtuar os protestantes. D'essa luta nasce a
revolta, e produz-se a esterilidade de muitas missões, onde
concorrem missionarios
de crenças diversas. Falei n'isto incidentalmente para
mostrar, que os missionarios tem paixões e erram. Essa
é até a
regra geral.
Ao sul do tròpico o paiz está coberto de
missionarios, e ao sul do tròpico a Inglaterra sustenta uma
guerra constante com as
populações indìgenas.
É porque o mao trabalho de muitos desfaz o que alguns
construem de bom.
Deixemos porem em paz os maos, e falemos dos bons.
Dizia eu, que três homens trabalháram na obra da
civilização relativa (e para mim apparente) do
Manguato.
Digo apparente, porque estou convencido de que o règulo que
substituir Cama, se não quizér admittir o
missionario,
levará com-sigo a população inteira,
que não hesitará entre a doutrina de
Christo, que não entende, e o serralho que lhe
delicía a lascivia; que não
hesitará entre o padre e o règulo.
Mas essa civilização do Manguato é
hôje notavel a tôdos os respeitos, e o primeiro
homem que trabalhou n'ella foi o Rev. Price, creio que o mesmo que
ultimamente foi encarregado da missão de Udjidji
no Tanganika, e que tão infeliz foi na primeira viagem. O
segundo foi o
Rev. Mackenzie, o actual missionario de Corumane; e o terceiro aquelle
que ainda hôje prega o Evangelho aos Bamanguatos, o Rev.
Eburn;
que eu não tive a honra de conhecer, por estar ausente em
viagem de
missão, mas cujas qualidades pude apreciar pelas suas obras
que vi, como
pêlo respeito que lhe tributam indìgenas e
Europêos.
É com o maior prazer que cito estes nomes dignos, e
merecedores de serem apontados como exemplos aos trabalhadores da
civilização Africana; é tanto maior a
minha satisfação fazendo-o, que
não conheço pessoalmente nenhum d'estes
distinctos cavalheiros.
Shoshong (
Xoxom)
é a capital do
Manguato.
O valle de Letlotze alarga para o sul, tomando uma largura de
três milhas, e continuando a ser enquadrado por altas
montanhas.
É no valle encostada ás montanhas do Norte que
assenta a cidade dos
Bamanguatos, cidade populosa de 15 mil almas, e que em tempos do pai de
Cama chegou a contar trinta mil.
As montanhas rasgam-se ali para deixar passar uma torrente que se forma
nos tempos chuvosos, e que divide um bairro da cidade. É no
fundo d'essa garganta, mesmo, por baixo das altas montanhas de rochas
àridas cortadas a pique, que os missionarios
estabelecêram as suas vivendas.
O sitio foi pessimamente escolhido, porque é
hùmido e insalubre.
Provavelmente, a falta d'àgua (falta d'agua, que se faz
cruelmente sentir em Shoshong) determinou aquella escôlha,
fazendo
aproximar os missionarios ao leito do ribeiro, onde na
estação
estiva alguns poços fornecem àgua á
população
sedenta da cidade de Cama.
As casas em Shoshong sam construidas de caniço e
côlmo, sam cilìndricas com tectos
cònicos. Estam divididas por bairros, e um
labyrintho de ruas estreitas e tortuosas lhes dá accesso.
No bairro missionario existem as ruinas da casa do Rev. Price, a casa
do Rev. Mackenzie muito deteriorada, onde eu habitei, e a igreja
abandonada, por ser pequena para conter a multidão que
concorre aos officios divinos.
Isto a oeste, ou na margem direita do córrego. A leste, ou
na margem esquêrda, uma edificação
nova, melhor
situada do que as outras, é a residencia do actual
missionario. Todas estas
edificações sam de tijolos com tecto de ferro
estanhado.
Figura
128.--Ruinas da casa do Rev. Price (Xoxon).
Do lado oppôsto da cidade, em planicie livre, está
situado o bairro Europêo, e as casas de tijolos mostram as
moradas dos
negociantes Inglezes.
N'uma d'essas casas, a de M^{r.} Francis, ha um
pôço que fornece àgua á
colonia Britànica.
Os Inglezes em Àfrica não sam como os povos dos
outros paizes, e por isso vam mais longe do que elles, ainda que o seu
temperamento e a sua ìndole estam muito longe de igualar a
dos povos da
raça Latina, em bôas
condições para resistir ao clima e associar com o
gentio.
Um Inglez decide ir negociar para o sertão, mete em um vagom
tôda a familia e tôdos os havêres, e
parte.
Chêga, edifica logo uma casa, rodea-se de tôdas as
commodidades que pode ter, e diz com-sigo: "Eu vim aqui para fazer
fortuna, e se a
não fizér em tôda a minha vida, tenho
de passar aqui essa vida.
Procuremos pois passal-a bem."
Não pensa mais na Inglaterra, esquece o passado e olha
só para o presente e para o futuro. Nostalgia nenhum tem.
Outros ha, e muitos, de classe inferior, que não querem
mesmo voltar á patria, e que se estabelecem logo para sempre.
N'isto consiste a sua fôrça
colonizadôra. Outra cousa que os Inglezes fazem logo
é introduzir a libra esterlina em toda a parte.
Chêga um indìgena com marfim, pelles, pennas, ou
outro gènero do commercio, e quer pòlvora, armas,
etc. Os Inglezes
não entendem permutações directas.
Dam-lhe o valor em libras,
e vam vender-lhe ao outro lado do armazem o que o gentio carece.
Ao principio custa; mas o indìgena vai-se habituando, vai
conhecendo a vantagem do dinheiro, e depois ja não quer
outra cousa. O
negociante assim sabe bem o negocio que faz. Ha no Manguato um
negociante Inglez, de que terei que falar muito ao diante, M^{r.}
Taylor, que ja chegou a introduzir em Shoshong o papel de
crèdito.
Lêtra passada por elle é recebida pêlo
chefe Cama e por muitos gentios ricos.
Depois d'êste ràpido esbôço
que acabo de fazer do Manguato, não posso deixar de falar na
minha posição em
Shoshong,
que era verdadeiramente crìtica.
Tinha a fazer uma grande viagem para alcançar Pretoria, o
ponto mais pròximo onde poderia alcançar meios de
uma
autoridade Europea; tinha de pagar dìvidas ja feitas com a
sustentação da minha gente, estava sem roupa; os
meus prêtos, cobertos de andrajos, pediam-me
algumas jardas de panno para se vestirem, e eu não tinha
dinheiro algum.
M^{r.} Coillard offerecia-me a sua bôlça, mas bem
precisa lhe era ella para que eu ousasse aceital-a. Queria mesmo saldar
algumas
dìvidas que com elle contrahira, por saber que elle tinha a
fazer ainda uma longa viagem, e não lhe sobejarem os meios.
O meu embaraço era grande, e tristissima a minha
posição.
Eram estas as minhas circunstancias, quando, no dia 8, acompanhei
Madame Coillard a fazer uma visita á familia Taylor.
M^{r.} Taylor tem sido um grande viajante, ja estêve no
Zambeze, conhece tôdo o Transvaal, a Colonia do Cabo e todos
os paizes do sul
d'Àfrica.
Estabelecido definitivamente no Manguato, a sua casa é uma
das primeiras casas commerciaes de
Shoshong.
Só em
marfim a sua
exportação orça por trinta mil libras
por anno. M^{r.} Taylor é homem
sèrio e de grande crèdito.
M^{r.} Taylor era casado, havia três annos, com uma joven e
formosa Ingleza, de cabellos e olhos prêtos.
Dotada de uma educação esmeradissima, Madame
Taylor embalsama o ambiente que a cerca com esse perfume que envolve
toda a mulher de sociedade.
Junto d'ella, n'esse dia, cheguei a esquècer-me de que
estava no remoto sertão Africano, para me julgar
transportado a um
salão do West-End em Londres.
A conversação estabeleceu-se entre mim, Madame
Taylor, Madame e Mademoiselle Coillard, e veio a pello falar-se da
minha
pròxima viagem.
Disse-se, que me era impossivel viajar n'aquelle paiz sem um cavallo, e
a propòsito d'isso, M^{r.} Taylor convidou-me a ir ver os
seus. Chegados á cavallariça, elle apontou-me
para um
magnìfico corredor do deserto, castanho claro com cabos
prêtos, e disse-me: "Eis o cavallo
que lhe convem para viajar e caçar."
Eu conheci logo o grande valor do animal, que pêlas
cicatrizes miúdas e redondas assignaladas sôbre os
curvilhões, me
mostrava ter tido a
horse-sickness,
e estar por
isso á prova, sendo
o que ali
se chama um cavallo
salé.
As outras
qualidades
eram reveladas pelas
pernas finas e nervosas, apresentando uma musculatura desproporcional,
pescôço longo e pouco guarnecido de clinas, olhar
vivo e intelligente,
cabêça sêca e elegante, e abundantissima
cauda. Ficáram me os olhos
n'aquelle bello animal, e triste disse a M^{r.} Taylor, que
não tinha
dinheiro para lh'o pagar. "
Yes,
me disse elle,
it
is a valuable
horse" (Effectivamente,
é um cavallo de grande
valor).
Voltámos á sala, e eu não pude deixar
de falar ás damas do formoso animal que acabava de examinar.
Pouco depois voltàvamos a casa, e pêlo caminho
Madame Coillard mostrava a maior afflicção
pêla minha falta de
recursos, em quanto M^{r.} Coillard redobrava de offerecimentos
sinceros da sua ja magra
bôlça.
As noutes que passàvamos na casa do Rev. Mackenzie eram
horriveis. Aquella casa deshabitada ha muito, estava cheia de insectos
asquerosos, que nos sugavam o sangue, roubavam o sono, deformavam as
feições e atormentavam a paciencia. Eram
milhões
de carrapatos e
milhões de persovejos.
Umas carraças semelhantes ás dos cães
no sul da Europa, castanhas e chatas, mas que depois de saciadas
tomavam a forma esphèrica
e uma côr esbranquiçada, produziam
inflammações
horriveis no sitio onde mordiam. Era um supplicio indescriptivel
aquelle. Depois de uma d'estas
pèssimas noutes, Madame Coillard tinha-me mandado chamar
para o
almôço, e ja ìamos para a
mêsa, quando se fez annunciar M^{r.}
Taylor.
Dirigio-se a mim, e com esse ar frio e seriedade de tôdo o
legitimo Inglez, disse-me, que me vinha trazer o cavallo castanho que
eu tinha admirado na vèspera, duzentas libras que eram
tôdo
o ouro que n'aquelle momento tinha em caixa, e me offerecia ainda o seu
crèdito,
tanto junto dos outros negociantes do Manguato, como em Pretoria, se eu
carecêsse d'elle.
Declaro que cahi das nuvens com tal offerecimento nem de leve
sollicitado, e que apenas pude balbuciar algumas palavras banaes de
agradecimento; de tal modo fiquei commovido.
M^{r.} Taylor almoçou com-nôsco, e em seguida eu
acompanhei-o a sua casa.
Montava ja o sobêrbo cavallo, e sentia essa
sensação de prazer que tôdo o
cavalleiro sente ao montar um formoso animal, sôbre tudo
quando está privado d'esse prazer ha muito tempo.
Falámos largamente dos meus negocios, e eu não
aceitei o dinheiro, contentando-me com o cavallo que me era muito
preciso, e admittindo que elle pagasse as minhas dìvidas ja
contrahidas em
despêsas de viagem, que montavam a cento e oito libras, e
sacasse
sôbre mim em
Pretoria, onde contava haver dinheiro do govêrno Inglez.
M^{r.} Taylor, por um requinte de delicadeza, sacou a dois
mêzes de vista sôbre o meu aceite que devia ter
logar em Pretoria.
A 10 de Janeiro acabava eu de pôr em dia os meus trabalhos, e
preparàva-me para a partida.
Não posso deixar de citar aqui os nomes de M^{r.} Benniens,
M^{r.} Clark, e M^{r.} Musson, que me dispensáram os maiores
favôres e coadjuváram a minha partida; estando eu
certo de que, sem o
anticipado cavalheirismo de M^{r.} Taylor, teria encontrado n'elles o
apoio monetario de que carecia.
Em vista dos favôres que ali recebi de estranhas gentes,
não pude deixar de lançar um golpe de vista ao
passado, e recordar-me de
Caconda e do Bihé.
O parallelo que estabeleci entre o apoio que encontrei nos
sertões concorridos por Portuguezes e Inglezes, veio mais
uma
vez confirmar a minha opinião, sôbre a qualidade
das
gentes que de
Portugal vam aos sertões Africanos.
Tenho viajado muito e conhêço muitos povos. Nenhum
vi ainda tão hospitaleiro e tão bondoso como o
Portuguez.
Quantas vêzes, nas minhas caçadas, eu tenho ido
bater ás portas dos aldeões das nossas serras, e
sempre
as tenho visto abrir de
par em par ao forasteiro que pede um abrigo. O pobre aldeão
reparte com
o hòspede o melhor da sua ceia, e da enorme caixa enfumada
sahe
o melhor do seu bragal para a cama do desconhecido. Subindo da cabana
do pôvo
rude ás casarias do lavrador abastado, e d'ahi ás
habitações solarengas, em tôdas vemos
revelada a
hospitalidade Portugueza n'uma simples
indicação. Tôdas t[~e]m os quartos para
hòspedes. Quando um
Portuguez edifica uma casa, não pensa só na
familia e nos
seus, pensa
tambem no forasteiro que lhe pode vir pedir abrigo, e edifica para
elle. É que para o
Portuguez o estranho que chêga é recebido como
familia, na
choupana do pobre e no palacio do rico. Este traço na vida
material de um
pôvo que edifica contando com o hòspede, define a
sua
hospitalidade.
É por isso que grito bem alto, que não sam
Portuguezes os
homens que me
recebêram mal em Caconda e no Bihé. É
por isso que
eu verbero
acerbamente o systema de mandar para as colonias o que ha de mais
baixo, vil e ignobil entre os criminosos da Metròpoli.
É
ali que
está uma das causas mais determinantes do atraso de muitas
das
nossas ricas
possessões. Ali está o escolho em que esbarra
muitas
vêzes a
acção do govêrno.
Em Caconda só encontrei estôrvos á
minha viagem. No Bihé êsses estôrvos
recrescêram, e não se limitáram a
exercer uma acção local;
acompanháram-me até ao Zambeze. Ali no Manguato
só encontrei bôa vontade, só encontrei
auxílio, e era quem mais
podia fazer por mim.
Isto não se commenta.
Durante a minha estada em
Shoshong,
era ali a
ordem do dia a morte do Capitão Paterson e dos seus
companheiros no paiz do Matebeli.
Corriam versões differentes, mas todas concordes em que
elles fôram assassinados por ordem de Lo-Bengula.
O Capitão Paterson sahira de Pretoria encarregado de uma
missão official junto de varios règulos
Africanos;
missão de que
involuntariamente tive conhecimento por um d'estes com quem elle
tratou, e sôbre a
qual guardo a maior reserva, pêlo respeito que me merecem
todas
as
missões particulares dos governos. Acompanhava-o M^{r.}
Sergeant
e alguns serviçaes, e no Matebeli reunìra-se
M^{r.}
Thomas, joven Inglez, filho de um missionario ha muito residente no
Matebeli, e elle mesmo nascido ali. O Capitão Paterson,
depois
de tratar o que tinha a
tratar com Lo-Bengula, decidio ir ver a maravilha Africana, a cataracta
de Mozioatunia.
O joven Thomas pedio licença ao règulo para
acompanhar aquella expedição, licença
que lhe foi
concedida.
Na vèspera da partida porem, um dos favoritos do
règulo foi procurar o môço Inglez, e
disse-lhe em nome do seu chefe, que
não acompanhasse o Capitão Paterson.
M^{r.} Thomas foi procurar Lo-Bengula, e perguntar-lhe porque lhe
negava a permissão antes concedida.
Lo-Bengula respondeu-lhe, que elle tinha sido criado pelos Matebelis, e
por isso era querido como um filho da tribu.
Que tinha um presentimento de que alguma desgraça poderia
acontecer áquelles Inglezes, e por isso o aconselhava a
ficar ali e a
deixal-os seguir sós.
M^{r.} Thomas disse-lhe, que não se importava com os
presentimentos, e foi.
Não devia voltar como os outros dous Inglezes. ¿O
que se passou? ¿Quem o saberá?
Só o terrivel Lo-Bengula.
Uns, diziam, que fôram envenenados, outros mortos a tiro; mas
eu, que conheço o systema dos grandes potentados Africanos,
duvido
de que alguma cousa certa se possa saber nunca; porque elles matam logo
os
executôres das suas sinistras ordens, e fêcham o
segrêdo dos
seus crimes em novas sepulturas.
Tudo quanto se dizia para provar uma ou outra opinião eram
razões, talvez plausiveis, para quem não
conhecesse a
Àfrica, mas para mim não.
Diziam, por ex., que os Macalacas que, por ordem de Lo-Bengula, os
tinham acompanhado, apparecêram depois com galões
e outros objectos furtados aos Inglezes, o que provava que houvera
assassinio e roubo.
Isto não provava nada; porque, se êlles tivessem
morrido de morte natural, as suas bagagens seriam logo saqueadas.
Diziam outros, que, faltando a àgua, o chefe da caravana
Matebeli fôra explorar terreno sòzinho, e voltando
muito tempo depois,
indicara um pequeno charco pouco distante, e que o Capitão
Paterson ao
beber d'aquella àgua dissera, "
estou
envenenado."
¿Quem veio contar isto, se ninguem da gente d'elles escapou?
Noticias de origem Matebeli diziam, que elles tinham bebido
àgua de uma lagôa naturalmente envenenada, e por
isso tinham morrido
tôdos. Isto é outro absurdo.
Tôda a àgua das lagôas Africanas
é veneno, mas não é veneno que mate
n'um dia como o arsènico e os saes de mercurio, ou como
muitos alcaloides vegetaes.
O veneno d'aquellas àguas infiltra-se no organismo,
deteriora-o lentamente, pode matar com o tempo, porque é o
miasma
palustre e não outra cousa; mas não destroe a
vida algumas horas depois de
absorvido, e caso produzisse esse effeito em uma
organização
especial, não o produzia de certo em tanta gente.
Assim, pois, é tambem inverosimil a versão do
envenenamento natural.
Outros affirmavam, que elles fôram traiçoeiramente
fusilados; alguns diziam, que fôram mortos a azagaias.
¿Quem trouxe
a nova?
Parece que houve crime, porque não é possivel que
a febre matasse n'um dia tanta gente, e entre ella, gente aclimada no
paiz, como o joven Thomas e os indìgenas; parece que houve
crime, mas se o
houve o segrêdo ficará entre Deos e Lo-Bengula.
Um dos viajantes Africanos que me merece mais crèdito,
M^{r.} François Coillard, que ainda se demorou muito em
Shoshongdepois
da minha partida d'ali, assegurou-me na Europa, muito tempo depois, que
o rei Cama conhecia o segrêdo da morte d'aquelles infelizes,
e
deixou-me perceber, que um crime horroroso fôra praticado por
ordem do
malvado Zulo.[
10]
A 11 de Janeiro, havia na casa derrocada que habitàvamos um
labutar incessante. Eram Madame e Mademoiselle Coillard a preparar-me
provisões para a viagem. Faziam biscoutos com
pròdiga largueza.
¿Como poderei eu jàmais agradecer tantos
favôres? N'aquelle dia tambem recebi presentes de Madame
Taylor. Um grande açafate de
cakes
e um cestinho de ovos, cousa bastante rara
em
Shoshong.
No dia immediato estava prompto a partir, mas decidí seguir
viagem no dia 14, não querendo deixar
Shoshong
a
13.
Eu não tenho preconceitos, nem antipathias com
nùmeros, mas d'essa vez o embirrar com o 13 foi desculpa
dada a
mim mesmo, para me demorar mais um dia com essa bôa familia a
quem tanto devia.
Pude ali alcançar alguns cobertôres de pelles,
d'aquelles que os Bamanguatos fazem para seu uso, e que sam cosidos com
nêrvos
de antìlopes.
Pêlas minhas observações achei uma
differença enorme na posição de
Shoshong,
marcada em uma carta de Marenski que
possuia M^{r.} Coillard.
No dia 13 fiz as minhas despedidas aos negociantes Inglezes,
exceptuando M^{r.} Taylor, que estava ausente a seis milhas de
Shoshong, no seu pôsto de gado.
Apesar d'o meu caminho ser ao sul, e o pôsto de gado de
M^{r.} Taylor ao norte, decidi ir la no dia 14 fazer as despedidas a
quem tanto me obrigara.
Effectivamente, n'êsse dia de manhã, segui para
la. As damas Coillard e Madame Clark partíram adiante em uma
carriola puxada por
dois cavallos.
Eu sahi muito depois, em companhia do règulo Cama e de
M^{r.} Coillard.
Eu, n'esse dia, tinha de fazer a primeira jornada no caminho de
Pretoria, e essa jornada era de dôze milhas, para poder
alcançar àgua potavel, o que, com outras
dôze que eu ia andar de
manhã, perfazia um total de 24, o que é um pouco
forçado n'aquelle
clima.
Seguímos pois acompanhados de dôze cavalleiros
Bamanguatos.
Logo que deixámos as ruas da cidade, o chefe Cama deu de
esporas ao cavallo e partio, mão baixa. Depois de uma
corrida
vertiginosa de meia hora, passou elle ao galope. Perguntei-lhe
¿para que era
aquella pressa? e elle respondeu-me, que era assim que se andava no
Manguato, e que os cavallos descançavam bem no galope, para
darem outra
corrida. Disse-lhe, que tinha razão, mas que o meu cavallo
tendo
de fazer uma
grande marcha n'esse dia, talvez não entendêsse
isso como
elle.
Que não queria ir de encontro aos hàbitos dos
cavalleiros
Bamanguatos, mas que me
desse elle um dos seus cavallos, e mandasse o meu para
Shoshong,
onde eu o encontraria frêsco para a jornada d'esse dia.
Mandou Cama logo apear um dos seus que voltou á cidade com o
meu
Fly,
em quanto eu montava uma êgua
magnìfica que elle
deixava.
Seguímos a toda a brida, e d'ahi a pouco
estàvamos no pôsto de M^{r.} Taylor.
¡Tìnhamos gasto cincoenta e cinco minutos! Madame
Taylor fez-nos servir um magnìfico lunch, e depois das mais
cordiaes despedidas
voltámos a
Shoshong.
O systema da volta foi o mesmo da ida, brida e descançar no
galope!
Os Bamanguatos não usam freios nos cavallos, e apenas os
dirigem com um bridão Inglez. Dizem elles que os freios e as
barbellas
não deixam correr os cavallos.
Chegámos em um momento a
Shoshong.
Stanley estava prompto a partir, e só esperava o meu signal.
Dei-lhe esse signal, e elle fez estalar o longo chicote por
sôbre as
cabêças dos bôis, que se
poséram lentamente a caminho,
arrastando o pesado vagom. Com elle fôram os meus
prêtos, á
excepção de Augusto e
Pépéca, que ficáram comigo. Passei
ainda algumas horas com as damas
Coillard, mas era forçôso deixal-as, e fazendo
soberanos
esforços para occultar a minha
commoção, disse-lhes um ùltimo
adeos, saltei sôbre o cavallo e parti.
Tive a coragem de não me voltar em quanto as podia ver!
O sol desapparecia ja no horizonte quando deixei
Shoshong.
Segui o caminho que me foi indicado, e três horas depois,
entendi que estava no ponto onde devia pernoitar, mas o vagom
não
apparecia. Era tarde da noite, e noite de trevas profundas.
Chamei, gritei, e ninguem respondeu. Poucos momentos depois,
apparecêram-me dois indìgenas. Eram
vedêtas de Cama, que receioso de um ataque nocturno dos
Matebelles, guarda a sua cidade com uma linha contìnua de
sentinellas a muitas milhas de distancia. Estam
estas atalaias tão bem dispostas, que podem soccorrer-se, e
fazer
um momento face ao inimigo, em quanto alguns homens correm á
cidade nos
ligeiros cavallos a dar o alarme.
Os dois homens que me apparecêram acabavam de rondar os
postos do sul, e afiançáram-me, que, havia muitos
dias, nem um
só vagom tinha tomado aquelle caminho; asseverando, que eu
devia ter passado pêlo
meu antes de chegar ali.
Estava muito habituado á vida das florestas para que
passasse, mesmo nas trevas, pêlo vagom sem o ver, e se me
escapasse a mim,
não escaparia ao meu Pépéca, que tem
olhos de lince.
Os dois Bamanguatos proposéram-me o acompanhar-me a buscar o
vagom e partíram comigo.
Depois de explorarmos uma grande parte do valle sem encontrarmos
vestigios da carroça, cahimos de nôvo em
Shoshong,
desesperados, acabrunhados de fadiga, e
sem poder explicar o caso.
Eram altas horas, ¿e que fazer? Resolvi ir bater
á porta de M^{r.} Coillard, e esperar o dia.
M^{r.} e M^{me.} Coillard levantáram-se logo, e em quanto eu
narrava o acontecido ao missionario, Madame Coillard só
pensava em me
dar de comer e em me preparar bôa cama.
Eu até ali, como depois, dormia sôbre a terra em
umas pelles, a despeito dos esforços de Madame Coillard em
me
querer dar uma cama;
como as minhas pelles tinham partido no vagom, ella n'essa noite
aproveitou o ensejo de se vingar da minha reluctancia, e
fêz-me
uma cama
Europea.
Não podémos decifrar o enigma, e
reservámos para o dia seguinte o desvendar o misterio do
desapparecimento do meu Stanley.
Eu, quebrado de fadiga, fui dar bôa
ração ao cavallo, e cahi extenuado no leito.
Apesar do cançaço, não pude conciliar
o sono, porque uma anciedade horrivel me confrangia o
coração.
Como ja disse, encontrei uma grande differença na
posição de
Shoshong
em
longitude, e tôdas as minhas
observações eram chronomètricas e
referidas á ùltima
observação que fiz do eclipse do primeiro
satèlite de Jùpiter. Essa
posição nova
só me podia ser confirmada, por uma nova
cotisação dos chronòmetros em
longitude determinada, e esses chronòmetros, que eu
não sabia onde estavam por
ignorar onde estava o vagom, iam parar no dia seguinte por falta de
corda.
A poucos será dado comprehender o que eu soffri com esta
idéa.
CAPÌTULO
V.
DE SHOSHONG A PRETORIA.
Catraio--Apparece
o
vagom--Despedida de M^{r.} Coillard--Tempestades--O
vagom
tombado--Trabalhos de nôvo gènero--Chuvas--O
Limpôpo--Fly--Caçadas--No Ntuani--Um Stanley
que não
presta--Augusto
furioso--Adicul--Os leões--Stanley desanima--Os Böers
nomadas--Nôvo
vagom--Peripècias--Doenças graves--Um Christophe de mil
diabos--Madame Gonin--O ùltimo tùmulo--Magalies-berg--Pretoria.
Mal se adivinhava o alvorecer da manhã, e ja eu estava a pe
e vestido.
Os chronòmetros não se me tiravam da
idéa, e a preoccupação era grande e
motivada.
M^{r.} Coillard participava do meu sobresalto, e não me quiz
deixar partir sòzinho. Mandou pedir um cavallo ao rei Cama,
e
seguio comigo no rasto do vagom.
Tive de fazer novas despedidas ás damas Coillard, e
novamente senti os desgôstos d'aquella
separação.
Em breve eu e M^{r.} Coillard deixàvamos
Shoshong,
e nos
internàvamos no esteval que cobre os campos ao sul da cidade.
Seguìamos o rasto do pesado carro, quando mui
pròximo divisámos um nêgro sentado
junto ao
caminho. Ao acercar-nos d'elle eu conheci-o. Era o meu muleque Catraio.
Caminhou para mim, trazendo nas mãos um
objecto volumoso, e ao abeirar-me, disse-me, "
Sinhô,
dê
cá as chaves para tirar os relogios da mala, que sam horas
de dar corda."
Exultei ao ver a mala dos instrumentos onde estavam os
chronòmetros, e sem pedir ao muleque
explicações do
desapparecimento do vagom, saltei do cavallo, e entreguei-me
ás minhas
observações matinaes quotidianas. Estava escrito
que durante a minha longa jornada os meus
chronòmetros não teriam nunca de parar!
Catraio, sempre vigilante por aquella obrigação,
velava por elles.
O missionario ficou sorprendido com o cuidado do prêto.
Ali, como em Embarira, Catraio tinha impedido os
chronòmetros de pararem, como durante as minhas mais graves
doenças o tinha
feito.
Catraio fôra educado por um Portuguez, que desde pequeno lhe
conheceu a bossa da velhacaria, e que têve o cuidado de lh'-a
desenvolver á pancada.
O muleque, perdida a vergonha, que talvez nunca têve, em
breve perdeu o mêdo ao castigo, e fêz-se
bêbado e
ladrão.
Seu amo, a quem elle chegou a fazer um roubo importante com
arrombamento de um cofre, isto aos dôze annos, decidio
desfazer-se d'elle
para sempre, e mandou-o deitar á margem em
Nôvo-Redondo.
Quando em Benguella eu procurava um muleque intelligente e ladino para
o meu serviço particular, mais de uma pessôa me
falou em Catraio, que a fama das tratantadas tornara conhecido.
Dirigi-me ao que fôra seu amo, e consegui que elle o mandasse
buscar a Nôvo-Redondo. Ao ver a physionomia expressiva e
intelligente
do prêto, fiquei satisfeito com o passo que dera chamando-o a
mim. Catraio
até ali tinha sido levado á pancada, eu resolvi
tratal-o por bons
modos, nunca lhe falei na sua vida passada, nunca lhe fiz uma
recriminação.
Sendo elle o prêto mais intelligente de todos aquelles que me
cercavam, eu incumbi-o de me ajudar nos meus trabalhos
scientìficos.
Catraio, que não sabia ler ou escrever, conheceu em poucos
tempos todos
os meus instrumentos e todos os meus livros. Quando, separado dos meus
companheiros, me vi sòzinho em Àfrica, tive uma
grande apprehensão, lembràndo-me que, durante uma
doença, os meus
chronòmetros poderiam parar. Chamei o Catraio e fiz-lhe o
seguinte discurso edificante:
"Fica sabendo que de hôje em diante, tôdos os dias,
logo de madrugada, tu tens de te apresentar diante de mim com os
chronòmetros, thermòmetros, baròmetro
e caderno
diario, isto
esteja eu são ou muito doente, longe ou perto, ficando tu na
intelligencia, de que
não tens desculpa nas circunstancias mais extraordinarias,
se o
não
fizeres. Agora escuta-me bem. Nunca te bati como nunca te ralhei, mas,
se os
chronòmetros pararem por falta de corda, eu
espèto-te n'um enorme espêto de pao, e asso-te
vivo nas brazas de uma enorme fogueira."
Catraio, que não acreditava muito que um branco
fôsse bom, e que desconfiava mais da brandura do meu trato do
que
das pancadas habituaes, julgou ter descoberto a minha maneira de
castigar uma falta, e o
espêto de pao e a fogueira aterráram-n-o.
Começou a trazer tôdas as manhãs os
instrumentos, a coisa foi passando a hàbito, e eis a
razão porque, ainda nas minhas
mais graves doenças, os chronòmetros
tivéram corda
e fôram
comparados; eis a razão porque em Embarira Catraio, com
risco de
vida, os foi empalmar aos Macalacas; eis a razão porque
ainda
n'aquelle dia fôram salvos de
parar, porque elle, vendo que eu não chegara na
vèspera,
mesmo de
noute se pôz a caminho e me veio encontrar á hora
propria.
Livre da apprehensão que me torturava, tratei de interrogar
o muleque sôbre o facto do desapparecimento do vagom, e soube
que o
Inglez se tinha enganado, e tinha tomado um caminho transversal
pêlo
bom caminho, mas que, logo ao alvorecer, partiria, e iria esperar-me no
logar ajustado para o encontro na vèspera.
Eu e M^{r.} Coillard seguímos no bom caminho, e
ás 9 horas encontrámos o vagom.
Mandei fazer o almôço, e ao meio-dia separei-me
d'êsse homem a quem devia tanta gratidão, e cujos
favôres sam
d'aquelles que não se podem retribuir nunca, porque tudo que
por
elle eu fizesse pesaria, em uma balança justa, muito menos
do
que tudo o que recebi d'elle.
Parti immediatamente, e fui acampar ás quatro horas, em
sitio sem àgua.
N'essa noute, quando ia a deitar-me, senti o galope de um cavallo, que
me chamou a attenção. O meu Fly rinchava, e os
cães ladravam e arremettiam para o lado de
Shoshong.
Pouco depois, chegava ao meu campo um cavalleiro Bamanguato, e
entregava-me uma carta e um embrulho.
A carta dizia, que fôra encontrada em casa a minha espingarda
Devisme, e M^{r.} Coillard apressava-se em mandar-m'a.
Escrevi-lhe algumas palavras de agradecimento, e remunerei o portador,
que voltou logo a tôda a brida.
No dia immediato, 16 de Janeiro, parti á uma hora da
madrugada, alcançando ás três horas uma
lagôa, ùnica àgua permanente que existe
entre o Limpôpo e
Shoshong.
N'esse dia ainda fiz duas jornadas, uma de três outra de
quatro horas, acampando pelas cinco da tarde. Das quatro ás
dez
da noute a
chuva cahio torrencial, inundou-me o vagom, cuja cobertura velha e
esburacada nada abrigava, e causou-me perdas sensiveis, sendo a maior,
tôdo o
pão e biscoutos preparados por Madame Coillard, que
ensopados
n'àgua se tornáram em massa não
aproveitavel.
Na marcha ùltima d'esse dia tive de alterar o meu rumo que
era Sul, e meti a S.E., para evitar os accidentes do terreno, que
tornavam difficilimo o rodar do vagom, e ameaçavam
despedaçal-o a cada momento. O vagom de Stanley era uma
velha
carriola, meio apodrecida e desconjuntada, e que a cada passo parecia
querer desfazer-se.
Figura
129.--No Deserto.
Só ás 8 horas do dia seguinte, depois de uma
jornada de três horas, entrei no meu rumo, entrando no
caminho abandonado na
vèspera. O terreno continuava accidentado, mas era preciso
seguir n'elle.
Ao descer uma eminencia, as rodas de um lado do vagom
entráram n'um sulco profundo, e o vagom tombou, ficando
encostado a duas
àrvores que lhe amparáram a queda. Eu ja
desconfiava que o meu Stanley
não prestava para nada, mas tive a
convicção d'isso no
primeiro embaraço que encontrámos. O homem, ao
ver o vagom tombado, sentou-se,
fechou as mãos na cabêça e julgou-se
perdido.
Mandei dejungir os bôis, e fui estudar a maneira de levantar
o carro sem o despedaçar. Augusto, Verissimo e Camutombo
fôram
cortar três fortes e compridas estacas, que amarrei ao vagom
e por meio de cordas dadas
ás àrvores do outro lado, consegui sustental-o na
sua
posição natural, empregando para isso apenas uma
junta de bôis.
Em seguida, enchi o sulco com paos e folhagem, para que as rodas
d'aquelle lado podessem descançar ao mesmo nivel das do
outro lado. Este trabalho durou mais de quatro horas, e quando consegui
pôr o
vagom em estado de rodar e mandei jungir os bôis, ao primeiro
esfôrço que elles fizéram, a corrente
tirante partio-se em bocados.
Nova demora, nôvo trabalho a ligar os elos da corrente
partida com tiras de couro de girafa, isto debaixo de uma chuva
torrencial, e o meu Stanley sempre pasmado e sem saber o que havia de
fazer.
Consegui partir ás três horas e meia, mas tive que
parar logo depois, porque o temporal recresceu, e o terreno argiloso
encharcado
não permittia o rodar do vagom, que, muito abalado
pêla queda, se
desfazia em pedaços. A tempestade foi horrivel
até
ás 10 horas da noute, e durante duas horas, os raios cahiam
muito pròximos, lascando
as àrvores da floresta. O terreno, sempre accidentado,
é coberto de
mata espêssa, que vegeta n'um solo de argila muito
plàstica.
Figura
130.--Fly, o meu Cavallo
do deserto.
(De uma photo. feita em Pretoria.)
No dia 18, parti ás seis da manhã, e meia hora
depois entrava n'uma planicie completamente encharcada, e onde as rodas
do carro se enterravam na argila até aos cubos. Fazia-se um
kilòmetro por hora n'aquelle terreno difficil.
Ás 10 horas pude alcançar uma pequena eminencia,
mais enxuta, onde parei.
Estava junto á margem esquêrda do
Limpôpo, conhecido ali pêlo nome de rio dos
crocodilos.
Fui logo ao rio, que tem ali 50 metros de largo, com uma corrente de 30
metros por minuto. Não tinha meio de lhe avaliar a
profundidade.
O tempo tinha melhorado, e eu, ao deixar o rio, segui parallelamente
á margem, deixando Fly ir a passo, as rèdeas
largas e
pendentes.
De repente, o meu fino cavallo fitou as orêlhas, rinchou e
precipitou-se de um salto no meio do esteval, começando em
uma carreira
desenfreada. Sem saber explicar o caso, sobresaltei-me e tentei
sostel-o, mas elle não queria obedecer ao freio.
Nada tranquillo e pensando que o nobre animal fugia por evitar um
perigo, estava perplexo, quando percebi diante de mim um rumorejar nas
estêvas, e vi os cornos retrocidos de alguns
ongiris.
Percebi tudo; eu não fugia, perseguia. Desde esse momento
comecei a ajudar o cavallo, que ganhava terreno sôbre os
ligeiros
antìlopes.
Quanto tempo durou aquella corrida vertiginosa não sei.
Passei matas, onde ficáram os restos dos meus andrajos, com
alguma pelle
do meu côrpo, passei clareiras e planicies, onde os
antìlopes e cavallo se
atascavam em lôdo. O cavallo ganhava terreno, mas lentamente,
só tarde me acerquei dos ongiris e pude atirar-lhes. Um
cahio, e os outros
seguíram mais ligeiros ainda, instigados pêlo
mêdo que lhes
causou o estampido do tiro.
Fly parou, e foi cheirar o animal, que se estorcía nas
vascas da morte, com o mesmo prazer com que o faria um cão
de caça.
¿Onde estava eu? ¿Onde me ficava o vagom?
Não o sabia; porque não sabia a que rumos tinha
andado.
Isso preoccupava-me um pouco, mas eu lembrei-me de caminhar a leste
até encontrar o Limpôpo.
A esse tempo, um enorme temporal cahio sobre mim. Era-me impossivel
carregar o antìlope sôbre o cavallo, porque
não tinha fôrça para isso. Decidi
abril-o, e tirar-lhe os intestinos, a ver se então o
poderia elevar do solo.
Bastante pràtico no serviço de magarefe, em breve
concluí aquelle trabalho.
A minha esperança não foi perdida, e pude, ainda
que a custo, guindar o animal sôbre o
arção, onde o amarrei.
Figura
131.--Fly perseguindo os Ongiris.
Puz-me a caminho para leste, mas Fly embirrou em querer caminhar ao
norte, e comecei a pensar que talvez o cavallo tivesse mais
razão do que eu, e deixei-o tomar aquelle rumo. Uma hora
depois,
avistava o vagom, onde a minha gente não estava sem receios,
pêla
demorada ausencia que tive.
Era ja tarde, e estava extenuado de fadiga; por isso decidi ficar
n'aquelle ponto. Ao anoutecer, apparecêram ali uns
prêtos do règulo
Sesheli
que
iam a
Shoshong,
e por elles escrevi
ao missionario
Coillard, a prevenil-o do mao estado dos caminhos, e a dizer-lhe, que
não seguisse o meu rumo.
Durante a noute cahio uma horrorosa tempestade, e de nôvo
ficámos encharcados. Apesar d'isso, a fadiga do dia trouxe o
sono e dormi profundamente, para acordar com uma dôr horrivel
no
sangradouro do braço direito. Levantei a manga da camisa, e
fiquei trèmulo ao ver
um enorme escorpião nêgro que me picara o
braço
n'aquelle ponto mesmo, sôbre a artèria brachial.
Era
impossivel sarjar sem ferir a
artèria, empregando para isso a mão
esquêrda, com a
qual sou pouco
geitoso, e o receio de aggravar a situação
fazendo algum
disparate,
levou-me a decidir não fazer nada. Em poucos minutos a
inchação era
enorme e as dôres violentissimas.
No maior desespêro, tomei três grammas de hydrato
de chloral e cahi em modôrra.
Era alto dia quando sahi d'aquelle sono, provocado pêlo
poderoso anesthèsico.
As dôres tinham abrandado, e só existia uma
inflammação local, com um tumor do tamanho de uma
ervilha no sìtio do ferimento, tumor
que só desappareceu mêzes depois.
O engorgitamento dos tecidos era grande, e tolhia-me os movimentos.
Apesar d'isso, ainda fui caçar n'êsse dia, e tanta
caça encontrei que resolvi ficar ali. Matei dois leopardos.
A noute foi de tempestade, e os insectos torturáram-me.
Alguns leões rondáram o campo, e
fizéram-nos estremecer com os seus rugidos estridentes.
Seguímos ás 8 horas do dia 20, mas o terreno
argiloso, encharcado da chuva, pegava-se ás rodas do vagom,
e formava blocos que as
impediam de girar, sendo a câda momento preciso tirar-lh'-os
a machado.
Foi um fadigante labutar, e ás 10 horas parei, porque
estàvamos todos extenuados de fadiga. A chuva cahia forte, e
só
podémos de nôvo por a caminho o vagom
ás 2 horas, parando ás 4 e meia
junto do rio Ntuani.
Ao chegar ali, uma triste decepção nos esperava.
O rio Ntuani, que é um riacho sem importancia, e quasi
sempre sêco, tinha 60 metros
de largo, e deu-me, nas sondagens que fiz junto á terra, 7
metros
d'àgua.
Impossivel era atravessal-o com um vagom, antes de muito tempo.
Tratei, pois, de acampar ali, e construí para isso um bom
acampamento, de barracas cobertas de herva.
Havia muitos dias que eu andava completamente molhado, mas felizmente a
minha saude não se ressentia d'isso.
A nossa posição era melindrosa, porque
tìnhamos falta de vìveres, e havia ja dois dias
que estàvamos reduzidos a uma
alimentação puramente animal, e so
tìnhamos para comer a carne da caça
que eu matava.
Não havia perigo da fome, e eu não reciava d'ella
em paiz de caça como aquelle; mas comer só carne
assada, sem sal nem outro
condimento, é duro e pouco hygiènico.
O tempo melhorou um pouco, e eu pude continuar caçando. Um
Inglez, em
Shoshong,
dèra-me muitos
cartuxos das
armas Martini-Henry,
que serviam perfeitamente na Carabina d'El-Rei, e eram os que eu
então
empregava com grande resultado.
Tìnhamos carne em abundancia, mas eu ja não a
podia soportar.
Fazia uma nova collecção de pelles, e a
facilidade que me offerecia o vagom para o transporte d'ellas, como a
nenhuma necessidade que teria de as vender, deixàva-me a
esperança de que estas
chegariam á Europa.[
11]
Na manhã de 21, vi com prazer que o rio baixara trinta
centìmetros durante a noute.
Comi uma perna de puti (
Cephalophus
mergens),
saltei sôbre
o meu Fly, e parti para a caça. Na orla de uma mata marginal
do Ntuani,
o meu nobre cavallo começou n'um correr desenfreado. Eu ja
sabia que ia
em perseguição de caça, mas
não via nada.
Corri assim por meia hora, e só então avistei por
sôbre os arbustos do matagal uns pequenos pontos
nêgros que se moviam com rapidez
prodigiosa.
Era nôvo para mim o animal que perseguia, e só
n'uma clareira me pôde ser a verdade revelada. Quatro
abestruzes
fugiam diante do meu Fly, que nem um só momento lhe perdia a
pista, apesar das voltas
furtadas que davam.
Entrámos em planicie descoberta, e ali comecei a tomar um
verdadeiro interesse n'aquella caçada de nôvo
gènero.
Fly era o meu mestre. Abandonei-lhe o freio, tomei as rèdeas
do bridão, e deixei-o ir. O valente animal agradeceu-me o
alìvio que
lhe dava com um relinchar de alegria, e seguio mais ràpido.
As abestruzes, ainda que podendo produzir uma carreira mais veloz do
que o cavallo, não a podem sustentar como este, e param a
miúdo. Era isso que me fazia ganhar terreno sôbre
as
ligeiras aves.
Algum tempo depois ja não era preciso mais do que o galope
para as acompanhar, e chegáram a parar a sessenta metros de
mim.
Estavam alcançadas, e na primeira corrida poderia
atirar-lhes.
Assim foi, e pouco depois a Carabina d'El-Rei fazia ecoar na planicie o
estampido da sua dupla descarga.
Junto das enormes aves estava eu perplexo, e sem saber o que fizesse,
deixava pastar o meu nobre cavallo; quando me apparecêram
Augusto, Verissimo e Camutombo, que andavam caçando tambem e
ouviram
os meus tiros. Disséram-me elles estar perto o acampamento,
e
por
isso mandei depenar cuidadosamente as abestruzes, e esperei o fim
d'aquelle trabalho para voltar com elles ao vagom.[
12]
Ao chegar ali, verifiquei que o rio tinha descido setenta
centìmetros.
Ainda n'esse dia até á noute o nivel da
àgua baixou de quarenta centìmetros, o que
perfazia desde a vèspera 1
metro e 40 centìmetros.
Eu punha as minhas marcas n'um ponto onde a escarpa vertical me
permittia medir as differenças de nivel, mas o meu Stanley
não entendia assim, e espetava paos n'um sitio em que a
barreira
descia com inclinação suave, o que dava em
resultado elle
contar jardas quando eu contava centìmetros. A cada momento
elle
vinha muito
contente dizer-me que o rio tinha baixado dois pés.
O dia 23 amanheceu bonançoso e lìmpido,
promettendo muito, porque o rio baixou dous metros e meio durante a
noute. Senti logo de
manhã uma grande gritaria, e indagando o caso, sube que
haviam
desapparecido as botas do meu Inglez, que se achava
descalço.
Depois de varias conjecturas sôbre aquelle importante facto,
elle
chegou
á conclusão, de que os chacáes lhe
tinham furtado
as botas e os haviam
comido. Eu nunca pude explicar o caso, mas elle explicava-o assim.
O facto era que o pobre homem tinha de continuar descalço e,
eu nada lhe podia fazer, porque àlém de as minhas
botas serem
pequenas para o seu enorme pé, só tinha umas
tambem.
Passei o dia caçando, e á noute pude fazer
observações astronòmicas, e determinar
a posição da confluencia do Ntuani com
o Limpôpo.
Durante êsse dia o nivel da àgua baixou de 1 metro
e 60, mas durante a noute conservou-se estacionario, e tendo chovido na
madrugada de 24, recéei nova enchente. Muitas
vêzes ouvi a
M^{r.}
Coillard narrativas de casos idènticos ao meu, em que um
vagom
tinha de estacionar
junto a um miseravel ribeiro (tornado sobêrbo com as chuvas),
por
um mez
e mais.
Essa idéa aterrava-me, e resolvi estudar o rio, a ver se
seria possivel a passagem do vagom. Achei effectivamente um ponto onde
a
àgua me dava pêlo pescôço em
tôda a
largura, e determinei passar ali.
Stanley, ja habituado com o meu modo de decidir questões,
começava a não achar nada extraordinario.
Assou-se muita carne, e almoçámos. Quando
estàvamos a terminar o almôço,
ouvímos grande alarido na margem opposta, e vimos que
chegavam um comboio de vagons e dois homens brancos.
Puz-me a observar o que elles faziam, e vi que depois de mandarem um
muleque metter-se no rio, muleque que voltou á margem logo
que a àgua lhe cobrio a cintura, contentáram-se
de
espetar pauzinhos
para marcar o nivel d'àgua, dejungíram os
bôis, e
acampáram.
Olhei para as minhas marcas e vi-as cobertas com um
centìmetro de àgua. O Ntuani crescia de
nôvo.
Descarreguei immediatamente o meu vagom, e mandei Augusto e Camutombo
passar as cargas, á cabêça, no sitio
onde eu reconhecêra o vao.
Os meus dois prêtos pêla sua
fôrça hercùlea, e pêla
destreza adquirida no hàbito de superar difficuldades,
faziam a
admiração dos dois brancos e dos nêgros
que os acompanhavam.
Uma hora depois, estavam tôdas as cargas na margem direita, e
eu dava ordem a Stanley, espantado d'aquillo tudo, para jungir o gado.
Logo que tudo estêve prompto, fiz que Augusto se
metêsse a través do rio, levando a soga dos
bôis da frente, que
nadáram sem difficuldade, seguidos dos outros, sendo que
três juntas tomáram
pé na outra margem antes de que o vagom entrasse na
àgua.
Era o que eu queria. Então gritei a Augusto e Camutombo para
tanger, e n'um momento o vagom precipitou-se nas àguas do
rio.
Stanley, agarrado ao carro, têve um momento de enthusiasmo, e
ajudou a manobra.
Eu, logo que vi o vagom salvo na outra margem, atirei-me vestido ao
rio, e nadei para la.
Chegado que fui, disse ao Catraio que me desse roupa enxuta, isto
é, as ùnicas camisa e meias que eu tinha fora do
côrpo,
e fiz a mudança. Os dois Europeos, que ao ver-me chegar a
terra caminháram para
mim, suspendêram-se a dez passos, vendo que comecei logo a
despir-me. Depois de mudar de roupa, penteei os meus longos cabellos e
barba, que estavam encharcados.
Logo que terminei o meu
toilet,
os dois sujeitos
acercáram-se e disséram-me os dois mais sonoros "
Good
morning, sir,"
que
tenho ouvido.
Correspondi ao comprimento, e perguntei-lhes d'onde vinham. Disseram-me
sêrem dois negociantes Inglezes, M^{r.} Watley e M^{r.}
Davis, e irem para
Shoshong,
tendo deixado Marico
havia um mez.
Eu disse-lhes tambem quem era, e d'onde vinha. Ao saberem que eu
chegava de Benguella, os dois sertanejos não
podéram
conter a sua admiração, e disséram-me,
que ja se
não espantavam com o que
me víram fazer ali n'aquella manhã.
Fôram êstes os primeiros comprimentos que recebi
pêla minha viagem, e é-me grato o recordal-os,
porque fôram aquelles
que mais impressão me fizéram, pêla
rudeza com que fôram
formulados, e por virem de homens endurecidos nas lides Africanas.
Dei-lhes caça, e elles déram-me uns biscoutos,
chá, assucar e sal.
Passámos o dia no mais agradavel convìvio, e a 25
de manhã, depois de se têrem encarregado de uma
carta para M^{r.} Coillard,
deixei-os, seguindo no meu caminho.
O rio tinha de nôvo tomado àgua, e por isso deviam
ter ali ainda muita demora; motivo porque M^{r.} Davis decidio seguir
só com
alguns prêtos para
Shoshong,
deixando
com os vagons a M^{r.}
Watley. M^{r.} Davis, no momento em que eu ia a partir, fez o que eu
tinha feito na
vèspera e atravessou o Ntuani a nado.
Parei junto ao Limpôpo; ao meio-dia, depois de marcha de
três horas.
Figura 132.--Uma
Vista do Alto
Limpôpo.
Muito fatigado, e precisando de pôr em ordem alguns
trabalhos, não sahi a caçar. Estava sentado junto
á margem do rio
desenhando a paizagem, quando senti perto um tiro, e um
steinbok
passou
correndo junto a mim, e precipitando-se no rio começou a
nadar para a outra margem.
A àgua, que em volta d'elle se tingia de sangue, e o
esforço que empregava ao nadar, mostravam-me que ia mal
ferido.
Augusto appareceu correndo e chegou ainda a tempo de ver o resultado do
seu tiro. O antìlope ia quasi attingir a outra margem,
quando a
àgua se revolveu em tôrno d'elle, uma cauda
verde-nêgra e dentada
espadanou as ondas, e steinbok e crocodilo desapparecêram no
pego. Estava destinado
que eu não provasse da saborosa carne do pequeno
herbìvoro.
Augusto, tão valente como bruto, queria por
fôrça ir matar o crocodilo, "que roubou minha
caça," dizia elle.
O bom do prêto estava furioso.
Ainda n'esse dia fiz uma jornada de uma hora, não indo mais
àlém, por encontrar muita caça.
Ja caçava mais para obter pelles do que
alimentação, porque ja abandonàvamos a
carne, tanta era ella.
Figura
133.--Montes termìticos junto ao Limpôpo.
O meu Stanley, depois que se vio sem botas, não sahia de
dentro do vagom, e passava o tempo a comer e a dormir.
A 26, fiz, logo de manhã, uma jornada de cinco horas,
subindo sempre a margem esquêrda do Limpôpo.
Mal tìnhamos parado, Augusto veio dizer-me, que andava
pastando perto um enorme
chucurro
(rhinoceronte).
Passei ràpidamente o freio ao cavallo, que ainda
não tinha desaparelhado, montei e segui Augusto.
O enorme pachiderme ja sentira o rumor do campo, e puzera-se ao largo.
Avistei-o a quinhentos metros, e ainda que Fly fez o seu dever, tive em
breve de renunciar á perseguição da
fera, que se internou em mato tão emmaranhado que impossivel
me era seguil-a.
É notavel que, tendo eu atravessado de Benguella
até ali, visse o primeiro rhinoceronte junto ao
Limpôpo, onde hôje
sam raros, pêla grande caça que lhe fazem os
Böers.
Outro animal que abunda no Calaari, de que por vêzes avistei
bandos, e que nunca pude matar, fôram as girafas.
É tão ligeiro e sustentado o seu correr,
tão penetrante a sua vista, tão fino o seu
ouvido, que difficil é chegar ao alcance de tiro,
quando uma grande demora no paiz não permitte ao
caçador
empregar a astucia.
Depois de ter desistido da perseguição do
chucurro, voltei ao campo, quando encontrei Augusto que vinha no meu
seguimento. Elle poz-se ao lado do cavallo e veio conversando comigo.
De repente, junto a uns arbustos, vi-o apontar a arma e fazer
fôgo.
Acavallo, e por isso tendo a cabêça muito mais
alta do que elle, eu não vi a que tinha atirado o meu
prêto, quando deveria ser o
primeiro a avistar a caça. Perguntei-lhe o que
fôra aquillo,
e elle respondeu-me, entrando no mato, e arrastando um leopardo que
não estava a
mais de seis metros de nós.
Voltei ao vagom, em quanto Augusto ficou a esfolar o bicho.
De tarde ainda fiz uma jornada de três horas, por terreno
muito accidentado e coberto de floresta densa.
Ao passar um còmoro, avistei o
Zoutpansberg,
que marquei a
leste.
O sìtio onde acampei para passar a noute é
conhecido dos Böers, e tem o nome de
Adicul.
Não havia lua, mas o
ceo estava
lìmpido, e resolvi fazer observações,
para determinar aquella
posição.
Esta circunstancia foi causa de evitar uma grande desgraça.
Eu tinha obtido no Manguato uma lanterna para magnesio, que ali
fôra deixada por Mohr, ou outro, e que não servia,
por falta do
combustivel.
A mim servia ella, porque eu tinha muito fio de magnesio.
Empregava-a eu para ler de noute os nonios dos instrumentos.
N'essa noute, tinha acabado de ler no nonio do meu sextante Casella, a
altura da
Canopus
([Grego: a] do Argus) no
momento da sua passagem meridiana, e fazia horarios pêla
Aldebaran
([Grego: a] do
Touro), quando a dez passos de mim, rebentou um trovão
medonho.
O meu Fly, preso a uma das rodas do vagom, deu tal puxão
á corrente que fez mover o pesado carro, e os bôis
entráram de
golpe no recinto onde estàvamos, tremendo em
convulções de
mêdo.
Larguei o sextante e peguei na carabina, sempre pousada junto a mim.
Augusto virou o foco da luz para a brenha d'onde sahira o rugido feroz,
e alumiou as cabêças sobêrbas de dois
enormes leões.
As feras fascinadas pêla luz deslumbrante da
combustão do magnesio, n'um momento de
hesitação que tivéram,
déram-me o tempo de apontar firme; os dois tiros
succedêram-se com o intervallo de poucos segundos,
e ambas cahíram fulminadas.
Voltei-me para o vagom, onde senti um barulho infernal, e vi que
Camutombo fazia esforços inauditos para segurar o meu Fly,
que se levantava, e assustado forcejava por partir a corrente. O meu
Inglez estava mettido no vagom de espingarda na mão, e
ameaçava matar todas as feras do continente Africano se
ellas se
atrevêssem a atacar
os seus bôis.
Figura
134.--Os meus bôis fôram salvos.
Deixei aos prêtos o prazer de esfolarem os leões,
e era bello ouvir o que cada um dizia de si mesmo n'aquella
conjunctura. Não
havia um só que se tivesse assustado, e para o fim creio
mesmo
que cada um ja contava aos outros que os leões haviam sido
esganados por elle.
Creio que só dois homens ali não
tivéram mêdo, e esses fôram Augusto e
Verissimo.
Augusto, que me allumiou firme, e Verissimo, que me disse muito
descançado: "Eu nem peguei na espingarda, porque o S^{nr.}
ia atirar, e eu sabia que os leões estavam mortos."
Larguei a carabina para pegar de nôvo no sextante, e tomar as
minhas alturas da
Aldebaran;
occupação de
que tinha
sido distrahido por tão importunos hòspedes.
Ia-me deitar, quando novos rugidos de leão se
fizéram ouvir.
Sem termos um campo fechado, eu receei pêlo que pudesse
succeder, e passei a noute velando com tôda a gente junto
ás
fogueiras. Os rugidos duráram tôda a noute, e a
elles
respondia com o
ressonar sonoro o meu Stanley, que estendido dentro do vagom, sonhava
talvez com aquelle filho pequenino de que se não podia
separar,
ou
quiçá com as botas que não tinha.
Parti ás 6 da manhã, para parar ás 9,
sempre junto á margem do rio.
Ao acampar, todos pensáram mais em dormir do que em comer, e
Stanley, que não tinha velado a noute, offereceu-se
obsequioso para
vigiar pêlos seus bôis.
Ás 4 da tarde, depois de uma bôa
refeição de carne assada (a carne n'esta parte da
viagem occupa o logar do massango de alguns
mêzes antes), partímos de nôvo, indo
acampar,
ás 8 e meia da noute, junto ao rio Marico.
O alvorecer do dia 28 veio mostrar-me que eu estava n'um sitio baixo e
pantanoso, pouco arborizado e deserto.
Mal tinha acabado de fazer o meu
toilet,
quando
Stanley se acercou de mim e começou a dizer-me, que as
saudades do filho pequenino
e a falta de botas, o impediam de continuar ao meu serviço.
"Que d'aquelle ponto sahia um caminho transversal, que o levaria em
oito dias a sua casa, e que, por isso, elle, os seus bôis, e
o
seu
vagom, deixariam de estar ás minhas ordens desde esse dia."
Declarei-lhe, que se enganava, que elle tinha feito um contrato comigo
diante de M^{r.} Coillard, e que esse contrato era para me servir
até Pretoria. O homem recusou-se terminantemente a passar
d'ali.
Mostrei-lhe que a razão estava do meu lado, por tanto
não cedia, uma vez que eu tinha a felicidade de juntar
á minha
justiça a fôrça.
Este ùltimo argumento foi efficaz, e o homem vio que eu
não recuaria ante o empregar a força, e por isso
acommodou-se,
protestando a favor dos bôis e do vagom, sua propriedade.
O Augusto, que logo de madrugada tinha ido caçar, voltou
pêlo meio-dia, e disse-me, que perto havia encontrado um
acampamento de Böers.
Disse-lhe, que me guiasse para lá, montei a cavallo e segui
o meu fiél prêto.
Um quarto de hora depois, entrava no campo dos Böers.
Muitos vagons collocados parallelamente, entre elles algumas cubatas de
caniço e palha; montes de despojos de caça; um
alpendre com um tôrno de tornear madeira; um cercado com
bôis e muitos cavallos--eis o
aspecto do acampamento de Böers nòmadas que
encontrei.
Algumas mulheres, de vestido de chita e toucas brancas, acarretavam
àgua de um pôço. A uma porta, duas, que
não
tinham nada de feias, descascavam enormes cebôlas. Uma
porção de
pequenos, sujos e esfarrapados, brincavam sôbre um
chão enlodado.
A minha entrada fez sensação, e uma
mulhér velha, e ainda mais feia do que velha, veio
arengar-me. Não entendi uma só
palavra das que me disse aquelle estafermo, e só percebi, ao
abeirar-me d'ella, que
era ainda mais porca do que feia e velha.
Para responder á fala da mulhèrzinha, que tinha
empregado o Hollandez corrompido dos Böers, escolhi o
Hambundo, e respondi em
lìngua do Bihé.
Estàvamos pagos e entendidos. Ella não percebeu
uma só das minhas palavras, como eu não entendi
uma só das suas.
Eu, sempre perseguido pêla velha, fui-me approximando das
raparigas das cebôlas, que eram ao menos novas e bonitas, e
falei-lhes em
Inglez, Francez, Portuguez e Hambundo, sem poder fazer-me comprehender.
Chamei o meu Augusto, que ja arranhava algumas palavras de Sesuto,
aprendidas no Barôze e no convìvio das gentes de
M^{r.} Coillard, e disse-lhe, que perguntasse áquellas
meninas, se
não haviam homens ali. Elle dirigio-se a ellas, mas foi logo
interpellado pêla
velha. Com custo, por meio d'aquelle intèrprete, sube, que
os homens
andavam á caça.
A velha, sabendo pêlo Augusto que eu não era
Inglez, mudou de modos para comigo, e creio que começou a
tratar-me melhor.
As raparigas mettiam as cebôlas em um panellão
enorme, e punham-n-as ao fôgo nadando em àgua.
Pouco depois, chegavam uns sete homens a cavallo.
Havia um velho de longa barba branca, cinco entre trinta e quarenta
annos, e um rapazola de dezoito ou dezanove. Apeáram-se e
viéram cercar-me.
O velho falava bem Inglez, e um dos outros falava um pouco.
Pudémos entender-nos. Expliquei-lhe quem era e d'onde vinha,
duas cousas que elles não entendêram muito bem, e
disse-lhes,
que era Portuguez, e não Inglez, porque ja tinha percebido
que
elles
não gostavam dos Inglezes. Contei-lhes o caso do meu Stanley
me
querer deixar, e o velho disse-me logo, que mandasse descarregar o
vagom e despedisse o homem, porque elles me dariam meios de continuar a
viagem.
Não quiz ouvir aquillo duas vêzes, e mandei logo o
Augusto buscar o vagom para ali.
No entanto, os Böers recebiam-me com franca hospitalidade, e
até a velha ja se sorria para mim. ¡Que hediondo
sorriso! Pouco depois
comia cebôlas cosidas e carne assada. Aquelles
Böers, em quanto a
provisões, só tinham mais do que eu
cebôlas.
Chegou o vagom que mandei descarregar, despedindo logo o seu dono, que
se retirou satisfeito, como eu fiquei satisfeito por me ver livre
d'elle.
Falei aos Böers, mostrando-lhes a necessidade que tinha de
seguir o mais depressa possivel, e elles promettêram-me, que
no dia
immediato teria um vagom e bôis.
Á noute, elles contáram-me, que tinham feito
parte d'essa immensa leva de emigrantes, que, logo depois da
annexação do
Transvaal, tinham fugido ao jugo estrangeiro, e caminhado ao norte,
inconscientes do que faziam, e ignorantes dos perigos do Calaari.
Seiscentas familias que se internáram no
inhòspito
deserto víram
os seus gados mortos ou dispersos pêla sêde, e
fôram
vìctimas do
passo precipitado e inconsciente que déram. A vanguarda, em
nùmero de vinte-e-tres
pessôas, podéram alcançar o Ngami, mas
os seus
gados iam esgotando os pequenos charcos, e aquelles que os seguiam
encontravam a morte junto ás lagôas
deseccadas. Ao nùmero dos poucos que ainda
conseguíram
voltar, pertenciam aquelles
que me davam a hospitalidade franca dos Böers.
Encontráram, ali junto ao Limpôpo, tanta
caça, que
decidíram
ficar n'aquelle sitio, e viviam uma vida nòmada, acampando
nos
logares mais proprios
ás suas explorações venatorias.
No dia seguinte, em quanto as raparigas me serviam um
almôço de carne e cebôlas, regado com
òptimo leite, os homens
preparavam um vagom ao qual jungiam apenas quatro juntas de
bôis.
O velho disse-me, que iria para tomar conta do vagom seu neto, um rapaz
de 16 annos chamado Low, levando com-sigo um seu irmão,
pequeno de 12 annos, de nome Christophe.
Os bôis dos Böers fôram-me passar o vagom
para àlém do Marico, o que foi difficil, por o
rio ir
bastante cheio; e depois das melhores despedidas, fiz a primeira
jornada em caminho de Pretoria.
Os Böers sabiam que havia Pretoria, mas nunca la tinham ido, e
por isso o meu Low ignorava o caminho.
Eu incumbi-me de lh'o ensinar, e para isso deixei o ùnico
caminho seguido, aquelle de Marico e Rustemberg; e dando um
traço
com uma règua na carta de Marenski, tirei um rumo em
perfeita linha recta, e segui n'elle a través da planicie.
Desde que passámos o rio Ntuani andàvamos
cobertos de carrapatos, e bastava passarmos um pouco entre a herva para
ficarmos cheios dos repugnantes insectos.
Quatro pessôas na minha gente apparecêram com uma
febre que se apresentou logo de mao caracter. As duas mulheres, Moero e
Pépéca.
Tive de lhes preparar o vagom a modo de as poder deitar n'elle, porque
era impossivel caminharem.
Tôdos nós estàvamos extenuados
pêlas fadigas de uma tão longa jornada qual a de
Benguella até ali; e sempre mal alimentados,
sentiamos a fadiga a degenerar em doença, e exaustos de
fôrças sentìamos a doença a
terminar na morte.
A insalubridade das margens do Limpôpo, e sôbre
tudo a do rio Marico, veio profundamente affectar as nossas saudes, ja
vacillantes em corpos derrancados, e tôdos em geral nos
sentímos doentes.
Ainda assim, eu, dotado de uma organização
especial, era quem mais resistia á extraordinaria canceira
que nos acabunhava. E
felizmente para tôdos, que eu resistia mais do que elles!
A noute do ùltimo de Janeiro foi tormentosa de chuva e
trovoada.
Eu não me entendia com as duas crianças
Böers que me acompanhavam, e que só falavam o
Hollandez; mas ainda assim, fazia-lhes dirigir
o vagom á minha vontade.
No primeiro de Fevereiro, tôda a gente estava peior, e
sôbre tudo o estado das duas mulheres e dos dois pequenos
assustava-me. Eu mesmo ardia em febre.
Resolvi forçar as marchas o quanto possivel, para no mais
curto espaço alcançar o paiz habitado e alguns
recursos.
Apesar do meu estado, logo que puz o vagom a caminho, afastei-me d'elle
e fui caçar, conseguindo matar um sebseb. Fui encontrar o
vagom, e fiz com Augusto, Verissimo e Camutombo fôssem buscar
o
antìlope môrto.
Em seguida forcei a marcha até ás cinco e meia da
tarde.
Parei até ás 9 da noute para descançar
os bôis, fazer observações, e
determinar o meu ponto, e sôbre tudo para tratar dos doentes.
Ainda n'essa noute jornadeei das 9 ás 10 horas.
O estado do Pépéca e de Mariana era muito grave.
Estavam em delirio, e tinha-se-lhes declarado o typho.
Os causticos, que eu lhes tinha aberto com àgua a ferver
(por não ter outra cousa), eram continuamente pulverizados
de
sulfato de quinino, e durante a noute dei-lhes três
injecções
hypodèrmicas com uma gramma de sulfato cada uma.
Moero e Marcolina, a mulhér de Augusto, não
apresentavam symptomas de tanta gravidade como os outros dois, mas
ainda assim estavam sujeitos ao mesmo tratamento.
Na manhã seguinte o estado dos doentes era o mesmo. Depois
de lhes curar os causticos, resolvi partir, e não me
appareciam
os dois
pequenos Böers. Fui em sua busca, e não longe,
junto a um
extenso paúl, a que elles chamavam a Cornocopia, me pareceu
que
elles estavam pastando, porque os vi apanharem herva e comel-a com
sofreguidão.
Aproximei-me para ver o que faziam, e conheci não me
enganar. Os
rapazes
comiam herva. Ao abeiral-os, elles estendêram para mim as
mãos cheias de uma gramìnea, espècie
de
caniço fino e de
um verde muito claro. Por curiosidade peguei n'um de aquelles
caniços, e provei. A
minha admiração foi extraordinaria ao encontrar
n'aquella
gramìnea o
mêsmo gôsto da cana de assucar.
Percebi então porque pastavam os rapazes. Era pura goloseima.
Fiz com que viessem ao vagom e puz-me a caminho.
N'aquella planicie appareciam muitas aranhas parecidas com a tarantula,
cuja mordedura (me fizéram comprehender os rapazes)
é mortal. Isto creio que deve carecer de
demonstração, porque em
Àfrica se diz o mesmo dos escorpiões, e eu
affirmo
não ser verdade.
Depois de cinco horas de bôa jornada, parei, e logo que
tratei dos meus doentes, que continuavam mal, fui caçar,
afim de arranjar de
comer para elles e para mim.
Só voltei ao vagom ás 6 horas, trazendo
atravessado no arção um sobêrbo
antìlope. Parte do caminho notei que o meu cavallo, sempre
fiél, vinha inquieto, e fazendo curvêtas que
não eram de uso.
Ao chegar ao campo pude explicar a razão do caso. O
antìlope (
Cervicapra
bohor) com o
pescôço pendido, veio,
com um dos agudos cornos, fazendo uma larga ferida ao meu pobre Fly.
Depois de medicar os enfermos e a mim, e de comer alguma cousa, ainda
jornadeei n'essa noute por duas horas.
A 3 de Fevereiro, parti ás 4 da manhã, e parei
ás 9.
Logo que acampei, avistei dois vagons de Böers que caminhavam
para mim. Tive esperanças de obter d'elles alguns
vìveres,
porque só tinha para comer os restos do antìlope
da vèspera.
Baldada foi a minha esperança. Eram duas familias de
emigrantes que caminhavam, só escudados na caça,
e com quem tive
de repartir a pouca carne que ja tinha.
Disse-me um, que falava Inglez, que eu ia entrar em paiz sem
caça, mas que, se força-se as marchas, poderia,
seguindo o trilho dos
vagons d'elles, alcançar n'essa noute a missão do
Piland's Berg.
O paiz continúa, sendo uma planicie enorme, da qual se
erguem aqui e àlém ex-abrupto algumas serras.
Assim era o Piland's Berg, que eu marcava ao sul.
Resolvi pois forçar as marchas, para alcançar a
missão de que me faláram os Böers; mas,
quando dei ordem á partida,
apareceu-me Low consternado, dizendo muita cousa que eu não
entendia, mas fazendo
comprehender, que seu irmão Christophe faltava. A mim
é que me
não faltava mais nada, senão aturar o endiabrado
rapaz.
Montei a cavallo, e larguei-me por matos e charnecas a procurar meninos
perdidos. Chamei, dei tiros, corri em todas as
direcções, descrevendo cìrculos em
tôrno do
vagom, mas nenhum resultado
tirei d'isso; e depois de seis horas de buscas inuteis, voltei ao
carro, extenuado de fadiga, e tendo de balde cançado o meu
pobre
cavallo.
N'esse dia ja se não jantou, por não haver que
comer.
Low chorava e arrepelava os cabellos, dizendo muita cousa em Hollandez,
e se ás vêzes imaginava que eu queria partir d'ali
vinha deitar-se de joêlhos aos meus pes, pronunciando o nome
do
irmão.
Eu estava verdadeiramente perplexo, e ora me enfurecia contra os
Böers, ora tinha por o estado de Low a maior
compaixão.
Os meus doentes não melhoravam, mas medicamentos e dieta
não lhes faltava.
Resolvi passar ali a noute, e confesso que não deixava de
entrar em furor, ao lembrar-me do tempo precioso que perdia em
circunstancias
tão graves como aquellas em que estàvamos.
Ás 9 da noute, senti grande alarido, e percebi que o
Christophe tinha chegado.
Não me entendendo com elles, só dias depois, por
um intèrprete, pude ter a explicação
do facto.
Christophe, logo que o vagom parou n'aquella manhã, foi para
o mato apanhar pàssaros com visco. Entretêve-se
por la
até que eu o fui procurar.
Vendo-me gritar por elle e dar tiros, têve mêdo de
que eu lhe batêsse ou o matasse; escondeu-se no matagal o
melhor que pôde, e la se
deixou ficar tôdo o dia.
Veio a noute, e o mêdo dos bichos foi superior ao
mêdo de mim, e o pequeno voltou ao vagom.
Não me faltava, na minha viagem, senão aturar uma
criança.
Ás quatro horas da manhã; segui viagem, e parei
ás 8, porque o nosso estado não nos permittia
grandes esforços.
A leste de mim, corria N.N.O. um systema de montanhas que marginam o
Limpôpo.
Descancei até ás 11 horas, seguindo a essa hora,
alcancei
Soul's Port,
a missão do
Piland's
Berg,
ás 4 da tarde.
Estabeleci-me em umas ruinas, a duzentos metros da casa do missionario,
a quem mandei um bilhête de visita.
Pouco tempo depois, entrava nas ruinas uma dama acompanhada de um
criado, que trazia uma grande bandeja de pêcegos e figos. Era
Madame Gonin, a espôsa do missionario. Seu marido estava
ausente,
e
so chegaria no dia immediato.
Ao passo que escutava Madame Gonin, comia pêcegos e figos com
fome de trinta e duas horas! Dei-lhe escusa do que fazia, dizendo-lhe,
que tinha fome.
A dama retirou-se, e algum tempo depois, enviàva-me uma
òptima ceia.
Dois prêtos vinham carregados de comida para a minha gente.
Fui agradecer-lhe, e voltei ás minhas ruinas.
No dia seguinte, julguei livres de perigo os meus dois doentes mais
graves, Mariana e Pépéca.
Logo de manhã, fui a uma fazenda de Böers, a ver se
obtinha vìveres.
O paiz em tôrno de Piland's Berg é muito
cultivado, e aqui e àlém alvejam no
sopé da serra algumas casas de Böers.
Dirigi-me a uma d'ellas.
Fizéram-me entrar n'uma sala, que em tôdas as
casas dos habitantes do Transvaal desempenha o duplo fim de casa de
mêsa e sala de
visitas.
Aquella tinha sufficiente pé direito, era
espàçosa e alegre. As parêdes, pintadas
a
frêsco, representavam cupidos vendados, despedindo
traiçoeiras frechas contra corações
enormes engrinaldados de rosas, isto sôbre um fundo azul
celeste,
dado em àguada pouco
nìtida.
O pintor não fôra nenhum Rubens ou Van Dyck, mas
preciso declarar, que ainda assim, me sorprendeu o trabalho
artìstico d'aquella
sala; superior ao de umas certas salas de mêsa, de muitas
casas
de Lisboa,
que figuram no primeiro plano um boneco pequenino, pescando
á
linha n'um
rio, onde ao longe navegam dois namorados enormes tocando bandolim; ao
passo que em uma àrvore encarnada e azul, muito distante,
pousa
uma
arara vermêlha, maior ainda do que a àrvore, do
que os
namorados e do que o pescadôr.
Ao menos, nas pinturas mytològicas da sala Böer
havia uma significação, e aquellas rosas
engrinaldando os corações
feridos, vinham lembrar, que as chagas d'amor, como as rosas, t[~e]m
perfumes e t[~e]m abrolhos.
Eu, se algum dia, depois de longa vivenda em Lisboa, por êsse
poder de imitação, que me faz admittir as
theorias de
Darwin, chegar ao requinte de mandar pintar a minha sala de jantar por
artista indìgena, dar-lhe-hei as
indicações da
escola Transvaaliana.
A sala da casa Böer, àlém das pinturas
das parêdes, pouco mais tinha de notavel. Uma grande
mêsa,
algumas cadeiras, uns vasos com
plantas floridas nos vãos das janellas. Cortinas pendentes
de
guarnições de pao despolido, feitas de
caça
branca, com um recorte encarnado,
e cujas extremidades inferiôres, muito longe do
chão,
davam ás janellas esse ar desastrado de uma menina de
quatorze
annos, que, trajando vestido nem curto nem comprido, nos deixa
perplexos, sem saber se devemos cortejar uma dama, ou beijar uma
criança.
A um canto, sôbre uma pequena mêsa, o livro dos
Böers, uma Biblia enorme, com fêchos de prata,
sôbre uma
encadernação outrora vermêlha e
hôje de côr indefinida, pêlo uso das
mãos sebentas, de três
gèrações de Böers.
Faziam-me as honras da casa duas damas Transvaalianas, vestidas, como
tôdas as do paiz, de chita, e trazendo na
cabêça toucas brancas. Uns poucos de pequenos,
quasi tôdos do mesmo tamanho,
agarrávam-se aos vestidos d'ellas e trepávam-lhes
aos joêlhos. O
modo porque eram recebidos, parecia mostrar-me que eram tôdos
filhos de ambas
as damas; o que me causava o maior espanto, e me fazia entrever uma
cousa nova para mim.
Verissimo servia-me de intèrprete, empregando a
lìngua Sezuto. Antes de lhe dizer o que queria,
perguntei-lhes ¿de quem eram filhos
aquelles meninos? Ambas, ao mesmo tempo, com esse orgulho de
tôdas as
mães (em quanto os filhos sam pequeninos, e não
v[~e]m,
pêlo seu tamanho, revelar segrêdos de idades que se
devem occultar),
respondêram: "Sam nossos."
O caso complicava-se com aquella resposta, e eu cada vez entendia menos.
Entrei em explicações e sube afinal, que os
pequenos eram uns de uma, outros de outra; mas, como ellas seguiam o
costume Böer, de
viverem dois casaes na mesma vida domèstica, tôdos
elles eram
reputados filhos de cada uma.
O paradoxo physiològico tinha desapparecido, mas erguia-se a
meus olhos outro psychològico não menos
extraordinario.
No Transvaal dois casaes podem viver sôb o mêsmo
tecto, e comerem da mesma panella; e dois amigos combinam casar no
mesmo dia e irem viver juntos com suas mulheres; e depois com filhos e
netos, para sempre. E vivem, e sam felizes, e não ha ali
intrigas e
desgôstos entre elles! Ainda, entre elles, comprehende-se;
mas
entre ellas! É
admiravel.
A vida patriarchal dos Böers revela-se n'este traço.
Depois de me explicarem estas cousas, eu disse ao que ia. Precisava de
provisões. As bôas raparigas
offerecêram-me logo dois enormes pães, e
disséram-me, que não podiam vender-me gallinhas
ou patos sem estarem presentes os seus maridos, que tinham ido para a
labutação dos campos; mas pedíram-me
para esperar um pouco, porque elles
não tardariam a voltar para o almôço.
Uma desappareceu, e provavelmente foi para a cozinha, em quanto a outra
trouxe para a sala uma màchina de costura, e poz-se a
trabalhar.
Eu fui dar uma volta no quintal, onde me ficáram os olhos na
hortaliça, que ali crescia cuidadosamente tratada.
¡Que fome eu tinha de alimento vegetal!
Algum tempo depois, chegáram os Böers, que me
encontráram em flagrante delicto de colher
feijões que comia crus.
Voltei com elles a casa.
Logo que entrámos na sala dos Cupidos, reunio-se a familia
tôda, e tôdos se sentáram nas cadeiras
junto ás
parêdes.
Veio, em seguida, uma prêta com uma pequena banheira, e o
mais velho dos homens desçalçou as botas, e lavou
os pes;
seguio-se o outro, as damas e os pequenos, e a prêta correu
á roda da casa com a
banheira.
Em seguida, fomos para a mêsa.
Veio então a Bìblia, e o mais velho leu, com
profundo recolhimento, alguns versìculos do Livro dos
Nùmeros, o quarto
Livro de Moisés. Começou o
almôço; eu, com o
estòmago cheio de couves cruas e feijões colhidos
do pe, não podia comer nada, o que contrariava os
meus hospedeiros; mas tomei uma chàvena de
pèssimo
café com òptimo leite. Depois de
almôço, os bons dos fazendeiros
offerecêram-me seis gallinhas e dois patos, e nada
quizéram receber por isso.
Levei de hortaliças quanto pude carregar no meu cavallo.
Logo que cheguei a
Soul's Port,
sube do regresso
do missionario, por um convite para jantar, escrito por elle, que
encontrei nas
mãos de Augusto.
Fui ver logo os meus doentes, que achei melhores, sôbre tudo
o pequeno Moero, que ja se tinha levantado.
D'ali segui para a casa do missionario, onde fui cordialmente recebido.
M^{r.} Gonin, Francez e amigo de M^{r.} Coillard, exultou com as
bôas noticias que lhe dei dos amigos que tinha deixado em
Shoshong.
Tive um jantar magnìfico, e tanto mais agradavel, que a elle
assistiam três damas, Madame Gonin e duas jovens e formosas
Inglezas do
Cabo, hòspedas da casa.
Depois de jantar voltei ás ruinas onde tinha acampado, para
fazer observações, e determinar a minha partida
para o
dia seguinte. Ao chegar ao vagom, uma má nova me esperava.
Low veio dizer-me, que haviam desapparecido dois bôis, e
não tinha sido possivel encontral-os. Os seis bôis
que restavam
não poderiam arrastar o vagom d'ali a Pretoria.
Decidi ficar ali a procurar os bôis, e dei-as precisas
ordens, para que tôda a gente semi-vàlida logo de
madrugada se
posesse em campo.
Fôram baldados tôdos os esforços, e os
bôis não apparecêram.
Communiquei ao missionario Gonin o meu grande embaraço, e
fui logo tranquillizado por elle, que poz á minha
disposição uma das suas juntas de bôis.
Àlém d'isso, ordenou a um dos seus criados, um
Btjuana chamado Farelan, para me acompanhar até Pretoria;
servindo-me ao mesmo tempo
de guia e de intèrprete, ja para com o gentio, ja para com
os
Böers, porque falava bem o Hollandez.
Dispostas assim as cousas, determinei seguir no dia 7, e depois de
agradecer a M^{r.} e Madame Gonin tantos favôres, parti
ás 6 horas da manhã, indo parar, ás
10, junto a uma casa de
Böers, que me recebêram muito bem, dando-me
abundantes provisões.
Ainda n'esse dia fiz duas grandes jornadas. Dos meus doentes, a Mariana
e o Pépéca, apresentavam sensiveis melhoras,
ainda que promettiam uma demorada convalescença; Moero
estava em
via de
restabelecimento, mas Marcolina, a mulhér de Augusto,
dava-me
cuidados, porque se
achava em um estado adynàmico, com febre constante, que
não
cedia ao tratamento.
No dia 8, o estado de Marcolina era muito grave.
Parti ás 4 da manhã, e ás 5 encontrava
o rio Quetei, pròximo da sua confluencia com o Machucubiani.
A difficuldade da passagem foi grande, por serem muito apicadas as
margens e levarem os rios muita àgua.
Depois de três horas de trabalho violento,
conseguímos transpol-o, e acampámos na margem
opposta.
Marcava meia milha a O.N.O. o Pico Bote, onde foi pelejada a
ùltima batalha entre Böers e Matebelles, sendo
estes completamente
batidos e forçados a recuar para àlém
do
Limpôpo.
Depois de um descanço de três horas, segui avante
e jornadei por oito horas, em duas marchas.
O sitio onde acampei, junto a um riacho que corre ao Limpôpo,
era coberto de rochas, massas enormes de granito, o primeiro que
encontrava depois do Bihé.
A disposição geològica do terreno
mostrava-se-me, tal qual, a parte do planalto da Costa de Oeste entre
Quillengues e Bihé.
A flora é que ali é muito differente. No
planalto, costa de oeste, apparece uma vegetação
arbòrea
opulenta; ao passo que, n'esta parte do Transvaal, apenas se
vê um ou outro arbusto
rachìtico; mas a vegetação
herbàcea é rica, e sôbre tudo as
gramìneas t[~e]m desenvolvimento grande.
No dia 9 de Fevereiro, o estado de Marcolina era tão grave,
que decidi não continuar viagem até ver se ella
obtinha
melhoras. Baldados fôram os esforços empregados
para a salvar, e ao meio-dia expirou.
¡Pobre mulhér! ¡Depois de tão
aturadas fadigas, depois de tão àrduos trabalhos,
veio perder a vida quando estava pròxima a
encontrar o descanço e o confôrto!
Marcolina era a legìtima mulhér de Augusto. Viera
com elle de Benguella até ali, e mesmo no tempo das
aventuras galantes do marido,
nunca o abandonou, apesar dos maos tratos que d'elle recebia.
Augusto chorava como uma criança junto ao cadaver da sua
companheira fiél.
Na madrugada seguinte, Camutombo e o Betjuana Farelan, abriam uma
profunda cova, onde se enterrava a mesquinha.
Eu, de cabêça descoberta e commovido, vi cahir a
terra sôbre o cadaver frio.
Ali, na margem do ribeiro, junto a Betania, deixava eu a
ùltima vìctima da expedição
Portugueza através
d'Àfrica. D'ali levava uma saudade pungente.
¡Ainda bem que aquelle devia ser o
ùltimo tùmulo!
Figura
135.--O ùltimo enterro.
Voltando ao vagom, perguntava a mim mesmo, se a sciencia tem direito a
taes sacrificios; se o homem, no orgulho de juntar mais um
àtomo de saber ao pouco que sabe, pode dispor para isso da
vida
do seu
semelhante, e immolal-o cruamente a um ìdolo tão
vão como os outros?
No meu espìrito não podia formular uma resposta
á pergunta que fazia, e hôje digo que isto
é uma questão a
debater entre o homem e a sua consciencia.
Logo que cheguei ao vagom, dei ordem de partida, e segui adiante, para
ir visitar a missão de Betania.
Betania é uma aldeia de quatro mil habitantes de
raça Betjuana, formada de casas bem construidas, e muitas de
janellas envidraçadas.
O missionario que ali encontrei, Hollandez ou Allemão,
chamava-se M^{r.} Behrens.
Appareceu-me fumando em um enorme cachimbo de louça, e uma
das primeiras cousas que me perguntou foi, ¿se eu lhe tinha
trazido umas
pas que me emprestara para abrir a cova de Marcolina?
Um quarto de hora depois, eu deixava a casa do missionario, e seguia
caminho, indo parar, ás 11 horas, junto de uma aldea de
Böers.
Viéram elles logo buscar-me para suas casas, e tive de
entrar em casa de tôdos. Em tôdas fui obrigado a
tomar alguma cousa,
e em tôdas recebi presentes de batatas, frutas,
hortaliças e gallinhas. A
custo me pude desembaraçar d'aquella bôa gente, e
pude partir
ás 3 da tarde.
Encontrei outra vez a margem esquêrda do Limpôpo,
que subi por três horas, para chegar a um vao conhecido do
meu guia Farelan.
Junto ao vao estava grande porção de vagons
Böers. O rio trasbordava, e não dava passagem,
diziam elles.
Como Farelan conhecia o vao, disse-lhe, que se metêsse
á àgua e fôsse até onde
podesse. O Betjuana passou o rio com
àgua pêlo pescôço. Mandei
logo tanger os bôis, e fiz entrar o cavallo na
àgua, passando o rio em um momento. Eu e os meus
já sabìamos lidar com um
vagom e com os rios da Àfrica.
Os Böers ficáram pasmados, mas pasmados
ficáram na outra margem, debaixo de uma chuva torrencial que
cahia.
Acampei ali. No dia immediato, os alvôres da manhã
viéram mostrar-nos o rio que tinha sahido do seu leito, e
que deveria levar mais
três a quatro metros de àgua.
Os Böers que receiáram na vèspera
arriscar os vagons, tinham que esperar muitos dias para o passarem.
Eu segui viagem, e ás onze horas e meia, passava a enorme
serra que divide o Transvaal no sentido este-oeste, o Magalies-Berg.
Foi difficìlima a passagem da alta serra, e sôbre
tudo a descida na vertente do sul perigosa. O vagom, sem
travão,
precipitàva-se sôbre os bôis e
ameaçava despedaçar-se. Tive de
pôr os doentes a pe, com receio de um accidente.
Low cahio, e uma roda do vagom esmigalhou-lhe as phalanges da
mão esquêrda.
Fiz-lhe um primeiro curativo, e tratei de forçar as marchas,
para alcançar Pretoria, onde elle podia ser cuidadosamente
tratado. O Betjuana Farelan previne-me de que façamos
provisão de lenha em uma mata no sopé da serra;
porque d'ali a Pretoria só
encontrarìamos planicies desarborizadas. Assim
fizémos, continuando a jornadear dia e
noite, apenas com o descanço necessario para os
bôis.
Finalmente, no dia 12 de Fevereiro, ás 8 da
manhã, acampava uma milha a N.N.O. de Pretoria, e deixando
ali o vagom e os meus, entrava
sòzinho na capital do Transvaal.
Figura
136.--Magalies-berg.
CAPÌTULO
VI.
NO TRANSVAAL.
Ràpido
esbôço da historia dos Böers--O que sam
os Böers--Suas emigrações
e trabalhos--Adriano
Pretorius--Pretorius--As minas de diamantes--Brand--Burgers--Juizo
errado á cerca dos
Böers--O que eu vi
e que eu penso.
Estou em Pretoria, a Capital do Transvaal, e antes de continuar a
narrativa das minhas aventuras, vou dizer algumas palavras da historia
d'este paiz e dos seus habitantes. Não se arreceiem os meus
leitores do caso. Ainda que um moderno historiador Francez n'um bello
livro escreveu a conceituosa phrase, "L'histoire ne commence et ne
finit nulle part," eu prometto-lhes que o ràpido
golpe-de-vista
que vou
lançar sôbre a historia d'este pôvo
será
tão curto,
como curta é ella.
Não sei quando acabará, se é que
não findou ja ou está a findar, mas o
comêço da vida Böer, desde que essa vida
tomou a forma de nacionalidade autonòmica, é dos
nossos tempos, é
d'este sèculo.
Bartholomeu Dias primeiro, e Vasco da Gama depois, os ousados
Portuguezes que afrontáram antes de ninguem as tempestades
do Cabo, pensando só na India, como na terra da
promissão,
pouco ou nenhum caso fizéram da extrema Àfrica do
Sul.
Foi só em 1650 que a Hollanda--não o
govêrno Hollandez, mas a companhia das Indias--ali fundou uma
feitoria, para refrescar os seus
galeões em viagem do mar Ìndico, feitoria
estabelecida pêlo
Doutor Van Riebeck.
Esta feitoria ergueu-se onde hôje assenta a formosa cidade do
Cabo.
A companhia das Indias, que pouco se importava com a Àfrica,
não pensou em fundar ali uma colonia, e antes pôz
tôdos os
estôrvos á iniciativa particular, que tendia a
cultivar a terra e a commerciar com o
indìgena.
Pelejavam-se então na Europa as guerras de
religião, e com a revogação do Edicto
de Nantes e
a perseguição dos
Protestantes em França, muitos emigráram, e entre
elles
alguns fôram para a
Hollanda. A companhia das Indias deu-lhes transporte para a
Àfrica, e elles aceitando-o pressurosos, fôram
deixados no
Cabo. Não chegava a
duzentos o seu nùmero, e se attentarmos a que, segundo diz a
historia, van
Riebeck não levou com-sigo mais de cem pessôas; e
dando-se
mesmo o caso
de que essa
população tivesse duplicado no tempo decorrido de
1650 á chegada dos emigrantes Francezes, estes equilibravam
em nùmero com a
população Hollandeza.
Faço notar esta circunstancia, porque, sendo estes dous
elementos que déram principio a essa raça
hôje
chamada os Böers, quero concluir, que n'esse pôvo, a
respeito do qual se tem escrito tão
pouco e tão errado, o sangue Francez, se não
domina, ao menos equilibra com o
Hollandez.
O governo Hollandez, desde o estabelecimento dos emigrados Francezes no
Cabo, trabalhou para lhes cortar tôdas as
relações com a mãe patria, e o
primeiro golpe que n'ellas deu, foi a prohibição
do uso da lingua natal, ja na celebração do culto
divino, ja nas
relações especiaes com o govêrno, e nos
actos officiaes.
Custa a comprehender como o obtêve, mas é facto
que lhe quebrou aquelle laço que nas futuras
gèrações os podia prender á
França; e de tal modo, que quando o General Clarke, em 1795,
chegou ao Cabo com o Almirante Elphinstone, e se apossou da colonia em
nome da Inglaterra, nem um so Böer falava ou comprehendia o
Francez.
Muito antes da occupação Ingleza, que se
não tornou effectiva senão em 1806,
èpocha em que
a Inglaterra se apossou definitivamente
do Cabo pêla fôrça, desprezando as
convenções da paz de Amiens, que restituia
aquella
colonia aos Hollandezes, ja muito antes os colonos fugiam aos vexames do
govêrno da Hollanda; e internando-se no continente iam longe
estabelecer-se onde encontravam bons terrenos para cultura e bons
pastos para os gados; preferindo brigar com o gentio e prover
á
sua
propria defêsa, a estar em relações e
sôb a protecção de um govêrno
que os tornava verdadeiros escravos.
D'ahi data o nome e a vida errante dos Böers, nome bem pouco
em harmonia com tal vida, porque Böer quer dizer fazendeiro ou
lavrador, o
que dá uma idéa de estabilidade, que elles
não tinham
nem ainda hôje t[~e]m; sendo mais pastôres e
nòmadas do que
lavradôres sam.
O primeiro que nos fala dos Böers na sua vida quasi primitiva,
reduzidos como fôram a prover elles mêsmos
ás
necessidades da vida absoluta, é Levaillant, que visitou o
interior da Àfrica do Sul, antes
da Revolução Franceza, isto é, 14 ou
15 annos antes da primeira
occupação do Cabo por Clarke e Elphinstone.
Levaillant diz muito mal d'elles nas suas
relações com as tribus indìgenas.
Trata-os de dèspotas e de abuso constante da
fôrça. Devemos dar crèdito ao que diz
Levaillant,
mas devemos tambem examinar sem
paixão as circunstancias em que viviam aquelles homens, duas
vêzes
emigrantes, e errando sem patria n'um paiz hostil. Accusam-n-os n'esse
tempo de abusar da fôrça, quando a
fraquêza estava
do
lado d'elles, como sempre estêve.
Tinham armas é verdade, mas os Cafres tinham o
nùmero, e eu sei o quanto vale o nùmero
sôbre as armas, e sabe-o
hôje a Europa, e sôbre tudo a Inglaterra.
Os Zulos, os Cafres, e os Basutos t[~e]m lh'o ensinado.
Não devemos lançar á conta de
espìrito de crueldade, represalias filhas da necessidade de
impor o respeito pêlo terrôr a
tribus indomaveis e ferozes. O que lançam em rôsto
aos Böers
de roubarem e dividirem entre si os gados e as riquêzas dos
povos vencidos, é
hôje admittido como direito da guerra, e a
nação vencedôra
impõe á vencida um tributo que não
é mais do que o que faziam os emigrantes
Franco-Hollandezes, aos Cafres vencidos; que não era
differente proceder do que
tivéram os Inglezes n'aquellas mêsmas paragens no
fim das guerras de
1834 e 1846.
Apesar de se terem internado no continente, os Böers so em
1825 passáram o rio Orange, inclinàndo-se a N.E.
para fugirem da
esterilidade do deserto que se estende ao Norte e N.O. da confluencia
do Vaal.
Fôram obrigados a isso pêla falta de chuvas que
então houve no paiz que elles occupavam.
A abolição da escravatura depois da guerra de
1834 trazia os Böers descontentes, porque perdiam com ella os
braços que os
ajudavam.
Sem patria, sem historia, e por isso sem amor a nenhuma terra, elles
começáram uma nova
emigração em massa, e o nùmero dos
fugitivos que passáram o Orange foi avaliado em oito mil.
Elegêram então um chefe, e recahio a
escôlha em Pieter Retief, cujo primeiro passo foi, expedir
uma nota ao govêrno do Cabo, na
qual lhe dizia, que eram livres e livres iam escolher um paiz para
habitar.
Nessa nota havia exarada a intenção em que
estavam de viver em paz com o gentio, de não admittirem a
escravatura, e de estabelecerem
nìtidamente quaes as relações que
deviam existir entre amos e
criados.
Receando dos Cafres, os Böers, passado o Orange
caminháram ao norte, mas fôram, nos Zulos que
occupavam a margem direita do Vaal,
encontrar inimigos mais terriveis do que aquelles que evitavam.
O cèlebre Muzilicatezi, que depois se tornou conhecido como
rei do Matebeli, tentou sustar a marcha dos emigrantes, e por isso
elles tivéram de pelejar uma sangrenta batalha, em que
leváram de vencida o
valente chefe Zulo.
Então Pieter Retief dirigio a caravana a leste, e tendo
noticias de um paiz magnìfico que se estendia para
àlém da Cordilheira do Drakensberg até
ao mar, guiou para ali a sua horda de aventureiros.
Ao chegar ao paiz desejado, um nôvo obstàculo lhe
veio tolher o passo.
Uma tribu poderosa e guerreira procurou destruir aquelle punhado de
valentes. Fôram mortìferos os combates travados
entre Retief e o chefe Cafre Dingam, e n'um d'elles a victoria dos
Böers custou a
vida do seu chefe Retief, e a Gert Maritz seu immediato.
Senhores das terras de Natal, os Böers escolhêram
uma posição magnìfica para fundar uma
cidade, e elegêram um nôvo chefe. A
cidade têve o nome de Pietermaritzburg, nome que foi um
monumento immorredouro levantado
á memoria dos dois primeiros chefes Böers.
O homem escolhido para nôvo chefe foi Adriano Pretorius, que
tempo depois devia ser o primeiro presidente da
rèpùblica Transvaaliana, e cujo nome devia ser
perpetuado
como os de Retief e Maritz na futura capital dos Böers.
De 1840 a 1842, os emigrantes vivêram tranquillos, cultivando
a terra e apacentando os gados na sua nova patria.
Pensavam mesmo ja em firmarem a sua autonomia, constituindo-se em
rèpùblica sôb o protectorado de uma
nação Europea; quando Sir George Napier, por
ordem do govêrno da Metropoli, mandou occupar a
Natalia por fôrças Inglezas, fazendo saber aos
Böers
que a Inglaterra não consentia que os seus
sùbditos formassem estados independentes
sôbre as costas marìtimas.
Pretorius recebeu muito mal o enviado de Sir George Napier, e foi junto
a Pietermaritzburg que se trocáram as primeiras ballas entre
Böers e Inglezes. Prevenido da resistencia dos Böers,
o
governador do
Cabo reforçou as tropas de Natal e esmagou a
insurreição. A pouca sympathia que os
Böers votavam
aos Inglezes, desde esse dia converteu-se
em aversão profunda.
Começou para os emigrantes uma nova èpocha de
àrdua peregrinação, e abandonando a
terra escolhida, fôram novamente procurar um
paiz àlém do Drakensberg, um paiz onde podessem
ser livres e senhôres.
Ao passar a elevada cordilheira espalháram-se ao norte e ao
sul do Vaal; estabelecendo as suas residencias no terreno comprehendido
entre o Vaal e o Orange, e mesmo ao norte sôbre a margem
direita
do Vaal,
onde fundáram a cidade de Potchefstroom, em 1843.
Sabendo que o Govêrno Inglez considerava aquelle paiz como
seu, e como seus sùbditos os habitantes, Pretorius persuadio
a muitos
dos Böers o emigrar de nôvo, e com elles caminhou ao
norte.
Têve de bater-se com os Zulos, que, vencidos n'uma
ùltima batalha no Pico Botes,
fôram rechaçados para àlém
do
Limpôpo, onde o seu chefe Muzilicatezi estabeleceu o reino do
Matebeli.
Foi então que fôram fundadas mais duas
povoações, Lydenburg e Zoutpansberg.
É preciso notar, que a cada nova
emigração, muitos dos Böers se recusavam
a seguir o enthusiasmo pêla liberdade que
inflammava outros, e conservàvam-se nos paizes abandonados,
tendo, por isso, de
se sujeitar ao govêrno Inglez.
Foi assim que muitos não deixáram as suas
residencias entre o Orange e o Vaal, e cortáram, por assim
dizer,
relações com aquelles que emigravam sempre. Esse
nùcleo que ficou, deu origem aos que
hôje formam o Estado livre do Orange, e ali
fundáram a cidade de Bloemfontein,
sua capital.
Lord Grey, sendo Ministro das Colonias em Inglaterra, em 1852, entendeu
que eram bastante grandes e ruinosos os dominios Inglezes na
Àfrica, e resolveu de limital-os.
Querendo, ainda assim, fazer as cousas em grande e talhar por largo,
deu ordem ao Governador do Cabo para declarar o Vaal como fronteira
norte dos dominios Britànicos, e para conceder os direitos
de
autonomia aos sùbditos Inglezes que se
estabelecêssem
àlém d'aquelle limite.
É d'esta data o tratado feito com os Böers,
pêlo qual a Grã-Bretanha os reconheceu livres e
lhes concedeu os direitos de autonomia;
é d'esta data que têve um nome o paiz
comprehendido entre o Vaal e o
Limpôpo; é d'esta data que o govêrno do
Transvaal se constituio
definitivamente; é n'esta data que Adriano Pretorius foi
eleito presidente da nova rèpùblica.
Os Böers insurgentes, os teimosos em fugir ao jugo estranho,
acabavam de constituir uma nação, de crear um
paiz, e de
estabelecer a sua liberdade; ao passo que os Böers
fiéis aos Inglezes
so em 1854, mais de um anno depois, fôram livres e
podéram
constituir-se em nação, formando o Estado Livre
do Orange.
É verdadeiramente admiravel ver estes grupos, onde
não abundavam os recursos de
instrucção, porque o
Böer so
lê e so conhece a Biblia; ver estas gentes ignorantes dos
regimens governativos, a que fugiam havia um sèculo, de
repente
constituìrem-se em
nações, formarem um systema governativo, elegerem
assembleas nacionaes, e legislarem sensatamente!
Adriano Pretorius foi um homem a todos os respeitos notavel, e que
teria feito um nome mêsmo entre povos menos rudes do que os
Böers.
Inflammado pêlo ardor da liberdade, sabia incutir o seu
enthusiasmo no ànimo dos que o rodeavam, e pertinaz n'uma
idéa
grandiosa, vio coroados de èxito os seus
esforços, dando uma
pàtria aos seus, e fixando n'um paiz riquissimo,
tôdo um pôvo disperso.
Este grande homem apenas entrevio a sua obra, porque morreu ao
concluil-a. O suffragio geral levou ao poder seu filho, do mesmo nome,
criado nos mesmos enthusiasmos de seu pai.
O nôvo Pretorius procurou dar melhor
organização aos serviços da
nação, mas o mesmo desejo de liberdade que
animava os
Böers a fugirem
ao dominio Inglez, fazia que muitos procurassem escapar ao dominio do
governo central da Rèpùblica. Contudo,
encontràvam-se sempre que era preciso ligar-se contra um
inimigo
estrangeiro, e as muitas guerras que sustentáram para
acalmar os
indìgenas, sempre
hostís, sam d'isso prova.
Em 1859, os Böers do Estado Livre do Orange
acclamáram seu presidente a Pretorius, que, director supremo
dos negocios das duas
rèpùblicas, pensou logo em levar a effeito uma
união vantajosa para os
interesses communs.
O govêrno Inglez andou de tal modo n'essa questão,
que Pretorius nada pôde alcançar, e abandonando
Bloemfontein, voltou
ao Transvaal, onde tomou de nôvo a
direcção dos negocios
pùblicos.
D'ahi até 1867, aquelles dois povos, que apenas contavam um
15 outro 13 annos de existencia autonòmica, não
fôram perturbados no seu viver rude e pacìfico, a
não ser por pequenas
questões com o gentio logo acalmadas; mas, em 1867, os
Böers dos dous estados, Transvaal e Orange,
fôram sorprendidos por uma noticia que veio perturbar por um
momento a sua vida tranquilla. Nas fronteiras oeste dos dous estados,
tinham sido descobertas as suas ricas e prodigiosas minas de diamantes,
e aquelle pedaço de terreno promettia uma riqueza
inexgotavel ao
seu
possuidor.
Naturalmente Böers do Transvaal e Böers do Orange
lançáram para elle as vistas cubiçosas.
A terra que de um momento a outro tomou tão grande
importancia, e que, como o Brazil, a California e a Australia, chamou
logo a si aventureiros de tôdas as
nações,
pertencia a uma
tribu, os Gricuas, mestiços de origem Böer, que a
esse
tempo eram governados por um tal
Waterboer, que não perdeu tempo em fazer valer os seus
direitos
ao terreno
cubiçado.
Entre os aventureiros que o fulgor dos diamantes atrahia
áquella nova Golgonda, abundavam Inglezes, que excediam
todos os outros em
nùmero.
A vontade de se apossar do terreno diamantìfero so foi
manifestada claramente pelos Böers do Orange em 1870, anno em
que
o
presidente Brand convidou Waterboer a uma conferencia, e procurou
convencel-o de que era senhor, por direitos adquiridos, do
cubiçado thesouro.
Waterboer não se deixou convencer, e retirou para o seu
paiz, teimoso em querer continuar a ser senhor d'elle.
O presidente Brand, pêla sua parte, não cedeu
tambem, e publicou uma proclamação, em que dizia
ser dos estados do
Orange a terra dos Gricuas, enviando logo ali um delegado da
rèpùblica para
se estabelecer como governador.
Os Böers do Transvaal a esse tempo procuravam de
traçar nìtidamente as fronteiras do seu paiz, e
acabavam
de referendar com Portugal o tratado da
demarcação da sua
fronteira de Este,
negociado, em Julho de 1869, entre o proprio Pretorius e o Visconde de
Duprat, commissionado, para isso, pêlo Govêrno
Portuguez. O
tratado de 1852
definia sufficientemente as suas fronteiras sul e su-este, mas as
outras fronteiras eram demarcadas, a Norte pêla
môsca
zê-zê junto ao Limpôpo, e a oeste, por
cousa nenhuma.
Entendeu pois Pretorius, que tanto direito tinha o presidente Brand
como elle á posse da terra Gricua, e mandou para ali um
delegado
official da Rèpùblica, como o Orange mandara o
seu.
Havia três annos que a primeira pedra d'esse
carvão puro e scintillante, a que a vaidade humana deu um
tão extraordinario valor,
apparecêra nos perdidos sertões da
Àfrica do sul, e ja nos
terrenos saibrosos onde as mãos àvidas de
centenares de aventureiros
escavavam os pequenos seixos, se levantava uma cidade opulenta, onde
formigava a vida e a
civilização da Europa.
Era Kimberley. Era uma maravilha edificada com diamantes, como S.
Francisco da California foi edificada com ouro. Era um d'esses
prodigios que brotam da terra, junto á mina que se explora,
que
crescem ràpidos em grandeza e em
civilização, que
t[~e]m um
commercio nôvo e forte, que arroteia terreno virgem, que
t[~e]m
um cèrebro
nôvo e inventivo, e que nascido hôje,
àmanhã
desenvolvido
pêlas fôrças novas que o avigoram,
effeitúa
agora em mêzes e semanas, o que antes
demandava sèculos e annos.
A mina é o mais poderoso principio do desenvolvimento de uma
terra virgem.
A mina é o mais poderoso incentivo da
colonização de uma terra agreste.
Scintille o diamante, fulgure a pepita do ouro, negreje o bloco de
hulha, lance a mina do seu seio cavernoso, o cobre, o ferro e o chumbo,
e ali no deserto julgado àrido, em tôrno do
chumbo, ferro, cobre, hulha, ouro e diamante, nasce a vida, cria-se a
civilização, e o progresso caminha
ràpido como os
seus modernos elementos, o vapor e a electricidade.
Hontem as enxadas rudimentares dos indìgenas esgravatavam
uma polegada de terra, e hôje as locomòbiles
poderosas,
lançando aos ares o grito da
civilização no sibilar do apito, vam movendo
arados que revolvem fundo a terra, virgem desde a sua
formação
geològica, e vem trazer á superficie em glebas
recurvadas o pedaço de solo que nunca cuidou ter
outro movimento àlém do que as leis do Creador
lhe
marcáram no espaço infinito.
Ali, onde hontem um rio caudaloso apresentava barreira insuperavel aos
passos do raro caminhante, hôje uma ponte construida de
bocados de ferro ligados em harmònica architectura pelas
leis
sublimes da
sciencia, dá facil passagem a uma
população
condensada, que
nem sequér pensa nas àguas revôltas que
lhe correm
aos pes.
O pàntano que hontem exhalava o miasma pestilento,
está hôje convertido em parque ameno, cujas
àrvores modificam a atmosphera e o
clima.
O ferro que, hontem elementarmente tirado da terra, apenas servia para
a imperfeita ponta da azagaia bàrbara, corre hôje
nas fôrmas gigantescas, e resfriando em forma de
rails,
vai estender-se
n'essas arterias enormes onde pulsa o sangue das
nações modernas.
Do trabalho e da creação material nascem novas
idéas, o cèrebro reforça-se, as
faculdades creadôras do engenho
humano desprendem-se mais e mais, e vôam longe, trazendo cada
dia novos e poderosos
elementos ao progresso e riquêza das
nações.
Foi assim que a Amèrica em um sèculo passou
àlém da Europa, é assim que a
Àfrica um dia irá àlém da
Amèrica.
Na terra Gricua, onde, em 1867, apenas cabanas abrigavam uma
população bàrbara; em 1870
elèva-se uma cidade Europea,
ainda envôlta no cahos das populações
nascentes, mas sentindo em si
tôdos os elementos de progresso ràpido. N'estas
condições,
não podia admittir sequér a
dominação de
povos tão atrazados como Böers e Gricuas.
Muito occupada de si mesmo para se poder occupar de vizinhos
importunos, apellou para a Inglaterra.
O diamante e o ouro tem o poder sobrenatural de fascinar o rei como
fascina o proletario, e se Böers e Gricuas estavam offuscados
pêlo brilho dos diamantes Africanos, a Inglaterra
não
deixou de
se commover ás scintillações dos
seixos preciosos,
e decidio logo no seu cèrebro intelligente e
cùpido, que
a terra Gricua era sua e
não podia ser d'outrem.
Á proclamação do presidente Brand
seguio-se uma proclamação do Governador do Cabo,
em que
se dizia, pouco mais ou menos, que a terra pertencia aos Gricuas, e que
os Gricuas pertenciam á
Inglaterra.
Esta proclamação precedia o proprio Governador,
que entendeu dever ir ao logar do litigio.
A recepção que lhe foi feita pêlos
mineiros, foi enthusiàstica e esplèndida.
Os Gricuas, que se sentiam fracos em presença dos
Böers, uníram-se naturalmente á
Inglaterra.
Então o Governador, forte com o apoio de mineiros e Gricuas,
entrou abertamente em negociações com os
Böers
dos dous Estados, e fàcilmente chegou a convencer Pretorius
á desistencia dos seus direitos
mais do que problemàticos. Não aconteceu porem o
mesmo com o
presidente Brand, que não so recusou a proposta de ser a
questão
decidida por uma arbitragem do Governador da Natalia, pedindo que essa
arbitragem fôsse
de um dos soberanos da Europa, e ainda mais, fazendo reunir uma
fôrça consideravel de Böers para empregar
as armas como argumento supremo. O
Governador procurou e conseguio prudentemente soster esta
manifestação guerreira do Estado Livre, que teria
sèrias consequencias n'aquelles
paizes.
Ao mesmo tempo, o govêrno Inglez annexava ao Cabo o paiz
diamantìfero, sem se importar muito com o que ali se passava.
Brand todavia não desistia dos seus direitos, como Pretorius.
Este, Böer, e tendo apenas a educação
rudimentar dos Böers, aprendida nas pàginas da
Biblia,
vivia e sustentava-se mais
pêlo nome herdado de seu pai, do que pelas suas qualidades
pessoaes. Fôra mais
facil á Inglaterra tratar com elle do que com o presidente
Brand, filho da Colonia, mas possuindo uma bella intelligencia, uma
vasta
erudição, e todas as tricas e chicanas de
advogado que
é.
Brand foi educado na Europa, é doutor pêla
Universidade de Leyde, tem carta de jurisconsulto nos tribunaes de
Inglaterra, e foi professor na escola do Cabo. Um homem n'estas
condições, e
dotado de um caracter enèrgico e forte, não se
calava em
presença das annexações da Inglaterra,
e continuou
a gritar e a provar que a terra Gricua era sua propriedade.
Em seis annos fez seiscentos protestos, até que um dia Lord
Carnarvon, o estadista Inglez, que melhor tem sabido comprehender os
interesses coloniaes da Grã-Bretanha, o convidou a ir a
Londres
tratar
directamente com elle a interminavel demanda.
Brand em Londres continuou a pugnar pelos interesses do seu paiz, e
cedeu os direitos á terra Gricua mediante uma
indemnização pecuniaria de 105 mil libras.
Foi assim que Lord Carnarvon cortou de uma vez para sempre as
complicações entre os Böers do Estado
Livre e as Colonias Inglezas do Sul d'Àfrica.
Brand aproveitando a somma recebida em favor do seu paiz, tratou de lhe
dar tôdo o desenvolvimento que uma pequena
nação pode ter, com uma pequena quantia como
aquella.
Mas deixemos os Böers do Orange, dos quaes falei apenas por se
ligar a sua curta historia com a do Transvaal, e voltemos a este paiz.
Como disse, Pretorius transigio logo com o Governador do Cabo na
questão da posse da terra Gricua, e isso foi motivo para se
desacreditar entre o seu pôvo.
A assemblea nacional (Volksraad) apresentou um voto de censura ao seu
presidente, e preciso foi depol-o, e escolher quem o substituisse.
Foi então eleito um Hollandez, Francisco Burgers, o terceiro
presidente da rèpùblica Transvaaliana.
Francisco Burgers, homem intelligente e illustrado, ministro
protestante da Igreja reformada, pensou, logo que assumio o poder,
levantar o Transvaal ao nivel das nações
adiantadas da
Europa. Tôdas as idéas do ùltimo
presidente eram
nobres e elevadas, mas não
podemos deixar de admittir que elle commetteu erros manifestos de
administração. Burgers não era homem
pràtico, e não conhecia
sufficientemente o elemento que governava, para saber como lhe dar o
feitio que elle lhe queria dar.
É sempre melindroso falar de um alto personagem que vive,
quando a crìtica tem de analysar os seus actos, e se eu
não me posso eximir a falar do D^{or.} Burgers, porque
á sua
administração se ligam factos da maior
importancia, não quero de modo algum impor a minha
opinião a respeito do governo do ùltimo
presidente do Transvaal.
Direi abertamente o que penso, e que formem os outros os juizos que
quizerem.
Durante a minha estada no Transvaal, não deixei de indagar,
por tôdos os modos ao meu alcance, os factos da
ùltima
administração Böer, e sôbre
elles edifiquei a opinião que vou expor.
O presidente Burgers, tomando conta do Govêrno, quiz caminhar
mais depressa do que devia n'um terreno tão pouco nivelado.
As
questões financeiras fôram as que primeiro
chamáram a sua
attenção, e bem preciso era isso, porque no
Transvaal não haviam finanças.
As despezas de administração eram pequenas,
é verdade, mas as receitas geraes eram pequenissimas e mui
irregularmente cobradas. Havia algum papél moeda e pouco
dinheiro Inglez.
Burgers cunhou moeda de ouro extrahido das minas de Lydenburg, e
conseguio em pouco tempo restabelecer o crèdito, muito
abalado, do seu paiz adoptivo. Para isso têve lutas ingentes
e
ignoradas, com
um pôvo pouco subordinado, e disseminado n'um territorio
enorme,
onde as communicações eram e sam ainda
hôje
difficeis, e onde ainda não foi possivel fazer um censo
aproximado. Outro assumpto importante que preoccupava o presidente, era
a questão da
fôrça pùblica. Elle percebia bem que o
systema de
defêsa empregado até
então pelos Böers, a que chamavam o
commando,
isto é uma
convocação geral para a guerra, era muito
deficiente, e não podia continuar, n'um estado que
elle queria
elevar á altura dos paizes Europêos.
A questão de regularizar um exèrcito entre os
Böers apresentava grandes difficuldades, e encontrou uma
sèria
opposição.
Um terceiro ponto de não menos importancia a tratar, e do
qual se occupou logo o presidente, foi o da
viação
pùblica.
Burgers instituio os primeiros juizes, e abrio as primeiras escolas
pùblicas no Transvaal.
Isto era muito para um pôvo na infancia, e foi feito de
repente.
N'isso e só n'isso commetteu um êrro o presidente
da rèpùblica.
Uma especie de febre de progresso se apossou do D^{or.} Burgers, que
fez uma viagem á Europa, em 1875, com o duplo fim de
arranjar
dinheiro e um pôrto de mar ao seu paiz.
Para o dinheiro foi bater á porta dos Banqueiros de
Amsterdam, para obter um pôrto foi pedil-o ao
govêrno de Lisboa.
Em Amsterdam como em Lisboa foi escutado, e ao passo que obtinha um
crèdito na Hollanda, fazia um tratado em Portugal para uma
ferrovia que ligasse Pretoria ao soberbo pôrto de
Lourenço
Marques.
Burgers voltava triumphante ao Transvaal, onde o esperavam as maiores
decepções.
Durante a sua ausencia, havia-se renovado uma antiga pendencia com um
règulo indìgena, Secúcúni,
ao qual era preciso fazer a guerra.
Burgers não hesitou, e fez convocar um
commando
ao qual
adheríram uns dois mil Böers e outros tantos
indìgenas. Elle
mêsmo se poz á frente do pequeno
exèrcito e foi atacar o règulo sublevado.
Ou fôsse que Burgers não nascêra para
general, ou fôsse por uma d'essas outras causas difficeis de
apreciar, que tantos desastres t[~e]m causado ás tropas
regulares Inglezas em Àfrica, o pequeno
exèrcito, depois de uma curta guerra em que poucas vantagens
alcançou,
têve de retirar.
A êsse tempo chegava ao Natal Sir Theophilus Shepstone, que
ia de Londres, onde Lord Carnarvon sempre na idéa de fazer
uma
confederação dos estados da Àfrica do
Sul, tinha feito reunir delegados
das diversas provincias para discutir tal projecto.
Parece que Sir Theophilus Shepstone levava
instrucções do govêrno Inglez a
respeito do
Transvaal, porque, logo que chegou a Durban, seguio para Pretoria.
Não quero de modo algum entrar, n'uma obra do caracter
d'esta, em apreciações sôbre o facto da
annexação; e por isso limitar-me-hei a narrar os
factos com a verdade que até hôje
não tem sido dita. Para bem se comprehenderem esses factos,
é preciso mostrar o que era
o Transvaal á epocha da chegada de Sir Theophilus a Pretoria.
A população Böer, difficil de avaliar,
mas que os càlculos mais aproximados faziam montar a
vinte-e-uma
mil almas, estava espalhada n'um territorio immenso, igual em
superficie á Inglaterra e
Escocia reunidas.
N'esse grande paiz três cidades apenas eram
nùcleos de uma população mais
condensada, e
algumas aldeas separadas por distancias enormes, augmentadas ainda
pêla difficuldade das
communicações, reuniam pequenos grupos de
habitantes.
As três cidades, Potchefstroom, Pretoria e Lydenburg
continham
populações, que eram tudo menos Böers.
As minas do ouro haviam attrahido a Lydenburg aventureiros de todas as
nacionalidades, predominando o elemento Inglez importado da Australia.
Pretoria era uma cidade nascente em que predominava o elemento
Hollandez, mas não Böer.[
13]
Potchefstroom era de todas aquella que era habitada por maior
nùmero de Böers, mas ainda assim, elles estavam em
minoria em
presença dos Hollandezes e Inglezes.
As aldeas, das quaes as mais importantes eram Rustenburg, Marico, e
Heidelberg, ja tinham a população Böer
misturada com Inglezes e Hollandezes. A grande
população Böer
estava disseminada em casaes, e fugia naturalmente das cidades onde
não podia fazer pastar
os seus gados.
Se era difficil fazer um recenseamento da
população branca do Transvaal, mais difficil era
ainda avaliar a população
indìgena. Tenho visto càlculos que a estimam de
duzentas a novecentas mil almas.
O paiz estava coberto de missões de três ou quatro
differentes sociedades de Inglaterra, de algumas Allemãs, e
outras
Hollandezas. Estes missionarios exerciam a sua
acção
sôbre o indìgena, porque Hollandezes tinham os
seus pastores nas parochias, e Böers que
sabem tanto de Biblia como os pàrochos, até
d'elles
prescindiam.
A sêde do govêrno estava em Pretoria, a mais
pequena das três cidades do Transvaal, mas aquella que melhor
se acha collocada.
Os homens que tinham a direcção principal dos
negocios pùblicos eram Hollandezes.
Esta era a posição da
população heterogènea do Transvaal em
principios d'Abril de 1876.
Vejamos agora ràpidamente, qual era a
posição moral, verdadeira ou apparente, dos
Böers.
Primeiro examinemos qual o juizo que fora d'Àfrica se fazia
dos Franco-Hollandezes da rèpùblica Africana. Era
elle de certo pèssimo.
O Böer era um selvagem branco, possuindo todos os maos
instinctos do selvagem, àvido de rapina, devastando e
incendiando as
aldeas do indìgena, pobre martyr da brutalidade e rapacidade
de
tão extraordinario malvado.
Foi assim que elle nos foi apresentado por alguns missionarios, os
ùnicos que na Europa nos davam noticias dos antigos
emigrantes do Cabo.
Forte contra o fraco, o Böer era cobarde e fraco em
presença do forte.
O que havia de verdade n'este juizo eu o direi ao diante.
Então estavam elles moralmente desconceituados para com
aquelles que apenas os conheciam por informações;
e tinham
perdido um pouco o prestigio entre o gentio pêlo revez
soffrido com
Secúcúni. Falavam mesmo, e entre elles
discutia-se a questão, de depor o
presidente Burgers, elegendo para seu chefe um Böer, P.
Kruger, que
estava dispôsto a tirar a desforra do indìgena
Secúcúni.
N'estas circunstancias a annexação era facil, e
Sir T. Shepstone soube aproveital-a. As cidades que não
tinham nada de
Böers, eram por elle, e n'ellas se obtivéram
facilmente
petições, que, digamos a verdade, eram dirigidas
por Inglezes.
Tambem se disse, que os prêtos queriam ser Inglezes; e
então Sir T. Shepstone, por uma
proclamação, de 12
de Abril de
1876, declarou que o Transvaal era uma provincia Ingleza. Sir
Theophilus Shepstone quando fez a proclamação
estava
escoltado por 25 homens
apenas, que estavam acampados em barracas no jardim da casa que elle
habitava.
Assim, pois, a annexação do Transvaal foi
pacìfica, e não interveio n'ella a
fôrça
armada, que elle mesmo
não tinha, porque o regimento 80 de infanteria, que, debaixo
do
commando do Major Tyler, depois entrou no Transvaal, estava a esse
tempo acampado na fronteira do Natal
àlém do Drakensberg. A
annexação foi
pacìfica,
mas os Böers so soubéram d'ella depois de annexados.
Sir Theophilus Shepstone, o homem que melhor conhece e melhor sabe
viver com o indìgena d'aquellas paragens, soube o que fez.
Os Böers, espantados de se acharem Inglezes de um dia para
outro, tivéram o seu movimento instinctivo e hereditario de
emigrarem de nôvo.
Uma parte d'elles tomáram a vanguarda n'esse movimento que
se devia effeituar em massa, e ja narrei no capìtulo
anterior como
fôram, pêla maior parte, destruidos pêla
secura do Deserto.
Aquella immensa catàstrophe sustêve os que lhe
deviam seguir os passos, e perfeitamente apertados n'um
cìrculo de môsca
zê-zê, que lhes era barreira insuperavel,
tivéram que curvar a
cabêça de nôvo ao jugo da Inglaterra.
¿Acabará aqui a historia do Transvaal como paiz
autonòmico?
¿Quem o sabe?
É preciso ter vivido entre os Böers para se avaliar
quão forte é n'elles o desejo da liberdade,
quão profundo o odio que votam aos
que chamam seus oppressôres.
Deixemos por aqui este ràpido golpe-de-vista
lançado sôbre a curta historia do Transvaal, mas
antes de
reatar o fio da minha narrativa de viagem, quero ainda dizer duas
palavras sôbre os
Böers.
Vivi entre elles, perscrutei a sua vida ìntima, desci a
exacerbar-lhes as paixões. Vi-os ao trabalho, cavalguei
junto d'elles por
brenhas e florestas, e apreciei a sua destreza como
caçadores, a sua
coragem em face do perigo.
Não me preoccupa a paixão; se recebi d'elles as
mais affectuosas provas de amizade, ja por mais de uma vez n'este livro
tenho patenteado a minha gratidão a favôres
maiores
recebidos de Inglezes.
Falo, pois, com a consciencia de que as minhas palavras sam a mais
rigorosa expressão da verdade, sem que no meu
espìrito haja ao dictal-as a menor influencia apaixonada.
Digo isto, porque mais uma vez tenho de falar dos missionarios, falando
dos Böers, e não desejo que nem de leve se pense,
que actua no meu ànimo um acinte formado contra
tão uteis
instituições, que eu sou o primeiro a proteger e
a
approvar; mas cujas chagas ulcerosas precisam do corte fundo do
escalpêllo da crìtica, do cauterio
ardente da censura verdadeira, para cicatrizarem de uma vez para sempre.
O Transvaal não é uma nação
que se possa avaliar pêlas nações da
Europa.
Ali ha uma só classe social--o Pôvo.
Não ha distincções e tôdos
sam iguaes em absoluto. Sem escolas, tôdos sam ignorantes;
trabalhadôres, tôdos sam abastados; religiosos, e
bebendo na Biblia,
ùnico livro que conhecem, as leis da moral, tôdos
sam honestos.
O principio que estabeleceu, na idade media, as
distincções na Europa, a coragem pessoal,
difficil é ter cabida entre os
Böers, porque tôdos sam valorosos. Como entre
tôdos os povos que vivem uma vida
elementar, só toma ascendente sôbre os outros,
aquelle que tem o dom da
palavra.
A vida do Böer é regulada pêlos preceitos
Bìblicos, e é verdadeiramente patriarchal. Entre
os Böers não ha a mentira, o
adulterio é desconhecido.
O Böer casa cêdo, e ou fica vivendo na casa de seus
paes, ou dos paes de sua mulhér, ou unido a outro vai perto
arrotear novos
terrenos, e começar uma vida nova. A ùnica
distincção entre os Böers é a
da idade, e o mais nôvo escuta sempre o mais velho. A
mulhér
trabalha e ajuda o casal n'um labutar incessante. O Böer tem
necessidades muito
limitadas, e pode satisfazel-as.
Os emigrantes Francezes da revogação do Edito de
Nantes eram, muitos d'elles, artìfices, e
transmitíram até
á gèração actual a arte de
trabalhar a madeira e o ferro. Nas casas do Transvaal é
facil ver a um canto um tôrno, e um Böer torneando
os
pés das suas mobilias singelas.
Fora, n'um alpendre, em atanaría rudimentar, curtem-se os
coiros de que elles mesmos fazem o seu calçado.
As outras necessidades da vida sam facilmente satisfeitas por gentes
que não t[~e]m outra ambição
àlém da liberdade, e que ha um sèculo
a buscam quasi em vão.
¿Como, pois, sendo os Böers taes como eu os
descrevo, se diz d'elles tanto mal?
A explicação do facto está em pouco
para quem viveu no Transvaal, entre elles, e isento da
paixão de raça que pode
perturbar o espìrito mais justo e sisudo. Quem tem
desacreditado os Böers sam os
missionarios. Digo-o e sustento-o. Depois que os Böers,
occupando o
Transvaal, e pacificando pêla fôrça as
aguerridas
tribus que lhes disputáram a posse, déram uma
certa segurança ao paiz, dezenas de
missionarios corréram a estabelecer-se ali.
D'estes uns eram bons, muitos maos. Preciso dizer aqui o que
é o bom e o que o mao missionario.
Bons sam aquelles que, intelligentes e illustrados, possuindo as
qualidades que se requerem nos ministros de Deos, caminham para o seu
fim desassombradamente; edificando com paciencia, com paciencia
soffrendo o revés de hôje na esperança
do triumpho de àmanhã; ensinando a moral com o
exemplo e
com a palavra; indo de vagar sem a
agitação da paixão que cega, possuidos
da
responsabilidade da sua
missão augusta.
Bons sam aquelles que á intelligencia e
illustração reunem aquellas
flôres
d'alma de que falei.
Estes existem, mas infelizmente sam em pequeno nùmero.
Maos sam os missionarios que, pouco intelligentes e quasi ignaros,
pensando que a sciencia da vida consiste em saber mal e interpretar
peior algumas passagens dos Livros Santos, empregam tôdos os
meios, mais ou menos dignos, para alcançar um fim ficticio;
e
corroïdos do veneno da vaidade, ou movidos pêlo
interesse
pessoal, querem apresentar
ás sociedades que os enviam, resultados extraordinarios,
alcançados por meios que não se avaliam na
Europa, e que
sam a causa
principal da prolongação da luta travada em
Àfrica
entre a civilização e a barbària.
Para estes, o fim principal é insinuar-se no
ànimo do indìgena, e na falta de qualidades que
lhe
ensinem o caminho a seguir, usam um meio facil para obter o seu fim,
meio que lhes dá sempre bom
resultado.
É elle o de prègar a revolta.
Para os ouvidos do indìgena é sempre
mùsica harmoniosa a frase que o ensina a revoltar-se contra
o branco.
Os missionarios que t[~e]m pouco saber e pouca intelligencia
começam por gritar-lhe, a cada hora, a cada momento, no
pùlpito sagrado,
que so deve ouvir a linguagem da verdade; que elles sam iguaes ao
branco, sam iguaes ao homem civilizado; quando so lhes deveriam dizer o
contrario, quando so lhes deveriam dizer:--"Entre ti e o
Europêo
ha uma
differença enorme, e eu venho ensinar-te a vencel-a."
"Regenèra-te, deixa os teus hàbitos de
indolencia, e trabalha; deixa o crime, e pratica a virtude que eu te
ensinar; aprende e deixa a ignorancia; e então, e so
então,
poderás alcançar um logar junto ao branco;
poderás
ser seu igual."
Esta é a verdade que lhe ensinam os missionarios bons, esta
é a verdade que lhe não sabem dizer os maos.
Dizer ao selvagem ignaro, que elle é igual ao homem
civilizado, é mentir, é commetter um crime,
é faltar a
tôdos os devêres que lhe impoz aquelle que o mandou
á Àfrica, é
atraiçoar a sua missão sagrada.
Dizer ao selvagem ignaro, que elle é igual ao homem
civilizado, é abrir a jaula á fera diante do
pôvo descuidôso
que tranquillo está confiado em que a chave está
em mão segura.
Não! o indìgena, tal como o missionario o
encontra n'Àfrica, não é igual ao
homem civilizado, está muito longe d'isso.
N'elle estam adormecidos os instinctos bons, para so se revelarem os
maos.
N'elle ha a indolencia e o horror ao trabalho; n'elle ha a ignorancia
absoluta: e bastam estas qualidades más,
àlém de outras, para cavarem um abismo entre elle
e o branco.
O systema seguido pêlos missionarios maos é o
estabelecimento da desordem; é a maior barreira levantada ao
progresso da
Àfrica Austral.
Os Böers, tendo conquistado um paiz de ha pouco, em breve
percebêram que, se alguns missionarios eram auxilio poderoso
á sua
dominação, outros lhe criavam conflictos e
obstàculos.
Começáram, pois, a fazer guerra a estes, que
procuráram logo desconceitual-os aos olhos da Europa.
D'ahi nasce o exàgero da ma fama dos Böers. Esta
é uma verdade que eu tenho a coragem de dizer n'um livro
d'estes, e que ninguem ainda disse antes de mim.
Vivi entre os Böers, ouvi a muitos exaltar as qualidades de
tal ou tal missionario, e deprimir os actos de outros e outros. Vivi em
Pretoria, e ali, n'um meio muito superior, ouvi a mesma cousa, de
Hollandezes e Inglezes. Vivi com missionarios, e encontrei n'elles
mesmos as verdades que affirmo.
Não t[~e]m d'isso culpa as bem-intencionadas sociedades que
os subsidiam; não t[~e]m d'isso culpa as autoridades que os
apoiam, e que sam d'elles muitas vêzes as primeiras
vìctimas.
O missionario deve ser um dos primeiros elementos da futura
civilização, e d'elles devemos esperar muito;
mas, taes como muitos sam, so dam resultados contraproducentes.
O mao missionario prègou a revolta, e o Böer foi
atacado. Houve guerra cruenta, e para a Europa fôram
relatados os factos horrosos
praticados pêlos Böers, contra os bons, innocentes,
e
pacìficos indìgenas!!
¡Não nos ceguemos, nos nossos bem intencionados
sentimentos, a ponto de admitirmos absurdos, de sonharmos chimeras!
¡Eu ja li em alguma parte, que o Böer era muito
inferior ao nêgro!!
¡Outra asserção que ja ouvi affirmar
tambem, foi, que o Böer era refractario ao progresso!
¡Outro absurdo, outra aleivosia, sahida da mesma fonte!
Não é o missionario o homem que hade levar o
adiantamento ao Böer, e a razão d'isso é
o meu principal argumento contra a
obra de muitas missões, contra o caminho errado que seguem
em
Àfrica.
Ja tive occasião de falar em missionarios bem intencionados,
mas que erravam na sua missão querendo ensinar as
abstracções da theologia aos prêtos.
Esta verdade revela-se no nada que elles obt[~e]m
junto aos Böers.
O Böer sabe tanta theologia como o missionario, se
não sabe mais do que muitos, bebida na Biblia,
ùnico livro que elle lê
e estuda.
O missionario que julga o seu trabalho ser ensinar a Biblia, nada tem
que ensinar ao Böer, e deixa-o no estado em que o encontrou.
¡Depois grita, que o Böer é refractario
ao progresso!
Sim! elle não adiantou um passo, porque o não
soubéram fazer avançar. A culpa não
está no discìpulo,
está no mestre.
Outra aleivosia levantada contra os fazendeiros do Transvaal,
é o ferrête de cobardes que lhes querem imprimir
na fronte altiva.
Eu tive occasião de avaliar a coragem dos Böers;
mas, se a não tivesse, bastava-me a historia das guerras
vencidas por elles contra Zulos, Cafres e Basutos, para os
soppôr
bravos.
Deos queira que elles não mostrem ainda o seu valor, de modo
a fazer calar os aleivosos.
Hôje que escrêvo estas linhas, chegam á
Europa rumôres de uma tentativa de
sublevação Böer; será ella
uma calamidade á Àfrica Austral, que
tôda a Europa deve lastimar; será esmagada, como
ninguem o pode
duvidar; mas virá trazer um desmentido formal
áquelles que
chamam cobardes aos Böers.
Figura
137.--O que restava da expedição.
CAPÌTULO
VII.
NO
TRANSVAAL (continuação).
M^{r.}
Swart--Difficuldades--D^{or.} Risseck--Eu
gastrònomo!--Sir Bartle
Frere e o Consul
Portuguez M^{r.} Carvalho--O Secretario Colonial M^{r.}
Osborn--Jantares e saraus--O missionario Rev. Gruneberger--M^{r.} Fred.
Jeppe--O jantar do 80 de infanteria--Major
Tyler e
Capitão
Saunders--Insubordinação--M^{r.} Selous--Monseigneur
Jolivet--O
que era Pretoria--Uma photographia de pretas--Episodio
burlêsco da guerra tràgica dos Zulos.
Era em Pretoria, ja cidade Ingleza e capital da provincia
Transvaaliana, que eu entrava na manhã de 12 de Fevereiro de
1879.
Encontrei logo o thesoureiro do Govêrno, M^{r.} Swart, que me
fez os mais cordiaes offerecimentos, mas que me disse, não
me
convidar para seu hòspede, porque não tinha na
pequena casa que
habitava um quarto a offerecer-me.
Fomos aos hoteis. Nem um quarto, nem uma cama!
Voluntarios, que de tôdas as partes corriam a alistar-se nos
corpos que se organizavam ali, attrahidos por uma paga de cinco xelins
por dia, enchiam tudo, e criavam-me um embaraço enorme. Eu,
que
até ali tinha tido cama, desde Benguella, comecei, na
primeira
cidade civilizada que encontrava, a não ter onde me deitar!
Emfim, depois de muitas buscas e de me terem provado que as
conveniencias sociaes (eu ja me tinha esquècido das
conveniencias sociaes) me não permittiam dormir na
praça
pùblica, onde eu ficaria optimamente nas minhas pelles de
leopardo, pude obter um canto, no
Café Europêo, onde me metti, com a promessa de um
quarto em poucos
dias. Estava arrumado, mas começáram novas
difficuldades para acommodar a minha gente.
Mandei chamar o Böer Low, que precisava de tratar a
mão esmagada pêlo vagom, mas preveni Verissimo,
que se
deixasse ficar acampado fora da cidade até nova ordem.
O portador voltou com Low e Verissimo, que me veio dizer, que a minha
gente tinha fome, e era preciso dinheiro para lhe dar de comer.
Fiquei espantado ao ouvir aquillo. Eu ja me havia esquècido
de que o dinheiro era absolutamente necessario em paiz civilizado, e
não tinha nenhum.
Contudo comprehendi que era preciso havel-o, e fui pedil-o ao meu
hospedeiro M^{r.} Turner, que logo m'o prontificou. Mandei Low a um
mèdico, e eu dirigi-me a casa de M^{r.} Swart, que me
convidara a jantar.
M^{r.} Swart tinha feito convites e programma. Eu que sube isso, fiz
tambem grande
toilet.
Os meus
calções, que da
fazenda primitiva ja pouco tinham, e onde os remendos deitados por mim
(que nunca tive grande geito para alfaiate) se sobrepunham,
fôram
cuidadosamente
escovados do pó e da lama de vinte differentes paizes. Achei
um
par de
meias, que tinham sido repassadas com grande pericia por Madame
Coillard, e que faziam vista. As minhas botas ferradas, essa obra prima
de Tissier de Paris, fôram pêla primeira vez
engraixadas, e
não tinham má apparencia. O casaco
dàva-me mais
cuidados, porque tinha uns
bolços de couro, que haviam sido outrora prêtos,
mas que
então haviam
tomado uma côr exquisita. Lembrei-me do tinteiro de M^{r.}
Turner, e com uma penna de gallinha procedi á pintura
d'elles,
que tomáram
um prêto baço, talvez ainda peior do que a
côr que
tinham.
Depois de bem penteada a longa barba e os mais longos cabellos, fui
para casa do Thesoureiro do Transvaal.
Ao passar os umbraes da porta do salão, fiquei deslumbrado.
As damas em toilet, os homens de casaca, os leques, as vistosas e
brilhantes côres das sêdas, os tapêtes,
os espêlhos, tudo aquillo que eu ja tinha
esquècido em tantos mêzes de vida rude e
selvagem, produzíram-me uma impressão que
não
pode ser avaliada.
Figura
138.--Eu em Pretoria.
(De uma photographia de Mr. Gross.)
Deve sentir cousa semelhante o cego, a quem o bisturi ligeiro do
mèdico levantou a cataracta que o tinha sepultado nas
trevas, e
que depois de muitos mêzes de escuridão
vê a luz.
Eu estava perturbado, e sôbre tudo as mãos
incommodàvam-me muito.
Não sabia que fazer d'ellas, e buscava de balde em que as
occupar.
Faltàva-me o pêso da carabina, que eu procurava
instinctivamente, em vão.
Fomos para a mêsa. Eu conduzi pêlo braço
a dona da casa, e ao chegar os meus andrajos ás
sêdas que a cobriam, comecei a
perceber que estava muito mal vestido.
Á mêsa experimentei novas sorprêsas. Os
cristaes, as porcelanas, os vinhos rutilando nas jarras lapidadas,
confundiam-me, e sôbre
tudo o
menu
exquisito, escrito em elegantes
cartões,
intrigàva-me.
Commetti de certo desatinos, mas não posso bem avaliar
tôda a extensão dos meus disparates,
tão inconsciente estava.
Terminado o jantar, voltámos á sala, onde
continuava a minha confusão, até que uma dama se
sentou ao piano.
Os seus dêdos corrêram ligeiros sôbre as
teclas, fazendo vibrar n'as cordas em harmoniôso
concêrto, um dos Nocturnos de
Chopin.
A impressão que me causou aquella mùsica, aquelle
piano, cujos sons me penetravam na alma como uma
sensação nova,
acabáram de perturbar o meu espìrito, fraco para
poder resistir a tantos abalos. Foi
quasi em dilirio que voltei ao Café Europêo, onde
n'um
canto de uma sala me haviam improvisado um leito, leito que tinha
colchões,
travesseiros e lençoes.
Ia para me deitar como de costume, quando percebi que me deveria despir
para isso.
Passei uma noute de insomnia, produzida pêlas
impressões do dia e pêlos lençoes da
cama.
Ao amanhecer eu estava a pé e vestido, porque na sala, em
que podia ter dormido, começou um labutar de criadagem.
Comecei a pensar
no modo de accommodar a minha gente, o que não me parecia
facil, e vi
que sôbre tudo precisava de obter dinheiro.
Estava fazendo os meus planos, quando me chamáram para o
almôço.
Fui para a mêsa. Um criado Indio, um d'esses
culisque
ja
chegáram até Pretoria, collocou diante de mim um
prato de
espigas de milho, cuidadosamente assadas, e um pires de manteiga. Ao
encarar com o milho assado, lancei ao pobre criado um olhar
tão
feroz, que elle
recuou espavorido.
¡Milho a mim! ¡a mim que so matava a fome com milho
havia um anno! ¡Ah! que vontade que tive de empalar aquelle
Indio, o cozinheiro e o dono da casa!
Fiz um gesto tão expressivo e enèrgico, que as
espigas desapparecêram da mêsa, levadas
pêlo veloz criado.
Pouco depois, chegava-se solìcito a mim M^{r.} Turner, a
perguntar-me o que eu queria para almoçar.
¿O que eu queria para almoçar? Mas eu queria
tudo, queria perdizes com trufas, queria
foie
gras,
queria gelados, queria
vinhos das melhores colheitas de Burgonha, queria, queria... nem eu sei
o que queria.
O dono do Café Europêo julgou que lhe havia cahido
em casa um d'esses gastrònomos famosos, que pensam sempre em
elevar uma
estàtua ao cèlebre Brillat-Savarin, e que se
ainda a não erigíram
foi por não acharem materia prima apropriada ao monumento,
que fôsse,
á semelhança da columna Vendome construida com os
bronzes dos canhões
conquistados, uma recordação permanente do homem
que ensinou
á humanidade que no mundo não se come so para
viver. Effectivamente, pêla primeira vez na
minha vida, eu era gastrònomo.
Pêla primeira vez na minha vida, comecei a pensar que o
paladar era um sentido como os outros, e que se Mozart, Rossini,
Meyerbeer, Verdi e Gounod, o chilrear das aves e sussurrar do arroio,
fôram
creados para nos deliciar o ouvido; se Raphael, Rubens, Van-Dyck,
Velasquez e Murillo, as paisagens e as bellezas, nascêram
para
nos
recrear a vista; se Atkinson, Rimmel, Lubin, Piesse, e as
flôres
existem para
nos deleitar o olfato; tambem Brillat-Savarin, Vatel, as trufas e os
cogumelos não viéram ao mundo sem uma
missão especial.
Comecei a comprehender isto, tendo chegado a Pretoria depois de um anno
de milho, massango, e carne assada sem sal. Creio que tôdos
os paizes do orbe comprehenderám que eu devêsse
ser
gastrònomo ao chegar a Pretoria, excepto a Inglaterra,
porque
essa, infelizmente para ella, nunca comprehendeu nem
comprehenderá Brillat-Savarin.
Felizmente para mim, eu estava n'uma terra Ingleza, mas Ingleza de
frêsco, onde o
roast
beef e o
plum
pudding não
haviam tomado um ascendente notavel sôbre a cozinha dos
paizes meridionaes.
M^{r.} Turner não me deu um almôço como
m'o daria o Matta, o Central, o Silva ou o Augusto em Lisboa, o Ledoyen
ou o Café Riche em
Paris; mas deu-me cousa muito soffrivel. Não quero dizer
bôa,
porque começava a ser muito difficil em gastronomia.
Depois do almôço, em uma larga conversa que tive
com M^{r.} Turner, fiquei desenganado de que não tinha onde
accommodar a minha
gente na cidade.
Isto preoccupàva-me, porque não podia reter por
muito tempo o vagom que elles habitavam.
Eu estava sendo uma especie de urso que tôdos queriam ver, e
a
curiosidade dos importunos começava a desgostar-me.
Sôbre tudo uma cousa que aborrecia era ver os espantos que se
faziam da minha pequena estatura e da minha apparencia debil.
Este facto repetio-se na Europa, e em Lisboa, Paris e Londres, ouvi por
vêzes expressar aos que me viam a desillusão que
experimentavam, por me julgarem um brutamontes, um Golias de talhe
hippopotàmico.
Mas se, nas circunstancias em que eu estava em Pretoria, muitos eram
importunos e me torturavam, muitos outros procuravam por
tôdos os modos servir-me e obsequiar-me.
No nùmero dos ùltimos, contei n'esse dia quatro,
que fôram o Major Tyler,[
14]
Capitão Saunders do 80, M^{r.} Fred. Jeppe e
D^{or.} Risseck; e recebi dois convites, um para jantar, de M^{r.}
Osborn, Secretario Colonial e Governador interino do Transvaal, e outro
do D^{or.} Risseck para a um sarau; mas nada d'isto me adiantava
sôbre a maneira
de arrumar os meus prêtos.
Pegando na minha carteira para procurar um resto de bilhêtes
de visita, encontrei n'ella uma carta de M^{r.} Coillard dirigida ao
missionario Hollandez M^{r.} Gruneberger. Aproveitei o ensejo que me
offerecia aquella carta para fugir aos massadores, e fui entregal-a.
Mandei aparelhar Fly e parti.
A casa de M^{r.} Gruneberger é em Pretoria, mas um pouco
afastada do centro da cidade. Chegado que fui, encontrei o missionario,
homem muito nôvo, que me recebeu muito bem. Apresentei-lhe a
carta de
M^{r.} Coillard, e logo que elle a leu, offereceu-me o seu
prèstimo.
Falei-lhe no embaraço em que estava para accommodar a minha
gente, e elle prontificou-se a resolvel-o, offerecendo-me o quintal da
sua casa, e a sala da escola, para elles dormirem á noute.
Aceitei pressuroso, e voltei ao Café Europêo, para
mandar ordem ao Verissimo de ir com o vagom a casa do missionario.
Aceitando o offerecimento do Rev. M^{r.} Gruneberger, fiz-lhe instantes
recommendações sôbre o modo de tratar
os meus prêtos, pedindo-lhe sôbre tudo, que os
não
trata-se de igual para igual; porque lhe
fiz ver que elles eram um pouco selvagens, e isso poderia trazer
consequencias graves. Elle rio-se muito das minhas
recommendações, e disse-me modestamente, que o
seu
mistér era tratar com tal gente, e
por isso sabia do seu officio.
N'essa noute ja os prêtos dormíram na sala da
escola, e o vagom descarregado ficou livre para voltar ao Marico logo
que a ferida de Low lhe permittisse pôr-se a caminho.
Fui ao jantar do Secretario Colonial e ao sarau do D^{or.} Risseck, e
se da casa de M^{r.} Osborn sahi penhoradissimo das suas
attenções, e muito contente, por ter resolvido um
dos maiores embaraços da
occasião, a questão financeira, porque o
governador interino do
Transvaal, em nome do govêrno Inglez, poz á minha
disposição o dinheiro de que eu
carecêsse, em casa do distincto mèdico Hollandez
não me esperavam momentos menos apreciaveis, porque passei
ali uma das melhores noutes que tenho passado em sociedade.
É verdade que o D^{or.}, recebendo em sua casa, apresenta
aos convivas uma maravilha, que os thesouros dos nababos e o poder dos
autòcratas não podem apresentar. É
Mademoiselle Risseck, é sua
filha, deliciosa criança, que acabava de deixar os trajes da
infancia, e na
qual o espìrito e educação esmerada
disputam
primazias a uma belleza sem igual.
O D^{or.} Hollandez redobrou de instancias comigo para que
fôsse ser seu hòspede, e eu de certo teria
aceitado hospitalidade
tão franca e cordialmente offerecida, se não
tivera uma promessa de
M^{r.} Turner, de ter um quarto para mim no dia immediato.
N'esse dia, 14 de Fevereiro, e terceiro de estada em Pretoria, acabavam
de se resolver as minhas difficuldades.
O telègrapho tinha levado longe a noticia da minha chegada
áquella cidade, e o telegrapho tinha trazido ordens, de Sir
Bartle Frere, de Sir Theophilus Shepstone e do Consul Portuguez no
Cabo, M^{r.} Carvalho, a meu respeito. Tinha a maior assistencia do
govêrno Inglez; e o Portuguez, representado pêlo
Consul do
Cabo, ia
àlém do estrangeiro.
A minha gente disse-me estar optimamente em casa do Rev. Gruneberger, e
M^{r.} Turner dàva-me um quarto.
Verdadeiramente não era um quarto, era uma casa
tôda e independente, pròximo do Café
Europêo.
Comecei a respirar e a achar-me á vontade, mas tinha ainda
um ponto nêgro, um pesadêlo que me perseguia
sempre, e era
não saber o que fazer das mãos.
Andava sempre a procurar a carabina, e tal era a
fôrça do hàbito, que mais de uma vez
cheguei a sahir á rua com ella, com grande
espanto dos transeuntes.
N'esse dia remunerei Low e o endiabrado Christophe, que
resolvêram partir no dia immediato, apesar de a
mão de Low
não apresentar sensiveis melhoras.
Mandei por Low uns pequenos presentes a sua avó, a velha
megera do acampamento Böer, e a suas irmãs, as duas
bonitas
raparigas que cosinhavam cebôlas.
Retribui e despedi tambem o Betjuana Farelan, que tão bons
serviços me prestou de Soul's Port a Pretoria, e por elle
escrevi a M^{r.} Gonin, o bom missionario Francez do Piland's Berg.
Fui em seguida ao
Cape
Colonial Bank, onde
depositei a somma do meu dèbito a M^{r.} Taylor de Shoshong,
que, continuando as suas
delicadezas para comigo, ainda a esse tempo não tinha feito
apresentar a
lêtra para o aceite.
Em seguida a estes passos, fui para minha casa, d'onde escrevi ao
Governador de Moçambique, participando-lhe a minha chegada a
Pretoria, e pedindo-lhe para mandar expedir de Aden um telegramma que
lhe enviei, dirigido ao Govêrno de Portugal.
Continuavam os favôres que não cessavam de
dispensar-me as principaes pessoas de Pretoria, e eu quasi
não tinha
occasião para comer no Café Europêo,
tantos convites recebia.
A 15 de Fevereiro, tive uma larga conversação com
M^{r.} Fred. Jeppe, o sabio geògrapho Transvaaliano, e
pêlas
informações que elle me deu, combinadas com o que
me
havia dito o Governador interino e M^{r.} Swart, vi que a guerra dos
Zulos era um embaraço á
continuação da minha viagem. Èra-me
quasi
impossivel ir a Lourenço Marques,
como eu queria, e mesmo o caminho da costa Ingleza estava difficil,
porque depois da derrota de Isandhlwana, os Zulos estavam apenas
contidos por o bravo Coronel E. Wood,[
15]
entrincheirado em Utrecht, e tôdas as
communicações se faziam pêlo Estado
Livre do Orange, por Harrismith, triplicando o
caminho e as difficuldades.
Logo que estudei a questão, decidi mandar a minha gente para
Natal pêlo caminho de Harrismith com as bagagens, incorporada
na
primeira caravana que largasse Pretoria, e eu sòzinho e
escoteiro ir em linha
recta pêlo theatro da guerra. Dispuz pois as coisas n'esse
sentido, e fiquei esperando o ensejo desejado.
O dia 16 foi tôdo consagrado a M^{r.} Fred. Jeppe e em sua
casa fiz as observações para determinar as
coordenadas de
Pretoria. M^{r.} Turner tinha a meu pedido fabricado um grande bloco de
gêlo, com o
qual pude verificar os
zeros
dos meus
thermòmetros e
hypsòmetros.
D'essas observações, so existem as
hypsomètricas, porque as astronòmicas
perdêram-se
não sei como. Sei que as
não encontrei registradas em Maritzburg quando as quiz
calcular,
e lembra-me que calculei a latitude mesmo em casa de M^{r.} Fred.
Jeppe, e que encontrei para ella o mesmo nùmero que vem no
almanach do mesmo S^nr., creio que do anno
de 1878, determinada por um official da marinha Ingleza.
Fui n'esse dia procurado por um homem que se devia unir
áquelles que na cidade Transvaaliana se execedêram
nos favôres que
me dispensáram.
Foi elle Mr. Kish, membro da Sociedade Real de Geographia de Londres.
Madame Kish, Madame Imink e a Baroneza Van-Levetzow enchiam-me de
favores, e nunca lhes poderei agradecer tudo o que por mim
fizéram.
No dia 19 recebi um convite para jantar, dos officiaes do regimento 80.
Não posso deixar de narrar um episòdio d'este
jantar, que me commoveu em extremo. Eu continuava a usar os mesmos
trajes, e apenas tinha feito uma absoluta reforma de roupa branca. Eu
não possuia dinheiro
meu, e aquelle que saquei sôbre o govêrno era
destinado
ás despêsas necessarias da
expedição, e
não ás minhas
necessidades particulares; por isso não comprava roupa por
não ter com que a comprar, e
só o fiz em Durban quando encontrei quem me emprestasse
dinheiro
a mim como particular. Por esta razão os meus andrajos
continuavam a cobrir-me, e
n'aquelle jantar destoavam completamente dos brilhantes e esplendidos
uniformes que vestiam os officiaes do 80 e os convidados. O jantar
correu alegre como entre officiaes que estam em campanha devia ser.
Eu estava de excellente humor, e ria de uma ou outra anecdota picante,
quando umas duzias de estalos vieram mostrar que os criados faziam
saltar as rôlhas do espumante champagne.
Enchêram-se os copos, esses pires de cristal sustentados por
um
problemàtico pe
perfurado, d'onde sobe sem cessar uma fervura gelada, tão
grata
á
vista como é grato ao paladar o lìquido dourado
em que
ella se forma.
O Major Tyler, que presidia á mêsa, levantou-se, e
tomando o copo, pronunciou essa palavra, que, nos mais ruidosos
jantares Inglezes,
impõe o mais profundo silencio. Major Tyler disse, com a sua
voz forte e sonora:
"Gentlemen!"
"Gentlemen, a Sua Magestade El-Rei de Portugal."
Nós tôdos de pe ìamos corresponder
á saúde, quando a mùsica do regimento
rompeu o
hymno d'El-Rei D. Luiz, que foi escutado de pe no meio do maior
silencio.
Não é possivel pintar as
sensações que experimentei ao ouvir aquella
mùsica, aquelle hymno patriòtico tocado em terra
estranha, aquella homenagem prestada ao meu paiz na pessôa do
seu soberano.
Se devi muitos favôres e muita amizade ao Major Tyler,
agradêço-lhe acima de tudo a sorprêsa
que me deu n'aquelle momento.
A affinidade de vida levàva-me tôdos os dias ao
acampamento das tropas Inglezas, onde eu, se não jantava,
almoçava,
prendendo-me verdadeira amizade a muitos dos officiaes, um dos quaes se
tornou meu inseparavel.
Era elle o bravo Capitão Allan Saunders. Da mesma idade e
encontrando um no outro idènticas
inclinações e
gôstos, o tempo que eu não passava com Saunders
passava-o elle comigo. Tôdas as tardes ás
4 horas nos encontràvamos em casa da Baroneza Van-Levetzow,
onde
apparecia tambem ás
vezes o Major Tyler, e onde se reunia uma distincta sociedade de
elegantes e formosas damas.
A Baroneza dàva-nos um òptimo e exquisito
café, que era servido por sua filha, uma
encantadôra criança loura e azougada.
Sabendo-se da minha ligação com Saunders, ja eu
não recebia convite sem que elle fôsse convidado
tambem, e assim passámos
muitas horas deliciosas em casa de Madame Kish e de Madame Imink e
outras.
Aquillo era um ceo aberto, e em quanto eu não tinha mais que
fazer do que esperar os acontecimentos, so pensava em passar o tempo o
mais agradavelmente que podia.
¡Se eu tinha trabalhado e soffrido tanto!!
Fui avisado de que um comboio de vagons deveria partir para a cidade de
Durban no dia 22, e tratei de contratar com os conductôres o
transporte da minha gente e bagagens. Este comboio devia gastar de 35 a
40 dias no caminho, e por isso deixàva-me largas para me
demorar
ainda
em Pretoria algumas semanas, porque eu calculava gastar apenas seis
dias para alcançar o mar.
No dia 21, estava eu preparando umas caixas em que deviam ir uns
pàssaros, que eu trouxera e que tinham sido cuidadosamente
arranjados por M^{r.} Turner, em que deviam ser acondicionadas as
pelles, despojos das minhas caçadas, e uns insectos que pude
aproveitar,
porque dos muitos que apanhei ao sul do Zambeze, so chegáram
a
Pretoria
pernas, cabêças e corpos separados, sendo
impossivel ao
mais versado entomològico dizer a que cabeças
pertenciam
aquelles corpos, a que corpos pertenciam aquellas pernas. Estava eu
arranjando aquillo, estupefacto com o prêço que me
custava
cada
bocadinho de tàbua, que é o gènero
mais caro que
encontrei em Pretoria, onde tudo
é caro; quando me viéram chamar a tôda
a pressa,
dizendo-me, que
tudo em casa do Rev. Gruneberger andava n'uma poeira, com a minha
gente, que ja havia mortos e feridos e não sei que
horrôres mais.
Corri a casa do Missionario.
Houvera e havia um caso grave de insubordinação
contra o dono da casa, que eu reprimi n'um momento, mas
desgraças creio que apenas
os queixos de um criado partidos com um bofetão de Augusto.
Eu tinha sempre tido um presentimento que alguma cousa aconteceria se
se desse a confiança que se deu a prêtos
d'aquelles.
M^{r.} Gruneberger mostrou-me que era inconveniente continuarem em sua
casa, e muita razão tinha elle n'isso, depois dos disturbios
que elles ali fizéram. Como deveriam partir no dia
immediato,
pouco
cuidado me deu este incidente; mas desgostou-me em extremo,
pêlo
que elles
fizéram n'uma casa em que tinham sido tão bem
acolhidos.
No dia immediato, sube que os vagons so partiam no dia 26, e por isso
accommodei os prêtos o melhor que pude na casa que habitava.
M^{r.} Swart, o Thesoureiro do Transvaal, continuava a obsequiar-me e
eu ia repetidas vêzes a sua casa, onde sentia um prazer
immenso
em brincar com as suas filhas, duas formosas crianças.
Eu nunca gostei muito de pequenos. Sempre os achei importunos e pouco
interessantes; mas depois da minha viagem, comecei a sentir uma
verdadeira paixão por crianças louras e bonitas,
e em Pretoria eu passava horas com as filhas de M^{r.} Swart, ou com as
de M^{r.} Kish.
Talvez a lembrança de uma filha de quem eu estava separado
produzisse em mim aquelle gôsto de brincar com as innocentes
creaturas.
Talvez a vida rude e severa que eu tive n'uma tão fadigosa
jornada,
precisasse de uma antìthese, que eu encontrava nas caricias
da pequenada.
Ia assim passando a vida em Pretoria, quando um dia fui procurado por
um homem que trazia uma carta para mim.
Recebi o desconhecido, que tinha ares de sertanejo Inglez.
Era um rapaz ainda nôvo, de mediana estatura,
sympàthico e de physionomia enèrgica, vestido de
uma camisa grosseira, e
umas calças prêsas com um forte cinto de couro.
Dirigio-me a palavra em Francez, d'aquelle que se fala no Boulevard dos
Italianos, e apresentou-me a carta. Conheci pêla letra do
sobrescripto que era de M^{r.} Coillard.
Abri-a pressuroso, e vi que era carta de
apresentação do portador.
Não era preciso a recommendação de
M^{r.} Coillard para eu cortejar com respeito e estender a
mão com sympathia áquelle
homem. O seu nome, bem conhecido nos sertões da
Àfrica do Sul, era
recommendação bastante.
Era M^{r.} Selous, o atrevido viajante e ousado caçador
Inglez.
M^{r.} Selous esteve tres dias em Pretoria, e conversámos
muito sôbre a Àfrica. Elle havia entrado ao Norte
do
Zambeze em uma
direcção parallela ao Cafuque, e a leste d'elle,
e fez-me
d'esse paiz as mais interessantes descripções.
Ali encontrou muitos Portuguezes, entrados por Quilimane, e entre
outros citou-me um Joaquim Mendonça, que tinha como seus
empregados
três antigos soldados do Batalhão da Zambezia,
chamados
Manuel
Diogo, Joaquim da Costa, e Antonio Simões. Pêlo
que elle
me
disse, e combinando as datas, penso que seriam estes os
Muzungos
de que
tanto se falava no Barôze durante a minha estada em Lialui.
M^{r.} Selous deu-me um esbôço grosseiro da sua
viagem ao norte do Zambeze, de que eu me não servi na minha
carta de
Àfrica Tropical Austral, por não me julgar
autorizado a isso sem a sua
prèvia licença, que me olvidei de pedir.
Eu dei-lhe as indicações que elle desejava para
uma nova expedição venatoria nos arredores de
Linianti, e fiquei de lhe mandar um
esbôço do paiz, que depois lhe enviei para
Shoshong.
No dia 23 fui almoçar com Monseigneur Jolivet, o illustrado
Bispo de Natal, que então se achava em Pretoria, dirigindo
as
construcções do importante estabelecimento
Cathòlico que ali se ergeu depois
da
dominação Ingleza; que é de certo a
mais importante escola de educação do Transvaal,
e onde
muitos Protestantes, M^{r.} Swart por exemplo, e outros, enviam as suas
filhas. Monseigneur Jolivet, homem sabio e de respeitabilissimo
caracter, conversou muito comigo, e percebi que
não era muito affecto aos Portuguezes.
Pensa elle, que nós não somos muito bons
Cathòlicos. Procurei demonstrar-lhe o contrario, mas creio
que o
fiz de balde, porque Monseigneur vinha sempre com a historia de um
padre, o Rev. Bompart, que tendo ido a Lourenço Marques,
não lhe foi
permittido ali celebrar, apesar de todas as instancias que fez.
Não o pude convencer de que, se o Rev. Bompart se apresentou
sem auctorização legal, era natural
não
lhe deixarem exercer o seu mister; assim como não o pude
convencer, de que quem governava na
Igreja do Oriente era o Arcebispo Primaz das Indias. O honesto Bispo,
tinha
tão profundamente arraigadas no espìrito
opiniões e
malquerenças contra nós, que ficou na sua,
dizendo-me sempre que nós somos os peiores
dos pedreiros livres do mundo. Uma tia velha que eu tive, tambem dizia
o mesmo depois da exstincção das
corporações religiosas.
Ora o facto verdadeiro é que Portugal é um dos
paizes mais religiosos que eu conheço, que é
muito bom
Catholico, mas
entende que religião e alta politica sam duas cousas
differentes, aprendeu esta heresia com o Marquez de Pombal, e desde
então se os padres misturam
religião com politica, zanga-se com elles.
Monseigneur Jolivet que me perdôe, se ainda
continúo a insistir em que somos dos melhores
Cathòlicos
do mundo, e que ainda o
seriamos se nos levantassemos forte e energicamente contra os ministros
da nossa religião, que traindo os deveres sacrosantos da sua
missão nobre e sagrada, fossem fazer propaganda
polìtica
em deterimento
nosso e em favor de estrangeiros na terra da Patria, que terra da
Patria
é tôda a terra onde se hastea a bandeira de
Ourique, seja
qual fôr o
ponto do glôbo em que ella tremule.
É tempo de dizer duas palavras de Pretoria, tal como eu a vi
em Fevereiro e Março de 1879. Começarei por
descrever a cidade pêlo seu lado material.
Pretoria era uma cidade nascente, á qual a
dominação Ingleza não tinha imprimido
ainda o seu cunho nacional.
As ruas largas e espaçosas dão accesso
ás casas, pêla maior parte terreas, mas bem
construidas e
elegantes. Abundam ali os jardins, e em algumas ruas as casas elevam-se
no meio d'elles.
A cidade assenta sobre um plano inclinado que na parte mais elevada tem
abundantes nascentes de àgua que a banham. Esta
àgua, ao tempo que ali vivi, corria nas ruas em
valêtas lateraes profundas e
descobertas, que a escuridão da noute convertia em
verdadeiros precipicios.
Recòrdo-me de mais de uma vez ter cahido n'ellas, chegando a
casa completamente molhado.
Em alguns quintaes e jardins ha àrvores muito grandes e
frondosas.
As ruas estavam por calçar, e com as chuvas eram
incòmmodos atoleiros.
Tem alguns templos decentes, uma modesta casa de tribunal, e muitos
estabelecimentos commerciaes onde é facil encontrar
tôdo o necessario, e mesmo o supèrfluo, que ja ali
ha luxo.
Na parte elevada estàvam-se construindo os vastos
quartéis para as tropas, que então estavam em
grande parte acampadas em
barracas, em tôrno de três casernas ainda mal
acabadas.
O caminho da cidade para os quartéis era medonho, e
perigôso de noute, porque as chuvas cavavam rêgos
profundos, e produziam
atoleiros enormes, onde nos enterràvamos, e onde por
vêzes arrisquei
quebrar as pernas.
Ha na cidade alguns pontos muito bonitos, como é o chamado
as
fontes,
e uma das sahidas coberta por
chorões enormes, e onde uma
azenha dá um cunho pintorêsco á
paizagem.
Os arredores sam despidos de arvorêdo, e um pouco
monòtonos, havendo apenas aqui e àlém
uma ou outra fazenda de
Böers a quebrar a monotonia natural.
Pretoria deve ser um dia uma das mais bellas cidades da
Àfrica do Sul, e tal como eu a vi ja apresentava um aspecto
geral agradavel e
buliçôso.
Como em todas as terras, de nôvo occupadas pêla
Inglaterra, Pretoria estava cheia de gente nova, que vinha procurar
fortuna, e que
não a encontrando facil, se alistava nos regimentos de
voluntarios, onde como soldados tinham uma paga de cinco xelins diarios.
O meu amigo Allan Saunders era o chefe da secretaria dos corpos
voluntarios, e não lhe sobejava o tempo para fazer
alistamentos.
Os negociantes sam Hollandezes ou Inglezes, e como a cidade em si mesma
ja tem necessidades, não é so o
tràfico com o interior, e com o indìgena que ali
representa uma parte importante no movimento commercial.
Disse-me o D^{or.} Risseck, que o clima é bom, ainda que em
certas èpochas do anno não é isento de
febres
de caracter benigno. Sendo os arredores de Pretoria abundantes em
forragens, é facil ter
ali cavallos, e quasi tôdos os moradores t[~e]m um
dog-cart
ou uma
victoria,
em que passeiam ou vam tratar os seus
negocios.
Figura
139.--Betjuanas. (De uma photographia de M^{r.} Gross.)
Tal era Pretoria quando la passei algumas semanas em 1879.
Um facto que me produzio uma certa impressão foi ver que
muitas mulheres gentias dos arredores vinham á cidade vender
os seus
gèneros, cobertas com os trajes gentìlicos, isto
é quasi nuas,
assim como as representa a gravura junta a esta pàgina;
gravura cuja historia vou
contar, porque ella representa uma lição
áquelles que
na Europa se afiguram ser facil realizar em Àfrica cousas
facìlimas no velho
mundo.
Ha em Pretoria um magnìfico photògrapho Suisso,
M^{r.} Gross.
Eu travei conhecimento e tinha em breve relações
de amizade com elle.
Um dia, vendo um grupo de mulheres que vinham vender capata, chamei-as
e propuz-lhes comprar toda a capata que ellas traziam se se deixassem
photographar. As mulheres hesitáram, e eu comecei a
fazer-lhes as mais bellas offertas.
Tentadas pelas minhas promessas, seguíram-me a casa de
M^{r.} Gross.
Deixei-as á porta e entrei.
Logo que expuz ao photògrapho o meu intento, elle fechou as
mãos na cabêça e disse-me que,
não
fazìamos nada, porque muitas vêzes tentara em
vão a mesma cousa. Insisti, e M^{r.} Gross para condescender
comigo, pôz mãos á obra.
Introduzi as mulheres no
atelier,
não
sem gastar n'isso
bôa meia hora, porque, chegado o momento de entrarem em casa
do
photògrapho, augmentou a sua hesitação.
Ahi estam ellas no
atelier,
mas recrescem as
difficuldades ao collocal-as em posição defronte
da
màchina. Estam em foco, e quando o photògrapho
vai introduzir na corrediça a chapa
sensibilizada, duas ou tres fogem espavoridas e outras deitam-se de
cara no chão.
Nôvo trabalho de paciencia e outra meia hora perdida e uma
chapa inutilizada. A mesma scena ainda se repete, até que em
fim se pôde
obter um negativo, em que tôdas mexêram tanto, que
nos deixa em
dùvida se sam macacos ou bonzos as imagens reveladas. Outras
tentativas t[~e]m o mesmo resultado, e perdido o dia e gasta a
paciencia, ellas vam-se.
Eu, apesar d'isso, sempre teimoso em querer a photographia das
prêtas, cumpri o contrato indo àlém das
promessas feitas.
Ellas tambem me promettêram voltarem, e d'ahi a dois dias
estavam
á minha porta.
La vamos para casa de M^{r.} Gross, que ja tremia de me ver com as
prêtas. Eu lembrei-me de me pôr ao lado da
màchina e de lhes dizer que olhasem para mim, ellas assim
fizéram, e eu encarei-as
tão fito, com um olhar tão pertinaz, que ellas
perturbáram-se,
tivéram esse momento de fascinação que
produz a immobilidade, M^{r.}
Gross descubrio a objectiva, e o grupo estava apanhado.
Quizémos ainda tirar outro, mas o encanto tinha-se quebrado,
e não foi possivel obter mais nada d'ellas.
Assim essa photographia custou-nos dois dias de trabalho, uma avultada
quantia, e uma incalculavel paciencia.
No grupo, as mulheres que t[~e]m uma franja por tanga sam solteiras;
aquellas que t[~e]m uma pelle, casadas.
No dia 25 de Fevereiro, vèspera do dia em que deviam partir
os meus prêtos e as minhas bagagens, para Durban, seriam 4
horas da
tarde, quando eu me dirigi a casa da Baronesa Van-Levetzow, a pedir-lhe
uma chàvena d'esse òptimo café que
ella
tão delicadamente offerecia aos seus amigos; quando em
caminho me sorprendeu um movimento desusado na cidade. Perguntei a um
transeunte, o que havia de nôvo? e elle
respondeu-me, que os Zulos estavam ás portas de Pretoria, e
que dentro em
pouco a cidade seria saqueada. Corri ás
informações,
e para ir a bôa fonte, fui á casa do
govêrno.
Ali soube que, de facto, os Zulos não estavam ainda em
Pretoria, mas muito perto, e a cidade seria atacada dentro de poucas
horas. As informações eram officiaes e certas.
Indaguei em
que ponto elles estavam e voltei a casa. Mandei logo Verissimo, Augusto
e Camutombo á descoberta. Fiquei a pensar no caso, e, com o
meu conhecimento de
Àfrica e de prêtos, concluí que tudo
aquillo era um
absurdo disparate.
Sahi a visitar vàrias pessôas, e se algumas
encontrei possuidas do pànico geral, outras estavam
descançadas e
não acreditavam como eu no ataque dos Zulos. Algumas damas
tinham-se ido refugiar no acampamento das tropas.
Eu fui prevenir Monseigneur Jolivet do caso, dizendo-lhe o que havia,
que não acreditava, mas que ás vêzes as
cousas mais absurdas aconteciam, e por isso era bom estar prevenido
para pôr a salvo as
Irmãs de Caridade.
Voltei a casa, e ao cahir da noute chegavam, com pequenos intervallos
os meus três enviados, afiançando-me, que no logar
designado não havia um so Zulo, nem d'elles havia noticia no
Transvaal. Eu, que me fiava mais nas informações
de Verissimo, Augusto e Camutombo
do que em tôdos os relatorios officiaes, deixei os
prêtos em casa, e fui ver o
que faziam os meus amigos Major Tyler e Capitão Saunders.
Ao chegar ao acampamento, um terrivel e desusado "Quem vem la?" de uma
sentinella, provou-me que ali estavam em pe de guerra. Respondi,
"Amigo," e pude entrar. No campo havia grande reboliço.
Fortificavam-se e entrincheiravam-se com os vagons.
Não me foi difficil encontrar o commandante militar de
Pretoria, o Major Tyler. Vestido com o esmero e luxo que sempre usa, as
mãos
calçadas em apuradas luvas brancas sem a menor sombra, o
pé mettido em
elegante botina, tal em fim como entra nas salas em que é
tão querido, o bravo commandante do regimento 80 estava com
tôda a placidez e
socêgo, dando acertadas ordens, e pondo o campo em estado de
defêsa
formidavel. Cheguei-me a elle e disse-lhe que o ataque esperado era uma
verdadeira comèdia. Elle respondeu-me, que sempre assim o
havia
pensado; mas que, tendo recebido communicações
officiaes,
não podia deixar de fazer o que estava fazendo; e que
àlém d'isso, não
desgostava d'aquelle rebate, para avaliar o que eram os seus homens, e
saber com o que poderia contar n'um caso sèrio.
Dei razão ao elegante official, e fui-me em busca do seu
immediato, o meu amigo Saunders. Andava elle de outro lado dirigindo as
manobras, rindo sempre, sempre contente. Saunders pareceu-me acreditar
nos Zulos, o que lhe não tirava nada do seu bom humor
habitual. Foi-me
logo mostrar duas metralhadôras, para as quaes estava a olhar
pasmado um
alferes qualquér a quem as haviam entregado. Depois d'isto
disse-me
elle, que estavam muitas damas recolhidas no campo, e convidou-me a ir
vel-as.
Fomos passar uma minuciosa revista, e vimos que o Major Tyler, como
melhor relacionado com o bello sexo, tinha cedido o seu quarto
pêlo menos a duzia e meia. O quarto de Saunders tambem
não estava
vazio, mas deve dizer-se, em abono da verdade, que aquelles eram os
dois
ùnicos quartos do quartel, vivendo o resto dos officiaes em
barracas.
Saunders lembrou, que em tempo de guerra era bom beber qualquer cousa,
e fomos á sala dos officiaes.
Na sala estava so um homem. Fardado, e armado, estava sentado n'uma
poltrona com tôda a commodidade, tendo diante de si um copo
de
brandy e
soda.
Era o tenente Cameron do regimento, que disse a Saunders: "Meu
capitão, eu cá estou á espera dos
Zulos, e em quanto elles
não v[~e]m, vou bebendo."
Era realmente admiravel ver esses bravos officiaes Inglezes, que
morriam rindo e descuidosos n'uma guerra ingloriosa, tão
tranquillos
e socegados em frente de um perigo qualquer, como se os esperasse um
baile ou uma festa.
Nós dissémos ao tenente Cameron que
não havia Zulos, e elle recebeu a noticia com certa tristeza.
¿Quem sabe se elle, com a confiança da mocidade,
não tinha sonhado n'esse momento com os gallões
de um posto superior?
Pouco depois reunio-se a nós o Majr Tyler, e disse-nos, que
ia ver o que faziam os voluntarios na cidade.
Eu e Saunders acompanhàmol-o. Era meia noute e havia
escuridão profunda, a chuva cahia a torrentes, e eu apenas
pude apanhar metade do impermeavel de Saunders, que levou só
o
cabeção, dando-me o resto.
Tropeçando aqui e cahindo àlém,
chegámos á praça, onde na igreja
parochial deviam estar os voluntarios.
Entrámos no templo, que estava cheio de soldados, e logo que
o Major Tyler deu as suas ordens, fomos tôdos três
para
minha casa.
Estàvamos muito molhados, e o meu primeiro cuidado foi abrir
uma garrafa de vinho velho.
Bebendo e conversando passámos ali uma parte da noute, rindo
eu e Saunders a bom rir, da seriedade do Major Tyler, que estava
indignado por ter o seu quarto cheio, não de damas, que elle
é muito galante para se queixar d'isso, ¡mas de
meninos!--de meninos que choravam!
Pêla madrugada, o Major Tyler e o Capitão Saunders
retiráram, e eu fui-me metter na cama.
Eis como acabou um dos episodios còmicos, da
tràgica guerra dos Zulos, episòdio que ficaria no
esquècimento se eu o
não trouxesse a pùblico.
No dia immediato têve logar um acontecimento importante para
mim.
A minha gente e as minhas bagens seguíram para Durban,
pêlo caminho seguro de Harrismith.
CAPÌTULO
VIII.
O
FIM DA VIAGEM.
A
chegada do Coronel
Lanyon--Parto de Pretoria--Heidelberg--Um dog-cart--O
Tenente
Barker--Dupuis--Peripecias de uma viagem no Transvaal--Newcastle--A
diligencia--Episodios
burlescos--Pietermaritzburg--Durban--Volto a Maritzburg--Didi Saunders--Episodios em
Durban--O Consul Portuguez M^{r.} Snell--O Danubio--O
Commandante
Draper--Regresso á Europa.
Andava tudo em reboliço. Nunca em Pretoria se tinham feito
tantos gastos de
toilettes,
nunca os lojistas
vendêram tantas fitas e
tantas rendas!
Os homens escovavam e preparavam os uniformes, porque tôdos
mais ou menos tinham uniformes, e os que os não tinham
inventàvam-n-os. Se tudo estava em guerra!
Cavallos e carruagens soffriam tratos de limpezas desusadas. Tudo luzia
e brilhava. O enthusiasmo era geral e chegava mesmo aos Hollandezes.
As damas trabalhavam com afan, e davam tratos ao miôlo,
contido nas cabecinhas louras e encantadoras, para melhór
pregarem um
lacinho, para melhór fazerem realçar a belleza
delicada.
Os homens,
elles,
diziam "É
C.B.[
16]
e tem a
Victoria
Cross,[
17]
é
o heroe da guerra dos Ashantis, é um homem de grande
energia, é um dos mais notaveis officiaes do
exèrcito Inglez."
Ellas,
ellas diziam: "Tem 36 annos o coronel, e
dizem que
é alto, nobre e bonito!"
Que enthusiasmo! Eu nunca vi coisa assim! O meu cavallo ja estava
emprestado a uma dama, que queria mostrar tôda a sua
elegancia de amazona. Outras mais infelizes procuravam debalde um meio
de transporte.
So eu, creio, que estava frio no meio daquella effervescencia de
delirio.
Eu ca, não ia esperar o nôvo governador, e
contentar-me-hia de o ir visitar á sua chegada.
¿Mas quem pode dispor dos seus sentimentos, e contar com o
seu espìrito no meio da effervescencia geral?
No dia 2 de Março, comecei a sentir que a febre do
nôvo governador se apossava de mim, e sahindo enthusiasmado
de casa, fui comprar um
chapéo nôvo! Era uma reforma importante no meu
traje.
Aquelle homem por quem se faziam tantos trabalhos de
recepção aguçàva-me a
curiosidade. Os homens pareciam temel-o, as mulheres pareciam adoral-o;
e ser temido dos homens e adorado das mulheres é
ter attingido a meta da felicidade para qualquer creatura
màscula.
No dia 3 devia elle chegar, e o ponto da entrevista era a nove milhas
da cidade.
Levantei-me sem mêsmo pensar em la ir, até porque,
se quizesse ir, não tinha em quê, tendo emprestado
o meu cavallo.
Ás nove horas sahi de casa, mas não encontrei
ninguem. Fui almoçar, e não encontrei ninguem.
Fui a casa de alguns amigos, e
não encontrei ninguem em casa. Comecei a dar ao diabo o
nôvo governador. Eu
ja começava a perder o hàbito de viver
sòzinho, e queria companhia.
Voltei ao Café Europêo e deparei com M^{r.}
Turner. Dirigi-me logo a elle e sem mais preàmbulos pedi-lhe
um cavallo. M^{r.}
Turner julgou que eu não estava bom de
cabêça. Pedir um
cavallo n'aquelle dia e áquella hora so um inconsciente o
faria.
Eu insisti em querer um cavallo, e a difficuldade que se levantava era
apenas incentivo para exacerbar o meu desejo.
Depois de muito pensar, M^{r.} Turner têve uma
lembrança.
Elle tinha um pôtro, ainda não montado, bravio,
diabòlico.
Se eu quizesse o pôtro, elle emprestàva-m'-o.
Fomos logo á cavallariça.
Para apparelhar foi uma campanha, para montar outra.
Depois de varias teimas, em que tivéram razão
umas esporas enormes que me tinha dado M^{r.} Clark em Shoshong,
consegui endireitar no caminho do acampamento. Por uma
questão de hàbito eu
queria ver o Major Tyler e o Capitão Saunders, antes de ir
esperar o governador. Foi
uma infeliz lembrança.
O regimento 80 estava formado em revista, e acabada ella pude falar aos
meus amigos, mas de repente a mùsica começou a
tocar, e o cavallo, espantado com o zabumba, começou a fazer
taes e taes
desconcêrtos que tive de largar d'ali a tôda a
pressa, atropellando as
barracas de lona do campo e fazendo até fugir de uma d'ellas
alguem que la
estava. Pude ver-me a final em campo livre, e o pôtro pagou
caro os seus
atrevimentos de momentos antes.
Ás duas horas eu alcançava as cavalgadas e estava
entre os meus amigos, mas estava em lastimoso estado de fadiga e
cansaço.
Pouco depois, uma carruagem escoltada por alguns voluntarios de
cavallaria, chegava em sentido opposto, e apeava-se d'ella o
nôvo governador do Transvaal.
O Coronel Sir William Owen Lanyon, K.C.B., correspondia á
espectativa geral.
Era nôvo e bello, e do peito da sobrecasaca pendia-lhe a
Victoria Cross.
Tôdos estavam contentes, e os frenèticos hurrahs!
que lhe levantáram, eram d'isso prova. Seguímos
para a cidade. O meu cavallo, no
meio dos vivas e dos outros cavallos, estava insopportavel e
custàva-me a conter.
De repente espantou-se com uma carruagem, deu um enorme salto e partio.
O meu chapéo nôvo, o chapéo comprado na
vèspera, cahio por terra, em quanto eu era levado com uma
velocidade enorme, n'um correr desenfreado.
Passei e em breve perdi de vista carruagens e cavalleiros.
O terreno era bom e eu deixava correr o endiabrado, que a final havia
de parar em alguma parte.
Apesar de muito distanciado da comitiva do governador, pareceu-me que
sentia um outro correr de cavallo, perto de mim, e voltando-me na sella
percebi que era seguido e ia ser alcançado em poucos
momentos.
Uma gentil amazona, muito melhor montada do que eu, porque montava o
meu Fly, ria a bandeiras despregadas das minhas
tribulações, e em breve emparelhando comigo
estendia-me o pobre chapéo que eu tinha
perdido, e que ella, com essa pericia de tôdas as damas das
colonias do
sul d'Àfrica, que sam as primeiras cavalleiras do mundo,
tinha
apanhado do chão e me vinha trazer, mofando de um cavalleiro
que perdia
o chapéo e o deixava apanhar por uma dama.
Eu estava envergonhado, e sem me lembrar de que era impossivel fugir
ás pernas vigorosas e ligeiras de Fly, tentei instigar o meu
cavallo a uma fuga, a que elle ja se recusava, apresentando uma fadiga
bem motivada.
Entrei em Pretoria sempre perseguido pêlos chascos da amazona
azougada, e depois de ir entregar o pôtro a seu dono, fui a
pé para o Palacio, onde esperei a chegada da festival
comitiva.
Chegáram elles, sempre dando mostras do mais
enthusiàstico contentamento.
O Coronel Lanyon estava installado, e depois de um bem servido
lunch,
retiràmo-nos.
O valente e sympàthico coronel tinha càptado
tôdas as sympathias, e desde a sua chegada,
esquèceu o episòdio do
ataque dos Zulos, narrado no anterior capìtulo, para so se
falar d'elle Governador.
Nos dias seguintes houvéram recepções,
saraus, e
matinées
dançantes, a que eu não assisti, preoccupado ja
com a minha sahida para
Durban.
No dia 5, fui eu a uma lègua de Pretoria ver uma curiosidade
em que Inglezes e Hollandezes me falavam muito.
Era o
Wanderboom,
a àrvore sagrada.
Effectivamente,
é digno de ver-se esse gigante vegetal, que os
Böers mostram com
admiração, e que, deitando dos altos troncos
novas raizes que viéram procurar
a terra e se convertêram ellas mesmas em caules, forma por si
so uma
espêssa mata.
Finalmente, depois das mais cordiaes despedidas aos muitos amigos que
tanto me obsequiáram em Pretoria, parti, no dia 8, para
Heidelberg, onde cheguei por noute fora.
Decidi demorar-me alguns dias n'aquella bonita villa, para fazer as
minhas ùltimas observações e fechar os
meus trabalhos.
N'um jantar em Pretoria, em casa de Madame Kish, fiz eu conhecimento
com um sujeito chamado Goodliffe, que sabia não ser de
Pretoria,
mas que não pensava tambem ir encontrar em Heidelberg.
M^{r.} Goodliffe convidou-me para sua casa e fêz-me os
maiores favôres.
No dia immediato ao da minha chegada, depois de fazer as
observações da manhã, fui dar
sòzinho um passeio nos arredores,
e comecei a trepar montanhas e montanhas, até que, d'um pico
muito elevado,
consegui dominar a paizagem. Pareceu-me que devia estar a uma grande
altitude, porque dominava tôdas as cumiadas do
Zuikerbosch-Rang.
Olhei para o meu baròmetro aneroide de algibeira, e vi que
elle marcava dois mil metros!
Decidi logo voltar la no dia immediato a fazer
observações mais seguras, e effectivamente assim
o fiz.
Era na verdade aquella a maior altura a que eu tinha estado na minha
viagem, e não deixei de fazer especial
menção d'ella.
No dia 11 de Março, depois de ter concluido tôdas
as observações e fechado os meus trabalhos, parti
de Heidelberg, ás 8 horas
da manhã, em um
dog-cart,
que precisa
de uma breve
descripção pêla sua originalidade.
Era um d'êsses carros de fàbrica Americana,
ligeiros e fortes, montado sobre duas rodas altissimas, e que, em logar
de varaes, t[~e]m uma forte lança, onde se atrella uma
parêlha em troncos, e
d'onde partem os tirantes para umas sotas sôltas.
Tem dois assentos costas com costas, que podem admittir quatro
pessôas. Bagagens nenhumas pode conduzir, e apenas uns
pequenos volumes na exigua caixa.
O meu cocheiro era um mulato, creio que Gricua, chamado Joaquim Eliazar.
Os meus companheiros eram o Tenente Barker, do 5^o Regimento de West
York, e o seu impedido Dupuis.
Logo á sahida de Heidelberg, tivémos de
atravessar o ribeiro que corre ali, cujas margens quasi a pique dam
difficil passagem a um carro.
A primeira foi passada sem difficuldade, mas na segunda o dog-cart
tombou-se, e o Tenente Barker cahio sôbre Dupuis e eu
sôbre Barker.
Levantàmo-nos sem a menor contusão e rindo do
caso. Dupuis, que tinha um nome Francez, mas cuja nacionalidade eu
nunca pude entender bem, porque elle falava indifferentemente
tôdas as lìnguas, e
servia indifferentemente tôdos os paizes, começou
logo a
contar varios casos de quedas e carros tombados, que lhe haviam
succedido em
França, na Russia, na Amèrica e na China.
Dupuis era homem de 55 a 60 annos, baixo, espadaüdo e robusto.
Tinha servido no exèrcito Francez na Crimea, e contava com
enthusiasmo a carga de Balaklava.
Tinha servido no exèrcito Inglez na guerra da China; na
Amèrica servio os Federaes, bateu-se depois na
França pêla
Allemanha, em 1870. Conheceu na India o Major Cavagnari, e vinha de la
bater-se contra os Zulos.
O seu desideratum era ser soldado enfermeiro nas ambulancias do
exèrcito Inglez; mas, em quanto o não conseguia,
ia sendo camarada do
Tenente Barker.
Barker era um d'esses jovens Inglezes, loiro, olhos azues, tal em fim
como os vemos, encontramos e conhecemos em tôda a parte do
mundo.
Ia cheio de enthusiasmo encontrar a columna de Sir Evelyn Wood, e
bater-se contra os nêgros de Catjuaio.
Trabalhámos tôdos quatro rudemente para
pôr o carro em estado de seguir, e uma hora depois
voàvamos por sôbre a planicie,
puxados por quatro ligeiros e robustos cavallos do paiz.
Choveu bastante durante o dia, e ás 2 horas
encontràvamos o rio Waterfalls a transbordar. Era um
embaraço.
Alguns vagons de Böers estavam parados junto d'elle sem se
atreverem a transpol-o.
A profundidade màxima era de dois metros. Um dos vagons de
Böers estava carregado de lenha, e apresentava do tope da
carga ao chão
uma altura de mais de três metros.
Offereci ao Böer seu dono cinco xelins se elle quizesse
transpor o rio, e me deixasse ir com os meus papéis
encarapitado no alto da
carga.
O homem aceitou, e eu, Barker, Dupuis e os nossos pequenos
havêres, armas e cartuxos, acommodàmo-nos
sôbre a lenha.
Oito juntas de possantes bôis fôram jungidos ao
vagom, que, poucos momentos depois, estava na margem opposta.
Joaquim Eliazar em pe sobre os assentos do dog-cart, com
àgua pêla cintura, e segurando as guias com
destreza de um cocheiro consummado, tambem transpoz o rio sem accidente.
Pouco depois, tomàvamos pêla quarta vez cavallos
frêscos da posta, e continuàvamos essa carreira
vertiginosa em
direcção ao vao de Standerton, onde
devìamos passar o Vaal.
Ás 8 da noute, ja com uma fome desabrida,
entràvamos em uma modesta estalagem de Standerton, onde
tìnhamos uma
pèssima ceia, e não melhor cama.
De Heidelberg a Standerton o paiz é planicie enorme, a
perder de vista, onde não cresce uma so àrvore, e
onde uma herva
não muito alta serve de pasto a milhares de
antìlopes, pêla maior parte
bodes saltadôres (Springboks).
Sôbre tudo nas margens do rio Waterfalls vi
innùmeros, mas muito esquivos.
No dia immediato deixámos Standerton, ás 7 da
manhã, depois de um almôço, que nos fez
lembrar, que poderiamos ter
almoçado se tivèssemos quê.
Pêla tarde d'esse dia ja começàvamos a
encontrar falta de cavallos nas casas de posta, saqueadas ou
abandonadas por causa da guerra. Ao mesmo tempo recresciam as
difficuldades do caminho, porque nos
embrenhàvanos nos desfiladeiros do Drakensberg.
Não se pode fazer muito idéa do que seja viajar
por montes e valles, sem caminho nem carreiro, em um dog-cart puxado a
quatro sôltas.
Ao entrar-mos nos desvios da serra, uma temerosa tempestade cahio
sôbre nós, e uma chuva copiosa alagou a terra e o
carro.
Veio a noute, e uma noute medonha. Os relàmpagos alumiavam
as trevas para as tornar mais nêgras e densas.
So a muita pràtica do cocheiro podia guiar o carro por
aquelles alcantis n'um correr desenfreado.
De vez em quando, uma cova, uma rocha, um precipicio, era nas trevas
mais adivinhado do que visto, e um sonoro
All
fast
(tôdos
firmes) pronunciado por Joaquim Eliazar pùnha-nos de
prevenção.
E a chuva a cahir, o trovão e o relàmpago a
espantar os cavallos, e aquelle carro sempre a correr nas vertentes
este da alta cordilheira. Tinha alguma cousa de fantàstico o
quadro, e se tivesse sido
visto por
outros que não nós deveria causar-lhes
impressão profunda.
Dupuis tinha sempre uma historia a contar a cada solavanco do ligeiro
vehìculo. Umas vêzes era na China, outras na
Amèrica, outras na Russia, que o caso se tinha passado.
Depois Dupuis cantava, e era, ja uma canção
Americana, Franceza, Chineza, ou Hùngara, que vinha
perder-se no
estrepitôso rodar do carro, ou no cem vêzes
repetido echo dos trovões.
Seriam 8 da noute, quando um clarão fixo e distante me
chamou a attenção. Endireitámos para
elle.
O caso não era muito seguro, mas continuar o caminho assim
era peior do que encontrar os Zulos.
Parámos a distancia da fogueira, e eu dirige-me a ella. Ao
aproximar-me, vi que entre uns vagons, debaixo de um alpendre
improvisado com pannos de lona, estavam sentados três
officiaes Inglezes. Entrei
ràpidamente na zona de luz, para ser logo reconhecido e
não levar algum
tiro. Os três sujeitos olháram para mim sem o
menor espanto, e
disséram-me polidamente:
Good
evening, sir.
Estavam tomando chá, e eu sentei-me sem ceremonia ao lado
d'elles.
"¿Toma uma chàvena de chá? me
perguntou um d'elles."
"Aceito reconhecido, e até aceitava de comer, porque tenho
fome."
"De comer! mas nós tambem não temos nada que
comer, e so chá e um pouco de assucar possuimos."
Tomei uma grande tijela de chá, e tôdo molhado
deitei-me junto á fogueira, onde dormi tôda a
noute.
No dia immediato, parti logo de madrugada e so á noute pude
matar a fome em casa de um Böer, que me leu três
pàginas da Biblia, mas que em seguida me deu bôa
ceia.
Passou sem incidentes o resto da viagem até perto de
Newcastle.
Ali encontrámos o rio Newcastle a transbordar, e
tivémos um verdadeiro trabalho para o transpor, sendo
preciso nadar, e molhando-se tudo o que trazìamos.
Chegado á povoação de Newcastle, o meu
primeiro cuidado foi almoçar, com uma fome de 24 horas.
Eu em Pretoria ja tinha desaprendido a ter fome, e começava
a impacientar-me quando a sentia.
Installei-me em um hotel, onde não se estava bem nem mal, e
tratei logo de enxugar os meus papéis, e de tomar um logar
na diligencia
que fazia o serviço d'aquelle ponto a Pietermaritzburg.
Separei-me ali do meu tenente Inglez, que se dirigia com o seu camarada
ao theatro da guerra; e eu, um dia depois, tomava logar na diligencia,
e partia para o meu destino.
Èramos nove no carro, oito homens e uma dama, e haviam ali
so dois logares supportaveis ao lado do cocheiro.
Um foi cedido á dama e eu quiz o outro. Èra-me
elle disputado por um tenente de voluntarios, que trazia umas esporas
enormes e um uniforme esplandecente. Cada um de nós
apresentava os seus
respectivos direitos ao logar, ante o cocheiro, àrbitro
supremo n'aquelle litigio.
Uma meia-libra subtilmente escorregada na mão do mulato,
prevaleceu sôbre uns poucos xelins dados pêlo
tenente, dizendo
o cocheiro bem alto, que elle não era homem que se
vendêsse, e por isso
entregava ao tenente uns três xelins que elle tinha feito a
offensa de lhe querer
dar, e dizendo-me, que tomasse o logar cubiçado, em quanto o
voluntario mavorte subia para o interior, furioso e iracundo, o honrado
cocheiro punha as rédias em ordem e fazia estalar o chicote.
Se o tenente estava furioso, não o estava menos a dama, que
podendo ter a seu lado um elegante official, tinha por companheiro um
maltrapilho como eu.
Achegou a si o vestido para não roçar
pêlos meus esfarrapados calções, e
apesar de irritada contra o cocheiro, preferio encostar-se a elle para
evitar o menor contacto comigo.
Na primeira muda, eu quiz ver se derretia aquelle gêlo, se
quebrava aquella malquerença que me affligia, e tendo
encontrado uns
frascos de amendoas cobertas, comprei pressuroso um, pensando, na minha
inexperiencia em assumptos feminis, que uma dama joven e formosa devia
gostar de dôce, e ser vencida com bôlos.
Ao dirigir-me ao carro, eu ja via aquella ruga formada entre os
sobrolhos desfazer-se, ja via aquelles labios pregados em gesto irado
entreabrirem-se em sorriso benevolente, ja via um principio de
conversação; e foi com a maior
confiança que lhe estendi o meu talisman, o frasco dos
confeitos. A joven dama, sem mesmo me dar a
confiança de olhar para mim, disse-me sêcamente,
"Não tenho a
honra de o conhecer." N'um ataque repentino de despeito, atirei com o
frasco fora, e elle foi partir-se sôbre uma rocha, entornando
as espheras coloridas
que roláram em todas as direcções.
Estavam abertas as hostilidades entre nós.
Á hora de jantar parámos em Sunday's River, onde
me déram um magnìfico serviço por dois
xelins e meio.
A dama e o tenente de cavallos ligeiros, á mêsa,
muito unidos lançavam-me olhares furiosos, e de certo me
rogavam tantas
pragas quantas as que cahíram sôbre o Egypto com a
sua
obra de destruição.
Ao subir para o carro, ignorando quem eu era, e avaliando-me so
pêlos meus andrajos e pêla minha barba desgrenhada,
a joven Ingleza
disse ao filho de marte, "que a gente ordinaria ja se dava uns taes
ares que irritavam." Isto encheu-me as medidas, e eu prometti vingar-me
logo que a occasião se apresentasse.
Não tardou ella em apparecer.
N'essa noute chegámos, ás 7 horas, a Ladysmith,
onde devìamos pernoitar.
A villa estava cheia de gente, e transportávam-se ali os
feridos e os doentes.
Não havia uma cama, não havia um canto onde nos
mettermos.
Em uma hospedaria encontrámos quasi vazia a sala de visitas,
e digo quasi vazia, porque so la estava estabelecido um cabo de
esquadra, que, deitado no sofá, não fez muito
caso do tenente de
voluntarios.
A dama sentou-se em uma cadeira e o tenente sahio.
Eu travei conversa com o cabo de esquadra, e offereci-lhe de beber. A
perspectiva de uma bôa garrafa de vinho fez mais effeito no
marcial guerreiro do que os confeitos tinham feito na loura Ingleza, e
o meu homem sentou-se e travou logo conhecimento comigo.
Eu sentei-me ao lado d'elle no sofá, promettendo a mim mesmo
ja não sahir d'ali. Depois propuz ao soldado ir elle buscar
a garrafa de vinho, para o que lhe dei meia-libra.
O homem sahio, e eu deitei-me no appetecido movel.
Pouco tempo depois voltava elle com a garrafa, dois copos e cinco
xelins de trôco. Estendeu-me o trôco, que eu, com
um gesto
de soberano desdem, não aceitei e que elle fez desapparecer
na profunda
algibeira.
Eu bebi um copo, elle bebeu sete, quando me ia a levantar, fingindo que
lhe queria offerecer a sua conquistada propriedade, elle recusou-se
terminantemente a isso, e eu estendi-me commodamente, envolvendo os
meus pes n'um pelludo cobertor e preparando-me para dormir.
O cabo, meio embriagado, sahio da sala, e não sei o que foi
feito d'elle, porque não mais o vi.
Pouco depois, entrou o tenente, que disse á dama,
não ter podido encontrar melhor logar que aquelle para
passarem a noute.
Olhou para mim e eu olhei para elle. O seu olhar parecia dizer-me,
"Tenha dó d'esta dama, cêda-lhe o sofá."
O meu respondia-lhe: "Sou homem muito ordinario para ter d'essas
delicadezas."
Resignados, chegáram as cadeiras uma para junto da outra e
poséram-se a conversar. Eu que pouco me importava de ouvir
arrulhos de pombos, fechei os olhos e dormi como um justo
até as 3 horas, hora a que me
viéram chamar para partir.
Ás 6 chegàvamos a Colenso, onde
passàvamos o rio Tuguela em um magnìfico
fluctuador, e ás 3 da tarde paràvamos na bonita
aldea de Howick, onde uma demora de duas horas me permittio ir ver a
formosa cataracta que a torna cèlebre.
Effectivamente, é uma das mais bellas paizagens que tenho
contemplado, aquella.
Partímos, e pouco depois eu fazia parar a diligencia, para
falar á minha gente, que encontrei nos vagons em que tinham
sahido de Pretoria, e que rodavam pesadamente no caminho de Durban.
Informado de que estavam tôdos bons e que sobejavam os
vìveres, segui, dando-lhe um ponto de reunião em
Maritzburg.
Eram dez da noute quando chegava á capital da Natalia e me
ia estabelecer no
Royal Hotel,
o melhor da terra,
em
um soffrivel quarto.
No dia seguinte, passáram os vagons com as minhas bagagens e
os meus prêtos, com quem falei e a quem prometti esperar em
Durban.
Depois d'isto, fui procurar Madame Saunders, a espôsa do meu
amigo Capitão Saunders, para quem era portadôr de
cartas
de seu marido.
Em casa d'ella fiquei encantado com uma criança, a filha de
Saunders, em que elle muitas vêzes me tinha falado e que era
encantadôra.
Quando sahi de casa d'ella ja èramos amigos, e eu promettia
á pequena Didi de voltar a Maritzburg, se não
encontrasse logo um
transporte para a Europa em Durban.
No dia 19 de Março, depois de ter feito uma jornada de 23
milhas em um ligeiro dog-cart, tomava a ferrovia, e corria
sôbre os rails
puidos em direcção a Durban.
¡Que impressão profunda me não causou o
ouvir o sibilar da locomotiva!
Os postes telegràphicos, armados de pára-raios,
como o sam ali casas e construcções quaesquer,
faziam-me outra vez
lembrar da civilização da Europa, do progresso do
nosso sèculo, da grande
evolução da humanidade, e mil idéas
confusas se me baralhavam no cèrebro,
quando ás 6 horas chegava a Durban.
Corri sem parar até onde podesse ver o mar, e foi com
làgrimas a marejar nos olhos, que fiquei extàtico
diante d'essa mole immensa de
àguas azuladas que se confundiam ao longe, para este, com o
azul dos ceos.
N'êsse momento não pude deixar de dizer a mim
mesmo, com certo orgulho: "Atravessei a Àfrica, este
é o mar
Ìndico."
Voltei á realidade depois de alguns minutos de
abstracção, e percebi que devia ir procurar um
hotel.
Eu ja sabia, que em tôdas as cidades da Àfrica
Ingleza ha sempre um
Royal
Hotel, e pedi que m'o
indicassem.
Depois de vàrias consultas entre o estalejadeiro e sua
espôsa, foi decidido que me dariam um quarto no fundo de um
pàteo. Tomei
posse d'elle, e quando estava a fazer o meu
toilette
para o jantar,
viéram dizer-me, que me procurava o General.
Eu ja por vêzes tinha ouvido falar no general, quando o meu
hospedeiro combinava com a mulhér sôbre que quarto
me daria,
e percebi então, que o general occupava uma grande parte do
Hotel, e que era preciso
não o incommodar.
Recebi o general, que era um homem ainda nôvo e
sympàthico, e me disse, que tendo sabido da minha chegada,
me vinha convidar a jantar.
Era elle o General Strickland, commissario em chefe do
exèrcito Inglez.
Fui jantar á sua sala particular, onde conheci á
mêsa um exército de
reporters,
enviados por os jornaes Inglezes,
Francezes e
Americanos, para darem noticias da guerra. Foi ali que conheci alguns
d'esses homens, que, simples correspondentes de jornaes, t[~e]m sabido
fazer conhecer o seu nome no mundo inteiro; foi ali que conheci os
S^{nrs.} Forbes, Francis-Francis e outros, que se t[~e]m immortalizado
como o seu collega Stanley, que, antes de ser o primeiro dos
exploradores Africanos, foi o primeiro dos
reporters
Americanos.
O general Strickland dispensou-me as maiores
attenções e finezas, e fui seu conviva em quanto
estive em Durban.
No dia seguinte, fui procurar o Consul Portuguez, M^{r.} Snell, que
têve para comigo muitas attenções,
arranjando-me logo
local, em sua propria casa, onde eu podesse accommodar os meus
prêtos e as minhas
bagagens.
Contudo, de casa do Consul Portuguez sahi muito triste, por uma noticia
que elle me deu.
O paquête para a Europa tinha partido n'esse dia!
Era um mez! era um mez que eu tinha de esperar n'aquella terra, onde
nada me prendia; era um mez que eu tinha a esperar mais para poder
abraçar os meus, para poder ver o meu Portugal.
Resignei-me, e no dia immediato pude assistir á chegada dos
meus prêtos, das minhas bagagens, do meu papagaio e da minha
cabrinha.
Installei-os em casa do Consul Portuguez, M^{r.} Snell, que continuou a
dispensar-me os maiores favôres.
Depois d'isto comecei a esperar que passasse um mez!
Os meus trabalhos, sempre em dia, não me deixavam ao menos o
recurso de trabalhar.
Nos primeiros dias encontrei em que passar as manhãs sem
sahir de casa.
A casa de banho do Royal Hotel era do outro lado da rua, e os
hòspedes tinham de fazer uma caminhada para irem a ella. O
Hotel estava cheio de officiaes, que chegavam tôdos os dias
de Inglaterra. Logo de
manhã começava uma procissão, entre a
casa de banho e o
hotel, de homens de tôdas as idades e feitios, em trages
muito ligeiros, levando
cada um uma toalha e uma esponja enorme. Divertio-me aquella scena
burlêsca por dois dias, mas aquillo durava apenas uma hora de
manhã, e eu
não sabia que fazer no resto do dia.
Comecei a aborrecer-me muito, e acirrado pêla contrariedade
que me causava a demora, comecei a soffrer.
Sentia em mim um vazio enorme. Habituado a um trabalho de ferro, a uma
vida tão activa, a uma tensão de
espìrito constante, á idéa de
alcançar um fim, tinha chegado á meta, e sentia
uma falta que
não podia superar.
Adoeci, e pêla primeira vez na minha vida tive mêdo
de morrer.
A guerra preoccupava tôdos os espìritos, e no meio
d'aquelle mundo em que vivia não tinha uma so
affeição.
Um dia, no leito onde me tinha prostrado a doença, e onde
nem uma amizade me vinha trazer uma palavra de confôrto,
tinha so na
idéa a saudade de uma espôsa adorada e de uma
filha estremecida,
quando me veio á lembrança essa
criança que eu tinha
visto em Maritzburg e que tanta impressão me tinha feito--a
filha do Capitão
Allan Saunders.
Em miseravel estado de saude, sahi de casa, tomei o caminho de ferro, e
segui para a capital da Natalia.
Logo que me estabeleci no Royal Hotel, parti para casa de Madame
Saunders.
Fui recebido com a maior affabilidade por aquella dama, e com muitos
beijos pêla pequena Didi, que eu levei a jantar comigo ao
hotel.
Eu ja tinha dinheiro meu, que me tinha sido emprestado sôbre
a minha assignatura particular, e ja comprara um vestuario decente.
Uma boneca e uma caixa de amèndoas fizéram de
Didi minha amiga ìntima, e sôbre tudo uma
tartaruga enorme que me déram no
hotel e que eu lhe dei, tornara aquella amizade em verdadeira
paixão.
Outro motivo não era de certo estranho ao amor d'aquella
criança.
Madama Saunders, para me ser agradavel, deixàva-me a sua
filha ja em sua casa, ja na minha, e Didi encontrava n'esta liberdade o
meio de nunca ir á mestra. Esta
consideração devia
pesar tanto como a tartaruga e a boneca, na sua
affeição por mim.
Ao mesmo tempo, M^{r.} e Madama Furze, o Coronel Mitchell, o Coronel
Baker, o Capitão Whalley e outros, faziam-me encontrar
n'elles verdadeiros amigos, que me enchiam de favôres; mas
Didi,
aquella linda criança de nove annos, preenchia um
vàcuo na
minha existencia de então, com as suas meiguices, e
ás vêzes com os seus
amuos e perrices.
Sem esta criança, eu teria talvez succumbido ao
tèdio que me ganhou e que me prostou ao
comêço em perigosa
doença.
Pietermaritzburg é uma bonita cidade, tem
magnìficas casas e sobêrbos templos, em um dos
quaes ouvi por vêzes a palavra eloquente,
arrebatada e cheia de fôgo, do sabio Bispo Colenso.
Ha ali formosos jardins e mimosissimas flôres, sendo as damas
de Natal muito dadas á floricultura, e concorrendo muitas
vêzes a certames nas exposições locaes.
Tem um magnìfico
parque, onde á tarde circulam muitas e brilhantes equipagens.
No tempo que ali passei, apresentava a cidade um aspecto desusado e um
movimento consideravel, consequencias da guerra dos Zulos. Os
hotéis estavam cheios de militares, os quartéis
regorgitavam de
soldados, e muitos acampavam fora d'elles. No
Royal
Hotel,
que diziam ser o melhor, o serviço era mao, devido isso
talvez ao excesso de
hòspedes que ali havia. Havia tambem, em geral, um grande
abuso nos
prêços de tudo, e isso era consequencia de o
govêrno pagar sem regatear.
O estabelecimento Cathòlico de Maritzburg é muito
importante, e tido com a maior ordem, goza de grande crèdito
na colonia.
O Consul Portuguez, M^{r.} Snell, escreveu-me, que tinha chegado o
paquête 'Danúbio', da
Union
Steamship
Company,
que devia seguir para Moçambique e Zanzibar no dia 19 de
Abril.
Parti, por isso, de Pietermaritzburg a 14, depois de ter feito saudosas
despedidas aos amigos que ali deixava.
Dirigi-me ao
Royal Hotel,
e não pude
obter um quarto.
Então M^{r.} Snell tratou de me arranjar alojamento, e
pôde obter um
quarto de banho no Club de Durban, onde me fizéram uma cama
no
chão.
Os officiaes que chegavam, cada dia, não tendo onde se
metter, armavam barracas de campanha nos pàteos e nas ruas
em volta dos
hotéis e do Club.
Por o mesmo paquête em que eu devia partir para o Norte tinha
chegado o infeliz prìncipe Napoleão, que
tão
caro devia pagar a sua ousadia e coragem. Conheci-o, e não
pude deixar de me
afeiçoar, no curto convìvio que
tivémos, a esse joven sympàthico,
intelligente e illustrado, a quem uma morte ingloria e
estùpida cortou tão
prematuramente uma existencia brilhante.
Quantas vêzes eu lhe repeti o meu principio fundamental da
vida Africana, "de desconfiar em Àfrica de tôdos e
de
tudo, até que provas irrefutaveis não nos
fizessem confiar em alguem ou em alguma
cousa."
A sua natureza ardente, a inexperiencia dos seus poucos annos, a sua
coragem leonina, e esse descuido peculiar á juventude cheia
de illusões e crenças, causáram a sua
perda. Só
quem o não conheceu o não lastimará;
que n'elle havia o germem de um grande homem, havia uma
attracção indefinivel para captar tôdos
os
corações.
Estranho á polìtica da França, n'estas
poucas linhas lavro um testemunho de saudade ao mancêbo
desterrado que foi meu amigo, e
não ao prìncipe que representava um principio, e
faço-o tanto mais
desassombradamente, que vi os seus proprios adversarios lastimarem
aquella grande catàstrophe.
Nas vèsperas da partida, travei
relações com M^{r.} e Madame Du Val, e recebi
d'elles muitos favôres, e finalmente, a 19 de Abril,
embarcava com os meus prêtos e as minhas bagagens n'um
pequeno vapor
que me devia conduzir ao
Danubio,
ancorado fora,
porque em
Durban ha apenas uma pequena enseada, fundeando os grandes
vapôres na costa limpa.
O mar estava um pouco picado e custou a atracar ao
Danubio.
M^{r.} e Madame Du Val iam comigo, porque M^{r.} Du Val, chefe da
Companhia Hollandeza em Àfrica Oriental, ia passar em
revista as feitorias de Moçambique.
A passagem das bagagens do pequeno vapor para o
Danubio
foi difficil, pêlo mao estado do mar, e uma das minhas caixas
cahio, sendo
esmagada e desfeita entre os dois vapôres.
Caixa e conteúdo fôram ao mar, mas o Commandante
Draper fez arrear logo um escalér, e pôde
conseguir salvar algumas das
cousas que ella continha e que fluctuavam, outras afundáram
e estavam
irremediavelmente perdidas.
Deixámos Durban, e não foi sem uma
sensação de infinito prazer que eu senti o
espadanar das àguas em tôrno do
èlice poderoso, que a cada rotação me
impellia no caminho da Patria.
Em Lourenço Marques foi pouco o tempo para receber
favôres, e a maior parte d'elle foi passada com o meu velho
amigo Augusto de Castilho, e com os meus amigos Machado, Maia e Fonceca.
A bordo, o Commandante Draper não cessava de me obsequiar.
Cheguei finalmente a Moçambique, onde fui encontrar
tôdas as autoridades na cama. O Governador Cunha, o seu
secretario e os seus ajudantes, estavam abrasados em febre.
Fui logo visitar o Governador, ao seu quarto de cama, e apesar do seu
melindroso estado de saude e do cuidado que lhe dava o estado de sua
espôsa, prostrada pêla febre tambem, Sua
Excellencia deu as mais terminantes ordens para facilitar o meu
regresso á Patria
com a gente que me acompanhava, fazendo-me os mais subidos
favôres.
Fui d'ali procurar um velho amigo da guerra da Zambezia, o Coronel
Torrezão, em cuja casa me hospedei, com os meus amigos Du
Val.
Dois dias depois, partia para Zanzibar, onde esperava encontrar
Stanley, mas com o qual me desencontrei, tendo partido na
vèspera da
minha chegada.
O D^{or.} Kirk, Consul Inglez em Zanzibar, deu-me um jantar, e subidos
fôram os favôres que recebi d'elle e de sua
espôsa.
Tôdos os Europêos porfiavam em me obsequiar,
distinguindo-se os officiaes da guarnição do
London.
O Commandante Draper, logo que soube que o vapor de Aden só
partiria dentro de oito dias, não consentio que eu
fôsse
para terra, dizendo-me (com razão) que as hospedarias ali
eram pèssimas,
e por isso fiquei vivendo a bôrdo, sempre com um
escalér
ás minhas ordens.
Travei ali relações com um joven Suisso, T.
Widmar, que devia ser meu companheiro de viagem para a Europa.
Depois de uma semana de demora, em que cada dia foi assignalado por
novos favôres de M^{r.} Du Val e do Commandante Draper,
deixei Zanzibar n'um pequeno vapôr, do
British
India,
onde recebi muitos
favôres do seu Commandante Allen.
Em Aden, como a carreira do
British
India tivesse
uma demora de oito dias, eu e Widmar tomámos passagem a
bôrdo de um
vapor da Lloyd Austriaca que nos conduzio a Suez, seguindo d'ali no
primeiro trem para o Cairo.
Eu tinha adoecido gravemente, e foi Widmar o meu enfermeiro, tendo por
mim cuidados de um velho amigo.
Ainda convalescente, fui ás piràmides com elle.
Eu tinha visto o Zaire e o Zambeze; não queria voltar
á Europa, sem saudar
a velho Nilo; e do alto do sarcòphago do rei Cheops, d'esse
monstruoso
monumento levantado ha quatro mil annos pêlo orgulho dos
Pharaós, eu
vi-o correr plàcido e sereno, banhando as ruinas da outrora
sobêrba Memphis.
Pouco depois, deixava o Cairo, sobêrba e ardente, cidade de
ouro e de miseria, e ia em Alexandria fazer novos amigos e receber
novos
favôres.
O Conde e a Condêssa de Caprara acima de tôdos,
fizéram-me taes obsèquios, que mais pareciam
amigos de annos do que
conhecidos de dias.
O Consul geral de Portugal, o Conde de Zogueb, tambem me fez
offerecimentos na vèspera da minha partida, quando soube que
o
Crédit Lyonnais
de Paris me tinha
aberto um crèdito no
Egypto, com
dinheiro meu, mandado de Lisboa pêlo meu amigo Luciano
Cordeiro.
Esquècia-me dizer, que por um mal-entendido das ordens do
govêrno de Portugal, eu estive no Egypto sem dinheiro,
gastando da
bôlça de Widmar e da do Conde de Caprara, e
podendo gastar de outras muitas estranhas que se me offereciam, e que
não pensavam que eu
fôsse um cavalheiro de industria; porque não
ignoravam que Portugal tivesse enviado
á Àfrica a expedição de
1877, e que d'essa
expedição o Major Serpa Pinto voltava
á Europa pêlo mar Ìndico.
Segui de Alexandria para Nàpoles, e d'ali por terra para
Bordeos, onde fui altamente obsequiado pêlo nosso Consul, o
Barão de Mendonça.
A 5 de Junho, deixava Pauillac, e a 9, em Lisboa, pisava a terra de
Portugal, no meio dos amigos mais dilectos que eu tantas
vêzes pensei não mais ver.
Na vèspera haviam chegado os meus prêtos, e o meu
papagaio.
Estavam pois a salvo os trabalhos, e os restos de um dos ramos
da
expedição Portugueza ao interior da
Àfrica Austral, em 1877.
CONCLUSÃO.
Vou concluir o meu trabalho apresentando as minhas ùltimas
observações astronòmicas e
meteorològicas, e ajuntando a
ellas um vocabulario de lìnguas Africanas, limitarme-hei a
dizer poucas palavras
mais.
O resultado das observações
astronòmicas, calculadas por mim em Àfrica
durante a viagem, fôram recalculadas em Londres por M^{r.} S.
S. Sugden, e apresentando, como apresento, as
observações
iniciaes, podem ser ainda reverificadas.
Em tôdos os pontos onde me demorei mais de um dia, tive o
cuidado de estudar as marchas dos chronòmetros, que,
àlém d'isso, me eram reveladas pelas
comparações diàrias, e pelas
observações dos eclipses e dos reaparecimentos do
primeiro satèlite de Jùpiter.
N'esta parte de minha viagem, tive uma sorprêsa que me tirou
algumas noutes de sono. Foi ella a da grande differença que
encontrei na posição de Shoshong (
Xoxom)
em longitude, e mesmo em
latitude.
Homens distinctos e sôbre todos Ed. Mohr, passáram
ali e determináram aquella posição.
Fiquei pois sorprendido, vendo
que a minha determinação importava uma
differença de mais de 60 milhas!
Durante a minha estada em Shoshong, estudei cuidadosamente as marchas
dos chronòmetros, e conheci que se conservavam sem a menor
alteração. Continuando a viagem, o meu
ùnico cuidado era chegar a ponto
onde podesse reverificar os chronòmetros por uma longitude
conhecida.
Assim fiz, e as segundas observações que
apresento no quadro fôram calculadas dos estados dos
chronòmetros, encontrados em
Soul's Port e Heidelberg.
O ùltimo reapparecimento que observei do 1^o
satèlite de Jùpiter, na noute de 13 de Decembro,
e a verificação feita em
Heidelberg, não me deixam dùvida de que a minha
posição
deve ser muito pròxima da verdadeira, em quanto á
longitude; e em quanto á
latitude, não tenho a menor dùvida em a garantir
a 30" de
approximação.
Aqui, como ja fiz antecedentemente, apresento as
observações iniciaes hypsomètricas
para a determinação do
relêvo do meu caminho.
Empreguei no càlculo d'ellas a temperatura constante de 23
graos para o nivel do mar, por ser ella a mèdia das
temperaturas
sôb a pressão de 760 milimetros n'aquellas
latitudes.
É minha opinião, que ali, não havendo
occasião de fazèrem-se
observações simultàneas, deve ser
aquella a temperatura empregada nos
càlculos.
A fòrmula que empreguei para calcular as altitudes foi a
seguinte, que é perfeitamente empìrica:
A
= (100 - H)(284.95 +
3.1
{A/1000}).
Esta fòrmula não é mais do que a
antiga fòrmula de Laplace, em que se não leva em
conta a constante 18,382 = 18,336 (1 + {1/400})
que diz respeito á diminuição do
mercurio na
vertical produzida pêlo pêso, uma vez que nos
hypsòmetros se não dá essa
circunstancia.
Assim, pois, as tabuas que empreguei, sam construidas da formula:
A
= 18,382 log {760/B} +
{1/6,366,200} (18,382 log {760/B})^2,
e cujos nùmeros obtidos sam reduzidos de 1/400, e da
tàbua das tenções do vapor construida
por M^{r.} Regnault.
Quem dér uma certa attenção
ás observações
meteorològicas que publico, verá que as
alterações
atmosphèricas n'esta parte de Àfrica, influem
pouco ou nada na pressão, que se conserva a mesma no meio
das mudanças e variações mais
sùbitas.
Assim, pois, os resultados das observações
hypsomètricas apresentam uma certa garantia de
approximação.
As localidades a que se referem as observações
meteorològicas não estam designadas, mas facil
é encontral-as, porque, pêlo
diario e pêlo quadro das observações
astronòmicas,
sàbe-se onde eu estava nos dias designados.
Quiz juntar a este trabalho uma collecção de
têrmos das lìnguas Hambundo e Ganguela, faladas de
Benguella ao Zambeze, e fui á obra de
Gamito buscar os termos correspondentes em uma outra lìngua
falada
nas mesmas latitudes na costa de Este, para que se podesse fazer uma
comparação entre ellas, e effectivamente
encontramos ali muitos termos communs.
Esta parte da minha viagem do Zambeze ao Transvaal, não
apresenta aos geògraphos o mêsmo interesse da
parte de Benguella
ao Zambeze, porque àlém do caminho de Deica a
Shoshong, é
ella mais ou menos conhecida. Assim, pois, não me deterei
aqui a acrescentar ao que ja
disse nada mais, àlém de duas palavras a respeito
d'êsse traço de Deica a Shoshong, e
sôbre tudo da região dos lagos salgados; e isto
porque ja vi a asserção de um explorador
eminente, de que o
Grande Macaricari derivava àguas para a costa de Este
pêlo Xua (
Shua)
e
Nata.
Não posso, nem dêvo, admittir tal
hypòthese.
A poucas milhas de distancia, o Xua e Nata apresentam um desnivelamento
de 24 metros, e bastava que a àgua subisse no Macaricari
metade d'esta altura para alagar o deserto tôdo.
Àlém d'isso, verifiquei, que o terreno se eleva
muito para leste do Macaricari, e que tôdos os rios que
descem ao lago apresentam desnivelamento grande.
A primeira àgua que encontrei correndo a este foi a que
nasce na altura de Linocanin, cujas vertentes oeste deitam
àgua a oeste no
Deserto.
Assim, pois, instrumentos na mão, e càlculos
á vista, rejeito a idéa de que, do Grande
Macaricari transbordem àguas para o mar
Ìndico; e que me perdôe o meu illustre colega se o
contradigo, e se
não posso deixar de sustentar a minha opinião
estribada em
observações e càlculos que
não falham. Perdoe-me, e se ha n'isto a menor teimosia,
é ella da matemàtica, que tem ás
vêzes as suas
brutalidades.
Lembrei-me de juntar ao livro três facsìmiles, de
pàginas do meu diario, dos meus livros de
càlculos, e do meu albo de cartas, para
mostrar os originaes dos meus trabalhos Africanos, e com isto concluo a
relação d'êsses trabalhos, que eu devia
ao meu paiz e ao
pùblico em geral.
Três
Facsìmiles, de pàginas do Diario,
dos Livros de Càlculos, e do Albo de Cartas
Observações
Astronòmicas feitas da
Confluencia do rio Cuando ao
Transvaal.
|
Anno de
1878. |
Logares
onde
observei. |
Hora dos
Chronòmetros. |
Estado para
Greenwich. |
|
|
|
|
|
H. |
M. |
S. |
|
H. |
M. |
S. |
a |
Outubro |
22 |
Embarira |
|
0 |
7 |
0 |
+ |
4 |
3 |
49 |
b |
" |
" |
" |
|
3 |
16 |
36 |
+ |
4 |
3 |
49 |
c |
" |
" |
" |
|
--- |
|
--- |
d |
" |
25 |
Lechuma |
|
9 |
2 |
36 |
+ |
4 |
4 |
19 |
e |
" |
28 |
" |
|
9 |
27 |
26 |
+ |
4 |
4 |
50 |
f |
" |
" |
" |
|
5 |
37 |
18 |
|
--- |
g |
Novem. |
5 |
" |
|
--- |
|
--- |
h |
" |
" |
" |
|
9 |
34 |
40 |
+ |
4 |
6 |
11 |
i |
" |
7 |
" |
|
--- |
|
--- |
j |
Dezem. |
6 |
Tamafupa |
|
9 |
25 |
0 |
- |
1 |
45 |
0 |
l |
" |
13 |
No
Deserto |
|
6 |
5 |
50 |
|
--- |
m |
" |
14 |
Margem do rio
Nata |
|
4 |
0 |
34 |
+ |
4 |
9 |
46 |
n |
" |
15 |
"
" |
|
17 |
8 |
0 |
- |
1 |
48 |
0 |
o |
" |
16 |
"
" |
|
6 |
28 |
0 |
- |
1 |
48 |
0 |
p |
1879. |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
q |
Janeiro |
1 |
Shoshong |
|
6 |
30 |
0 |
- |
1 |
48 |
0 |
r |
" |
2 |
" |
[A]
{ |
3 |
54 |
37 |
+ |
4 |
13 |
0 |
s |
" |
" |
" |
{ |
3 |
54 |
44 |
+ |
4 |
13 |
0 |
t |
" |
" |
" |
|
7 |
16 |
0 |
- |
1 |
48 |
0 |
u |
" |
7 |
" |
[B]
{ |
3 |
48 |
45 |
+ |
4 |
12 |
18 |
v |
" |
" |
" |
{ |
3 |
50 |
10 |
+ |
4 |
12 |
18 |
x |
" |
23 |
Confluencia do Ntuani |
|
9 |
10 |
58 |
+ |
4 |
16 |
15 |
z |
" |
" |
"
" |
|
9 |
15 |
35 |
+ |
4 |
16 |
15 |
0 |
" |
" |
"
" |
|
9 |
14 |
25 |
+ |
4 |
16 |
15 |
1 |
" |
" |
"
" |
|
--- |
|
--- |
2 |
" |
26 |
Limpopo (Adicul) noite dos
leões |
|
--- |
|
--- |
3 |
" |
" |
"
" |
|
4 |
7 |
59 |
+ |
4 |
16 |
41 |
4 |
" |
" |
"
" |
|
4 |
11 |
19 |
+ |
4 |
16 |
41 |
5 |
Fevereiro |
1 |
Cornocopia |
|
0 |
25 |
46 |
+ |
4 |
17 |
37 |
6 |
" |
" |
" |
|
0 |
22 |
32 |
+ |
4 |
17 |
37 |
7 |
" |
4 |
Soul's
Port |
|
--- |
|
--- |
8 |
" |
5 |
" |
|
9 |
1 |
32 |
|
--- |
9 |
" |
" |
" |
|
9 |
2 |
17 |
|
--- |
A |
Março |
10 |
Heidelberg |
|
--- |
|
--- |
B |
" |
" |
" |
|
3 |
57 |
49 |
|
--- |
Legenda:
[
A] Estado para esta longitude foi
calculado pelas marchas anteriores,
e é referido á observação
do
reapparecimento do 1^o satèlite de Jùpiter a 13
de Dezembro.
[
B] Estado para esta longitude foi
calculado pelas marchas posteriores,
e é referido á longitude de Heidelberg.
|
Natureza
da
Observação. |
Dupla
altura do
astro. |
[A] |
[B] |
[C] |
[D] |
Resultados. |
|
|
° |
' |
" |
° |
' |
" |
H. |
M. |
S. |
|
' |
" |
|
|
° |
' |
|
a |
Amplitude Mag. 2°
5' |
--- |
17 |
49 |
0 |
--- |
--- |
--- |
Variação |
20 |
39 |
O. |
b |
Chron. [*-] |
99 |
45 |
10 |
17 |
49 |
0 |
--- |
- |
0 |
50 |
1 |
Long. |
25 |
23 |
E. |
c |
Alt.Mer. [+]
Markal ([a]
do Pegaso) |
115 |
17 |
0 |
--- |
--- |
- |
1 |
0 |
1 |
Lat. |
17 |
49 |
S. |
d |
Chron. [*-] |
89 |
54 |
40 |
17 |
56 |
0 |
--- |
- |
0 |
30 |
3 |
Long. |
25 |
25 |
E. |
e |
" |
78 |
13 |
30 |
17 |
56 |
0 |
--- |
" |
3 |
" |
25 |
25 |
E. |
f |
Reap. do 1^o
satèlite de Jùpiter |
--- |
--- |
--- |
--- |
--- |
Estado |
4^h.4^m.50^s. |
g |
Alt. Mer. [-)] |
140 |
22 |
0 |
--- |
1 |
45 |
0 |
- |
1 |
0 |
1 |
Lat. |
17° |
56' |
S. |
h |
Chron. [*-] |
75 |
7 |
23 |
17 |
56 |
0 |
--- |
- |
0 |
40 |
3 |
Lon. |
25 |
24 |
E. |
i |
Alt. Mer. [*-] |
118 |
55 |
0 |
--- |
1 |
45 |
0 |
+ |
1 |
0 |
1 |
Lat. |
17 |
57 |
S. |
j |
" |
101 |
0 |
2 |
--- |
1 |
45 |
0 |
+ |
6 |
0 |
1 |
" |
19 |
19 |
S. |
l |
Reap. do 1^o
sat. de Jùp. |
--- |
--- |
--- |
--- |
--- |
Estado |
4^h.9^m.40^s |
m |
Chron. [*-] |
125 |
7 |
10 |
20 |
10 |
0 |
--- |
+ |
1 |
30 |
3 |
Long. |
27° |
0' |
E. |
n |
Alt. Mer. [-)] |
--- |
--- |
--- |
+ |
2 |
30 |
1 |
Lat. |
20 |
10 |
S. |
o |
Amplitude Mag.
3°
45' |
--- |
20 |
10 |
0 |
--- |
--- |
1 |
Variação |
21 |
14 |
O. |
p |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
q |
Alt. Mer. [-)] |
105 |
55 |
30 |
--- |
--- |
- |
0 |
45 |
1 |
Lat. |
23 |
1 |
S. |
r |
Chron. [*-] |
121 |
2 |
53 |
23 |
1 |
0 |
--- |
" |
3 |
Long. |
27 |
24 |
E. |
s |
" |
121 |
33 |
40 |
23 |
1 |
0 |
--- |
" |
3 |
" |
27 |
20 |
E. |
t |
Alt. Mer. [-)] |
96 |
49 |
30 |
--- |
--- |
" |
1 |
Lat. |
23 |
1 |
S. |
u |
Chron. [*-] |
117 |
31 |
26 |
--- |
--- |
" |
3 |
Long. |
27 |
19 |
E. |
v |
" |
118 |
30 |
33 |
--- |
--- |
" |
3 |
" |
27 |
20 |
E. |
x |
" |
91 |
33 |
33 |
23 |
42 |
6 |
--- |
- |
0 |
30 |
3 |
" |
27 |
39 |
E. |
z |
" |
90 |
58 |
13 |
23 |
42 |
0 |
--- |
" |
3 |
" |
27 |
39 |
E. |
0 |
" |
91 |
30 |
40 |
23 |
42 |
0 |
--- |
" |
1 |
" |
27 |
39 |
E. |
1 |
Alt. Mer. [+] Canopus ([a] do Argus) |
122 |
10 |
0 |
--- |
1 |
50 |
0 |
" |
1 |
Lat. |
23 |
42 |
S. |
2 |
Alt. Mer. [+]
Canopus |
122 |
59 |
40 |
--- |
1 |
50 |
0 |
- |
0 |
50 |
1 |
" |
24 |
6 |
S. |
3 |
[+] Aldebaran
([a] do
Touro) |
77 |
42 |
10 |
24 |
6 |
0 |
--- |
" |
1 |
Long. |
27 |
32 |
E. |
4 |
[+] Aldebaran |
76 |
40 |
50 |
24 |
6 |
0 |
--- |
" |
1 |
" |
27 |
32 |
E. |
5 |
Chron. [-)] |
74 |
22 |
40 |
24 |
38 |
0 |
--- |
" |
1 |
" |
27 |
38 |
E. |
6 |
" |
73 |
57 |
33 |
24 |
38 |
0 |
--- |
" |
3 |
" |
27 |
37 |
E. |
7 |
Alt. Mer. [)-] |
80 |
4 |
10 |
--- |
1 |
51 |
0 |
- |
0 |
40 |
1 |
Lat. |
25 |
10 |
S. |
8 |
Chron. [*-] |
95 |
6 |
10 |
--- |
1 |
51 |
12 |
" |
3 |
Estado |
4^h.18^m.14^s. |
9 |
" |
94 |
45 |
17 |
--- |
1 |
51 |
12 |
" |
3 |
|
4^h.18^m.14^s. |
A |
Alt. Mer. [*-] |
134 |
47 |
30 |
--- |
1 |
56 |
0 |
+ |
1 |
65 |
1 |
Lat. |
26° |
29' |
S. |
B |
Chron. [*-] |
109 |
13 |
20 |
--- |
1 |
56 |
0 |
+ |
2 |
30 |
3 |
Estado |
4^h.23^m.16^s. |
Legenda:
[
A] Latitude Sul.
[
B] Longitude em tempo.
[
C] Erro do instrumento.
[
D] N^o. de Obs.
[*-] símbolo do sol por cima da barra
[)-] símbolo da lua por cima da barra
[-)] símbolo da lua por baixo da barra
[+] símbolo de estrela
[a] Letra grega "Alpha"
Quadro
das
Observações Hypsomètricas
feitas de Lexuma a Heidelberg,
para
determinar o
relêvo do caminho seguido pelo Major Serpa
Pinto.
Nome
dos
Logares. |
[A] |
[B] |
[C] |
[D] |
[E] |
Lexuma |
674.6 |
32.2 |
23 |
96.70 |
1,053 |
Deica |
" |
27.0 |
" |
96.55 |
1,092 |
Nata (ponto determinado) |
684.3 |
31.0 |
" |
97.08 |
929 |
Xua (curso inferior do Nata) |
685.5 |
28.0 |
" |
97.14 |
905 |
Linocanin |
674.5 |
22.0 |
" |
96.70 |
1,034 |
Morrolana |
678.5 |
27.0 |
" |
96.86 |
993 |
Luane |
664.5 |
25.0 |
" |
96.29 |
1,171 |
Cane |
664.4 |
25.5 |
" |
96.29 |
1,171 |
Shoshong |
669.7 |
24.7 |
" |
96.50 |
1,107 |
Confluencia do
Ntuani |
691.0 |
26.2 |
" |
97.38 |
837 |
Cornocopia |
678.5 |
27.0 |
" |
96.86 |
993 |
Soul's
Port |
671.5 |
26.8 |
" |
96.57 |
1,092 |
Alto do Piland's
berg |
Differença de
pressão para Soul's Port
26 milimetros ou 285
metros |
1,378 |
Pretoria |
654.5 |
26.0 |
" |
95.87 |
1,310 |
Heidelberg |
639.0 |
18.6 |
" |
95.22 |
1,495 |
Jeanette Peak (Zuikerbosch) |
608.0 |
16.0 |
" |
93.89 |
1,911 |
Legenda:
[
A] Baròmetro.
[
B] Thermòmetro.
[
C] Temperatura ao niv. do mar.
[
D] Hypsòmetro.
[
E] Altitude em metros.
Quadro
das
Observações Meteorològicas
feitas a 0^h. 43^m. de Greenwich,
do
Zambeze ao Transvaal.
Annos de 1878, 1879.
Mez. |
Dia. |
[A] |
Thermòmetro
centìgrado. |
Direcção
do
vento. |
Estado da
atmosphera. |
[B] |
[C] |
Out. 1878 |
24 |
663.4 |
38.5 |
27.4 |
E.S.E. |
Nublado. |
" |
25 |
663.0 |
39.1 |
27.6 |
" |
" (cumulus). |
" |
26 |
664.1 |
33.4 |
28.3 |
E. forte. |
" |
" |
27 |
664.4 |
34.0 |
28.1 |
Calma. |
" |
" |
28 |
662.3 |
39.4 |
27.3 |
E.S.E. forte |
" |
Novembro |
2 |
664.4 |
31.1 |
22.7 |
E.
fraco |
" |
" |
3 |
664.9 |
33.2 |
24.3 |
Calma. |
" |
" |
4 |
665.1 |
30.5 |
24.1 |
E.
fraco |
" |
" |
5 |
664.9 |
30.1 |
24.7 |
E.S.E. |
" |
" |
6 |
666.2 |
27.0 |
20.7 |
" |
Algumas nuvens. |
" |
7 |
663.5 |
35.4 |
21.4 |
" |
"
" |
" |
8 |
664.0 |
34.6 |
21.3 |
" |
"
" |
" |
9 |
663.8 |
30.1 |
25.2 |
E. forte. |
Nimbus, chuva e
trovoada. |
" |
10 |
663.7 |
30.4 |
27.3 |
" |
"
" " |
" |
11 |
664.1 |
31.5 |
26.7 |
E. fraco. |
Nublado. |
" |
12 |
664.3 |
33.1 |
25.4 |
E. forte. |
" |
" |
13 |
663.8 |
31.7 |
26.3 |
" |
Chuva moderada. |
" |
20 |
681.1 |
27.5 |
27.0 |
E.N.E. |
"
forte. |
" |
21 |
682.0 |
27.0 |
25.3 |
E. forte |
Nublado. |
" |
28 |
666.3 |
30.4 |
23.7 |
E.N.E. |
Chuva moderada. |
" |
29 |
664.5 |
29.7 |
24.6 |
E. forte |
"
" |
" |
30 |
664.9 |
29.5 |
24.7 |
" |
"
" |
Dezembro |
1 |
663.5 |
29.8 |
24.3 |
E.
fraco |
Nublado. |
" |
2 |
663.2 |
31.4
|
26.2 |
Calma. |
" |
" |
3 |
663.7 |
31.1 |
22.3 |
E.
fraco |
Ceo limpo. |
" |
4 |
664.8 |
33.2 |
23.7 |
" |
" |
" |
5 |
667.9 |
27.9 |
21.4 |
E.S.E |
Alguns nuvens. |
" |
6 |
667.1 |
31.4 |
22.7 |
Calma |
"
" |
" |
7 |
668.9 |
33.5 |
24.2 |
E.
fraco. |
"
" |
" |
8 |
669.3 |
32.4 |
25.7 |
" |
"
" |
" |
10 |
670.4 |
31.9 |
27.4 |
E. forte. |
Ceo limpo. |
" |
11 |
670.2 |
33.7 |
27.3 |
" |
" |
" |
12 |
672.7 |
31.4 |
26.7 |
" |
Algumas nuvens. |
" |
13 |
677.1 |
30.7 |
26.4 |
" |
"
"
(cumulus). |
" |
14 |
677.3 |
30.4 |
24.3 |
" |
"
" |
" |
15 |
677.4 |
30.7 |
23.5 |
" |
"
" |
" |
16 |
677.0 |
33.9 |
26.4 |
" |
"
" |
" |
17 |
677.2 |
31.1 |
27.2 |
" |
"
" |
" |
18 |
677.0 |
30.4 |
22.3 |
" |
"
" |
" |
19 |
675.7 |
27.9 |
23.2 |
" |
"
" |
" |
20 |
676.5 |
24.3 |
21.1 |
" |
Chuva torrencial e grande trovoada. |
" |
21 |
--- |
--- |
--- |
--- |
Chuva
torrencial. |
" |
22 |
665.5 |
22.0 |
22.0 |
E. fraco |
"
" |
" |
23 |
664.3 |
21.0 |
20.7 |
" |
"
" |
" |
24 |
664.1 |
20.4 |
20.4 |
E.
forte |
"
" |
" |
25 |
670.4 |
30.5 |
28.3 |
" |
Nublado. |
" |
26 |
658.0 |
27.8 |
24.3 |
" |
Ceo limpo. |
" |
27 |
657.3 |
28.5 |
24.9 |
E.
fraco |
Nublado. |
" |
28 |
657.2 |
28.8 |
25.3 |
Calma |
" |
" |
29 |
656.9 |
29.3 |
26.5 |
E.S.E. |
" |
" |
30 |
657.1 |
27.4 |
24.3 |
" |
" |
Jan. 1879 |
1 |
657.3 |
26.7 |
24.3 |
N.E. |
" |
" |
2 |
658.7 |
25.4 |
23.1 |
N.E. forte. |
" |
" |
6 |
664.5 |
24.8 |
22.7 |
" |
" |
" |
7 |
663.0 |
26.0 |
19.8 |
" |
" (cirrus). |
" |
8 |
659.0 |
28.5 |
20.6 |
Calma |
" (cumulus). |
" |
9 |
660.8 |
22.3 |
19.0 |
S.S.E. forte |
Chuva
torrencial. |
Legenda:
[
A]
Baròmetro.
[
B] Seco.
[
C] Molhado.
Estudo
das
oscilações diurnas do Barometro, e do
estado Hygromètrico da
Atmosphéra,
feito de 3 em 3 horas, em Lexhuma (alto
Zambeze) no mez de
Novembro
de 1878.
Dias. |
6 horas. |
9 horas. |
Meio-dia. |
[A] |
[B] |
[A] |
[B] |
[A] |
[B] |
[C] |
[D] |
[C] |
[D] |
[C] |
[D] |
6 |
666.0 |
24.2 |
22.9 |
670.0 |
24.1 |
21.7 |
668.0 |
28.0 |
20.3 |
7 |
666.5 |
20.6 |
19.4 |
668.0 |
24.7 |
21.4 |
666.2 |
32.1 |
21.7 |
8 |
667.0 |
20.4 |
17.4 |
667.5 |
27.6 |
19.6 |
666.0 |
31.7 |
21.6 |
Dias. |
3 horas. |
6 horas. |
Estado
da
Atmosphèra. |
[A] |
[B] |
[A] |
[B] |
[C] |
[D] |
[C] |
[D] |
6 |
666.6 |
27.0 |
19.7 |
666.3 |
24.2 |
19.1 |
Vento E.S.E. nublado. |
7 |
663.0 |
37.8 |
23.1 |
665.0 |
27.0 |
22.0 |
"
" |
8 |
664.2 |
36.9 |
24.2 |
666.1 |
26.3 |
22.2 |
|
Legenda:
[
A] Baròmetro.
[
B] Thermòmetro.
[
C] Seco.
[
D] Molhado.
Estudo
das
oscilações diurnas do Barometro e do
estado Hygromètrico da
Atmosphéra,
feito de 3 em 3 horas em Shoshong (Calaari) no
mez de
Janeiro
de 1879.
Dias. |
6 horas. |
9 horas. |
Meio-dia. |
[A] |
[B] |
[A] |
[B] |
[A] |
[B] |
[C] |
[D] |
[C] |
[D] |
[C] |
[D] |
7 |
665.0 |
20.0 |
18.6 |
665.0 |
22.1 |
18.9 |
664.0 |
24.7 |
20.3 |
8 |
662.0 |
19.7 |
17.3 |
662.0 |
25.0 |
19.8 |
660.5 |
27.6 |
20.8 |
9 |
662.0 |
20.1 |
19.3 |
663.0 |
19.0 |
17.6 |
662.0 |
23.8 |
21.7 |
Dias. |
3 horas. |
6 horas. |
Estado
da
Atmosphèra. |
[A] |
[B] |
[A] |
[B] |
[C] |
[D] |
[C] |
[D] |
6 |
662.0 |
27.6 |
19.8 |
660.0 |
25.4 |
19.2 |
Nublado
(cirrus), N.E.
forte. |
7 |
658.5 |
28.7 |
20.1 |
659.0 |
27.1 |
24.0 |
Nublado
(cumulus), calma. |
8 |
660.0 |
23.0 |
19.3 |
661.3 |
23.0 |
19.8 |
Vento
S.S.E.; chuva torrencial. |
Legenda:
[
A] Baròmetro.
[
B] Thermòmetro.
[
C] Seco.
[
D] Molhado.
Boletim
Meteorològico
feito as 6 horas da manhã
(hora media do logar),
Annos
de 1878 e 1879.
Mez. |
Dia. |
[A] |
[B] |
|
Mez. |
Dia. |
[A] |
[B] |
Outubro |
19 |
676.0 |
21.7 |
|
Dezembro |
25 |
672.0 |
17.4 |
" |
20 |
676.0 |
19.7 |
|
" |
26 |
658.0 |
18.4 |
" |
21 |
675.0 |
24.3 |
|
" |
27 |
658.0 |
18.6 |
" |
23 |
673.0 |
18.8 |
|
" |
28 |
657.5 |
21.1 |
" |
24 |
665.5 |
20.8 |
|
" |
29 |
658.0 |
21.8 |
" |
25 |
666.0 |
23.1 |
|
" |
30 |
658.0 |
18.3 |
" |
26 |
666.8 |
22.5 |
|
" |
31 |
658.0 |
21.8 |
" |
27 |
667.0 |
16.5 |
|
Janeiro |
1 |
659.0 |
24.0 |
" |
28 |
665.3 |
21.7 |
|
" |
2 |
661.5 |
20.8 |
Novembro |
2 |
670.0 |
17.9 |
|
" |
3 |
660.0 |
20.6 |
" |
4 |
668.4 |
21.8 |
|
" |
6 |
667.0 |
19.8 |
" |
5 |
668.0 |
22.7 |
|
" |
7 |
665.0 |
20.0 |
" |
6 |
666.0 |
24.2 |
|
" |
8 |
662.0 |
19.7 |
" |
7 |
666.5 |
20.6 |
|
" |
9 |
662.0 |
20.1 |
" |
8 |
667.0 |
20.4 |
|
" |
10 |
661.2 |
19.1 |
" |
9 |
667.0 |
22.1 |
|
" |
11 |
661.5 |
18.6 |
" |
10 |
666.0 |
20.2 |
|
" |
12 |
661.5 |
20.4 |
" |
11 |
668.0 |
19.9 |
|
" |
13 |
662.0 |
20.2 |
" |
12 |
670.0 |
19.8 |
|
" |
14 |
664.0 |
20.7 |
" |
13 |
671.5 |
20.8 |
|
" |
15 |
668.0 |
18.9 |
" |
14 |
668.0 |
23.1 |
|
" |
16 |
667.0 |
21.1 |
" |
15 |
664.0 |
21.4 |
|
" |
17 |
680.1 |
20.4 |
" |
16 |
667.2 |
21.9 |
|
" |
18 |
680.0 |
21.2 |
" |
17 |
667.0 |
20.0 |
|
" |
19 |
681.6 |
20.7 |
" |
18 |
667.5 |
19.4 |
|
" |
20 |
684.0 |
22.2 |
" |
19 |
676.5 |
21.1 |
|
" |
21 |
687.0 |
17.2 |
" |
20 |
684.0 |
19.4 |
|
" |
22 |
688.0 |
14.2 |
" |
21 |
682.0 |
22.2 |
|
" |
23 |
688.0 |
15.2 |
" |
22 |
680.8 |
22.8 |
|
" |
24 |
686.0 |
18.9 |
" |
23 |
674.5 |
20.8 |
|
" |
25 |
685.7 |
19.2 |
" |
24 |
668.5 |
21.3 |
|
" |
26 |
688.0 |
17.7 |
" |
25 |
666.6 |
19.1 |
|
" |
27 |
688.0 |
18.6 |
" |
26 |
668.8 |
22.8 |
|
" |
28 |
682.0 |
18.4 |
" |
27 |
668.0 |
21.2 |
|
" |
29 |
682.0 |
17.7 |
" |
28 |
669.0 |
18.2 |
|
" |
30 |
679.0 |
18.4 |
" |
29 |
667.0 |
21.8 |
|
" |
31 |
679.0 |
19.1 |
" |
30 |
666.5 |
20.1 |
|
Fevereiro |
1 |
676.0 |
19.4 |
Dezembro |
1 |
666.5 |
20.1 |
|
" |
2 |
672.0 |
19.5 |
" |
2 |
666.5 |
20.0 |
|
" |
3 |
664.0 |
16.7 |
" |
5 |
667.5 |
21.7 |
|
" |
4 |
673.5 |
18.0 |
" |
6 |
671.3 |
18.6 |
|
" |
5 |
665.0 |
17.8 |
" |
7 |
673.0 |
20.8 |
|
" |
6 |
665.0 |
17.6 |
" |
8 |
672.0 |
21.4 |
|
" |
7 |
662.0 |
18.4 |
" |
9 |
672.5 |
21.7 |
|
" |
8 |
672.0 |
20.7 |
" |
10 |
672.0 |
21.6 |
|
" |
9 |
672.0 |
19.3 |
" |
11 |
673.0 |
21.8 |
|
" |
10 |
671.0 |
22.1 |
" |
12 |
672.0 |
21.9 |
|
" |
11 |
666.0 |
17.2 |
" |
13 |
675.0 |
20.5 |
|
" |
12 |
652.7 |
16.0 |
" |
14 |
679.6 |
18.9 |
|
" |
13 |
648.5 |
18.6 |
" |
15 |
680.0 |
17.0 |
|
" |
14 |
649.0 |
20.5 |
" |
16 |
678.0 |
14.3 |
|
" |
15 |
648.0 |
18.0 |
" |
17 |
679.0 |
18.5 |
|
" |
16 |
645.0 |
17.8 |
" |
17 |
679.0 |
12.6 |
|
" |
17 |
647.0 |
17.8 |
" |
19 |
676.6 |
21.7 |
|
" |
18 |
648.0 |
16.1 |
" |
20 |
676.0 |
23.1 |
|
" |
19 |
647.0 |
16.4 |
" |
21 |
679.8 |
21.8 |
|
" |
20 |
647.0 |
18.4 |
" |
22 |
668.3 |
19.9 |
|
" |
21 |
646.0 |
20.0 |
" |
23 |
667.0 |
22.2 |
|
" |
22 |
645.0 |
19.2 |
" |
24 |
664.8 |
18.5 |
|
" |
23 |
645.0 |
20.3 |
Legenda:
[
A] Baròmetro.
[
B] Thermòmetro.
BREVE
VOCABULARIO
DAS
QUATRO PRINCIPAES
LINGUAS FALADAS ENTRE OS PARALLELOS 12 E 18
AUSTRAES, DE COSTA A COSTA, COM EQUIVALENTES INGLEZES.
A
Cafrial de
Téte fôra extrahida da obra
de
Monteiro e Gamito.
Portuguez. |
Hambundo. |
Ganguela. |
Cafrial de Téte. |
Inglez. |
A |
|
|
|
|
Abelha |
Olonhi |
Vapúca |
Arume |
Bee |
Abobora |
Omútu |
Quinpútu |
Matanga |
Gourd |
Abrir |
Ocu-icúla |
Quezuvula |
Fungura |
To open |
Acabar |
Ocu-apûa |
Cu-náo |
Da-pêra |
To finish |
Accender |
Ocu-chana |
Cu-ecca |
Gaça |
To kindle |
Achar |
Ocu-sanga |
Cu-anna |
Uónéca |
To find |
Adevinhar |
Ocu-siacata |
Cu-tangja |
Ombéza |
To divine |
Adevinhador |
Quacotangja |
Moquachimpa |
Ganga |
Diviner |
Agua |
Obaba |
Mema |
Mazi |
Water |
Ahi |
Pápa |
Han-a |
Icôco |
There |
Almadia |
Oáto |
Uáto |
Garáua |
Canoe |
Alizar |
|
|
Curanga |
To smoothe |
Amanhã |
Hêra |
Mene |
Manguana |
To-morrow |
Amarrar |
Ocu-cuta |
Cu-zitica |
Manga |
To moor |
Amigo |
Cambariangue |
Mussamba |
Chicovera, ou Chaumar |
Friend (male) |
Amiga |
Choparanga |
Pangara |
|
Friend (female) |
Anojar |
Ocu-lepica |
Cu-era |
Nóca |
To annoy |
Andar |
Ocu-enda |
Cu-enda |
Famba |
To go |
Andar de vagar |
Eudavando |
Dicúia-vando |
|
To go slowly |
Andar de pressa |
Endaco lombiri |
Tuntâ có |
|
To go fast |
Andar coxo |
Tenguena |
Cu-venduira |
|
To go lame |
Andar tolo |
Uenduveque |
Quieve |
|
To be off |
Animal |
Oquinha ma |
I'nchito |
Chirombo |
Animal |
Anno (tem 6 luas) |
Unhãmo,
ou Ulima |
Muaca |
Gulóri |
Year (6 moons) |
Ante-hontem |
Érênha |
Zaûa lize |
Zaua |
Day before yesterday |
Apagar |
Ocúi ma |
Cu-zima |
Túna |
To extinguish |
Apalpar |
Ocu-papata |
Cu-papata |
Pata |
To feel |
Apanhar
(cousa q. foje) |
Ocu-ata |
Cu-ata |
Lucóta |
To catch, to overtake |
Apanhar do chão |
Nora, ou uhagura |
Tentúra |
|
To pick up |
Arco de frecha |
Onge |
Uta ualúcussa |
|
Bow |
Arco (curva) |
Quiapenga |
Quiaenga |
Uta |
Arch |
Arrancar |
Ocu-túcúna |
Cu-tucuna |
Zuría |
To root up |
Arroz |
Oloósso |
|
Umpunga |
Rice |
Assentar-se |
Ocu-tomár |
Cu-tubamma |
Cara |
To sit down |
Assim mesmo |
Doto môere, ou
Omô moere |
Mómovene |
Dimômo |
In like manner |
Assoprar |
Ocu-pepêrêra |
Cu-ozerera |
|
To blow |
Atirar |
Ocu-imba |
Cu-iassa |
Ponha |
To shoot |
Atirar tiros |
Ocu-roia |
Cu-roza |
|
"
with a gun |
Atirar frechas |
Ocu-iassa |
Cu-iassa |
|
To shoot with a bow |
Atraz |
Conhima |
Coui ma |
Cumbáió |
Backwards |
Adiante |
Covássa |
Corntúe |
|
Before |
Áves |
Orogira, ou Órougira |
Tuzirá |
Baráme |
Birds |
Avô ou
avó |
Cúco, ou maicuro |
Cúco |
Táta |
Grandfather |
Azagaia |
Ongeria, ou Unga |
Licunga |
Tungo, ou Dipa |
Assagai |
|
|
|
|
|
B |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Bala |
Olussolo |
Lússolo |
Chipólo-pólo |
Bullet |
Barba |
Olongêre |
Muezi |
Devo |
Beard |
Barriga |
I'mo |
Zim mo |
Mimba |
Belly |
Bater
(em alguma cousa) |
Tutúra |
Tuta |
Menha, ou Quapúra |
To beat (anything) |
Bater (em
pessôa) |
Ôcu-véta,
ou Ôcufina |
Cu-véta |
|
To beat
(a person) |
Bebado |
Ôó lua |
Culaque úa |
Darêzêra |
Drunkard |
Beber |
Ôcu-nûa |
Cu-nûa |
U-anma |
To drink |
Bem |
Qui ú
ûa |
Bia unpáo |
Abuhino |
Well, good |
Boca |
Oméra |
Camia |
Murômo |
Mouth |
Bocado |
Naito, ou Calito |
Candende |
Chipande |
Mouthful |
Bofes |
Apôvi |
Vicaúla |
Maçápi |
Lungs |
Boi |
Ôngômbe |
Gombe |
Gombi |
Ox |
Bom |
Quiapussôca |
Via viuca |
Adíde |
Good |
Bonito |
Qui ûa |
Via unpáo |
Uâma |
Nice |
Braços |
Ôbócô |
Mavoco |
Zarya |
Arms |
Branco |
I'era |
Utira |
Mozungo |
White |
Brincar |
Ocu-pa-pára, ou Ocu-mangara |
Cu-e-a |
Urunga, ou Sinzéca |
To sport, to play |
Bùfalo |
Ónhani |
Pacassa |
Nhátim |
Buffalo |
|
|
|
|
|
C |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Cabêça |
Ú tué |
Mutué |
Mussôro |
Head |
Cabello |
Ôquissame, ou quigonha |
Zincambo |
Cici |
Hair |
Cabra |
Óhômbo |
Pembe |
Buzi |
Goat |
Cahir |
Ócú-a,
ou Uacupúca |
Unao |
Agua |
To fall |
Calabouço |
Óqui emba |
Não cousta |
Caboco |
Dungeon |
Calar |
Ocu-unáco |
Ó lá |
Iuhamála |
To pull down |
Calcanhar |
Oquissendé
maí |
Sinçino |
Chicocuenho |
The heel |
Calor |
Oúia |
Tui ma |
Calúma |
Heat |
Caminho |
Mongira |
Mouzira |
Gira |
The road |
Cançar |
Ocu-dacava, ou da-puiza |
Cu-dina catara |
Anêta |
To tire |
Cantar |
Ócu-imba |
Cu-imba |
Imba |
To sing |
Cão |
Ombua |
Catari |
Imbua |
Dog |
Caracol |
Eó tio |
Chicore |
Cono |
Snail |
Carne |
Ochito |
I'u cito |
Nhama |
Meat |
Carneiro |
Onque, ou Omeme |
Panga |
Bira |
Mutton |
Casa |
Onjo |
Zunvo |
Nhumba |
House, room |
Casar |
Ocu-cuera, cussocana |
Ocuambata |
Revorar |
To marry |
Cavallo-marinho |
Óngueve |
Gunvo |
Vúo |
Sea-horse |
Cavar |
Ocu-fena |
Cu-inda |
Cumba |
To dig |
Cedo |
Oculimerêa, cut-ungula |
Cume-ue-ca |
Machibési |
Soon, early |
Cimiterio |
Cócálundo, cocár-unga |
Cubi ilo |
Tengi |
Cemetery |
Chamar |
Ocu-cavenga |
Cu-sana |
Uchaméra |
To call, name |
Chave |
Óssapi |
Sapi |
Funguro |
Keg |
Chegar |
Ocu-pitira, ou ocu-sica |
Cu-eta |
Cáfica |
To arrive, reach |
Cheio |
Ocui úca |
Quináçulo |
Azára |
Full |
Cheirar |
Ocu-quinéa |
Cu-nica |
Unca |
To smell |
Chorar |
Ócú-rira |
Cu-rira |
Vhira |
To cry |
Chover |
Ocu-lóca |
Cu-noca |
Vumba-Vula |
To rain |
Chupar |
Ocu-sipa |
Cu-sipa |
Uaama |
To suck |
Chuva |
Ombera |
Mema |
Vura, ou Vula |
Rain |
Cobra |
Ónhóa |
Lunocá |
Nhóca |
Cobra |
Cobre |
Ougúra |
Unengo |
Safure |
Copper |
Coçar |
Ocu-cáia, ou Ocu-súia |
Cu-licura |
Cacózi |
To cook |
Comer |
Ocú-ria |
Cú-ria |
Adia |
To eat |
Como se chama? |
Éri
ú? |
Sobe eia? |
Zina-ráco? |
What is the name? |
Comprar |
Ocu-randa |
Cú-landa |
Ugúra |
To buy |
Comprido |
Ussôuvi, ou Oar-épa |
Ua la há |
Utarimpa |
Long |
Comprimentar |
Óararipó,
ou tua pásoula |
Nainducá |
Dáo, dan Chicó-vera |
To compliment |
Conhecer |
Ócu-cúrina |
|
Uneziva, ou Dezindequira |
To know |
Contar (nùmeros) |
Ocú-tenda |
Cu-barurá |
Verenga |
To count |
Coração |
Utima |
Meutimá |
Metima |
Heart |
Corda |
Ucóro |
Múcóro |
Cambála |
Rope |
Corpo |
É timba |
Muvilá |
Mamingo |
Body |
Correr |
Ocu-iooróca,
ocú-rúpúca |
Cú-tunta |
Ihuvíno |
To run |
Cortar |
Téta, ou Ocu-téta |
Cu-teta |
Tima, ou Guáta |
To cut |
Coser |
Ocu-tunga |
Cu-tunga |
Sóua |
To sew |
Cosinhar |
Ocu-teréca |
Cu-teréca |
Pica |
To cook |
Costas |
Ouhima, ou oud-unda |
Conimmá |
Buió |
Ribs |
Cotovello |
Óvicotocóto |
Manenga |
Cunondo |
The elbow |
Cousa |
Onbandoa |
Chicanda |
|
Thing |
Creança |
Omaren, ou ómóra |
Canique |
Muana |
Child |
Crocodilo |
Ogando |
Gando |
Tuhacôco |
Crocodile |
Cunhado |
Nána |
Nhari |
Murâmo |
Brother-in law |
Curto |
Umbumburo |
Muiki |
Urrecama |
Short |
Cuspo |
Ocussiá |
Cuzecura |
Echenhe |
Spittle |
Custar (a fazer qualquer cousa) |
Ocu-sipondóra |
Quiassere |
|
To cost (time, trouble) |
Custar (preço) |
Ocu-chingame |
Vingahi |
Anénéssa |
To cost(money) |
|
|
|
|
|
D |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Dar |
Ocu-angja ou Ocu-ava |
Cu-avana |
Uanina, ou Di-pacé |
To give |
Dar pancadas |
Ocu-veta |
Cu-veta |
Quâpura |
To thrash |
Dar tiros |
Ocu-loia |
Cu-loia |
Eriza-futi |
To shoot |
Debaixo |
Mombuêro, ou memi |
Cuvanda |
Pansi |
Under |
Dedos |
Omuine |
Minhé |
Minne |
Fingers |
Deixar |
Ocu-êcha |
Hecha |
Dacia |
To leave |
Deixe-ver |
Nenan di varyé |
Nea cuno |
Tiuôna |
Let us see |
|
|
ditare |
|
|
Dentes |
Ovaio |
Mazo |
Manu |
Teeth |
Depois de manhã |
Hêra inha |
Mene auze |
Mecucha |
After to-morrow |
Depressa |
Lombiré |
Tambuca |
Flumira, ou Cu-lumiza |
Quickly |
Desamarrar |
Ocuturura, ou Cutrura |
Cu-situra |
Sizúra |
To unmoor |
Descançar |
Ocúpúrúi
úca |
Cu-nhoca |
Tipuma |
To help, rest |
Descer |
Ocu-túlúca |
Cu-sicunca |
Sica |
To descend |
Desmanchar |
Ócu-sangununa |
Cu-tongouona |
Gúrúra |
To undo |
Despejar |
Ocu-pîçêra |
Cu-tira |
Cutura |
To depart |
Destapar |
Ocu-tuvúra |
Cu-úenra |
Guanura |
To open |
Deos |
Súcu |
Calunga |
Mumugo |
God |
Devagar |
Linganeto |
Ringa udende |
Famba Abúhino |
Slowly |
Dever (verbo) |
Ocu-levára |
Cu-vára |
Mangáva |
To owe, ought |
Dia |
É teque |
Mene |
Uachena |
Day |
Doente |
Ocuvêra |
Cuvera |
Anduálla |
Sick, ill |
Dormir |
Ócupequêra |
Cucossa |
Dagama |
To sleep |
Duro |
Quitine |
Chicars |
Uma |
Hard |
Direito |
Chassungama |
Chinabiuca |
|
Right |
|
|
|
|
|
E |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Elephante |
Ójamba |
Jamba |
Zou |
Elephant |
Embigo |
Óopa |
Timbi |
Chombo |
The navel |
Em-cima |
Qui-iro |
Cuiro |
Pazuro |
Above |
Emprestar |
Ocundica |
Cu-undira |
Buéréca |
To lend |
Encarnado |
Quicussuca |
Litira |
Cafuhira |
Red |
Enchada |
Etemo |
Litemo |
Páza |
Mattock, hoe |
Encher |
Ocu-ioquiça |
Cuçulissa |
Zuza |
To fill |
Encontrar |
Ocu-noaneda, Ocu-toquéca |
Tu-nalinana |
Sangana |
To meet, to find |
Enganar |
Ocu-quemba, Ocu-rianga |
Cu-uanzi |
Anamiza |
To deceive |
Ensinar |
Ocu-longuissa |
Cu-leca |
Neruzi |
To teach |
Entrar |
Ocu-inguina |
Cu-cobera |
Pita |
To enter |
Escolher |
Ocu-mora, Ocu-soló
bóra |
Cu-nona |
Sancura |
To choose |
Esconder |
Ocu-so rama, Ocu-vunda |
Cu-vanda |
Ubíssa |
To hide, conceal |
Escravo |
Upica |
Dungo |
Muzacázi |
Slave |
Escrever |
Ocu-so
négjá |
Cu-soneca |
Nemba |
To write |
Escuro |
Ocu-técanva |
Culava |
Medimna |
Dark |
Esfolar |
Ocui-inva, ou Ocu-tuia |
Cu-va |
Cafende |
To flay, to skin |
Esfregar |
Ocu-çíequeta |
Cu-cuita |
Pecussa |
To rub |
Espelho |
Olomuê-no |
Lumiro |
Chiringueriro |
Mirror |
Esperar |
Ocu-que-vera |
Cu-mané |
Vetéra, ou Chévé |
To hope, expect |
Esperto |
Ocumunguca |
Curunguca |
Uáchengéra |
Expert |
Espingarda |
Uta |
Uta |
Futi |
Gun |
Espinho |
Ossongo, ou equite |
Cauzantua |
Minga |
Thorn, quill |
Esquecer |
Ocuivára, ocurimba |
Cu-suva |
Óduára |
To forget |
Esquerdo |
Epini |
Epini |
Mazere |
Left |
Estar acordado |
Ovanja, ou otara |
Ali mó messo |
Adapeuca |
To be agreed |
Esteira |
Essissa |
Quiaro |
Lupássa |
Mat |
Estender |
Ocuiára |
Cu-ára |
Pambura, ou Eanique |
To spread |
Espalhar |
Ocu-sandura |
Cu-sandora |
" " " |
To scatter |
Estrella |
Ombun gururo |
Ton gonossi |
Nheze |
Star |
|
|
|
|
|
F |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Faca |
Ómôco |
Pôco |
Cisso |
Knife |
Falar |
Ocu-pópia |
Cu-andeca |
Réva |
To speak |
Farinha |
Farinha |
Farinha |
Ufa |
Flour |
Fazer |
Ócu-ringa |
Cu-ringa |
Chita |
To do |
Fechadura |
Fechadura |
Sapi |
Funguro |
A lock |
Fechar |
Ocui-ica |
Soca |
Funga |
To fasten,shut |
Feder |
Qui-nea |
Cu-nica |
Nunca |
To stink |
Feijão |
Óqui-poque |
Vipoque |
Nhemba |
Bean |
Feio (pessôa) |
Uuvin |
Mu pi |
Uaípa |
Ugly (person) |
Feio (bicho) |
Quinve |
Qui pi |
|
Ugly (animal) |
Ferir |
Oavarucua, qui-atua |
Cu-ritúva |
Lássa |
To wound |
Ferro |
Oquiquite, qui-vera |
Butare |
Utári |
Iron |
Figado |
Ómuma |
Suri |
Chirôpa |
The liver |
Filho |
Ómóra |
Muana |
Muana |
Son |
Fio |
Erinha |
Erinha |
Ussálo |
Thread, wire |
Fôgo |
Óndaro |
Tucha |
Môto |
Fire |
Fome |
Ónjára |
Zanza |
Jára |
Scythe |
Formiga |
Ólunginge |
Vazinzi |
Nher[~e]ze |
Ant |
Frecha |
Ussongo |
Mucuri |
Misséve |
Arrow |
Frio |
Ombambi, ou cu-tarára |
Massicá |
Acuzizira, ou Pepo |
Cold |
Fugir |
Ócu-tirar, ou ocu-sutuca |
Cu-teûa |
Tána |
To fly, flee |
Fumo |
Óusssi |
Ussi |
Ussi |
Smoke |
Furtar |
Ócuinhana, ou ocuiba |
Cuiba |
Cuba, ou Uába |
To rob, steal |
|
|
|
|
|
G |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Gallinha |
Ossanje |
Quiari |
Cuco |
Fowl, hen |
Gallo |
Écondombóro |
Demba |
Zongue |
Cock |
Gamela |
Gamella |
|
Diro |
Wooden bowl |
Garganta |
Enguri |
Mirivo |
Cóci |
Throat |
Gordo |
Ocunéta |
Cumina |
Uanénépa |
Fat |
Gordura |
Ócépo,
ou ovirenga |
Mazi |
Futa |
Fatness |
Grande |
Qui-nê-ne |
Chacama |
Mucuro, Puro |
Large, great |
Gritar |
Ocu-rúra, ou ocu-cua |
Gunda |
Cúa |
To cry out |
Grosso |
Chine-ne |
Chaca ma |
Uacúra |
Big |
Guardar |
Ocu-soréca |
Cu-sueca |
Vica |
To keep |
Guerra |
Ovita |
Zintá |
Condo |
War |
|
|
|
|
|
H |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Hôje |
Hê-tare, ou lêro |
Lêro |
Ihêro |
To-day |
Hombros |
Oqui tem, ou oqui pépe |
Quincinze |
Mapè-ua |
Shoulders |
Homem |
Ólume |
Iala |
Mamuna |
Man |
Homem branco |
Óchindére
qui era |
Óchindere-chivenga |
Mozungo |
White man |
Hontem |
Hê-ra |
Izao |
Zuró |
Yesterday |
|
|
|
|
|
I |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Ilha |
Óchicolo, ou Oqui fúca |
Quicolo |
Sua |
Island |
Inveja |
Óqui-púrúro, qui penhe |
Sanda |
Véja |
Envy |
Inverno |
Oudombo |
Luinza |
Mainza |
Winter |
Ir |
Ocu-ende |
Ámaie |
Uaeuda |
To go |
Irmão |
Manjangue |
Muana eto |
Bare |
Brother |
|
|
|
|
|
J |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Joelho |
Ongóro |
Libure |
Mabôudo |
The knee |
Jogo |
Óchi era |
Chiera |
Juga |
Game (sport) |
|
|
|
|
|
L |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Ladrão |
Oqui-múno |
Muizi |
Báva |
Thief |
Lamber |
Ócu-lessa |
Cu-liassa |
Anguta |
To lick |
Largar |
Ócu-echa |
Cu-ana |
Ihéca |
To let go |
Leão |
Oochi, ongue-ama |
Dumba |
Pondóro |
Lion |
Lebre |
Ondimba |
Calumba |
Suro |
Hare |
Leite |
Ávére
ou assengere |
Mavere |
Mocáca |
Milk |
Leito |
Úra |
Muera |
Catadó >(palavra indiatica) |
Bed, bedstead |
Lembrar |
Ócuivaruca,
Ocu-sócórora |
Cuezuoura |
Dinála, ou Cumbuca |
To remember |
Levar |
T'uara |
Tuara |
Tacúra |
To carry |
Leve |
Quirera |
Chirero |
Darúra |
Light (not heavy) |
Limpar |
Ocu-comba |
Cu-comba |
Pecuta |
To cleanse |
Lingua |
Eráca,ou
erímo |
Rimi |
Lelime |
Tongue |
Livre |
Omá
máre |
Muana abara |
Furro |
Free |
Longe |
Cúpana |
Culagjaco |
Patávi |
Far |
Lua |
Ossain |
Gonde |
Mueze |
Moon |
|
|
|
|
|
M |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Macaco |
É-pundo |
Pundo acima |
Coro |
Monkey |
Machado |
Ondiavite |
Gimbo |
Bázo |
Axe |
Madrugada |
Qui-te-que teque |
Qui me ne me ne |
Círachéna |
Dawn |
Mãe |
Maé |
Nana |
Mama |
Mother |
Magro |
Uácopa |
Naocama |
Uonda |
Lean, thin |
Maior |
Qui-nê-ne |
Qui ne ne |
Mucuro. Puro. |
Greater |
Mais |
Chiarua,ou ópo |
Vingui |
Temiza |
More |
Mal |
Chin-in, cachi-uáco |
Cátimoco |
Uadaipa |
Bad, ill |
Mama |
E vêre |
Vero |
Mabeli |
Dug, teat |
Mandar |
Ocu-tuma |
Cu-tuma |
Uatinna |
To order |
Mão |
Ocuóco |
Livoco |
Manja |
Hand |
Marfim |
Ómbinga |
Binga |
Minhanga |
Ivory |
Massa |
Etéte |
|
Sima |
Dough |
Matar |
Ocu-ipa |
Cu-tigja |
Cupa, ou Báia |
To kill |
Mato |
Dipa |
Dicu tigja |
Metungo |
Wood |
Meán |
Ua-tema |
Uacassa |
Uda[-i]pa |
Water-fowl |
Medir |
Ocu-ionga |
Cu-ceté ca |
Pima |
To measure |
Medo |
Óssumba |
Uoma |
Gópa |
Fear |
Meia noute |
Mecondombóro |
Mocatican tiqui |
Pacatepar ussizo |
Midnight |
Meio dia |
Mocati quiro |
Mocati quiero |
|
Noon |
Mel |
Ouiqui |
Úqui |
Uxe |
Honey |
Menor |
Ómbuti |
Canique |
Pangono |
Less |
Menos |
Chitito |
Chidende |
Pangura |
Least |
Mentira |
Óaquemba |
Sanda |
Cúnama |
Lie |
Mentiroso |
Óembi |
Uanzi |
Magunca, ou Bóza |
Lying |
Meter |
I'nhissa |
Cu-cobera |
Paquira |
To put |
Meu |
Chiangue |
Viangue |
Ango |
My |
Milho |
Épungo |
Li pungo |
Mapira |
Maize |
Misturar |
Ocu-tenga |
Cu-singa |
Sequetiza |
To mix |
Moer |
Ocu-para |
Cu-ara |
Póia |
To grind |
Mole |
Quiáren-nhera, ou Oui are freteca |
Chi bo ba |
Feva |
A huge thing |
Molhar |
Qui aríra, ou chai ura |
Cu-zura |
Tota |
To wet |
Morrer |
Uá fa |
Nazir |
Uáfa |
To die |
Mosca |
Orunhi |
Zinzi |
Chenge |
Fly |
Mosquito |
Órua ume |
Tu gue ne gue |
Buibidue |
Mosquito |
|
|
ne |
|
|
Mostrar |
Ócu-requissa vanja |
Gilequesse |
Lenga |
To show |
Muito |
Chárua |
Vingui |
Bseninge |
Very |
Mulhér |
Ucai |
Puebo |
Mucázi |
Woman |
" amigada |
Ucai ocussocana |
Cussomboca |
Rancáia |
Concubine |
" branca |
Ucai-Uiera |
Obuca |
Doua |
White woman |
" mulata |
Ucai-Uomoraóssi |
Utira |
Senhára |
Mulatto |
|
|
|
|
|
N |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Não |
Datti |
Oue |
Ahi-ahi |
No |
Não conhecer |
Sichí |
Cangibizi |
Senaziva |
Not to know |
" poder |
Cachitaba |
Cabite |
Daúmariza-nai |
" to be able |
" querer |
Catui iongóra |
Cabite |
Daçana, ou Dinhônho |
" to wish |
" saber |
Catuchi |
Cangibize |
Senaziva |
" to be aware |
" ter |
Chicûete-cachirípo |
Biagji |
Apâna |
" to have |
Nariz |
Éuhúro |
Zuro |
Puno |
Nose |
Nascer |
Ócu-chita |
Cu-sema |
Uaméra |
To be born |
" do sol |
Ocumbi riatunda |
Pangua riloboca |
Choca-Zua |
To rise (the sun) |
Negar |
Uaricara |
Naribiana |
Aconda |
To deny |
Noite |
Uteque |
Butzqui |
Ussico |
Night |
" clara |
Cúúmbura |
Guezi |
Cuchena |
" (clear) |
" escura |
Uere ma |
Mirima |
|
" (dark) |
Nosso |
Chieto |
Chieto |
|
Our |
Nôvo |
Chacarie |
Biarero |
|
New |
Nuvem |
Érende |
Sé rua |
|
Cloud |
|
|
|
|
|
O |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Offender |
|
Cu-banca |
Daparamura |
To offend |
|
|
|
|
|
P |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Pelle |
Óchipa |
Quilambo |
Pârâme |
Skin |
Pendurar |
Ócu-turica |
Cu-turica |
Manica |
To hang, slope |
Penna |
Énha |
Zigon ná |
Mantenga |
Feather |
Pequeno |
Catito |
Cadende |
Pangouo |
Little |
Perçovejo |
Ólóisso |
Vançanha |
Sequize |
Bug |
Perder |
Ocu-danherissa |
Cu-zimbiessa |
Utáia |
To lose |
Perdiz |
Ouguári |
Coucúé |
Chicuáre |
Partridge |
Perguntar |
Ócu-pura |
Cu-úla |
Vunza |
To ask, inquire |
Pernas |
Ó
bólu |
Mahindi |
Múendo |
Legs |
Perto |
Ochipepi |
Mochechi |
Fupi |
Near |
Pés |
Ó lomain |
Bilhato |
Minhendo |
Feet |
Pescôço |
Óssingo |
Singo |
Cóssi |
Neck |
Pisar |
Ocu-sura |
Cútua |
|
To tread |
Pilão |
Ochine |
Chini |
Banda |
A mortar |
Pintar |
Pintar |
Cu-coronga |
Nunba, ou Namavára |
To draw, paint |
Piolho |
Óloua |
I'na |
Saváva |
A louse |
Polvora |
Tundanga |
Fúndanga |
Ungá |
Powder |
Pombe (bebida) |
Chibombo |
Ualua |
Bádua |
Pombe (drink) |
Pombos |
Ólopomba |
Pomba |
Gangaiva |
Doves |
Pôr |
Capa |
Haca |
Tira |
To put |
Pôr ao sol |
Ongorossi |
Guezi |
|
To expose to the sun |
Porco |
Ongúro |
Gúro |
Incumba |
Pig |
Porta |
Epito |
Pito |
Messua |
Door |
Pouco |
Catito |
Chidende |
Pangôno |
Little |
Povoação |
Óambo |
Limbo |
Muzi |
A village |
Prenhe |
Oe mina |
Ué mita |
Adacùta, ou Anamimba |
Pregnant |
Prêto (cor) |
Otecamea |
Ulava |
Ocupeipa |
Black |
Principiar |
Ocu-fetica |
Cubareca |
Atôma |
To begin |
Pulga |
Pulga |
Puruqua |
Uvavani |
Flea |
|
|
|
|
|
Q |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Quebrar |
Ocu-nepa |
Cu-ana tigji |
Tiora |
To break |
Queimar |
Ocu-atemia |
Cu-ê meca |
Dápsa |
To burn |
Queixar |
Ocu-cassapure |
Cu-cánburure |
Quaquira |
To complain |
Quente |
Chassanha |
Tui ma |
Datenta |
Hot |
Querer |
Ocu-diongola |
Cu-ginachangue |
Funa |
To wish |
Quizumba (fera) |
Qui malanca |
Lissumbo |
Tica |
Quizumba (beast) |
|
|
|
|
|
R |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Raiz |
Óbi |
|
Mizi |
Root |
Rapaz |
Umarem |
Muquezo |
Bixo |
Boy |
Rapar |
Ocu-puta |
Cu-teura |
|
To shave |
Rapariga |
Ucain |
Púebo |
|
Girl |
Rasgar |
Ocu-tóra |
Cu-taora |
Parúra |
To tear |
Rato |
Ómuco |
Tumbi |
Macóso |
Rat |
Rebentar |
Ocu-tocóra |
Cu-baturá |
Dapuquira |
To split |
Receber |
Pambula |
Uá |
Tambira |
To receive |
Rede |
Óuanda |
Uanda |
Uconde |
Net |
Remar |
Ocu-tapura |
Cu-cassa |
Cbápa |
To row, paddle |
Remos |
Ôbipando |
Zingassi |
Gombo |
Oars, paddles |
Repartir |
Teta pocati |
Baturá acati |
Pambura, ou Gáva |
To divide |
Responder |
Ocu-datáva |
Cu-ginatava |
Tavira |
To answer |
Rijo |
Chacoura |
Chinacóro |
Uauma |
Strong |
Rir |
Ocu-iora |
Cu-zora |
Séca |
To laugh |
Rôla |
Onende |
Catere |
Giva |
Turtle-dove |
Rosto |
Ochipara |
Lugjlo |
Cópe |
Face |
Rio |
Olui |
Donga |
|
River |
|
|
|
|
|
S |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Saber |
Dachicurigja |
Nangue Gichizi |
Daziva |
To know |
Sacudir |
Ocu-ritu tu mura |
Licucú múna |
Coucumura |
To shake |
Sahir |
Ocu-tunda |
Loboca |
Chóca |
To go forth, out |
Sal |
Omungua |
Mengua |
Munho |
Salt |
Sangue |
Sonde |
Mau ninga |
Murôpa |
Blood |
Sanguesuga |
Aturi |
Maçumzu |
Sungunu |
Leech |
Saúde |
Omuenho |
Cangunca |
Móio |
Health |
Sede |
Énhoua |
Puila |
Nhóta |
Thirst |
Segurar |
Ocu-ata |
Cu-ata |
Sunga |
To secure, assure |
Semear |
Ocu-cu na |
Cu-cuna |
Cábzára |
To sow |
Serviço |
Upangu |
Bicaracara |
Bássa |
Service |
Seu |
Iro |
Iove |
Anum |
His, her |
Sim |
Sim |
Calungá |
Iude |
Yes |
Só |
America |
I'angue rica |
Eca |
Alone, only |
Sogra |
Datembo |
Netomoeno |
Mábzála |
Mother-in-law |
Sogro |
Datembo |
Tero-moeno |
Tátábzála |
Father-in-law |
Sol |
Utanha |
Mutanha |
Zua |
Sun |
Somno |
Ótulo |
Tuló |
Turo |
Sleep |
Sonho |
Onjôi |
Zouzi |
Vhóta |
Dream |
Subir |
Ocu-londa |
Cu-londa |
Quira |
To climb |
Suspender |
Ocu-turica |
Cu-turia |
Sangica |
To suspend |
|
|
|
|
|
T |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Tabaco |
Acáe |
Macanha |
Fódea |
Tobacco |
Tapar |
Ocu-chitica |
Cu-chitica |
Guanira |
To stop (a gap) |
Ter |
Diquete |
Giuri nabio |
Eripó |
To have |
Terra |
Póssi |
Ma vo |
Mataca |
Earth, land |
Testa |
Opolo |
Luólo |
Cúma |
Forehead |
Teta |
Olussoca |
Zinçoca |
Sombreiro |
Teat, breast |
Tigre |
Ongíré |
I'ugúé |
Nharngué |
Tiger |
Tirar |
Inhaura |
Tentura |
Chóssa |
To draw, pull |
Tocar (mùsica) |
Ocu-chica |
Cu-chica |
Reiza |
To play (music) |
Tolo |
Ua tópa |
Ua-topa |
Uapussa |
Foolish |
Tomar |
Pambula |
Tambula |
Tambira |
To take |
Torcer |
Ocu-passira |
Cu-ossa |
Riza |
To twist |
Tossir |
Ocu-cossora |
Cu-coola |
Chifúa |
To cough |
Travesseiro |
Opeto |
Sátero |
Samiro |
A bolster |
Trazer |
Uena |
Néa |
Zana-aú |
To fetch |
Tripas |
Ovanra |
Mira |
Buió |
Intestines |
Trocar |
Ocu-procar |
Cu-landancana |
Linta |
To barter |
Trovão |
Quiremiro |
Muchato |
Murungo |
Thunder |
|
|
|
|
|
U |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Unha |
Ólonjanra |
Viala |
Chára |
Nail, claw |
|
|
|
|
|
V |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Vae |
Cuende |
Ámaie |
Limuca |
He goes |
Varrer |
Ocu-comba |
Cu-comba |
Chipsaira |
To sweep |
Vasar |
Ocu-peçera |
Cu-zucura |
Cutura |
To empty |
Veio? |
Ueia |
Neza? |
Bueré? |
Is he coming? |
Velho (homem) |
Econgo |
Naculo, ou qui-benzi |
Caramba |
Old (man) |
Velho (cousa) |
Iacuca |
Chinaculo |
|
Old (thing) |
Vender |
Ocu-landa |
Cu-landa |
Ugurissa |
To sell |
Venha |
Euju |
Tuáia |
Buéra |
Come |
Verão |
Ombambi |
Massicá |
Cherimo |
Summer |
Verde |
|
|
Massambadimo |
Green |
Vergonha |
Ossoin |
Soui |
Manhazo |
Shame |
Vestir |
Ocu-rica |
Cu-zara |
Válla |
To dress |
Vida |
Omoenho |
Muóno |
Penia |
Life |
Voar |
Ocu-panranra |
Nacatucá |
Bruca |
To fly |
Voltar |
Tinca |
I'luca |
Buhéréra |
To turn |
|
|
|
|
|
Z |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Zebra |
Oingólo |
Góló |
Bize |
Zebra |
|
|
|
|
|
PRONOMES. |
|
|
|
PRONOUNS. |
|
|
|
|
|
Eu |
Áme |
Iangue |
Iné |
I |
Tu |
Obe |
Íobe |
Iué |
Thou |
Elle |
Ió |
Gue iobe |
Ié |
He |
Nós |
Ét u |
Ié tu |
Ifé |
We |
Vós |
Vóbo |
Tá vovo |
Imué |
You |
Elles |
Vobana |
Tavavazé |
Ii |
They |
|
|
|
|
|
Meu |
Changue |
Changue |
|
My |
Teu |
Chóbe |
Chobe |
|
Thy |
Delle |
Chan-e |
Cho-ú |
|
His |
Nosso |
Chêtu |
Cheto |
|
Our |
Vosso |
Chobo |
Chabo |
|
Your |
Delles |
Chabobo |
Chavazé |
|
Their |
|
|
|
|
|
NÚMEROS. |
|
|
|
NUMBERS. |
|
|
|
|
|
1 |
Moche |
Cossi |
Posse |
1 |
2 |
Vari |
Cari |
Pire |
2 |
3 |
Táto |
Cáto |
Tato |
3 |
4 |
Quana |
Uá na |
Nái |
4 |
5 |
Tano |
Tano |
Cháno |
5 |
6 |
Epando |
Sambano |
Tantáto |
6 |
7 |
" vari |
Sambari |
Chinómue |
7 |
8 |
Echena |
Naque |
Sére |
8 |
9 |
Echerana |
I'ua |
Femba |
9 |
10 |
Ecuin |
Licumi |
Cume |
10 |
11 |
" na mochi |
|
" na moze |
11 |
12 |
" na vari |
|
" na zivire |
12 |
13 |
" na táto |
|
" na táto |
13 |
14 |
" na quana |
|
" zináî |
14 |
15 |
" na tano |
|
" zicháno |
15 |
20 |
Acuin avari |
Ma cumi avari |
Macume a vire |
20 |
21 |
" " la mochi |
|
" " na moze |
21 |
22 |
" " la vari |
|
" " na zivire |
22 |
23 |
" " la táto |
|
" " na zitáto |
23 |
24 |
" " la quana |
|
" " na zináî |
24 |
25 |
" " la tano |
|
" "na zichano |
25 |
30 |
Acuin atáto |
Macu mi atáto |
Macume a táto |
30 |
40 |
Acuim aquana |
" aúana |
" a nái |
40 |
50 |
" tano |
" atano |
" a cháno |
50 |
60 |
" epando |
" ssambano |
" a tantáto |
60 |
70 |
" epando vari |
" ssambari |
" a nómue |
70 |
80 |
" echena |
" naque |
" a sére |
80 |
90 |
" echerana |
" iua |
" a femba |
90 |
100 |
Ochita |
Chita |
Zana |
100 |
1000 |
Ocan rucáe |
" iua |
" ma cume |
1000 |
INDICE.
Adicul, 224
Àgua, falta de, 134, 164, 168
Ambuellas, povos, 95
Antìlopes, 65, 215, 230, 231
Aranhas, venenosas, 231
Ataques, sou atacado traiçoeiramente no Barôze, 26;
nôvo plano, 27
Augusto, o muleque mata um bùfalo, 80;
desapparece, 80;
apparece, depois de roubado, 81;
represalia, 81;
mata um leão, 85
Avestruzes, 217
Bamanguato, 96, 131, 179
Bandeira Portugueza, triumfante de combate, 42
Bangue, para fumar, 29
Baobabs, àrvore colossal, 90
Barôze, no, 1;
aliás Lui ou Unguenge, 1, 2;
historia do, 1;
os, 2;
tribunaes a funccionar, 22, 23;
descripção, 30, 31;
a môsca zê-zê, 37;
visitado por Silva Porto, antes de Livingstone, 38;
o meu acampamento incendiado, 40, 41;
peleja, 41;
effeito das balas nitroglicerina, 41
Basalto, filões basàlticos, 70-72
Basutos, 2
Behrens, M^{r.}, missionario em Betania, 241
Betania, missão de, 240
Betjuanas, 2
Bihé, àguas e terras entre o Bihé e o
Zambeze, 94 e seguintes
Bloemfontein, 249
Böers, acampamento de, 227;
hospitalidade, 229;
costumes, 234 a 238, 241, 242;
historia dos, 243 a 292;
raça crusada com Francezes, 244;
de suas guerras com os indigenas, 246;
sua autonomia reconhecida pêla Inglaterra, 249;
tratado com Portugal, 252
Bombue, ràpidos de, 78
Bompart, Rev^{do.}, 284
Bradshaw, D^{or.}, 118
Brand, Presìdente do Estado do Orange, 251-255
Bùfalo, morto pêlo muleque Augusto, 80;
combate com um leão, 89
Burgers, Francisco, presidente do Transvaal, 256;
sua administração, 258-260
Cabrabassa, 100
Caça, 50, 60, 63, 71, 81, 88, 94, 136;
inconvenientes de caçar feras, 148;
abundancia de, 216
Cães, na caça dos antìlopes, 68
Caiuco, 10, 11, 61
Caiumbuca, desconfio de, 44
Calaari, 162;
ventania reinante, 169
Calungo, papagaio predilecto, 62, 133
Cama, règulo, 185-188;
sua poderosa influencia e prestigio, 189 a 192
Cane, ribeiro, 182
Cangenjes, 2
Cangonha, 29
Canôas, descripção, 68, 69
Capata, bebida fermentada, 9
Carabina, a Carabina d'El-Rei como grande recurso, 64
Carimuque, portador de mensagem de um missionario, 87
Carregadores, abandonam-me, 18;
deserção e roubo, 46;
dificuldades com, 120
Castilho, Augusto, 313
Cataractas de Gonha, 74;
sua descripção, 75;
sua passagem, 75;
de Cale, 77;
de Nambue, 81, 89;
grande cataracta de Mozioatunia, 137 a 145
Catongo, chego ás montanhas de, 43;
phenomeno observado, 45;
junto da povoação de, 85
Catraio, o muleque Catraio, encarregado especialmente dos meus
chronometros, 208, 209
Chacaiombe, D^{or.}, 18
Chibisa, 101
Chibitano, historia de, 1 a 4;
raça mais tarde abastardada, 29
Chicreto, filho e successor de Chibitano 2;
sua decadencia, 14;
opinião de Livingstone a seu respeito, 14
Chicului, rio, 94
Chipopa, acclamado chefe dos Luinas, 15
Chire, magnifico rio, 100
Chiudéres, nome dado a Portuguezes, 18
Chuculumbe, rio, travessia do, 11;
theatro da guerra, 18, 61
Clarke, General, assenhorêa-se do Cabo da B.
Esperança, 245
Cobra, venenosissima, 175
Coillard, missionario Francez, 122;
presta-me importante serviço, 123;
a familia, 124;
impressões intimas pelo alcolhimento recebido,
127, 128;
perdas avultadas por causa de um incendio, 129;
ao encontro de M^{r.} Coillard, 130, 131;
apreste de minha viagem, 131;
narração larga dos serviços
do missionario, 152 a 154
Colenso, Bispo, 310
Cololos, 2
Conflictos, 121
Córa, cabrinha predilecta, 62;
salva dos leões, 85, 133;
morre, 176
Crocodilos, 65
Cuando, rio, 93, 95, 98
Cuchibi, fruto, 80, 94
Cuime, rio, 93
Cuito, rio, 95
Cunha, governador de Moçambique, 313
Deica, encontro-me com a familia Coillard em, 153;
partida de, 159
Deserto de Baines, 163
Dia de Natal, impressões, 178, 179
Dingan, chefe Cafre, 247
Doenças, 9, 51, 53, 77, 79;
em perigo de vida, 82, 128, 160;
grave, 187;
estado grave de Pepeca de e Marianna, 230;
morre Marcolina, 240
Drakensberg, 248
Duprat, Visconde-Plenipotenciario Portuguez em Àfrica, 252
Dupuis, cocheiro no Transvaal, de curiosos precedentes e espirito, 300,
303.
Durban, 259;
em, 308, 310.
Du Val, M^{r.} e Madame, 312
Elefantes, 60, 79;
morto por mim, 79
Elphinstone, Almirante, assenhorêa-se do Cabo de B.
Esperança, 245
Embarira, povoação de, 90;
minha estada em, 116
Escorpiões, enormes, 148
Escravatura, allegações calumniosas com
relação a Portugal, 57, 59, 247
Expedições, expedição Luina
mandada por mim, 28
Exploradores, advertencias a, 59
Gambela, 2;
presidente do conselho no reino de Lui, 3;
figura, 5;
desconfio de, 26, 27;
tem 70 mulheres, 30
Ganguela, idioma, 8
Gatos, 68
Geografia, explicações geogràficas ao
rei Lobossi e seus magnatas, 10
Girafas abundão no Calaari, 223
Gonçalves, Guilherme José, honrado character, 58
Gonin, M^{me.}, esposa de um missionario, 234;
o missionario me presta penhorantes serviços, 229
Goodliffe, M^{r.}, 297
Gricuas, 251, 254
Gross, M^{r.}, photographo, 287;
as mulheres do paiz se recusão a ser
photografadas, 288
Gruneberger, missionario Hollandez, 275;
disturbio causada pela minha gente, 282
Guejuma, kraal de, 131;
chegada e descripção, 132
Heidelberg, 259
Hippopòtamos, 46
Hyenas, 163-181
Itufa, casa na, 67;
como escondem as canôas, 66;
sigo, 69
Jeppe, M^{r.} Frederic, 275
Jôco, rio, 81
Jolivet, Monsenhor, 284
Khama, rei, 96, 154
Kimberley, 252;
jazigos diamantinos, 253
Kish, M^{r.} e familia, 279
Kruger, P., 261
Lanyon, Sir William Owen, sua recepção em
Pretoria, 296
Leões, 71;
morto por mim, 72;
ataque de, 85;
o muleque Augusto mata um, 85;
combate com um buffalo, 89, 147, 224
Leopardo, morto pêlo muleque Augusto, 223
Letlotze, ribeiro, 183;
descripção, 194
Levaillant, sua opinião ácerca dos
Böers, 245
Lexuma, sigo para, 123;
sepultura de dois companheiros de M^{r.} Coillard;
sahida de, 132
Lialui, cidade de, 1;
acampo em, 9, 51
Liambai, rio, 63
Liba, rio, 98
Lilutela, rio, 170
Limpopo, nas margens do, 212, 221, 248
Linianti, 283
Linocanin, 175-181
Livingstone, divirjo da sua geografia quanto ao Alto Zambeze, 98
Lo-Bengula, projecta um ataque contra o Lui, 17;
chefe Zulu, 188
Lobossi, rei do Barôze, 1;
sou recebido pêlo rei, 3;
figura do, 4;
presentes, 5;
conferencia sobre abertura de
communicações, 8, 9;
banda de musica do rei, 14;
exigencias, 19;
intriga contra mim, sou sentenciado á morto, 21;
se retracta, 22;
tribunal em funcções, 23;
manda soccorros, 42;
deseja o segrêdo das balas nitro-glicerinas, 43;
polemica com, 53;
novos protestos, 61
Loengue, rio, não tem cataractas, 10;
quero descer o Loengue, 61
Lorcha, fructo, 80
Lourenço Marques, caminho de ferro com o Transvaal, 258;
razão porque não passei em, 278
Luale, rio, 180
Luchazes, paiz dos, 95
Luena, comitiva vinda da, 60
Lui, reino de, aliás Barôze, 1, 2;
sua organização polìtica, 3;
como fui recebido, 3;
descripção, 30 a 37, 99
Luinas, carnificina, 15;
raça abastardada, 29;
costumes, etc., 30, 31, 32 a 37;
magnifica raça de bois, 37
Lumbé, rio, 76
Lungo-e-ungo, rio, 100, 102
Lusso, 81;
formoso panorama dos rapidos, 81
Lydenburg, 259
Macalacas, 2;
cercados e ameaçados por, 121;
difficultão provisões, 146
Macaricáris, 169;
o grande Macaricari, 172 a 175
Machauana, companheiro de Livingstone, 7;
trato de captival-o, 21;
como lhe devo a vida, 25;
em meu soccorro, 42
Machilla, chego á foz do rio, 88;
descripção do paiz, 88, 89
Machucubiani, rio, 230
Macololos, 2;
raça abastardada, 29
Magalies-berg, serra, 242
Malanca, veio supprir falta absoluta de viveres, 146
Mambares, corrupção de Quimbares, 18
Manuanino, manda decapitar a Gambela, 15;
succéssos, 16, 17
Mapole, fruto, 80
Marianna, a preta Marianna vem avisar-me de plano para me assassinarem,
27, 28
Marico, rio, acampamos junto do, 225, 259
Massaruas, ou
Bushmen,
167, 170
Matagja, ministro no reino de Lui, 6;
oppõe-se á entrada de um missionario,
88
Matebelle, 96;
morte do Capitão Paterson, M^{r.} Sergeant,
M^{r.} Thomas, e outros, em, 179
Mayer, Gabriel, como sou por elle hospedado, 151, 152
Mazungos, 283
Mendonça, Joaquim, 283
Miguel, o caçador de elefantes, 18, 101
Missionarios, 96 a 98, 116;
Eliazar gravemente enfermo, 130, 154;
considerações moraes, 193;
Price, Mackenzie, Eburn, 193, 194, 262, 267
Moangana, povoação, 65;
descripção do chefe, 65;
como sou recebido, 66
Motlamagjanane, 161
Mozi-oa-tunia, cataracta, 100, 131, 136;
etimologia do nome, 138;
descripção, 139 a 145;
comparação com Gonha, 145
Mozungos, nome dado aos brancos, 16
Muacha, ou Nguja, 160
Muanguato, no, 186;
favores recebidos de M^{r.} Benniens, M^{r.} Clark, e M^{r.}
Musson, 199
Mucúas, nome dado aos Inglezes, 18
Mucuri, arbusto que mata a sêde, 149
Muene-Puto, Rei de Portugal, 8
Munari, nome dado a Livingstone, 61
Munutumueno, filho do rei Chipopa, 11;
episodio, depáro com a farda de um antigo
camarada tendo no bolso papeis particulares, 12;
estou com elle, 54
Mutema, paiz de, 81
Mutiquetéra, chefe mandado por Lobossi para me acompanhar,
63, 65
Muzila, chefe dos Vatuas, 187
Muzilicatezi, chefe do Matebelli, 248
Nalólo, povoação governada por uma
mulhér, 64
Nambue, cataracta, 81
Nanguari, 75
Napoleão, principe Francez, homenagem á sua
memoria, 311, 312
Nariere, rio, acampei em suas margens, 64
Nata, rio, 165
Natalia occupada pelos Inglezes, 248
Ngami, lago, 173
Ntuani, rio, 216
Observações scientificas, phenomeno na atmosfera,
45, 46, 61;
divergencia em relação ás
de Livingstone, 98;
por mim feitas, 103 a 112, 165, 206, 218, 224, 316, 317
Omborolo, assassinado, 15
Onda, rio, 93
Ongiris, ou antilopes, 213
Opumbulume, fruto, 80
Orange, Estado Livre de, 249, 250;
Minas, 251
Osborne, M^{r.}, 275
Patametenga, um missionario Inglez em, 52;
kraal de, 147
Paterson, o Capitão Paterson e seus companheiros;
versões relativamente á sua morte, 200
a 202
Pepe, assassinado, 15
Pescaria, em lagoa, 153
Phillips, M^{r.}, sertanejo Inglez, 124, 160
Pico Botes, 248
Pietermaritzburgo, conflicto entre os Boërs e os Inglezes, 248
Pieter Retief, chefe de Böers, 246
Pilands Berg, 232
Potchefstroom, 259
Pretoria, a caminho de, 204;
chego a 242, 259;
minha estada em, 269;
recebo offerecimentes do governador do Cabo, do consul de
Portugal, e outros, 277;
descripção, 285;
alarme bellico em, 289
Pretorius, Adriam, 247-250
Prôto, nome porque he conhecido, pelos indigenos, Silva
Porto, 58
Provisões, 65, 138, 146
Queimbo, rio, 94
Quetei, rio, 230
Quimbandes, 95
Quimbares, 18
Quimbundo, 18
Quiôcos, ou Quibôcos, 95
Ràpidos, de Bombue, 78;
do Lusso, 81;
diversos, 82, 83
Recursos, acho-me desertado pela minha comitiva, roubado, e
sem recursos, 48;
fabrico ballas do chumbo tirado ás redes, 49, 51
Rhinoceronte, 222
Risseck, D^{or.}, 275
Rustemburg, 259
Sauders, Capitão, 275
Selous, M^{r.}, ousado caçador Inglez, 283
Semalembue, 101
Sepulturas de cinco Inglezes, 151
Settequane, 180
Sezuto, idioma, 8
Shepstone, Sir Theophilus, 258, 261
Silva Porto, 9;
traição dos muleques de, 56;
seu honrado character, 58
Simoane, ribeiro, 170
Sioma, acampámos na aldêa de, 73
Siróque, Macololo audaz, 16;
assassinado em Mutambanja, 17
Snell, consul Portuguez, 308, 311
Stanley, sem ser o celebre viajante Americano, 185;
fazendeiro do Transvaal, 187, 205;
recusa-se a seguir até Pretoria, 226
Strickland, General, 307
Swart, M^{r.}, thesoureiro no Transvaal, 269;
obsequios delle recebidos, 270
Tala Mugongo, 18
Tamafupa, lagoa, 160
Tamazeze, 160
Taylor, M^{r.}, negociante no Manguato, 196;
penhorantes obsequios e serviços de, 197, 199;
despeço-me de, 203, 204
Termites, trabalhando ao ar livre, 136, 222
Tlala Mabelli, 177
Tlassam, ribeiro, 175
Transvaal, no, 235;
descripção, 236, 238;
historia de, 243 a 292;
minas, 251;
annexação, 255;
via ferrea com Lourenço Marques, 258;
descripção, 300
Trovoadas, 134, 137, 213
Tyler, 275, 281
Uanhis, pygargos gigantescos, 85, 86
Ungenge, reino de, aliás Barôze, 1, 2
Vagom, para viajar em Àfrica, 158, 200, 201;
atravessam o rio, 219
Van Levetzow, Baroneza, 280
Van Riebeck, D^{or.}, primeira feitoria fundada no Cabo da B.
Esperança, 243
Vatuas, on Landins, 187
Verissimo, tramo com elle, por segurança minha, 38;
doente gravemente, 131
Volksraad, assemblea nacional, 256
Walsh, Alexandre, 118
Wanderboom, arvore sagrada, 297
Waterboer, 251
Waterfalls, 299
Watley, M^{r.} Watley e M^{r.} Davis sam os primeiros
a cumprimentarem-me pêla minha viagem, 220
Westbeech, aldeas de M^{r.}, 124
Xoxom ou Shoshong, 187;
partida de, 203
Zaire, rio, 93
Zambeze, navegavel de Cariba ao Zumbo, 10;
no Zambeze, 39;
preparativos para descêr o, 62;
nas margens do, 71, 74;
descripção, 76, 82;
em perigo nos ràpidos, 83, 84;
do Bihe ao curso superior do Zambeze, 92 e seguintes;
do alto Zambeze, 98, 99;
curso do alto, 98;
descripção do valle, 99;
miasmas, 99
Zebra, matei uma, 88;
optimo alimento, 89
Zuikerbosch-Rang, 298
Zulus ou Matabeles, 188, 248, 289
Zumbo, abrir o caminho do, 9, 131
Zoutpansberg, 223
FIM.
LONDRES:
NA TYPOGRAPHIA DE GUILHERME CLOWES E FILHOS (COMPANHIA LIMITADA).
STAMFORD STREET E CHARING CROSS
Notas:
[
1]
Noticias do Lui que ja recebi na
Europa, umas mandadas por o D^{or.} Bradshaw, outras vindas do
Bihé, dizem-me, que os Luinas,
depois da minha estada entre elles, sofréram um cruel ataque
de umas
tribus do N.E., que o D^{or.} Bradshaw chama Ma Kupi-Kupi. Depois
d'isso, Lobossi mandara matar o Gambela, Machauana, e o joven
Munutumueno, filho do rei Chipopa. Corria ha pouco no Bihé,
que o rei Lobossi tinha
sido assassinado, e ja ali havia outro soberano, que as
ùltimas
noticias do sertão, de fonte pouco segura, diziam ser o
proprio
Manuanino.
[
2]
Esta
expedição Luina mandada por mim, chegou
a Benguella, onde foi muito bem recebida pêlo Governador
Pereira de Mello, e
pêlo côrpo commercial da cidade, sôbre
tudo por Silva Porto, que
empregáram tôdos os esfôrços
para os animarem a voltar ali em
viagens de tràfico. Esta tentativa minha, a que em Benguella
déram alguma
importancia, passou quasi desapercebida na Metròpoli.
É contudo, se
é importante que o Europeo vá levar o commercio
aos paizes do interior,
é mais importante ainda, para o tràfico e para a
civilização, fazer com que o indìgena
venha negociar ás feitorias da costa.
[
3]
Silva Porto, em 1849.
[
4]
Fui mao propheta. Monotumueno
foi assassinado pêlo rei
Lobossi em Dezembro de 1879.
[
5]
Esta bala e algumas garras da
enorme fera, fôram
offerecidas a Sua Magestade El-Rei, o Senhor D. Luiz 1^o.
[
6]
Quatro jardas de fazenda ali
valem 8 xelins, pois sam reputadas a 2 xelins a jarda.
[
7]
Mabelli é massambala,
ou
Sorghum.
[
8]
Consta hoje que Lo-Bengula
esposou uma irmã de Muzila, e
que por esse facto se tornáram alliados. Esta
alliança
pode trazer graves complicações ao futuro
desenvolvimento colonial
da Àfrica do Sul.
[
9]
O autor, n'este
perìodo, refere-se a um trecho de poesia
do Poema "D. Jayme," de Thomas Ribeiro, intitulado "
As
Flôres
d'Alma," e particularmente
ás tres seguintes quadras:
"Embora ao êrmo, a divagar sòzinho,
Côrra o mesquinho por amor trahido;
Quando o remorso lhe não turbe a calma,
Nas
flôres d'alma
hade encontrar
olvido.
Naufrago, lasso, a sossobrar nas vagas,
Sem ver as plagas, ônde almeja um pôrto,
Embora o matem cruciantes dôres,
D'
alma nas flôres
achará confôrto.
O pobre monje, que de pé descalço
De um mundo falso os areáes percorre,
Quando lhe entregam do martyrio a palma,
Ás
flôres
d'alma se
encomenda e morre."
[
10]
Os Matebelles sam Zulos.
[
11]
Effectivamente, a maior parte
das pelles da innùmera
caça que matei então, chegou a Portugal, e
só perdi algumas que
cahiram ao mar, em Durban.
[
12]
Muitas d'estas pennas
fôram offerecidas por o
autôr a Sua Magestade El-Rei D. Luiz.
[
13]
Sempre que o autôr
fala em Hollandezes, entende por isso
os filhos da Hollanda, e não os Böers de qualquer
dos Estados.
[
14]
Hôje Coronel Tyler,
que vive no seu palacio de Lynstead,
em Sittingbourne (Kent).
[
15]
Hôje General Sir
Evelyn Wood, K.C.B.
[
16]
C.B.
Cavalheiro do Banho.
[
17]
A
Victoria Cross
é a mais nobre
condecoração da Inglaterra, e so é
dada por uma acção de extremado
valor em campo de batalha.